QUESTÕES DE LINGUAGEM MÉDICA FAMILIAR OU FAMÍLIA E PACIENTE OU DOENTE Simônides Bacelar* Familiar Relativo à família. Por extensão, pessoa pertencente a uma família, consanguíneo ou não, no caso, do indivíduo assistido pelo médico. Do latim familia, conjunto de escravos e servidores que viviam sob um mesmo teto, os domésticos; de famulus, submisso, obediente; servidor, escravo. Por extensão passou a designar pessoas de uma casa: mater familias, a mãe, filii et filiae familias, filhos e filhas, servi, servos, todos dependentes e obedientes ao pater familias, o pai. Passou a designar conjunto de pessoas com o mesmo nome que, pelos varões, se ligavam ao antepassado comum.1 Em português, como família, tais significações passaram como pessoas de que se compõe a casa, propriamente os subordinados ao chefe que assume o pátrio poder ou pai de família, também parentes e aliados; já se consignava familiar como sinônimo de pessoa da família,2 acepções que perduram até os dias atuais e, por extensão, analogia ou como termo figurativo, outras acepções se juntaram. O Houaiss3 averba família como grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto, especialmente o pai, a mãe e os filhos; grupo de pessoas que têm uma ancestralidade comum ou que provêm de um mesmo tronco; pessoas ligadas entre si pelo casamento e pela filiação ou, excepcionalmente, pela adoção. Em sentido figurado, grupo de pessoas unidas por mesmas convicções ou interesses ou que advêm de um mesmo lugar. Grupo de coisas com propriedades ou características prosaicas. O termo familiar é mais adotado em lugar de membro ou pessoa da família na linguagem geral. Ocorrem observações de cultores do bom estilo de redação contrárias a esse uso no estilo culto, que é oportuno conhecer. Em alusão aos pacientes, é mais adequado e usual expressar parente(s), pessoa(s) ou membro(s) da família ou família. Quando a referência for a consaguíneos, se, por exemplo, tratar-se de hereditariedade de afecções, melhor usar parentes, uma vez que familiar refere-se a qualquer pessoa da família parentes ou não. Ainda mais exato será dizer parentes consangüíneos, uma vez que também se usa parente em referência a pessoas ligadas à família por aliança, adoção, ou parente por afinidade.4 O termo familiar deve ser empregado como adjetivo, sua função em essência,5 apesar de ser também registrado como substantivo nos dicionários. “Prefira parentes, mais usual”.6 De mais a mais, tal termo parece ter sentido rebuscado e inadequado no trato com o doente em relação aos outros nomes. Dizer: “O Sr. deve comunicar sua alta aos seus familiares” é mais formal ou cerimonioso que: O Sr. deve comunicar sua alta à sua família (ou: a seus perentes). É preciso lembrar, todavia, que um familiar pode não ser parente em sua concepção habitual de membro consanguineo, o que pode causar ambiguidade. Comumente familiares, habitualmente usado no plural, é nome que abrange os membros participantes da família, sejam consanguíneos ou não. Do ponto de vista gramatical normativo, é atitude preferencial usar cada termo de acordo com sua classe gramatical. Por esse contexto, usa-se familiar, de preferência, como adjetivo: conduta familiar, relações familiares, teto familiar. De acordo com a norma linguística, o povo é o verdadeiro dono do idioma, de modo que o uso de adjetivo por substantivo, de verbo por adjetivo, de substantivo por preposição é legítimo pelo seu uso na linguagem geral. A questão torna-se, então, opcional. Para os que optam por se esquivar de questionamentos, o uso de família, parentes, membro da família e termos equivalentes pode ser útil. Paciente Em medicina, diz-se do indivíduo doente ou indivíduo que está sob cuidados médicos. Consagrou-se o termo paciente para indicar as pessoas que recebem cuidados de profissionais da área assistencial. Como padrão, é bom termo, pois doente ou enfermo são denominações que podem deprimir o assistido se usadas de modo sistemático. No entanto, em redação e estilo, a repetição rotineira em um mesmo texto é desaconselhável, pois se pondera como imperfeição redacional o uso repetitivo de um termo em todo o texto, exceto se não houver outras opções. No presente caso, pode-se também usar doente, enfermo, assistido, inválido, deficiente, portador de, valetudinário, indivíduo, pessoa, internado, adoentado, sujeito, acamado, operado, queixoso, vítima, cliente, usuário. Cliente é nome amiúde adotado em referência a pacientes particulares, embora, em sentido amplo, tenha conotação comercial, situação contestável na relação médico-paciente. É razoável, também, referir-se ao paciente jovem como criança, menino/a, lactente, prematuro, recém-nascido, homem, mulher, idoso. Em Medicina, paciente não significa propriamente pessoa que tem paciência, apesar da justificável comparação. Indica, essencialmente, aquele que sofre, por extensão, pessoa que está sob cuidados médicos. Do latim patiens, patientis, que sofre, que suporta, particípio presente do verbo pati, sofrer, daí, suportar, aturar, conexo com permitir, consentir. O Aurélio7 e outros bons dicionários trazem resignado, conformado, como primeiro sentido, seguido de aquele que espera serenamente um resultado, tranqüilo, condições não aplicáveis a pessoas doentes, cujo estado psíquico denota o contrário, isto é anseia por pronto atendimento e estão angustiadas. Por sua definição consagrada, é questionável aludir-se a indivíduos sadios como pacientes, em referência a ações médicas de cunho preventivo ou de outra natureza, uso contrário ao que se registra nos dicionários, inclusos os de termos médicos. Uma pessoa sadia em que se aplica uma vacina, não se caracteriza como paciente do ponto de vista médico. Se assim fosse, haveria motivos para ambiguidades à menção do nome paciente. Acrescenta-se que é questionável denominar um paciente de caso, pois, frequentemente, caso designa uma doença e, nesse ponto, um doente pode ter mais de uma enfermidade, o que acarretaria ambiguidade. Paciente como tradução e uso tem frequentemente influência do inglês patient. É comum talvez por essa influência o uso praticamente, apenas, desse termo nos artigos médicos no País e mesmo em todo um livro, o francês malade e o alemão Kranke estão perdendo terreno para patient.8 Em inglês, pouco se usam sick person ou ill person.8 De todo o exposto, indica-se que é de bom estilo redacional evitar repetições de nomes em um texto, a menos que seja o único disponível, caso de muita raridade, tendo em vista a riqueza de recursos lexicais do idioma português. Referências 1. Ferreira A. Gomes. Dicionário de Latim-Português, Porto, Portugal: Porto Editora; 1996. 2. Silva AM. Diccionario da Língua Portugueza, Lisboa: Typographia Lacérdina; 1813. 3. Houaiss A, Salles VM, Franco FMM. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1.a Ed., Rio de Janeiro: Objetiva; 2001. 4. Larousse cultural. Dicionário da Língua Portuguesa, São Paulo: Nova Cultural; 1993. 5. Castro M. A Imprensa e o Caos na Ortografia, Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record; 1998. 6. Martins filho EL. O Estado de São Paulo, Manual de Redação e Estilo, 3.a ed., São Paulo: Moderna; 1997. 7. Ferreira ABH, Fferreira MB, Anjos M. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 3.ª ed. atualizada, 1.ª impressão, Curitiba: Ed. Positivo; 2004. 8. Navarro FA. Diccionario crítico de dudas inglês-español de medicina, quinta reimpressão, Madrid: McGrawHill e Interamericana de España; 2003. Médico, Docente e Coordenador da disciplina Bioética, Curso de Medicina, Faculdades Integradas da União Educacional Planalto Central, DF