Título: O Cinema Sociológico de Glauber Rocha Autor: Humberto

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Título: O Cinema Sociológico de Glauber Rocha
Autor: Humberto Alves Silva Junior
País: Brasil
Instituição: Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Resumo: O cineasta Glauber Rocha realizou um cinema político que estava
estreitamente relacionado com a realidade social do Brasil e da América Latina
abordando seus problemas seculares de fome, miséria e pobreza. Mesmo na estética dos
filmes há uma relação intrínseca entre a linguagem cinematográfica e os temas
abordados. Neste trabalho apresento algumas características de um cinema que pode se
classificado como sociológico. Os aspectos técnicos, temáticos, artísticos, e políticos
dos filmes de ficção de Glauber Rocha são relacionados com problemas sociais
frequentemente abordados pelas ciências sociais. O cineasta ao longo de toda a sua vida
afirmou que as ciências sociais eram um dos principais pontos de partida de seus filmes.
A investigação científica para Glauber era fundamental para analisar a realidade
contemporânea e um dos objetivos de seu cinema era o de atuar ao lado das análises de
teóricos sociais como Euclides da Cunha e Caio Prado Junior, dentre outros.
A vida social de uma comunidade de pescadores no Litoral Norte da Bahia,
representada por Glauber Rocha em Barravento (1961) aponta as principais
características de um estilo cinematográfico que perduraria toda a carreira do cineasta,
um cinema de preocupações políticas que pretendia intervir na realidade e que em
grande parte se nutria das ciências sociais como uma fonte de conhecimento confiável
para a elaboração do discurso fílmico. Neste filme, por exemplo, além de ser uma obra manifesto que aponta para a luta de classes, apresenta elementos culturais da região
como os rituais da religião do Candomblé, a capoeira, a roda de samba e outros aspectos
que mostram os costumes de uma determinada localidade.
A representação de costumes e hábitos supostamente considerados brasileiros e
latino-americanos é uma tendência visível, em quase todos os seus filmes de ficção de
Glauber Rocha, principalmente os da década de 1960. Este viés por si só proporciona
uma abordagem sociológica de sua obra fílmica, a sucessão de personagens que
perpassam filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e o Dragão da Maldade
contra o Santo Guerreiro (1969) refiguram o sertão do Nordeste brasileiro, o cangaço,
os movimentos messiânicos, os jagunços, os latifundiários, os vaqueiros. Temas
abordados por autores como Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Celso Furtado e de
precursores da sociologia no Brasil como Euclides da Cunha em Os Sertões.
Glauber se apropria de temas sobre a realidade brasileira abordados por autores
das ciências humanas do Brasil. O cineasta em seus depoimentos em artigos, cartas e
entrevistas confirma a presença da sociologia e da antropologia em seus filmes:
1
Então o que nós do Cinema Novo propúnhamos era o seguinte; vamos
tentar, dentro dos instrumentos que nós temos, quer dizer, com o
conhecimento que temos no Brasil (...) era um pouco de Ciências
Sociais, um pouco de literatura, um pouco de informações
internacionais, ver como é que funciona esta colônia. Esta colônia,
como todas da América Latina, é também um problema de índios, de
pretos, de marginais, de burguesia cafajeste. (apud GERBER,1977,
p.99).
Glauber realizou um cinema que estava imbricado com a realidade social do
Brasil e da América Latina abordando seus problemas de fome, miséria e pobreza
seculares. Mesmo na estética dos filmes há uma relação intrínseca entre a linguagem
cinematográfica e os temas abordados. As deficiências técnicas dos filmes por conta do
baixo orçamento foram assumidas e serviram também para mostrar que os defeitos da
imagem eram produtos das relações sociais de pobreza do continente.
Ao constatar a presença constante de temas relacionados aos problemas
levantados pelas ciências sociais no cinema de ficção de Glauber Rocha, retomamos o
conceito de Roger Bastide de “estética sociológica”. O conceito formulado pelo
pesquisador francês, explica que o termo abarca as variáveis possíveis em uma pesquisa
social sobre a arte, desde a estrutura econômica para produção, passando pela classe
social do artista, pelas instituições e pelos estilos, confluindo para a análise sociológica
da arte. A redefinição do conceito na proposta atual se refere à leitura da realidade
social realizada a partir da obra artística, no caso específico, pela obra escrita e
cinematográfica de Glauber Rocha. O cineasta ao longo de toda a sua vida, como vimos,
afirmou que as ciências sociais eram um dos principais pontos de partida de seus filmes.
Em Glauber Rocha compreendo a estética sociológica partindo do pressuposto
que o conjunto da sua obra fílmica, literária e jornalística propõe efetivamente um modo
de analisar a realidade do Brasil e da América Latina em consonância com o seu tempo.
Para abordar a estética sociológica de Glauber Rocha, fundamentamos a
pesquisa a partir do instrumental teórico da sociologia da arte, que possui como um dos
objetivos o estudo da relação da obra artística com a realidade social. Entendemos a
sociologia da arte como um segmento da sociologia que trata das relações sociais a
partir dos fenômenos artísticos, seja da sua criação, difusão ou da apreciação pelo
público. A pesquisa em sociologia da arte observa o modo como se configura as
representações sociais por intermédio da expressão artística e da relação da arte com as
instituições políticas e econômicas. Independente do fato da obra ser um produto da arte
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clássica ou da indústria cultural é possível aproximar-se por meio dessas obras do
conteúdo da própria realidade social representada, pois elas apresentam elementos
simbólicos de uma sociedade determinada. Por isso, em uma análise sociológica
direciona-se a investigação para a integralidade de seus componentes, assim a estética é
percebida não como um valor particular atribuído à obra de arte, mas como a solução
encontrada pelo seu criador para configurar através de sua subjetividade as relações
sociais concretas.
A definição do objeto imediatamente se coaduna com o conceito marxista de
ideologia, termo que aponta a infraestrutura econômica como condicionante das
representações coletivas, a partir da compreensão de que o modo de produção da vida
material condiciona o processo da vida política, social e intelectual. As obras de arte
desvelariam as formas superestruturais da sociedade, facultando a apreensão dos
próprios mecanismos sociais. Nesses termos é importante perceber que a ideologia aqui
colocada não possui apenas sua “hermenêutica negativista” – o de manipular um grande
contingente de pessoas, mas inclui o outro lado, qual seja o de transpor a média dos
desejos coletivos (JAMESON, 1992).
A ideologia presente nas obras artísticas deixa transparecer idéias, desejos e
crenças coletivas expressas por meio imaginário-simbólico, as obras condensam essas
perspectivas; toda arte denota as necessidades e as aspirações da época em que nasce
(FRANCASTEL, 1993), através dessa significação pode-se compreender a realidade
social.
Entretanto, o próprio Marx observa que a configuração de alguns elementos
superestruturais apresenta ritmo próprio em relação à base material da sociedade, como
é o caso das produções artísticas. Por essa razão, teóricos marxistas estabelecem uma
série de mediações entre os dois níveis, com vista a apreender a singularidade do
fenômeno artístico.
Na tentativa de fundamentar a sociologia da arte, partindo de contribuições
anteriores, Roger Bastide cita um autor fundamental na elaboração do objeto da
sociologia da arte, Charles Lalo (1921) que apontou para outros fatores que concorrem
para a apreensão do fenômeno estético, explicando que a arte, além de ser uma
expressão direta das condições sociais, pode indicar: a) uma técnica para esquecer, ou
seja, um meio escapista de negação da realidade social; b) uma reação contra a
sociedade, nesse sentido expressa um desejo de contestação da ordem estabelecida. A
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partir dessas observações, Bastide afirma certa independência da “consciência estética”
coletiva em relação à sociedade, essa consciência segue um ritmo próprio que nem
sempre coincide com o desenvolvimento dos grupos particulares. Essas considerações
apontam para o fato que a “consciência estética” é coletiva e pode ou não acompanhar o
desenvolvimento das representações coletivas gerais, pois a arte é determinada segundo
o tempo necessário do artista,
Que o artista toma parte ativa na vida social, que sofre sua atração, a
impulsão ou a dura necessidade, não podemos de maneira alguma
negar. Mas ele é, antes de tudo, habitante do mundo das formas onde
vive mergulhado, onde até certo ponto é o deus criador (APUD
BASTIDE, p.29)
A relativa independência da esfera artística não significa total falta de liame com
a esfera social, pelo contrário, a primeira comumente se estabelece e se relaciona com a
segunda. Por outro lado, o ritmo dessa consciência estética, apesar da relativa
autonomia e de forçosamente não coincidir com os outros grupos sociais, políticos,
religiosos ou econômicos, também segue um ritmo que lhe é próprio, mas, que não
deixa de ser coletivo e por isso está também relacionado com a estrutura social. O que
demonstra a existência da inter-relação entre a arte e a sociedade a partir de duas
estruturas: a sociedade em geral e a esfera artística, as duas se amalgamando e se
distinguindo no condicionamento do fazer artístico, contudo, as duas são dependentes
de uma articulação coletiva.
Essas considerações sobre a arte e suas imbricações com a sociedade fazem com
que Roger Bastide reconheça a importância da pesquisa social no âmbito da arte. Para o
autor tanto os fatos anestéticos (o âmbito coisista da obra: a influencia da família, da
organização política, da divisão do trabalho, etc.), quanto os fatos estéticos
propriamente ditos (os que tratam dos caracteres específicos da arte, como a apreciação
e a definição do belo e a discussão sobre a forma) apontam essa necessidade. Para
Bastide esses eram os aspectos a serem considerados ao abordar o objeto e o alicerce do
estudo da sociologia da arte, o qual denominava de “estética sociológica”. Ele tenta,
com esse conceito, abarcar as variáveis possíveis em uma pesquisa social sobre o fazer
artístico, desde a estrutura macroeconômica, passando pela classe social do artista, pelas
instituições, pelos estilos, confluindo para a análise de uma dimensão própria da arte,
onde o artista exerce o seu poder de transcendência.
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Partindo desse conceito proposto por Roger Bastide, fazemos uma releitura da
sua acepção original com o fito de analisar a obra cinematográfica e os escritos do
diretor Glauber Rocha nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Partindo do método da
“estética sociológica”, podemos observar o modo como o conjunto da obra glauberiana
compreende a realidade política, econômica e social brasileira e latino-americana do
período citado. Se o conceito de “estética sociológica” aponta para os processos sociais
que formam as representações do artista e do mesmo modo aponta como a “arte
instituição” é ela mesma também produtora de representações; a redefinição do conceito
na proposta atual se refere à leitura da realidade social realizada pela arte, no caso
específico, pela obra de Glauber Rocha, que como afirma o próprio cineasta
fundamenta-se em parte nas ciências sociais, nas ciências históricas e na filosofia.
A intenção de fazer do cinema uma expressão na qual a estética não aparecesse
como pura forma, mas também que fizesse uma reflexão de cunho histórico e
sociológico fica evidenciado em suas palavras quando revela os motivos que o levaram
a realizar o seu cinema sociológico em Deus e o Diabo na Terra do Sol:
Alguns de nós procuraram realizar filmes não segundo um desenho
poético abstrato e perene, mas sim em relação à situação sóciobrasileira e às suas mutações (ROCHA, 1981, p.141)
O exercício teórico em Glauber está presente na sua obra cinematográfica, pois
os seus filmes são sínteses das questões sociais e teóricas discutidas em sua época, tais
como o subdesenvolvimento, terceiro mundo, forças revolucionárias etc. Nessa
perspectiva ele tentava como o cinema acompanhar o esforço de pensadores,
historiadores, economistas e cientistas sociais como Euclides da Cunha, Paulo Prado,
Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, e Celso Furtado. Tal como
esses intelectuais, Glauber também estava empenhado em analisar a história brasileira,
abarcando a colônia, o império e a república. É lícito estender a Glauber a análise que
Octávio Ianni faz em relação a esses intelectuais preocupados com a questão social:
(…) estão interessados em explicar ou inventar como se
forma e transforma a nação, quais as suas forças sociais, seus valores
culturais, tradições, heróis, santos, monumentos, ruínas. Preocupam-se
com o significado das diversidades regionais, étnicas, ou raciais ou
culturais, além das sociais, econômicas e políticas. (…) Procuram as
desigualdades regionais, raciais e outras na natureza e na história
passada. Inquietam-se com o fato de que a maior nação católica do
mundo flutua sobre a religiosidade afro e indígena (…). Debruçam-se
sobre o passado próximo e remoto, buscando raízes nos séculos
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de escravatura. Atravessam o Mar Atlântico para encontrar as origens
lusitanas, africanas, européias. (IANNI, 1996, p.27).
Como base naqueles teóricos, Glauber pretendia reinterpretar a história do Brasil
e da América Latina, explicar o presente e fazer projeções sobre o futuro; visava
alcançar esta meta com a produção de livros, artigos na imprensa gera e especializada,
através da televisão (participou de um programa jornalístico na Rede Tupi de Televisão,
Abertura entre 1979 e 1980) e principalmente através da prática cinematográfica, o
cinema foi a expressão artística escolhida pelo cineasta para analisar a realidade social e
onde a sua estética foi elaborada, deste modo Glauber constrói um cinema sociológico.
Glauber via no cinema uma expressão de grande capacidade informativa,
podendo atingir o espectador pela sensação, pela razão e pelo inconsciente: “O cinema é
uma arte tão poderosa que a realidade de um país pode ser aceita e evocada
literariamente, mas raramente é concretizada cinematograficamente” (ROCHA, 1981, p.
201). Por isto, esforçava-se em (re) criar imagens sobre o Brasil subdesenvolvido
visando analisar a sua configuração político-socioeconômica, bem como sobre a
América Latina. Glauber parte dessas grandes sínteses historiográficas para
compreender o presente e lançar um olhar para os problemas brasileiros e latinoamericanos. Como também propõe aliar a função de artista e de crítico social ao
engajamento político:
A nova cultura revolucionária, revolução em si no momento em que
criar é revolucionar, em que criar é agir tanto no campo da arte quanto
no campo político e militar é o resultado de uma revolução culturalhistórica concretizando-se, no mesmo complexo, História e Cultura.
(ROCHA,1981, p.67).
Concomitantemente à sua obra, inserida no movimento do Cinema Novo
brasileiro, o diretor pretendia renovar a linguagem cinematográfica brasileira,
inspirando-se nas inovações estilísticas da Nouvelle vague e do Neo-realismo, Glauber e
os outros integrante do grupo Cinema Novo tentaram traduzir os temas brasileiros
abordados na tela por meio de uma estética original e com a pretensão de ser
autenticamente nacional, essa estética teria alguns elementos da própria situação
precária dos países subdesenvolvidos, que poderia ser expressa, por exemplo, com a
utilização da câmera na mão e a explicitação das deficiências técnicas no filme.
A recusa da sofisticação se reflete na linguagem e esta última se
produz no corpo-a-corpo com a experiência em foco- a câmera na mão
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torna-se um traço típico do Cinema Novo, criando novas estratégias
de encenação e de montagem. A ruptura com a linguagem do cinema
industrial - continuidade, apuro técnico, equilíbrio- abre caminho à
transformação da pobreza dos meios em invenção estilística (apud
FIGUEROA)
Inserida no debate nacionalista do período (décadas de 1950/1960), o novo
cinema proposto por Glauber deveria cria uma linguagem “terceiromundista”, que
fizesse, portanto, oposição ao cinema bem definido tecnicamente, que tinha como
modelo Hollywood, representante das grandes potências econômicas, segunda a visão
dos integrantes do Cinema Novo. Assumir a deficiência técnica e o baixo orçamento
deixa de ser apenas um elemento de um cinema precário, para ser uma forma de
denúncia das condições materiais dos filmes e do país onde eram produzidos,
formulando, assim, uma nova estética. Por outro lado, Glauber defendia que os seus
filmes necessariamente versassem sobre a problemática do subdesenvolvimento,
abordando questões do neo-colonialismo, do índio, do negro e da fome; temas que
deveriam ser colocados pelo cinema para difundir o debate político na sociedade. A
proposta de Glauber teria, portanto, um interesse pedagógico, tanto no sentido de
colocar os espectadores em contato com as mazelas do subdesenvolvimento e despertar
a sua indignação, quanto no sentido de criar no público uma ligação mais visceral com a
cinematografia local. Criando o hábito, não apenas o de assistir, mas o de sentir
organicamente que aquilo que é refigurado diz respeito a ele: as suas esperanças, medos
e ideias.
Para alcançar um outro tipo de representação fílmica, contrária à cinematografia
dominante, e que fosse originalmente brasileira, tanto na forma, quanto no conteúdo,
Glauber elabora seu filme a partir de alegorias, a exemplo de alguns dos supostos
símbolos nacionais (o malandro, o cangaceiro, o beato, o trabalhador rural), elevá-os à
categoria de mitos, e a partir daí constrói uma epopéia, onde se refigura fatos da história
brasileira e latino-americana, vista através do método dialético. A opção de Glauber por
uma linguagem enfaticamente simbólica tinha por propósito atingir o público não
apenas pelo raciocínio formal lógico, mas também pela intuição. Nesse sentido, para o
diretor, o cinema seria capaz, através da utilização de recursos alternativos, de levar o
público à compreensão da realidade por outro ângulo, que não fosse apenas o racional.
Nesse sentido é que Glauber mergulha na cultura e na religiosidade brasileira
(negra, branca e indígena), considerada por ele como imprescindível na constituição do
inconsciente coletivo nacional, e é a partir deste que ele propõe uma nova consciência
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política, erigida com base nos arquétipos primitivos do Brasil, fortemente marcada pela
contribuição cultural das três etnias formadoras da sociedade brasileira. A construção de
uma linguagem genuinamente brasileira advém dessa busca pelas origens.
(...) Contra os valores estéticos de uma cultura cinematográfica
dominante, estrangeira, o artista deveria viver a aventura da criação,
porque a fantasia do artista poderia ter um caráter liberador e
integrador. Imagens/sons fílmicos podem revelar e interpretar a
realidade cultural, transformar dados do inconsciente reprimido do
público em consciência e conhecimento racional de si próprio, porque
a consciência modifica o inconsciente e é por ele modificado. A
linguagem, o discurso fílmico, pode revelar a realidade, só
reconhecível a partir dos dados da linguagem que articula.(GERBER,
1978, p.26,27).
Por esse motivo Glauber formula a comunicação dos filmes fundamentada na
cultura popular, espaço do consciente e do inconsciente coletivo. A partir das pulsões e
das repressões desse inconsciente é que Glauber apresenta os problemas nacionais para
serem debatidos e também para vislumbrar como esse aporte cultural primitivo pode ser
erigido no sentido de uma revolução política e cultural:
A primeira exigência expressa do meu cinema é de reconhecer a
cultura tradicional como cultura na qual os elementos revolucionários
não são expressos”. (ROCHA, 1981, p.269).
Assim ele pretendia através da análise de um suposto inconsciente coletivo do
terceiro mundo e de uma mitologia nacional atingir o público. Este seria obrigado a
visitar o seu próprio inconsciente e assim poder trazer para o nível da consciência os
problemas nacionais que perpassam a história dos países subdesenvolvidos. Glauber
modifica o sentido original de inconsciente coletivo, pois para Carl Jung o termo
referia-se a “(...) inextricavelmente com experiências sociais primárias comuns a todos
os homens (...)”(SILVEIRA, 1981, p.106), as experiências históricas humanas, como
afirma Jung:
(Os elementos do inconsciente) “Constituem uma ponte entre a
maneira pela qual transmitimos conscientemente os nossos
pensamentos e uma forma de expressão mais primitiva, colorida e
pictórica (...) Essas associações “históricas” são o elo ente o mundo
racional da consciência e do instinto. (JUNG, 2008, p.53)
Entretanto, Glauber Rocha pretendia buscar um inconsciente coletivo específico,
de uma história específica, a da América Latina ou do “terceiro mundo”, no qual
poderia se realizar um retorno às origens, um retorno a um tempo arcaico desses países,
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de suas origens míticas. Como afirma Raquel Gerber sobre a obra de Glauber “(...) um
movimento regressivo, de reenvio ao passado e um movimento progressivo, que
caminha em direção a figuras antecipadoras de uma nova realidade” (GERBER, 1978,
p.10). Por esse motivo a religião possui um espaço importante na obra cinematográfica
de Glauber, ela é supostamente um dos caminhos escolhido pelo cineasta para entrar em
contato com o inconsciente coletivo latino-americano.
Dentro dessa perspectiva a dimensão da atemporalidade presente no enredo dos
filmes pretende, portanto, possibilitar ao espectador o contato com as pulsões originais,
arcaicas de sua formação cultural, que por sua vez não é somente subjetiva, mas
também coletiva.
No mesmo sentido Glauber propõe uma linguagem capaz de despertar o público
para uma nova consciência, por meio de uma compreensão que não seja apenas lógica,
mas também mágico-mítica. Nesse sentido a estética em Glauber já era em si uma
referência à situação dos países subdesenvolvidos (seja ela brasileira, latino-americana
ou africana), o estilo é engendrado pelo conteúdo e se tornam elementos indissociáveis
da obra fílmica. Comparando com o conceito de Bastide, mas resguardando as devidas
diferenças, Glauber trabalhava com os aspectos estéticos e anestéticos com a intenção
de analisar a realidade social dos países subdesenvolvidos.
Esses elementos corroboram assim para o conceito de “estética sociológica” no
cinema de Glauber Rocha, na qual o próprio estilo lingüístico já expressa os problemas
sociais como a fome e a violência.
A estética cinematográfica sociológica glauberiana tem por fundamento,
primeiro, uma vasta produção teórica inserida nos filmes e nos textos; segundo, ela se
associa a pesquisa sobre as origens da formação brasileira com uma abordagem
interdisciplinar na qual se agregam a literatura, as artes, a filosofia e as ciências sociais;
terceiro, ela promove uma reflexão crítica sobre os países pobres, levantando questões e
apontando caminhos.
A produção cinematográfica de ficção de Glauber Rocha, nas décadas de 1950,
1960 e 1970 do século XX, estabelece suas relações com a teoria social do período, o
cineasta se apropria das teorias elaboradas por teóricos brasileiros como Euclides da
Cunha, Caio Prado Junior e Gilberto Freyre para conceber uma estética que pretendia se
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constituir em um novo meio de análise sobre as questões sociais, políticas, econômicas
e artísticas do Brasil e dos chamados países subdesenvolvidos.
Inserido no interior do movimento do Cinema Novo, o cinema sociológico de
Glauber Rocha se tornou uma referência estética para o próprio movimento e para o
cinema brasileiro como um todo, até os dias atuais muitos filmes (como Central do
Brasil de 1998 e Abril Despedaçado de Walter Salles de 2001, Cidade de Deus de
Fernando Meireles de 2002 e Tropa de Elite de José Padilha realizado em 2007)
possuem um traço sociológico que se inspiram direta ou indiretamente, ou fazem
alguma referência, conscientemente ou não a este estilo cinematográfico glauberiano.
Referências Bibliográficas
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GERBER, Raquel. O Mito da Civilização Atlântica. Dissertação (Mestrado em Ciências
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GERBER, Raquel. O Mito da Civilização Atlântica. Glauber Rocha, Cinema, Política e
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SILVEIRA, Nise. Imagens do Insconsciente. Rio. Alhambra, 1981.
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