A saúde do trabalhador e a proteção social no cenário

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A SAÚDE DO TRABALHADOR E A PROTEÇÃO SOCIAL NO CENÁRIO
FRONTEIRIÇO DO MERCOSUL
Jussara Maria Rosa Mendes1
Dolores Sanches Wünsch2
Marisa Camargo3
RESUMO
Este artigo aborda a saúde do trabalhador e a proteção social no
cenário fronteiriço do Brasil com países do MERCOSUL.
Apresenta resultados de estudos realizados na região de fronteira,
tendo como lócus de pesquisa as cidades-gêmeas e como produto
um diagnóstico situacional sobre as configurações das principais
características e particularidades do território. Compreende a
saúde do trabalhador como construção sócio-histórica das
contradições engendradas na relação capital e trabalho,
evidenciando como essas se expressam no MERCOSUL.
Atravessado por essas contradições, o cenário fronteiriço está
marcado por profundas diferenças econômicas e sociais que
agravam assimetrias pertinentes à saúde, trabalho e proteção
social.
Palavras chave: Saúde do trabalhador, Proteção social,
MERCOSUL, Região fronteiriça.
ABSTRACT: The article addresses workers’ health and social
protection in the border scenario between Brazil and the Mercosul
countries. Presents results of studies conducted in the border
region, having the twin cities as the locus of the research and a
situational diagnosis on the settings of the main characteristics and
peculiarities of the territory as a product. Acknowledges workers’
health as a social and historical construction of the contradictions
1
Assistente Social. Doutora em Serviço Social (PUCSP). Professora do Curso de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Saúde e Trabalho (NEST/UFRGS). Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
(PPGSS) da Faculdade de Serviço Social (FSS) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Endereço: Instituto de Psicologia, 3º andar, sala 300 B, Rua Ramiro Barcelos, 2600, Bairro
Santa
Cecília,
Porto
Alegre/RS/Brasil,
CEP
90035-003.
Telefone:
(51)
3308-5066.
[email protected].
2
Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela PUCRS. Professora do Curso de Serviço Social da
UFRGS. Pesquisadora do NEST/UFRGS. [email protected].
3
Assistente Social. Mestre e Doutoranda pelo PPGSS/PUCRS. Integrante do Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Trabalho, Saúde e Intersetorialidade (NETSI/PUCRS). Bolsista parcial da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Apoio técnico em pesquisa do NEST/UFRGS.
Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul
(FISUL). [email protected]
1
engendered in the labor and capital relation, demonstrating how
they are expressed in MERCOSUL. Traversed by these
contradictions, the border scenario is marked by deep economic
and social inequalities that exacerbate asymmetries on health,
labor and social protection.
Keywords: Worker’s Health, Social Protection, MERCOSUL,
Border Region.
1 INTRODUÇÃO
O debate em torno da Saúde do Trabalhador, na atualidade, vem evoluído na
reafirmação da necessidade de estabelecerem-se mecanismos de proteção social que possam
contribuir para o enfrentamento da realidade, que expressa o acirramento das contradições
presente no atual estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista. Nessa perspectiva a
busca por formulações que sintetizem e problematizem a ampla gama de temáticas pertinentes
à Saúde do Trabalhador, em especial, o trabalho, a saúde e a proteção social, em distintos
contextos tem permeado os estudos e pesquisas promovidos pelo Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST), ao longo de sua trajetória, com destaque para a região
de fronteira do Brasil com países do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).
Do conjunto de estudos e pesquisas sobre Saúde do Trabalhador no cenário fronteiriço,
destaca-se a pesquisa intitulada “A saúde do Trabalhador no MERCOSUL: um estudo do
sistema de proteção social nos cenários fronteiriços”, realizada no período de março de 2008 a
dezembro de 2009. Considerando as particularidades e as assimetrias existentes,
fundamentalmente na área de saúde e trabalho, a pesquisa teve como lócus as cidadesgêmeas dos países que compõem o MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Para
a sua realização foram estabelecidas parcerias com instituições de ensino e serviços de
atenção à Saúde do Trabalhador dos estados brasileiros que fazem divisas com o MERCOSUL,
tendo em vista a concretização do trabalho de campo e a incorporação das contribuições
dessas instituições no objeto de estudo.
O objetivo central da pesquisa foi realizar um estudo sobre o sistema de proteção social
e seus rebatimentos na saúde do trabalhador no contexto do MERCOSUL, a fim de subsidiar
estratégias de ação em saúde e trabalhos nos países membros. Como fontes de informação
primária, foram entrevistados gestores de saúde, trabalhadores/usuários dos serviços de saúde
e profissionais da saúde dos municípios fronteiriços. As fontes secundárias acerca das
2
informações sobre dados demográficos, legislações, acordos internacionais, entre outras, foram
obtidas junto a fontes oficiais dos governos municipais e nacionais e órgãos internacionais.
A pesquisa obteve como produto um diagnóstico situacional da Saúde do Trabalhador
na região fronteiriça do MERCOSUL, contendo informações sobre trabalho e sistemas de
proteção social, perfil dos trabalhadores e condições sociais do processo saúde-doença dos
trabalhadores. Além disso, contém o mapeamento da rede de atenção à saúde e os fatores que
possibilitam ou dificultam o acesso à saúde na região fronteiriça. O eixo norteador do estudo é o
aprofundamento da reflexão sobre como, e com quais perspectivas ético-políticas, a Saúde do
Trabalhador vem se constituindo nas regiões de fronteira, considerando as profundas
alterações em curso na gestão e organização do trabalho (MENDES, 2003). Suas contribuições
no âmbito do MERCOSUL relacionam-se à possibilidade de construção de referenciais
científicos que possam repercutir em mudanças qualitativas na realidade encontrada.
O presente artigo contempla parte dos resultados da pesquisa, articulados aos estudos e
pesquisas realizados pelos pesquisadores do NEST, com ênfase na temática Saúde do
Trabalhador e proteção Social no MERCOSUL. Inicia-se com uma breve revisão teórica das
categorias temáticas centrais da pesquisa, seguida pela contextualização da metodologia
utilizada no processo investigativo e apontamentos sobre a realidade fronteiriça em cada região
geográfica dos estados brasileiros. A análise privilegia aspectos relacionados às características
econômicas e perfil dos trabalhadores nos municípios; os agravos sobre a saúde do trabalhador
e as configurações e entraves nas ações e serviços voltados à saúde do trabalhador e proteção
social no território, resultando assim em totalizações provisórias acerca da temática investigada
na região de fronteira do MERCOSUL.
2 SAÚDE DO TRABALHADOR E PROTEÇÃO SOCIAL NO MERCOSUL: CONCEPÇÕES E
CENÁRIOS
A Saúde do Trabalhador é compreendida a partir da relação estabelecida pelo processo
de saúde-doença resultante das condições de trabalho e vida dos trabalhadores. O cenário em
que se expressam a saúde e o trabalho vem sofrendo transformações, e as determinações que
incidem sobre a saúde do trabalhador, na contemporaneidade, estão fundamentalmente
relacionadas às novas modalidades de trabalho e aos processos mais dinâmicos de produção
implementados pelas inovações tecnológicas e atuais formas de organização do trabalho. As
3
transformações que vêm alterando a economia, a política e a cultura na sociedade, por meio da
reestruturação produtiva e do incremento da globalização, entre outros motivos, implicam
mudanças nas formas de gestão do trabalho que engendram a precariedade e a fragilidade das
questões que envolvem a relação saúde e trabalho e as condições de vida dos trabalhadores.
Segundo Mendes (2003), a saúde do trabalhador pressupõe uma interface entre
diferentes alternativas de intervenção que contemplem as diversas formas de determinação do
processo de saúde-doença dos trabalhadores. As alterações introduzidas no artigo 196 da
Carta Constitucional brasileira de 1988 não deixam dúvidas quanto ao fato de que, desde
então, a saúde passou a ser entendida como direito de cidadania, devendo ser garantida pelo
Estado a partir de suas políticas sociais e econômicas, bem como por meio de outras medidas
que possibilitem reduzir os riscos e os agravos e, ainda, que assegurem o acesso aos serviços
através do Sistema Único de Saúde (SUS) (DIAS, 1995).
A Saúde do Trabalhador, portanto, inscreve-se no campo da saúde coletiva, exigindo a
ação do Estado de forma a garantir atenção plena aos trabalhadores, no que se refere à
vigilância, assistência e proteção social. Entretanto, por muitos anos, prevaleceu a concepção
dos “riscos socialmente aceitáveis” na relação entre saúde e trabalho, além do modelo médicohegemônico que acompanhou o modelo de trabalho industrial. Dessa forma, as ações nesse
campo voltavam-se às situações chamadas de riscos em detrimento das condições de trabalho
às quais os trabalhadores se encontravam submetidos.
No atual contexto, em que o trabalho se intensifica e fragmenta, se flexibilizam as
relações de trabalho e a classe trabalhadora ganha novos contornos, novas exigências se
colocam para o campo da Saúde do Trabalhador. Tem-se a emergência de novas doenças
profissionais, decorrentes da incorporação de novas tecnologias aos processos produtivos, de
novas formas de organizar e gerir o trabalho (MENDES, 1995), e a coexistência de antigas
manifestações de agravos à saúde do trabalhador. Os agravos relacionados ao trabalho se
revestem de novos significados e determinações, ao mesmo tempo em que indicam a
necessidade de superar problemas antigos.
As diferentes modalidades de trabalho precarizado, tais como a terceirização, a
informalidade, o trabalho no domicílio, entre outros, evidenciam que a política de Saúde do
Trabalhador deve ser planejada e executada tendo como referência a proteção social da classe
trabalhadora. Para fins desta discussão, a proteção social é compreendida como um conjunto
de ações, institucionalizadas ou não, que visam proteger o conjunto ou parte da sociedade de
riscos sociais e/ou naturais decorrentes da vida em coletividade (COUTO; WUNSCH; MENDES,
4
2006). A proteção social afirmou-se como um sistema ao longo do desenvolvimento da
sociedade capitalista, visando atender as necessidades sociais da classe trabalhadora.
Estruturou-se com o trabalho e para o trabalho, que tem como protagonista central o
trabalhador assalariado.
É possível identificar-se que a evolução das políticas sociais públicas respondeu ao
avanço da organização da classe operária, que buscava e continua buscando a proteção contra
os riscos inerentes às condições sociais em que vive, assim como a satisfação de necessidades
sociais básicas para a sua reprodução (WÜNSCH, 2005). Pochmann (1999) indica três
condicionantes estruturais históricos da proteção social: a lógica industrial, a democracia de
massa e a sociedade salarial. É importante destacar que as políticas sociais e a formatação de
padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas e formas de
enfrentamento – em geral setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da
questão social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Considerando-se, portanto, as profundas transformações pelas quais passa o trabalho,
decorrentes da reestruturação do capitalismo e aos novos contornos de ordem política e social
apresentados pelo Estado, que privilegiam as relações de mercado, tem-se presente que há
uma nova configuração das demandas relacionadas à saúde e ao trabalho, face à “[...] imensa
fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais
que as sustentam” (IAMAMOTO, 2000, p. 21). Nessa perspectiva, a concepção de proteção
social precisa ser compreendida como o mecanismo central e histórico de garantia de acesso
aos meios de produção e de reprodução da vida material e social, que incorpora, por
conseguinte, os mecanismos de proteção social.
No Brasil, diferentemente dos demais países do MERCOSUL, a saúde integra a
seguridade social constituindo-se em direito universal. Essa particularidade brasileira em termos
de proteção social, frequentemente gera situações de tensionamento nas regiões de fronteira.
Dessa maneira, evidencia-se necessidade de pensar o desenvolvimento social e econômico
também na perspectiva da garantia de acesso dos trabalhadores às políticas sociais, definidas
por Pereira (2000) como um conjunto de medidas, instituições, profissões, benefícios, serviços
e recursos programáticos e financeiros. A proteção social precisa materializar-se por meio de
um conjunto de mecanismos viabilizadores de direitos, como forma de enfrentar a lacuna
existente no campo das políticas sociais, nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, deve buscar
transpor a fratura histórica resultante da desigualdade social presente na relação entre saúde e
trabalho.
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2.1 A proteção social no MERCOSUL
Engendrado no processo de globalização e nas medidas econômicas neoliberais que
fizeram parte da agenda do chamado “Consenso de Washington” e no Bloco Econômico da
União Europeia, promoveu-se a integração econômica do MERCOSUL. A integração
econômica emergiu do Tratado de Assunção como opção preferencial dos quatro Estadosmembros – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai4 –, para alcançar uma melhor inserção na
ordem econômica internacional, crescentemente marcada pelos fenômenos da globalização e
da regionalização. O Tratado de Assunção, instituído em 26 de março de 1991, registra a
decisão desses países de ampliar as dimensões de seus mercados nacionais, como forma de
acelerar os processos de desenvolvimento econômico com justiça social.
Embora a formação de blocos econômicos, tanto da União Europeia quanto do
MERCOSUL, tenha buscado não apenas a integração e cooperação de natureza econômica,
mas também, posterior e paulatinamente, a consolidação da democracia e a garantia dos
direitos humanos, o que se constata é que as cláusulas democráticas e de direitos humanos
não foram incorporadas na agenda do processo de globalização. Ao contrário, a globalização
econômica tem comprometido a vigência dos direitos humanos, em especial dos direitos sociais
(PIOVESAN, 2002). O MERCOSUL está entre as quatro maiores economias do mundo,
contudo, não é possível afirmar que o crescimento econômico tenha repercutido em
desenvolvimento social da região.
As assimetrias entre os países do MERCOSUL se expressam em suas características
espaciais e demográficas. A distribuição da população em áreas urbanas e rurais, embora
apresente importantes disparidades regionais, tem uma proporção de população rural inferior a
50%, resultado do processo crescente da migração do meio rural para o urbano. Essas
assimetrias, aliadas às diferentes experiências de gestões públicas e ao número de municípios
fronteiriços, colocam o Brasil numa situação estratégica e com potencialidade de avançar em
propostas e processos de harmonização e formalização da integração regional, no que tange à
organização e regulação das ações e acesso a serviços de saúde.
Estudos como o da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2004) sobre a
importância da extensão da seguridade social no desenvolvimento social e econômico dos
países e campanhas como “seguridade social para todos” (2003-2006) convocam as
4
Em 2006, a Venezuela passou a integrar o MERCOSUL como membro regular.
6
organizações internacionais, instituições de seguridade social e sociedade civil para a busca de
soluções no sentido de aumentar a cobertura da seguridade com iniciativas locais de proteção
social. Baumecker (2004), ao fazer uma análise dos principais tópicos acerca dos modelos de
seguridade social no campo específico dos acidentes de trabalho na América Latina, destaca
que no continente o trabalho se caracteriza pela expansão da não-proteção social. Enfatiza que
não há como dissociar a seguridade social das questões relativas ao trabalho, tanto no que se
refere aos direitos sociais derivados dele, e o trabalho, por seu lado, está completamente
envolvido pelas questões econômicas.
No que diz respeito aos países do MERCOSUL, o Brasil iniciou a implementação de
uma seguridade social fundamentada no princípio da “universalidade da cobertura e do
atendimento”, conforme o artigo 194 da Constituição Federal de 1988. A área de saúde
consolidou o SUS através da Lei n. 8080, que vem sendo desenvolvido e se mantém em
consonância com o princípio fundamental da universalidade (BAUMECKER, 2004). Entretanto,
no âmbito da Previdência Social, foi estabelecida formalmente “a universalidade de participação
nos planos previdenciários, mediante contribuição”, de acordo com o artigo 3º da Lei n.
8.212/1991. Atualmente, a cobertura da previdência social brasileira atinge aproximadamente
65% da população economicamente ativa (BRASIL, 2010), deixando desprotegida grande
parcela da população trabalhadora.
Baumecker (2004) assinala que houve uma redução da cobertura de trabalhadores
assegurados. Tal redução deve-se pelo menos a dois fatores: desemprego e extensão do setor
informal diretamente relacionada à reestruturação econômica pela qual está passando a maioria
dos países da América Latina. Pressionados política e economicamente, os países elaboram
planos de reestruturação econômica assentados no modelo de flexibilidade no âmbito produtivo
e nas reformulações do capital financeiro. Sob o argumento da necessidade de redução dos
custos sociais, adotam medidas de retirada de direitos sociais e trabalhistas que,
consequentemente, desencadeiam um processo de (des) proteção social que atinge
diretamente o trabalhador e, por extensão, a sua família, que deixam de ter direitos enquanto
dependentes dos seguros sociais.
Essa conjuntura não equaciona desenvolvimento econômico e social com garantia de
cidadania e seguridade social para a população dos países do MERCOSUL, devido à dimensão
que ocupa o mercado informal em relação à taxa de ocupação, assim como a baixa cobertura
da proteção social da população. A política de atenção à saúde é bastante restritiva, na maioria
dos países, incluindo apenas a parcela dos trabalhadores inseridos no mercado formal. A
7
inserção no sistema de proteção social ainda está fortemente vinculada à cidadania regulada
pela inserção no mundo do trabalho formal. Os diferentes sistemas de proteção social são um
dos fatores que têm dificultado tanto a análise da cobertura da proteção social como o
estabelecimento de pontos comuns para a formatação de uma agenda integrada para a saúde
no âmbito do MERCOSUL.
Quanto aos acidentes do trabalho, importante indicador de desproteção social,
evidencia-se que toda a região fronteiriça apresenta crescimento no número oficial de
notificações de acidentes do trabalho. Em partes, isso se deve ao aumento da cobertura social,
em particular no Brasil, ao mesmo tempo em que, pode estar indicando evidências físicas da
precarização das condições de trabalho. Outra dimensão importante é a subnotificação dos
acidentes e doenças do trabalho, tendo em conta os trabalhadores inseridos no mercado
informal, além da falta de cruzamento dos dados pelos sistemas de controle e de regulação do
Estado, no âmbito da inspeção e vigilância da saúde dos trabalhadores.
Existem diferenças importantes na prestação de serviços institucionais para os riscos
relacionados ao trabalho nos diversos países. No Brasil, a competência é dividida entre os
Ministérios da Previdência Social (MPS), do Trabalho e Emprego (MTE) e da Saúde (MS). Na
Argentina é de responsabilidade da Superintendencia de Aseguradoras de Riesgos del Trabajo
(ART). No Uruguai é do Banco de Seguros del Estado (BSE). E no Paraguai, do Instituto de
Previsión Social (IPS). Todas essas propostas se apresentam como seguros sociais, entretanto,
no Uruguai, apesar de ser administrado por uma estatal, é um seguro de natureza mercantil; e
na Argentina, apesar de fazer parte do sistema de seguridade pública, a gestão é privada. No
Brasil e no Paraguai, a administração é realizada por instituição de caráter público (OIT, 2004).
Sob a égide da mercantilização da saúde, ocorre um processo de privatizações dentro
do sistema estatal de países do MERCOSUL, com serviços diretos ou contratados do setor
privado, a exemplo da Argentina, por meio das Obras Sociais (OS), e do Uruguai, por meio das
Instituições de Assistência Médica (IAMC). Essa lógica de subordinação crescente de
mecanismos de transferências de recursos públicos para o setor privado, dominante na
proteção social na América Latina, tem sido denominada de modelo estatal-privatizador
(POSSAS, 1989, p. 93).
As diferenças e as dificuldades em acessar as informações referentes à proteção social
e aos acidentes do trabalho, que se referem tanto ao mercado formal, quanto ao informal, são
reveladoras da ausência de uma política integrada entre os diversos órgãos responsáveis pelas
condições de saúde e proteção social da população desses países. Assim, estabelecer um
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parâmetro de proteção social na região do MERCOSUL, ampliando a cobertura do seguro
social de alguns países ou mudando de modelo em outros, é um desafio, pois as novas formas
de trabalho também invadem a casa do trabalhador, no trabalho feito no próprio domicílio, por
exemplo, sem reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários. A integração regional
pretendida deve, portanto, abranger não somente a esfera comercial e econômica, mas também
avançar na área social e na problemática da desigualdade decorrente do processo global.
2.2 O direito à saúde no MERCOSUL
A saúde, concebida como direito de cidadania social que deve assegurar a
universalidade e a igualdade em sua expressão plena, norteada por princípios democráticos,
atenta para as alterações e rupturas que vêm ocorrendo na sociedade contemporânea. Nesse
sentido, constata-se a presença de dois paradigmas teóricos e políticos, em caráter de
oposição, que tem delimitado o encaminhamento e a concepção do direito à saúde no início do
corrente século XXI. O paradigma da cidadania plena, no qual o direito à saúde é um valor
universal, e o da cidadania social restrita, em que o direito à saúde é orientado pelo critério da
eficiência e racionalidade econômica e, portanto, situado no campo da reprodução do capital
(NOGUEIRA; PIRES, 2004).
Na medida em que se compreende que a saúde não é uma manifestação individual, mas
um processo social é necessário ir além da identificação dos riscos do trabalho para a saúde
dos trabalhadores. Este processo social se inscreve no corpo, nas marcas do trabalho, nas
condições de vida das pessoas. Constitui a história individual e coletiva, exatamente pela
influência das diversas lógicas nas quais a saúde se inscreve (THÉBAUD-MONY, 2004). A
saúde no trabalho faz parte de uma história ao mesmo tempo individual e coletiva. A
compreensão das novas formas de organização e gestão do trabalho engloba as preocupações
relacionadas à Saúde do Trabalhador, inserindo-se, especialmente, naquele conjunto de
estratégias que visam prevenir determinados agravos à saúde, como, por exemplo, os
relacionados à saúde mental e psicossomáticos, as lesões por esforços repetitivos e os
acidentes do trabalho.
O objeto da Saúde do Trabalhador é definido como o processo de saúde e doença dos
grupos humanos em relação ao trabalho, entendido como espaço de dominação e submissão
do trabalhador pelo capital, e, igualmente, de resistência, de constituição e do fazer histórico
dos trabalhadores, que almejam o controle sobre as condições e os ambientes de trabalho, para
torná-los mais “saudáveis”, em um processo contraditório, desigual e dependente de um
9
processo produtivo determinado pelo contexto sociopolítico e econômico da sociedade. Desse
modo, destaca-se que a atenção à saúde dos trabalhadores se distingue por lidar diretamente
com a complexidade e dinamicidade das mudanças no processo produtivo, que definem
constantemente um perfil para a classe trabalhadora (DIAS, 1995).
A Saúde do Trabalhador pressupõe uma interface entre diferentes alternativas de
intervenção que contemplem as várias formas de determinação do processo de saúde-doença
dos trabalhadores (MENDES, 2003). Nessa concepção, é necessário pensar a Saúde do
Trabalhador desde a sua organização na sociedade e no trabalho, compreendendo-se a
realidade sob uma perspectiva de sujeitos coletivos, conhecendo-os e reconhecendo-os
historicamente. Isso significa entender a situação do trabalhador de forma global, nos aspectos
individuais e coletivos, políticos, econômicos, sociais, culturais e históricos, que interferem e
definem a existência do fenômeno.
Trabalhar na perspectiva da Saúde do trabalhador requer voltar-se ao coletivo,
enfatizando a necessidade do agir em conjunto de todos os envolvidos (profissionais e
trabalhadores), com ênfase na promoção da saúde, quando o próprio trabalhador é sujeito das
ações. Desse modo, pressupõe “um corpo de práticas teóricas interdisciplinares, técnicas,
sociais, humanas e interinstitucionais, desenvolvidas por diversos atores situados em lugares
sociais distintos e informados por uma perspectiva comum” (MINAYO-GÓMEZ; COSTA, 1997,
p. 25), que garantam um ambiente laboral digno e não agressivo à natureza física e psíquica do
trabalhador.
Para além dos limites nacionais, constatam-se disparidades nos municípios que
compõem os países do MERCOSUL, no que se refere às diretrizes, ao ordenamento da Saúde
do Trabalhador e ao cotidiano de trabalho. Ao se levar em consideração o Projeto de
Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde, proposto pela Organização Pan-americana
de Saúde (OPAS) e o Ministério da Saúde (MS) do Brasil, denominado Sistema Integrado de
Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteiras), pretende-se contribuir com ações para a organização da
atenção à saúde que garantam acesso aos serviços e a construção de indicadores que visem à
promoção da saúde, prevenção de acidentes, recuperação e reabilitação dos trabalhadores
doentes ou acidentados na região do MERCOSUL. Nesse esforço de organização dos sistemas
de saúde nas fronteiras, deve-se investir em proposições que incluam as questões referentes à
saúde dos trabalhadores principalmente pelos aspectos das migrações desencadeadas pelo
processo produtivo e pela fragilidade dos mecanismos de proteção social.
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A Declaração Sociolaboral do MERCOSUL aponta princípios e direitos na área do
trabalho baseando-se na mesma condição fundamental do Tratado de Asunción (1991), ou
seja, a articulação entre desenvolvimento econômico e justiça social, bem como nos parâmetros
norteadores para a integração em Saúde do Trabalhador no MERCOSUL. O componente
territorial impõe, de um lado, uma instrumentalização do território que seja capaz de atribuir a
todos o acesso e usufruto de bens e serviços indispensáveis, não importando onde esteja a
pessoa; e, de outro, uma adequada gestão do território que demande uma organização dos
serviços de saúde capaz de garantir as políticas nacionais e fazê-las avançar em prol da
satisfação das necessidades que se colocam para os cidadãos que vivem nessa região
(MENDES; MOURA; ALMEIDA, 2006).
2.3 A questão do território no MERCOSUL
O desempenho das funções dos Estados-membros no âmbito do seu território depende
dos processos de integração, mais ou menos intensos, sendo que em algumas delimitações
surgem questões internacionais com os quais os governos, isoladamente, não têm competência
para gerir. Uma delas é a abertura das fronteiras dos países, que além da passagem de
pessoas e trabalhadores, suscita a discussão dos impactos dos processos migratórios que se
estabelecem com as possibilidades das relações de trabalho e emprego para estrangeiros nos
países que compõem acordos de integração econômica, situação esta, que traz grandes
repercussões e desafios para definição de formas de proteção social dos direitos relacionados
ao trabalho e a saúde dos trabalhadores.
A regularização migratória interna da população no MERCOSUL e os mecanismos de
regulação sócio laboral comuns, passam a integrar a agenda de assuntos regionais a partir da
circulação de trabalhadores. Nesse caso, torna-se questão central as estruturas jurídicas que
permitem a livre circulação de pessoas e serviços com adequada proteção social nas relações
de trabalho e emprego (LOGUERCIO, 2003). Por outro lado, cabe ressaltar que no contexto
global/regional, há situações e momentos nos quais as determinações econômicas adquirem
preeminência e tornam-se decisivas, mas sempre levam consigo implicações sociais, culturais e
políticas (IANNI, 2002). A reprodução ampliada do capital na medida em que se intensifica e
generaliza, põem em causas fronteiras, códigos, constituições, moedas, estilos de gestão
econômica privada e pública.
As implicações sociais, políticas e culturais, advindas do processo de globalização,
como ressalta Ianni (2002), refletem-se nos processos de integração regional que, no caso
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particular do MERCOSUL se assemelham àquelas experimentadas por outros blocos regionais
mais consolidados, a exemplo da União Europeia, resguardadas as diferenças evidentes entre
os processos de constituição desses dois blocos econômicos, os contextos diferenciados e a
maior ou menor intensidade dos avanços integracionistas no âmbito da dimensão social. Em
relação a aspectos sociais na experiência europeia de integração regional, observa-se a
explícita preocupação com a circulação de trabalhadores, com a questão do emprego,
remuneração e condições de trabalho. No MERCOSUL, no Tratado de Assunção, a
preocupação central se constituiu nas relações comerciais, tarifárias, aduaneiras, alfandegárias,
deixando de enfrentar diretamente o problema advindo da circulação de pessoas, trabalhadores
e a fixação de domicílios. Continua-se a focalizar a mobilidade sociolaboral na ótica da
migração e das relações bilaterais (LOGUERCIO, 2003; SANT’ANA, 2007).
O enfoque da Declaração Sociolaboral nas áreas de fronteira do MERCOSUL como
espaço prioritário para prever as normatizações legislativas regulatórias das condições de
trabalho, reforça a exclusão das estruturas necessárias para os casos de circulação de
trabalhadores na integração efetiva de mercados. A circulação de trabalhadores na totalidade
do bloco econômico, para além das zonas de fronteira, exigiria a harmonização das estruturas
jurídicas entre os países.
No caso da integração nas áreas de fronteira do MERCOSUL, por sua própria
localização geográfica, poderiam se tornar zonas de cooperação entre os países vizinhos.
Porém, as regiões fronteiriças não contam com infraestrutura, legislação específica e projetos
que estimulem seu desenvolvimento, pois “a ação, quando empreendida, tem partido dos
governos nacionais que atuam no âmbito supranacional sobre suas respectivas regiões
fronteiriças, descaracterizando a interação local” (STEIMAN; MACHADO, 2002, p. 09). House
afirma que ainda é pequena a atenção dada às áreas das cidades-gêmeas se considerada a
concentração de efeitos territoriais que pode servir de base para a organização de contatos e
de cooperação transnacionais. Ainda, segundo esse autor, a extensão da integração nessas
áreas teria consequências numa zona de distância indeterminada no interior de cada território
nacional (apud STEIMAN; MACHADO, 2002, p. 12).
As assimetrias legislativas e/ou constitucionais entre os países, no caso dos processos
integracionistas regionais, trazem divergências e barreiras importantes para a circulação de
pessoas e trabalhadores, bem como para a garantia de direitos sociais, civis e políticos fora de
seu território de origem. Portanto, adentrar pelos caminhos das desigualdades e diversidades
regionais assemelha-se ao gesto de tomar nas mãos um caleidoscópio, em que aparecem
12
conjuntos homogêneos que logo se desfazem, dependendo do ângulo ou da ênfase do
indicador ou fenômeno em questão (KOGA; NAKANO, 2006).
Perceber a abrangência e as articulações desse processo requer o reconhecimento da
centralidade do trabalhador, sujeito histórico de seu tempo. Essa é uma questão complexa, que,
além de valer-se de conhecimentos de diferentes disciplinas, exige um tratamento que
potencialize a dimensão de totalidade implícita na forma de identificar o social. Nesse contexto,
os trabalhadores se veem obrigados a abandonar suas formas habituais de sobrevivência e
buscar dividir novos espaços de trabalho, os quais são diferenciados na sua materialidade e
geograficamente muito próximos, o que significa dizer, pensar o mundo a partir do lugar em que
nos encontramos e com o qual temos relação de pertencimento (SANTOS; SILVEIRA, 2008).
3 O TRABALHO E A SAÚDE NA REGIÃO FRONTEIRIÇA DO BRASIL COM PAÍSES
MEMBROS DO MERCOSUL
A investigação sobre a saúde do trabalhador e a proteção social no cenário fronteiriço do
MERCOSUL foi desenvolvida através da abordagem qualitativa e fundamentou-se no
referencial teórico-epistemológico materialista histórico dialético. A priorização desse tipo de
abordagem apresenta-se como perspectiva metodológica para a apreensão crítica da realidade
social. Na pesquisa qualitativa, busca-se ir além do dado passível de ser quantificado,
permitindo-se a produção de inferências sobre a base empírica, buscando interpretar os
significados atribuídos pelos sujeitos à realidade estudada, bem como problematizações e
totalizações provisórias. Assim, o conhecimento foi construído mediando-se a conexão
existente entre o objeto de estudo, a realidade social e o campo teórico (MENDES, 2007).
A pesquisa contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), através do edital universal, sendo realizada no período de
março de 2008 a dezembro de 2009. Como recurso metodológico, adotou-se a triangulação5
das fontes de informação primárias e secundárias, visando atingir os objetivos propostos. O
processo de pesquisa envolveu o trabalho coletivo estabelecido através da parceria de um
conjunto de pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado),
5
Segundo Minayo (2000, p. 102), o termo “triangulação” é utilizado nas abordagens qualitativas para indicar o uso
concomitante de várias técnicas de abordagem e de várias modalidades de análise, de vários informantes e pontos
de vista de observação, visando à verificação e à validação da pesquisa.
13
profissionais e auxiliares de pesquisa de distintas instituições de ensino e serviços de atenção à
Saúde do Trabalhador dos estados brasileiros que fazem divisas com o MERCOSUL.
O processo de construção da pesquisa se estabeleceu de forma participativa visando
incorporar a contribuição de todos os pesquisadores e instituições parceiras no seu
desenvolvimento. A participação se fez imprescindível em todas as etapas do processo de
pesquisa, contemplando-se desde a construção do projeto de pesquisa, elaboração e
aprimoramento dos instrumentos de coleta, bem como realização da análise dos dados e
informações. Para a consecução desta última atividade, todos os envolvidos participaram de um
seminário de validação da pesquisa, trazendo suas percepções e contribuições para somar aos
dados e informações iniciais apresentados.
Para a realização do trabalho de campo, as técnicas e instrumentos de coleta
contemplaram informações sobre os seguintes eixos temáticos: a) Trabalho e sistema de
proteção social: principais atividades econômicas; processos de organização e relações de
trabalho; o sistema de proteção social local no trabalho e na seguridade social (saúde,
previdência e assistência social); concepção de trabalho e proteção social; b) Perfil dos
trabalhadores na região fronteiriça: identificação de quem são os trabalhadores; características
e diferenciação do trabalho; significado e representação (percepções) do trabalho e redes de
apoio (familiar e institucional); c) Processo saúde-doença dos trabalhadores: condições sociais
e principais determinantes sociais, epidemiologia e vigilância em saúde; d) Rede de atenção em
Saúde do Trabalhador nos municípios: caracterização da situação de saúde; estrutura dos
serviços de saúde; georreferenciamento da rede de atenção e formas de atendimento; gestão
da política de saúde; e, e) Território e particularidades da região fronteiriça: relações formais e
informais entre os municípios fronteiriços na atenção à saúde; diferenças ou semelhanças sobre
os trabalhadores e suas necessidades; relação com outras regiões; fatores que possibilitam ou
dificultam o acesso aos direitos na área das fronteiras.
Para tanto, constituíram-se em fontes de informação primária: a) os gestores de saúde;
b) os trabalhadores/usuários dos serviços de saúde; e, c) profissionais da saúde dos municípios
fronteiriços. As fontes de informação secundária foram representadas por: foram acessados
sítios oficiais dos municípios, estados, departamentos e Ministérios da Saúde de cada país;
legislações;
acordos
internacionais;
dados
demográficos;
relatórios
da
Organização
Internacional do Trabalho (OIT), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL); bem como produções acadêmicas e
fontes complementares identificadas pelos pesquisadores no decorrer da pesquisa.
14
O trabalho de campo abrangeu vinte e três (23) municípios, sendo 12 (doze) de
fronteiras brasileiras e onze (11) estrangeiras. O critério de escolha do município foi o de maior
densidade populacional. Em cada município buscou-se entrevistar o principal gestor municipal,
um profissional da saúde e dois (02) trabalhadores/usuários dos serviços de saúde. Foram
realizadas sessenta e nove (69) entrevistas, sendo dezoito (18) com gestores de serviços de
saúde,
dezenove
(19)
com
profissionais
da
saúde
e
trinta
e
duas
(32)
com
trabalhadores/usuários de serviços de saúde dos municípios fronteiriços.
No processo de análise e interpretação dos resultados adotou-se como critério a
subdivisão por estado brasileiro e sua divisa com os países do MERCOSUL, com as
respectivas cidades-gêmeas selecionadas para a pesquisa, assim distribuídas: a) Divisa Rio
Grande do Sul – Uruguai; b) Divisa Rio Grande do Sul – Argentina; c) Divisa Santa Catarina –
Argentina; d) Divisa Paraná – Argentina; e) Divisa Paraná – Paraguai; e, f) Divisa Mato Grosso
Do Sul – Paraguai. Obteve-se como resultado um diagnóstico situacional de cada uma das
divisas pesquisadas, expressando contextos regionais que evidenciam a necessidade de
políticas voltadas à saúde do trabalhador na região fronteiriça e desafiam a efetivação da
integração regional do MERCOSUL.
Para fins do presente artigo, optou-se pela apresentação de parte dos resultados
nucleados a partir dos eixos temáticos sumariamente organizados de acordo com os aspectos
que se destacaram na elaboração do diagnóstico situacional da região fronteiriça. São eles: a)
Trabalho; b) Saúde do Trabalhador; c) Proteção social à saúde do trabalhador; e, d) Território. A
análise privilegiou a caracterização por divisa geográfica, por estado brasileiro e país integrante
do MERCOSUL, conforme distribuição mencionada anteriormente. Ao evidenciar as
particularidades dos países que integram o MERCOSUL, verifica-se que a maioria dos
municípios possui características por vezes divergentes, mas que convergem na sua essência,
devido à realidade que perpassa a relação saúde e trabalho no atual contexto societário de
desenvolvimento do capitalismo.
3.1 Divisa Santa Catarina – Argentina
Os municípios fronteiriços pesquisados na divisa do Estado de Santa Catarina (Brasil)
com a Argentina são: Dionísio Cerqueira e Bernardo Irigoyen. Predomina o trabalho realizado
em atividades econômicas que envolvem, fundamentalmente, a agropecuária, a pequena
indústria, a construção civil e o comércio. O perfil dos trabalhadores compõe-se de agricultores,
15
em sua maioria, seguido pelas demais categorias profissionais. Os principais agravos
relacionados à saúde do trabalhador decorrem da agricultura e pecuária, através do trabalho
formal e informal, exploração florestal e serviços. Os acidentes do trabalho predominantes são:
amputações, picadas de animais peçonhentos, quedas, lombalgias, acidentes na utilização de
agrotóxicos e câncer de pele.
Verifica-se que não são contempladas, no Plano Municipal de Saúde, políticas e ações
voltadas à Saúde do Trabalhador, no que se refere a Dionísio Cerqueira. Apenas contata-se a
ocorrência de ações isoladas e focalizadas, nessa área. Em Bernardo Irigoyen, não há dados a
respeito de políticas voltadas à Saúde do Trabalhador. Quanto ao sistema de notificação e
vigilância, é feita notificação dos acidentes e doenças relacionados ao trabalho.
No município brasileiro, o gestor da saúde aponta como principal desafio para a atenção
à saúde do trabalhador a implantação de uma rede de atendimento, atualmente inexistente.
Aponta ainda, como dificuldade que o serviço de referência para a atenção à saúde do
trabalhador em Chapecó fica a 200 km de distância, dificultando o encaminhamento e o acesso
dos trabalhadores. Para os trabalhadores/usuários dos serviços de saúde há dificuldades
relacionadas ao trabalho, saúde, previdência e saúde do trabalhador: dificuldade em acessar os
benefícios previdenciários; falta de medicação, exames e especialistas. O profissional da saúde
identifica como particularidade da Saúde do Trabalhador na região de fronteira: leis diferentes,
precariedade dos serviços oferecidos nos municípios, pobreza.
No mesmo sentido, o profissional da saúde de Bernardo Irigoyen identifica a falta de
serviços disponíveis em saúde do trabalhador como empecilho. Como necessidade na área da
Saúde do Trabalhador, observa que, por ser uma região fronteiriça, há uma boa relação entre
as instituições públicas que se dedicam à saúde e fortalecimento da rede.
3.2 Divisa Paraná – Argentina
Os municípios fronteiriços pesquisados na divisa do Estado do Paraná (Brasil) com a
Argentina são: Barracão – Bernardo Irigoyen, que faz dupla fronteira com Dionísio Cerqueira do
Estado de Santa Catarina e os municípios fronteiriços Santo Antônio do Sudoeste – San
Antonio. Nos três municípios, predominam as atividades relacionadas à agricultura, pecuária,
indústria e construção civil. O perfil dos trabalhadores compõe-se de agricultores, em sua
maioria, seguido de metalúrgicos, madeireiros, empregados públicos e comerciantes. Conforme
referido na divisa com Santa Catarina, os principais acidentes e doenças relacionados ao
16
trabalho estão representados por agravos decorrentes da precariedade do trabalho na
agricultura e indústria.
Nos municípios de Barracão e Santo Antônio do Sudoeste, a saúde do trabalhador é
contemplada pela vigilância sanitária na notificação de acidentes. Também não há registro, em
nenhum dos munícipios brasileiros no Plano Municipal de Saúde de ações voltadas para a
saúde do trabalhador. Nos municípios argentinos, Bernardo Irigoyen e San Antonio não são
feitas notificações, o trabalhador é atendido como todos os outros casos de usuários que
buscam os serviços de saúde.
Em Barracão, o gestor da saúde aponta como desafios para a atenção à saúde do
trabalhador a própria implantação da política de Saúde do Trabalhador e em Santo Antônio do
Sudoeste são apontados como desafios para a atenção à saúde do trabalhador a organização
dos serviços locais e do sistema de notificação e investigação de acidentes e doenças
relacionadas ao trabalho; e a implantação de uma rede de atendimento.
Quanto às relações entre os municípios fronteiriços na atenção à saúde, constata-se que
não existe rede e nem formalização de atendimentos. Existem contatos informais e
encaminhamentos pelos órgãos municipais. Cada município atende sua própria demanda,
identificando as legislações como empecilhos. O profissional da saúde de Bernardo Irigoyen
afirma que não existe uma rede, cada município atende aos seus cidadãos. Em Santo Antônio
do Sudoeste, os trabalhadores do município fronteiriço não são atendidos no sistema público de
saúde, devendo ser atendidos no município de origem. De acordo com o profissional da saúde
de San Antonio, os trabalhadores que vêm de outro município são atendidos sem
discriminação, mas o mesmo não ocorre em relação ao Brasil, onde não são atendidos e são
discriminados.
Sobre a particularidade da saúde do trabalhador, o município de San Antonio aponta
que os desafios na área de Saúde do Trabalhador ultrapassam os limites da fronteira e que não
deveria haver fronteira para a saúde. Contudo, não há relação alguma com o município
fronteiriço de Santo Antônio do Sudoeste. Apesar das tentativas de contato, as maiores
dificuldades relacionam-se ao fato de que San Antonio, no lado argentino, atender a brasileiros,
mas não consegue que os argentinos sejam atendidos no sistema de saúde no lado brasileiro,
em Santo Antônio do Sudoeste.
3.3 Divisa Paraná – Paraguai
17
Na divisa do Estado do Paraná (Brasil) com o Paraguai são municípios fronteiriços:
Guaíra e Salto Del Guayrá. Em ambos, predomina o trabalho informal relacionado à agricultura,
mas muitos trabalhadores relatam que prestam serviços para o mesmo patrão durante muitos
anos. São trabalhadores de diversas faixas etárias e de baixo poder aquisitivo. Caracteriza-se
por uma população empobrecida que migra em busca de trabalho e que muitas vezes precisa
pedir auxílio para deslocar-se até os locais de atendimento nos serviços de saúde.
De acordo com o relato dos trabalhadores/usuários dos serviços de saúde, em Guaíra
inicialmente, não é feita relação entre o exercício das atividades laborais e os agravos à saúde.
Porém, quando questionados se as doenças que os levaram aos serviços de saúde estão
relacionadas ao trabalho, as respostas são afirmativas. Na concepção do gestor do município, o
adoecimento está diretamente ligado ao trabalho, principalmente, através da utilização de
agrotóxicos. Da mesma forma, em Salto Del Guayrá verifica-se a relação entre o exercício das
atividades laborais e os agravos à saúde: doenças respiratórias, picadas de cobras, acidentes
com maquinários, intoxicação com agrotóxicos. Foram mencionados registros de tentativas de
suicídio por trabalhadores, através da ingestão de venenos utilizados na agricultura. Destaca-se
também, acidentes de moto em decorrência da atividade de contrabando, muito frequente na
fronteira entre Paraguai e Brasil.
No campo da proteção social à saúde do trabalhador, a cidade de Guaíra aponta como
desafios para garantir o direito à saúde, a prevenção de doenças através dos cuidados na
aplicação de venenos e a prevenção sobre os agentes nocivos dos agrotóxicos na alimentação.
Na ocasião do trabalho de campo, havia um grupo composto por psicólogas e enfermeiras do
município organizando um roteiro de palestras para a comunidade, com esse propósito.
Quanto às demandas, os trabalhadores apontam que existe a necessidade de que o
serviço de saúde tenha melhor qualidade. Houve divergência de informações entre os
entrevistados sobre a inclusão de ações voltadas à Saúde do trabalhador no Plano Municipal de
Saúde. Em Salto Del Guaryrá confirmou-se a inexistência de programas e politicas voltadas
para a saúde do trabalhador, apenas ações específicas determinadas pelo nível de incidência.
Ressalta-se que não foram identificados Centros de Referência em Saúde do Trabalhador –
(CEREST), nessa região fronteiriça.
No que se refere ao atendimento aos estrangeiros nos serviços de saúde, os
entrevistados em Guaíra mencionam a necessidade de uma rede formal entre os países que
disponibilize recursos para atender a demanda. Observa-se a predominância de relações
informais estabelecidas entre esses municípios quanto aos serviços. Em Salto Del Guayrá
18
constatou-se que são atendidos apenas os brasileiros que moram naquele município ou em
situações de emergência.
3.4 Divisa Mato Grosso do Sul – Paraguai
Na divisa do Estado do Mato Grosso do Sul (Brasil) com o Paraguai são municípios
fronteiriços: Ponta Porã – Pedro Juan Caballero e Porto Murtinho – Puerto Carmelo Peralta. As
principais ocupações existentes no município de Ponta Porã estão relacionadas a atividades de
agropecuária, comércio, indústria de cerâmica e frigorífica. Da mesma forma, no município de
Pedro Juan Caballero predomina a agropecuária, o serviço publico e o comércio, além de
mineração (exploração de calcário). O perfil dos trabalhadores na divisa compõe-se de
trabalhadores rurais, comerciários, servidores públicos, trabalhadores da indústria e mineração,
além de aposentados e empregados domésticos.
As ocupações que predominam nos municípios de Porto Murtinho estão relacionadas às
atividades econômicas de pecuária (fazendas), exploração florestal, serviço público (educação)
e serviço doméstico. Em Puerto Carmelo Peralta, além da pecuária e exploração florestal,
constatam-se atividades voltadas ao turismo. Assim, o perfil dos trabalhadores de ambos os
municípios compõe-se de trabalhadores rurais, professores, empregados domésticos e ainda de
trabalhadores indígenas, que atuam como mão de obra para o turismo e a pesca.
Os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho identificadas foram: intoxicação por
agrotóxico; acidentes de trânsito; traumatismos por acidentes, doenças osteomusculares;
doenças vasculares (trabalhadores do comércio); lesões por esforços repetitivos, intoxicação
por agrotóxico, quedas de cavalo, coice de cavalo e boi, picada de animal, problema de coluna,
audição, visão, alergias, queimaduras de pele, envelhecimento precoce e dermatoses
(trabalhadores rurais). Depressão, estresse e ansiedade (professores); doenças respiratórias e
pneumonias (indígenas); cortes com ferramentas, golpes, mordidas de víboras, exposição ao
sol e a posição sentada (piloteiro); transtorno mental do sono e alimentar e irritação (pescador).
Com relação às políticas voltadas à Saúde do trabalhador, constata-se que não há
diretriz específica nos municípios. Existe apenas a organização de um fórum de trabalhadores
da saúde, sendo que um representante é membro do Conselho municipal da Saúde em Ponta
Porã. Em ambos os municípios não há sistemas de notificação. Dentre os desafios e demandas
relacionados à Saúde do trabalhador foram apontados o aumento do nível de industrialização
em Ponta Porã, a necessidade da criação de um centro de atenção psicossocial ao trabalhador,
tendo em vista o aumento das doenças relacionadas à saúde mental. Também se registrou a
19
inexistência de programas de prevenção dos efeitos do trabalho sobre a saúde, embora a
cidade passou a receber recursos para a implantação do Núcleo de Saúde do Trabalhador.
Em Pedro Juan Caballero identificou-se a falta de profissionais capacitados e o
crescimento da demanda por saúde do trabalhador em virtude do aumento da tecnologia e
complexidade do trabalho. Entendem que a Saúde do Trabalhador é um campo novo e um
desafio a ser enfrentado pelas duas cidades. Em Porto Murtinho, evidenciaram-se como
desafios no âmbito da Saúde do Trabalhador: falta de documentação (não é brasileiro e nem
paraguaio); relações de trabalho (sem contrato, baixos salários); capacitação e sensibilização
sobre saúde do trabalhador para sindicatos, patrões, trabalhadores, servidores. No município de
Puerto Carmelo Peralta os desafios apontados são: serviços especializados; a desproteção das
famílias após acidentes; inexistência de serviços em ambos os lados; falta de assistência com
atendimento básico; exploração no trabalho; e falta de pagamento de plano de saúde para o
trabalhador pelo empregador.
No que se refere às relações da rede de saúde, o município de Ponta Porã relatou que
existem parcerias entre os municípios com realização de reuniões mensais para discutir os
problemas fronteiriços e um Comitê Bipartite, este também destacado pelo município de Pedro
Juan Caballero. O lado brasileiro registrou que atende os trabalhadores paraguaios que
possuem documentação brasileira (dupla cidadania), e que os trabalhadores paraguaios
informais são forçados por seus empregadores brasileiros a buscar atendimento na rede pública
brasileira. Para os entrevistados, o Paraguai está mais vulnerável social e economicamente. No
município de Porto Murtinho, há decisão de atender todos os moradores da cidade de Puerto
Carmelo peralta que procuram os serviços de saúde, porém, reconhece-se que há resistência
por parte dos médicos em atender os paraguaios, bem como muitas diferenças culturais, como
o hábito de tomar ervas medicinais.
As relações estabelecidas entre os municípios caracterizam-se como informais e a cada
troca de gestor esses acordos informais recomeçam. Identificam a necessidade de a
municipalidade estabelecer um diálogo com o governo brasileiro para legalizar através de
convênios as políticas sociais dos dois municípios. Cabe destacar que o trânsito de paraguaios
é grande e muitos deles moram no Brasil sem documentos. De maneira semelhante, há
brasileiros trabalhando no Paraguai sem carteira assinada. Outros fatores que incidem sobre o
território são o problema da violência e tráfico de drogas, além da influência do poder
econômico e político.
20
3.5 Divisa Rio Grande do Sul – Uruguai
Na divisa do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil) com o Uruguai são municípios
fronteiriços: Jaguarão – Rio Branco, Santana do Livramento – Rivera, Quaraí – Artigas. As
principais ocupações dos trabalhadores em Jaguarão e Rio Branco relacionam-se às atividades
econômicas: agroindústria, agropecuária, comércio, construção civil. Predominam as formas de
trabalho informal. Em Santana do Livramento, ainda que o trabalho rural seja predominante, o
setor de serviços, em especial o comércio e a construção civil, absorve parcela significativa de
trabalhadores. Constata-se estreita relação entre a redução do número de habitantes e a falta
de trabalho formal. Em Rivera, os trabalhadores rurais também compõem a maioria da
população, juntamente com os trabalhadores de serviços (comércio e free shoppings),
mesclando formas de trabalho formal e informa.
O perfil dos trabalhadores de Quaraí e Artigas se caracteriza por trabalhadores rurais e
trabalhadores que atuam na extração de pedras preciosas, a maioria sob a condição de
diaristas sem registro profissional. Outra parcela dos trabalhadores atua no comércio e
construção civil. As principais situações de agravos à saúde do trabalhador nesses municípios
são: acidentes com máquinas, queimaduras, fraturas, intoxicações, zoonoses, traumatismos,
muitas vezes, devido a quedas de cavalo, lesões por esforços repetitivos, problemas de coluna,
intoxicações (exposição a produtos químicos).
No que se refere à área de Saúde do Trabalhador, nos municípios de Jaguarão e Rio
Branco constata-se a inexistência de políticas específicas. Jaguarão aponta que a falta de
entendimento acerca da saúde do trabalhador é o principal motivo da ausência de serviços
especializados na área. Registra que os sistemas de notificação são falhos, uma vez que
utilizados eventualmente. Rio Branco confirma que a informação é voltada apenas para o
trabalhador do setor formal visando o envio dos dados para o Banco de Seguros.
As demandas relacionadas à proteção social aparecem na comunicação do gestor de
Rio branco que a indica como principal demanda visando à geração de empregos. O que
demonstra ser uma preocupação central na relação entre saúde e trabalho. Da mesma forma,
nos municípios de Santana do Livramento e Rivera não existe uma política específica voltada
para a saúde do trabalhador. Predominam as iniciativas particulares e isoladas. O desafio
apresentado para área de Saúde do Trabalhador no lado brasileiro é a implantação de serviços
especializados, a exemplo do CEREST. Rivera aponta como demanda o desenvolvimento de
políticas sociais que atendam os direitos dos trabalhadores nas diferentes áreas.
21
As relações entre os municípios de Jaguarão e Rio Branco, no que diz respeito ao
acesso e funcionamento da rede de saúde, ocorre de maneira informal. O município de Rio
Branco informa que o sistema de saúde tornou-se universal no Uruguai, possibilitando a livre
circulação. Observou-se uma relação intrínseca entre os municípios de Santana do Livramento
e Rivera, especialmente no que diz respeito ao acesso à rede de saúde e a livre circulação de
trabalhadores. O município de Quaraí destaca que essa circulação de trabalhadores se dá,
principalmente, em busca de trabalho.
3.6 Divisa Rio Grande do Sul – Argentina 6
Na divisa do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil) com a Argentina são municípios
fronteiriços: Uruguaiana – Paso de Los Libres; Itaqui – Alvear; e São Borja – Santo Tomé. O
perfil dos trabalhadores no município de Uruguaiana é composto por trabalhadores rurais, que
atuam muitas vezes sem registro profissional; trabalhadores do comércio e serviços; e setor de
transportes, que absorve considerado número de trabalhadores majoritariamente informais, por
se tratar de uma região estratégica integrada a rodovias, ferrovias, portos e aeroportos do
MERCOSUL, em virtude do trabalho sazonal, bem como a intensificação do trabalho rural. Esse
território é caracterizado pela circulação de trabalhadores brasileiros e estrangeiros que
procuram emprego e são absorvidos tanto pelo mercado formal de trabalho, quanto informal. No
munícipio de Itaqui e São Borja, o perfil dos trabalhadores é composto por trabalhadores rurais
que atuam na agropecuária, principalmente na plantação de arroz, mesclando atividades
formais e informais, assim como nas demais atividades existentes, em especial, no setor de
serviços e comércio.
Na cidade de Uruguaiana não houve, por parte do gestor, a identificação de agravos
recorrentes ocasionados aos trabalhadores, alegando a inexistência de uma unidade e/ou
ambulatório próprios à saúde do trabalhador, o que teria impossibilitado a informação oficial de
casos relacionados. Dessa forma também evidenciou que não há sistema de notificação
organizado no município. Em Itaqui, os principais agravos relacionados ao trabalho identificados
pelos entrevistados foram: quedas com luxações e fraturas, casos de amputação, lesão por
esforços repetitivos e lesões na coluna, além de ferimentos com ferramentas ou máquinas e
acidentes de trânsito. Em São Borja, os danos à saúde do trabalhador evidenciados foram:
exposição de riscos ligada a produtos químicos, especialmente, na atividade agrícola e
6
Foram contempladas apenas as informações dos municípios fronteiriços brasileiros, uma vez que o trabalho de
campo foi realizado durante a epidemia da gripe A (H1N1) e não foi possível agendar as entrevistas com os
municípios fronteiriços da Argentina.
22
pecuária; intoxicações por veneno; acidentes com maquinário agrícola e lesões por esforços
repetitivos devido ao dispêndio de força física; estresse; e, problemas nas articulações dos
membros superiores.
Em Uruguaiana, constatou-se que a Secretaria Municipal de Saúde vem empenhandose para implementar projetos referentes à saúde do trabalhador junto ao Plano Municipal de
Saúde. No município de Itaqui, a ausência de ações na área de saúde do trabalhador foi
relacionada pelos entrevistados ao fato de o Plano Municipal de Saúde encontrar-se ainda em
fase de elaboração. Por sua vez, em São Borja a gestão do município prevê ações na área de
saúde do trabalhador no Plano Municipal de Saúde que dizem respeito à implantação de um
serviço voltado para a área.
Quanto às relações da rede de saúde no território, em Uruguaiana verifica-se o
estabelecimento de relações informais e eventuais com outros municípios, bem como a
ausência de uma articulação político-administrativa que favoreça a atenção aos trabalhadores,
principalmente os que transitam e trabalham na informalidade naquele cenário. Em Itaqui, os
dados registram que não há relação entre a rede de saúde dos municípios fronteiriços. Em São
Borja, a relação entre os municípios fronteiriços é estabelecida de acordo com a ocorrência de
acidentes no território vizinho, demonstrando se configurar uma relação mais formal de atenção
à saúde, assim como demais ações relacionadas a situações de epidemias.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados sobre o cenário fronteiriço estudado revelam uma imensa
lacuna no que se refere à proteção social à saúde do trabalhador. Demostram como são
construídos os processos de desigualdades sociais, diante da ausência e/ou insuficiência de
políticas públicas que possam enfrentar as consequências de um modelo de desenvolvimento
desigual num crescente processo de mundialização da economia que se beneficia de diferentes
formas de trabalho precarizado. São expressões de um contexto societário que atinge
profundamente a saúde dos trabalhadores, redimensionam os modos de produzir e gerir a
riqueza na sociedade e atingem modos de vida e sociabilidade humana.
A região de fronteira do MERCOSUL se constitui um lócus que demarca com
profundidade as assimetrias existentes entre os países membros em termos de políticas
públicas, num território que comunga, concomitantemente, necessidades e discrepâncias. As
23
respostas à garantia dos direitos dos trabalhadores parecem estar distantes da construção do
MERCOSUL. O mercado comum enseja perspectivas distintas. Por um lado, atende
diretamente ao processo de acumulação capitalista e à lógica do mercado e busca
subordinação dos países. Por outro lado, esforça-se na tentativa de legitimar a perspectiva de
integração regional que possa resultar em avanços no plano político e social e não meramente
econômico. Entretanto, a pesquisa aqui apresentada e demais estudos nesse âmbito
demonstram que a integração no plano político e social do MERCOSUL encontra-se
secundarizada e periférica.
No que se refere ao plano econômico, fica evidente o movimento do capital e sua
retroalimentação pelas diferentes formas de trabalho, com destaque para sua presença na área
rural. A região de fronteira apresenta um significativo contingente de trabalhadores rurais que
apresenta uma visível precarização no seu trabalho pela maneira pela qual se estabelece as
relações de trabalho no ramo da agropecuária (exemplo disso, é a pecuária extensiva adaptada
à realidade pantaneira do Mato Grosso do Sul, que está integrada às necessidades do mercado
de exportação da carne brasileira com a implantação da tecnologia com a colocação de chip no
gado) o que vem reduzindo os postos da população dessa região.
Essas constatações e a forma como cada municipalidade trata a população fronteiriça
evidenciam a diversidade de atendimentos que acompanha a especificidade das relações
estabelecidas em cada uma das fronteiras. Apreender a constituição desse território, cultura,
movimentos conjuntos e relações da rede, é pensar como ator desse cenário. Exige, assim,
adentrar nas diversidades dessas relações que vão desde a falta de acesso aos serviços para
os estrangeiros até a oferta e o atendimento indiscriminado da população.
Apresenta-se como resultado final desse estudo um diagnóstico situacional de cada uma
das divisas identificadas, expressando contextos em que o acesso ao direito à saúde do
trabalhador como forma de proteção social é negligenciado por diferentes mecanismos sociais,
sendo que coexistem elementos que favorecem a proteção e outros que ampliam a
desproteção, a exemplo do que ocorre com grande parte dos trabalhadores nos países do
MERCOSUL. A desproteção é representada por ausência de condições adequadas de trabalho,
impactos sobre o processo de saúde-doença e não formalização das relações entre os países
membros com vistas à garanti de acesso aos serviços de saúde na região. Esses mecanismos
revelam a ausência de integração no plano social do MERCOSUL, mesmo na região de maior
proximidade entre os países membros, como é o caso das cidades-gêmeas. Isso indica a
necessidade de construir a integração através de uma agenda política e econômica com a
24
adoção de estratégias que tenham impacto na proteção social à saúde do trabalhador, em
detrimento às políticas voltadas apenas ao trabalho assalariado e assim, levar em conta as
diferentes formas de inserção dos trabalhadores na atualidade.
Cabe ressaltar que as questões referentes à Saúde do Trabalhador no âmbito do
MERCOSUL são tratadas no Grupo de Trabalho - GT da Saúde e Trabalho no MERCOSUL, o
Sub-Grupo de Trabalho - SGT10, o qual discute as questões referentes ao trabalho, e o SubGrupo de Trabalho - SGT11, que diz respeito às questões de saúde. Consta no relatório do I
Simpósio de Saúde do Trabalhador e Proteção Social no contexto do MERCOSUL (2008) que
“além dos subgrupos que dão suporte para as decisões do MERCOSUL, existem instâncias
operacionais de caráter mais executivo, que são as reuniões de ministros” (MENDES et al,
2008). Portanto, a saúde do trabalhador vem sendo tratada, especificamente no âmbito das
ações governamentais de saúde, através da Comissão Intergovernamental de Saúde Ambiental
e de Saúde do Trabalhador (Acordo 24/2004). Esta está integrada com os objetos do SGT6
(meio ambiente), SGT10 (trabalho, emprego e seguridade social) e SGT11 (saúde) que
apontam como fundamental o desenvolvimento de sistemas de vigilância integrada, a Saúde do
Trabalhador no âmbito ambiental, sanitário e epidemiológico. Esse tem sido o espaço no qual
são discutidas, de forma mais específica e pontual, as questões de saúde do trabalhador.
O movimento histórico no qual essas questões se materializam, nas sucessivas crises
contemporâneas do capitalismo, no reordenamento político e geográfico, intensificam os
desafios na construção de novas formas de sociabilidades para o enfrentamento dos
antagonismos constantes na relação capital e trabalho e expressos nas condições de saúde,
adoecimento e acesso do trabalhador à proteção social. A situação objetiva, de condições de
vida e trabalho, expressam, muitas vezes, relações difíceis, complexas, polêmicas, resultantes
de alterações na organização do trabalho, que imprimem outros ritmos nas relações
profissionais e sociais. Tais questões somadas às assimetrias encontradas no cenário
fronteiriço contribuem para ampliar e recriar formas variadas de desigualdades sociais e trazem
novos desafios para a concretização e harmonização de direitos sociais no MERCOSUL.
REFERÊNCIAS
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Caribe: o desafio da eqüidade e da saúde no trabalho. In: HANDAR, Zuher; MENDES, René;
FACCI, Ruddy. O desafio da eqüidade em saúde e segurança no trabalho: temas de saúde
ocupacional nos países da América Latina. São Paulo: VK, 2004.
25
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BRASIL. Ministério da Previdência Social: Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br>.
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