Gestão de Pessoas

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REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
Revista de Administração Municipal – Municípios IBAM Julho/Agosto/Setembro 2012 Ano 58 Nº 281 ISSN 0034 - 7604
MUNICÍPIOS
Gestão de Pessoas
ARTIGOS
E MAIS
Gestão de Pessoas
Avaliação de desempenho
Servidores Temporários
Contratação de Serviços
Tributação da Propriedade
Administração Estatal
Pareceres
Em Foco
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
1
Editorial
De recursos humanos a pessoas:
uma visão integral do servidor público
Os Editores
udam o contexto e os conceitos,
permanece a essência da vocação,
do papel, dos direitos e deveres do
servidor público, enquanto a gestão de pessoas
veio, ao longo dos anos, incorporando valores
renovados de carreira como macrofunção da
Administração.
M
tecnologias exigem adaptação ou reciclagem
do servidor. Valores antigos, como a ética, e um
pouco mais novos, como o apelo à sustentabilidade, incidem sobre todo o ciclo profissional
do servidor, exigindo o seu ajustamento numa
ordem de valores compartilhados, cada vez
mais, em nível mundial.
Se por um lado o servidor é, em essência, um
servidor da sociedade, devendo a ela um retorno
de qualidade do seu trabalho, busca também
satisfação pessoal no trabalho que realiza. Essa
satisfação, portanto, é de duplo sentido. Por um
lado, reconhecendo na melhora da qualidade de
vida do País um pouco de si mesmo, e, por outro,
identificando nesse melhoramento um retorno
de qualidade na sua própria carreira funcional.
A enorme profusão e a atual oferta de informação exigem atualização e processamento
rápido de dados pelo servidor num ambiente
de gestão do conhecimento. O respeito às diferenças e às aptidões particulares favorece o
aproveitamento integral das capacidades humanas. O trabalho individual e setorial, por sua
vez, é posto sob o desafio do resultado coletivo
de equipes e de redes de trabalho.
De fato, o servidor participa de um extenso
ciclo de passagem pela Administração Pública:
do recrutamento e seleção de pessoal para provimento de cargos e de funções, passando pela
capacitação e pelo aperfeiçoamento de suas
competências, crescimento ou progresso de
carreira, avaliação de desempenho, remuneração pecuniária e enquadramento futuro como
beneficiário da previdência.
O início dos mandatos de Prefeitos e Prefeitas
é sempre uma oportunidade para um balanço
dessa macrofunção chamada Gestão de Pessoas
na Administração Pública. A Federação é trina
e as esferas de governo são independentes, o
que quer dizer que a União, os Estados e os
Municípios têm, cada um, responsabilidades
compartilhadas na gestão de pessoal do serviço
público. Porém, se a esfera local é a mais próxima
do cidadão, é aí que a sensibilidade pública para o
desempenho do servidor irá avaliá-lo face a face.
A distinção entre Estado, Governo e Administração Pública é fundamental para posicionar
o comportamento e a cultura institucional do
servidor. O cenário político e os valores daí
emanados, em grande parte, costumam definir
o marco de inclusão e de motivação da atuação
do servidor. Políticas públicas se sucedem,
definindo prioridades e modos particulares de
encarar o desafio do desenvolvimento. Novas
Ao fim e ao cabo, um servidor público é
também um cidadão e a sociedade, como mantenedora e beneficiária do seu trabalho, é quem
poderá avalizar o seu desempenho, cabendo aos
titulares dos cargos de liderança na Administração criarem as condições efetivas para o seu
melhor aproveitamento.
Editorial
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
3
Índice
EXPEDIENTE
A Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS é uma publicação
do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, de periodicidade
trimestral, depositada na Reserva Legal da Biblioteca Nacional e no Catálogo
Internacional de Periódicos sob o n.° BL ISSN 0034-7604. Registro Civil de
Pessoas Jurídicas n.° 2.215.
Editores
Alberto Costa Lopes – Editor Executivo
Heraldo da Costa Reis – Editor Técnico
Sandra Mager – Coordenadora Editorial
Conselho Editorial
Alberto Costa Lopes (IBAM), Ana Maria Brasileiro (UNIFEM/ONU/Washington/Estados Unidos), Celina Vargas do Amaral Peixoto (FGV/Rio de
Janeiro/RJ), Emir Simão Sader (CLACSO/Buenos Aires/ARGENTINA),
Fabricio Ricardo de Limas Tornio (UFPr/Curitiba/PR), Heraldo da Costa Reis
(IBAM), Jorge Wilheim (Consultor em urbanismo, São Paulo/SP), Paulo du
Pin Calmon (UNB/CEAG/Brasília/DF) e Rubem César Fernandes (VIVA
RIO/Rio de Janeiro/RJ).
Conselho Técnico
Alberto Costa Lopes, Alexandre Carlos dos Santos, Heraldo da Costa
Reis, Jaber Lopes Mendonça Monteiro, Maira da Graça Ribeiro das Neves
e Marlene Fernandes.
Artigos e reportagem / ARTICLES AND REPORTAGE
05
Challenges of political legitimation of personnel management in public management:
case study of a municipality of the Brazilian northeast
Roosevelt Bezerra da Silva Filho
Iêda Isabella de Lira Souza
14
ASSINATURAS
Tel.: (21) 2536-9711/ 2536-9712 • [email protected]
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Jornalista responsável: Mauricio S. Lima (MTb 20.776)
Jornalismo: Patrícia Fahlbusch
Revisora gramatical: Marisa Brito
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DEPARTAMENTO COMERCIAL
Contato: (21) 2462-1933
Avaliação do desempenho como ferramenta de melhoria do serviço
público / Performance assessment as a tool to improve public service
Valmor Pedro Bacca
27
Esta publicação consta do indexador internacional Lilacs – América Latina
e Caribe e nas seguintes páginas:
• FEA/USP - Departamento de Administração
• FGV - Biblioteca Mário Henrique Simonsen
• UNB - Biblioteca Machado de Assis
• Biblioteca Nacional
• Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia Catálogo Coletivo Nacional (CCN)
• Association of Research Libraries
• Latin Americanist Research Resources Project
• Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine - Centre
de Recherche et de Documentation sur l’Amérique Latine
• Facultad de Ciencias Juridicas y Politicas - Universidad Central
de Venezuela
• HACER - Hispanic American Center for Economic Research
Desafios da legitimação das políticas de gestão de pessoas na gestão
pública: estudo de caso de uma prefeitura do nordeste Brasileiro /
A Tensão entre regime jurídico único e servidores temporários / The
tension between the regular rules for hiring workforce and the temporary contracts in
the Brazilian public administration: a judicial debate with some consequences to the
management.
Alexandre Veronese
37
Inadequação da licitação na modalidade pregão para contratação de
serviços para realização de concurso público / The inadequacy of licitation in
cry modality for hiring of services for public concurrence
Jaber Lopes Mendonça Monteiro
Rafael da Silva Alvim
46
51
66
Reportagem / Report
Patrícia Fahlbusch
Maurício Lima
Um diagnóstico atualizado da tributação da propriedade no Brasil /
Updated diagnosis on property taxation in Brazil
José Roberto R. Afonso
Julia Morais Soares
Kleber Pacheco de Castro
Administração estatal ou social: um falso dilema / State or social
administration: a false dilemma
Carlos Fernando Galvão
Os artigos refletem a opinião de seus autores. É permitida a sua
reprodução desde que citada a fonte.
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Conselho Fiscal
Aguinaldo Helcio Guimarães, Paulo Reis Vieira, Raymundo Tarcísio
Delgado, Roberto Guimarães Boclin, Willian Alberto de Aquino Pereira.
PARECERES / reportS
76
Cargos de provimento em comissão. Fixação do percentual mínimo a ser
exercido por servidores efetivos. Iniciativa do projeto de Lei. Competência
78
Em Foco / Highlighting
Superintendência Geral
Paulo Timm
REPRESENTAÇÕES
São Paulo
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Gestão de Pessoas
Desafios da legitimação das políticas
de gestão de pessoas na gestão pública:
estudo de caso de uma prefeitura
do nordeste Brasileiro
Roosevelt Bezerra da Silva Filho — Doutorando em Administração – PPGA/UFRN e Mestre em Administração – PPGA/UFRN
– [email protected]
Iêda Isabella de Lira Souza — Doutoranda em Administração – PPGA/UFRN e Mestre em Administração – PPGA/UFRN
– [email protected]
RESUMO
O presente artigo trata da descrição dos desafios de uma prefeitura na legitimação das ações da política de gestão
de pessoas. Para tanto, buscou-se compreender os fenômenos a partir da perspectiva da Nova Gestão Pública e do
Neoinstitucionalismo. Quanto aos resultados, é possível inferir que, apesar dos entraves no processo de ruptura e
da necessidade de se criar mecanismos estruturadores, a política de pessoal estabeleceu os novos parâmetros para
um padrão de desempenho superior.
Palavras-chave: Nova Gestão Pública. Legitimidade. Desenvolvimento Humano.
Introdução
A necessidade de um Estado voltado para a sociedade
e com foco nos resultados de
suas ações tem demandado dos
gestores públicos mais do que
capacidade técnica para gerir
orçamentos e o cumprimento
dos princípios da administração pública. Assim, modernizar
o aparato público tem sido
discutido desde a década de 80
como ferramenta fundamental
para a reorientação do Estado.
Nesse estudo, a discussão
acerca da modernização ad-
ministrativa é tratada pelo
enfoque humano nas organizações. Para tanto, aborda-se
a perspectiva humanística
da administração a partir da
concepção da Nova Gestão
Pública (New Public Management) em contraponto aos
desafios que os gestores da
área de pessoal enfrentaram
numa prefeitura do Nordeste
brasileiro.
Na Nova Gestão Pública
(NGP) assentam-se os fundamentos básicos da concepção
de um modelo de Estado
orientado para o cliente-cida-
Gestão de Pessoas
dão. O foco está na gestão por
resultados, na flexibilidade
administrativa, no controle
social e na valorização das
pessoas (MATIAS-PEREIRA,
2009). Bresser-Pereira (2005)
corrobora ao explicar que o
objetivo da NGP é criar um
Estado capaz de atender as necessidades de seus cidadãos;
na qual os eleitores possam
fiscalizar o desempenho dos
políticos e estes também sejam obrigados a prestar contas
à sociedade.
Os autores deste artigo entendem que o desenvolvimento
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humano é uma premissa subjacente ao paradigma da Gestão
Pública voltada a resultados,
uma vez que tais ações promovem a atualização dos indivíduos aos novos modelos de gestão
e potencializam a mudança de
cultura da organização.
Portanto, o objeto deste estudo são as Políticas de Gestão
de Pessoas de uma prefeitura
da Região Nordeste do Brasil
no tocante ao desenvolvimento
humano e organizacional. A
prefeitura promoveu formalmente uma política de valorização do servidor, e o princípio
da valorização do servidor está
incorporada à missão da organização.
Quanto à finalidade, o artigo descreve os desafios encontrados pela equipe de gestores
para a legitimação das ações da
política de gestão de pessoas,
sobretudo na reorientação dos
valores organizacionais de
um modelo burocrático para
a gestão por resultados. Para
isso, buscou-se identificar as
ações governamentais realizadas desde a reforma administrativa, dentro do escopo
de suas definições e dos seus
resultados.
Quanto aos procedimentos
metodológicos da pesquisa,
que é descritiva, trata-se de
um estudo de caso, com abordagem qualitativa. As informações foram levantadas junto
a quatro gestores ligados à
Política de Gestão de Pessoas
na prefeitura. Depois de coletados, os dados primários foram
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
transcritos e analisados com
base no método de Análise de
Conteúdo.
A nova gestão pública:
origem e princípios norteadores
As discussões sobre a eficiência governamental vêm
sendo realizadas nos âmbitos
acadêmico e social na perspectiva de desenvolvimento,
implementação e avaliação de
Políticas Públicas. No cerne da
questão, o que se apreende é
que a eficiência de um governo
se mostra como consequência
das Políticas Públicas e obras
estruturantes que condicionem
melhoria da qualidade de vida
para a população.
Como qualquer organização, o alcance dos objetivos das
instituições públicas depende
diretamente do bom uso dos
recursos próprios, e da capacidade destas de adquirir, seja
por investimentos financeiros
seja por parcerias, recursos os
quais não têm. Como conhecer
bem suas forças e fraquezas é
essencial para o direcionamento dos esforços organizacionais, esse diagnóstico tem se
mostrado basilar para estratégias da Gestão de Pessoas.
As ações governamentais para
atingir as metas se dão por
meio do capital intelectual da
própria organização.
A origem e o desenvolvimento da NGP tiveram impacto significativo no governo
dos Estados Unidos e no de
todo o mundo a partir do instante em que foram levantadas, dentro de sua concepção,
questões fundamentais tanto
para os gestores públicos
quanto para a sociedade (DENHARDT, 2012).
Na perspectiva da NGP é
considerado o processo de
transposição de elementos
da administração empresarial para a administração pública, de forma que algumas
práticas institucionalizadas
pelo empresariado fossem
Na Nova Gestão Pública, o foco está na gestão por resultados, na flexibilidade administrativa, no controle social
e na valorização das pessoas
Gestão de Pessoas
“
É necessário que os gestores tenham muito claro que
a estrutura de uma organização impacta fortemente
na execução de suas políticas e consequentemente
na obtenção de seus resultados
incorporadas pelas organizações públicas (SLOMSKI
ET AL, 2008). Portanto, as
premissas subjacentes no
campo baseiam-se no determinismo exercido pelo
mimetismo das práticas
gerenciais legitimadas em
outras organizações públicas e/ou privadas.
Hood (1995) explica que
a NGP se afasta dos modos
tradicionais de legitimação
da burocracia pública para
adotar práticas institucionalizadas no campo das organizações privadas.
Pode-se exemplificar o mimetismo das ações de uma
organização por meio das boas
práticas de outras, a partir do
elevado número de “Escolas de
Governo” ou “Escolas de Gestão Pública” implantadas nas
estruturas organizacionais de
governos subnacionais – Estados e municípios. O grande
número de escolas desse tipo
foi induzido pela legitimidade
da Escola Nacional de Administração Pública (Enap),
instituída em 1986, a ponto de
levar à criação de estruturas
organizacionais similares nos
governos subnacionais.
Conforme Pacheco (2003),
até o fim da década de 90, imperou como modelo para as
Escolas de Governo no Brasil
o padrão francês da École Nationale d’Administration (Ena)
com o fim de formar a futura
elite do setor público. O autor
ressalta, porém, que o molde
de ensino da Ena propiciou o
desenvolvimento intelectual
dos indivíduos de tal forma
que prejudicou a capacidade
destes de liderar grupos, de desenvolver trabalho em equipe
e de aplicar a teoria à prática
das organizações.
Na avaliação de Hood (1995),
muito antes de as organizações
públicas instituírem espaços
para o desenvolvimento dos
seus funcionários, diversas
empresas, inclusive no Brasil, já
trabalhavam nessa perspectiva.
Acerca da legitimidade,
DiMaggio e Powell (1983) ex-
Gestão de Pessoas
”
plicam que o ambiente é interpretado pelos atores sociais,
criando lentes pelas quais eles
percebem o que está em sua
volta. Dessa forma, são reconhecidos como provedores de
legitimidade, nos quais regras,
modos de compreensão e significados subjetivos estão presentes, e exercem influência
sobre a relação entre a ação e
a estrutura.
Considerando que a NGP
tem o cidadão como foco de
suas ações, sobretudo por buscar prestar contas, Matias Pereira (2009) advoga que a mudança de cultura das organizações públicas exige profunda
revisão dos modelos gerenciais
existentes. A implantação
de uma nova gestão pública
demanda transformação na
estratégia de gerenciamento,
que deve ser posta em prática
em uma estrutura administrativa reformada. (Matias.
Pereira, 2009).
O processo de modificação
das instituições públicas, com
o advento da NGP, também
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pela legitimidade de ações por
parte do Governo quanto à
melhoria da eficiência do Estado e ao alcance de resultados
positivos no atendimento às
expectativas do cidadão.
Como mecanismo de valorização do servidor, o Programa de Qualidade de Vida no Trabalho foi incorporado
às funções da Escola, fazendo parte do componente estratégico de desenvolvimento humano e organizacional
é tratado por Sano e Abrucio
(2008). Os autores explicam
que as ideias e as reformas da
Nova Gestão Pública alimentaram os processos de mutação
em diversos países.
Abrucio (1997) explica que a
modificação do foco fez emergir, no escopo das organizações
públicas, a gestão orientada para
a qualidade dos serviços por intermédio da Administração da
Qualidade Total (Total Quality
Management – TQM), sendo
estas incorporadas a partir dos
resultados obtidos nas experiências das organizações privadas.
De acordo com Bresser-Pereira (2005), a NGP considera:
1) a descentralização política,
transferindo-se recursos e competências para os governos regionais e locais; 2) descentralização administrativa, por meio
da delegação de autoridades
aos administradores públicos;
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3) organizações com menores
níveis hierárquicos; 4) pressuposto da confiança limitada em
detrimento da desconfiança total; 5) controle dos resultados; e
6) administração voltada para o
atendimento do cidadão.
Do mesmo modo, a NGP não
surge apenas por problemas a
serem enfrentados, mas advém
da necessidade de maior legitimidade da burocracia frente às
demandas da sociedade (BRESSER-PEREIRA, 2005; SLOMSKI
ET AL, 2008).
No Brasil, as ideias da NGP
aportaram ainda no primeiro ano do governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC), por
meio do Ministério da Administração e Reforma do Estado
(Mare), propostas no Plano
Diretor da Reforma do Estado
(SANO; ABRUCIO, 2008). A estratégia adotada naquela administração se balizava na busca
Denhardt (2012), por sua
vez, elucida o fato de que essas mudanças podem não ser
desejáveis, pois existe uma
cultura nas organizações públicas de que a associação de
valores empresariais não deve
ser perseguida a todo custo.
Sendo fator crítico importante
de se considerar no momento
em que se integram processos
para transformações numa organização pública.
De qualquer sorte, fica evidente a importância da legitimidade das ações por parte
do governo, como forma de
responder as demandas da
sociedade. De acordo com os
institucionalistas, as organizações estão inseridas em um
contexto constituído de regras,
crenças, mitos, valores e de elementos sociais e culturais criados e institucionalizados por
meio da interação social. E os
gestores públicos devem saber
direcionar os seus esforços para
implementar variações que
ocasionem impactos positivos
na sociedade.
Discussão do caso: os desafios
da gestão de pessoas na gestão
pública para legitimar as ações
de desenvolvimento humano e
organizacional
Na perspectiva da gestão de
pessoas nas organizações priva-
Gestão de Pessoas
das, os desafios para os gestores
estão pautados primeiramente
nos processos de recrutamento e seleção de pessoal. Peter
Drucker, um dos principais
autores do management, advoga
que esse é o principal negócio
de todas as organizações. E é
tarefa do gestor de pessoal o desenvolvimento do indivíduo e a
capacidade de reter os talentos
produzidos no âmbito organizacional, de forma que este não
possa futuramente incorporar
suas atividades profissionais
em empresas concorrentes ou
competidoras.
Por muito tempo os gestores de pessoas nas organizações públicas despenderam
tempo apenas no acompanhamento funcional dos servidores públicos, o que congrega
um modelo burocrático de
gestão de pessoas fundamentado nos princípios do direito
administrativo.
A transformação de paradigma impulsionada pela sociedade, na qual se exige maior
efetividade das políticas públicas de um governo, determina
aos gestores uma perspectiva
estratégica na gestão de pessoas, de modo que estas passem
a ser tratadas como recursos
valiosos para se alcançar metas
organizacionais.
É preciso, para tanto, encarar
a organização pública como
sendo parte de um universo de
outras organizações que são
vistas, e por vezes avaliadas pela
sociedade, enquanto governo. A
legitimidade das políticas de
um governo são claramente
comparadas pela comunidade,
que institui parâmetros que
estabelecem a efetividade ou
não de um governo.
Para fins desta pesquisa, três
premissas são essenciais para o
alcance dos objetivos organizacionais. Elas se constituem
tarefas do gestor de pessoas nas
organizações públicas:
1) Capacidade gerencial de articular as ações dos indivíduos
às demandas sociais, a fim de
que os interesses sociais da população se sobressaiam aos políticos, sejam estes individuais
ou de pequenos grupos. Nesse
ponto, a institucionalização das
políticas de governo como mecanismo de qualidade de vida
para a sociedade é básica, sendo
a habilidade para a promoção de
articulação necessária aos gestores de pessoal. Assim, pode-se
inferir que desconsiderar o fator
político no engajamento dos
indivíduos às ações de governo
se configura grave equívoco;
2) Capacidade de desenvolver
nos gestores de secretarias e
de ministérios o senso de unidade. É comum que cada gestor
passe a trabalhar em função
dos resultados de suas pastas
e não considere uma visão
estratégica sistêmica. Não considerar esse ponto potencializa
as chances de não se conseguir
a premissa anterior, pois o aspecto político se sobressai às
questões gerenciais;
3) Desenvolver o corpo de servidores para que os resultados
Gestão de Pessoas
de suas ações possam condicionar o alcance dos alvos da
organização. Nesse caso, faz-se
necessário que as estratégias
do governo estejam claramente
definidas, internalizadas pelos
servidores e aderentes ao programa de desenvolvimento.
As questões norteadoras da
pesquisa passam pelos desafios
iniciais aqui tratados, de modo
que seja possível descrever
com mais precisão as ações do
governo nos últimos quatro
anos. Ressalte-se que as premissas 1 e 2 demandam, por
parte do gestor do executivo,
uma descentralização administrativa para os gestores da
Política de Pessoal das formas
de coordenação dos esforços
coletivos, para que se possa
direcioná-los aos propósitos
da organização e da sociedade.
Como forma de caracterizar
a prefeitura, foco de análise do
presente estudo, aqui estão alguns dados secundários levantados na pesquisa. O número
de funcionários é de aproximadamente 25.000, entre servidores comissionados, efetivos,
pensionistas e aposentados.
A administração pública está
localizada na Região Nordeste
do Brasil, sendo formada por 26
órgãos administrativos. Foram
analisadas as ações da Política
de Pessoal, de competência da
Secretaria de Administração.
Antes de tratar especificamente das discussões de
desenvolvimento humano e organizacional, faz-se necessário
explicitar que o ativo principal
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de uma organização, ou seja, o
conhecimento organizacional
vem sendo discutido no âmbito acadêmico como um dos
fatores essenciais ao sucesso de
uma organização.
Tanto o conhe cimento
tácito, encontrado no próprio indivíduo através da
apropriação mediante experiências e pesquisas, quanto
o explícito, que se encontra
nos documentos, nas leis e
nos regimentos internos, são
basilares para se alcançar os
objetivos organizacionais.
Nos primeiros dias de governo, os gestores identificaram a
necessidade de se concretizar
uma série de estratégicas a
fim de nortear as ações para a
promoção do desenvolvimento
humano e organizacional, pois
em termos de gestão do conhecimento muito pouco havia
sido realizado até então. Existia
pouco informação em regimentos internos, e o conhecimento
tácito de alguns setores havia
se perdido com a exoneração de
alguns cargos comissionados
da gestão anterior.
De qualquer forma, as bases para a Política de Gestão
de Pessoas também definidas
à época de transição, como a
criação da Escola de Gestão
Pública e uma reforma administrativa, foram implantadas
nos primeiros dias de governo.
Como ações estruturantes, foi
realizado censo para identificar
as competências dos servidores
públicos municipais, as áreas de
atuação na capacitação e no de-
10
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
senvolvimento humano, além
de apontar oportunidades para
implementar um Programa de
Qualidade de Vida no trabalho.
De acordo com os gestores,
a política de pessoal assentava-se no paradigma burocrático.
Sua ênfase recaía nos procedimentos administrativos de
análise processual, tais como
concessão de vantagens e de
benefícios, aposentadorias e
férias, entre outros. Não existia um Plano de Cargos e Carreiras (PCC), apesar de já terem
sido feitos vários estudos de
atualização de uma matriz
salarial que existia somente
como projeto de lei. A ausência
do PCC incorria em salários
iguais em todos os níveis
funcionais, demandando dos
gestores a prática equivocada
de concessão de gratificações
como forma de melhorar a
remuneração dos indivíduos e,
consequentemente, de buscar
maior empenho de todos.
A decisão de implantar o
Plano de Cargos e Carreiras
ganhou força depois que uma
coleta de dados diagnosticou
o não comprometimento dos
servidores com as agendas
de governo. Para os gestores,
foi preciso mostrar que havia
empenho com as causas dos
funcionários para que eles passassem a produzir melhor.
A queda dos repasses do
Fundo de Participação dos
Municípios (FPM), no final
do ano de 2009, diminuiu as
esperanças de se instituir um
Plano de Cargos mais audacio-
so. A prefeitura se mostrava
dependente de tais recursos e
o governo necessitava do montante orçado para a execução de
seus projetos e obras.
Depois de meses de estudos,
foi apresentado aos sindicatos
dos servidores públicos municipais um Plano de Cargos.
Apesar de não ser o esperado
por todos, foi debatido e considerado satisfatório pelas
representações dos servidores.
O processo das discussões foi
facilitado pela situação em que
os servidores estavam em termos de perspectivas salariais.
De qualquer forma, a análise
do plano com os sindicatos foi
primordial para a legitimação
das ações do governo voltada
para o pessoal e garantiu certa
tranquilidade de aprovação
junto à Câmara dos Vereadores.
O estímulo para buscar o
esforço do servidor às causas sociais foi estabelecido
após a publicação da lei e da
implementação do plano. Os
gestores da Política de Pessoal passaram a investir tempo
na criação de uma política de
desenvolvimento humano que
promovesse, de fato, padrões
de desempenho compatíveis ao
esperado pela sociedade.
Cabe destacar que até essa
fase muitos cursos haviam
sido ofertados pela Escola de
Governo, mas os servidores
resistiam em participar, pois
não tinham certeza de que benefícios financeiros teriam. Na
opinião do entrevistado 1, para
Gestão de Pessoas
um curso ter sucesso era preciso divulgar outros aspectos
oferecidos: “Um dia foi preciso
dizer que o lanche do curso era
bom para que o servidor fizesse
a sua inscrição”.
Outro desafio que a equipe
de gestores encontrou nas
políticas de desenvolvimento
humano e organizacional foi o
compromisso dos chefes imediatos para liberar o servidor
nos horários dos cursos. Tal
prática esvaziava a participação. Com inscrições previamente feitas, o não comparecimento colocava em cheque a política de capacitação e os próprios
resultados do governo junto à
sociedade, além de caracterizar
dispêndio de recursos públicos.
Como forma de minimizar
tal gasto, passou-se a trabalhar com uma estratégia: em
cada curso havia um servidor
multiplicador, cujo papel seria
o de transmitir o conhecimento aos demais servidores
com atuação semelhante nos
órgãos municipais.
Para melhorar o processo, foram realizados cursos
de aprimoramentos de técnicas de comunicação para
os multiplicadores. Outros
servidores se apresentaram
posteriormente, dispostos a
fazer o papel de multiplicadores em cursos futuros. A
Escola de Governo começou a
dar os primeiros passos para
sua legitimação, uma vez que
a procura por parte dos próprios servidores representava a
adesão às políticas de pessoal.
O alcance dos objetivos das instituições públicas depende diretamente do bom uso dos recursos próprios
Quanto às questões tratadas na política de remuneração, segundo o entrevistado
3, numa reunião entre os
gestores foi discutido que o
incremento no salário não
seria suficiente para garantir
o comprometimento do servidor a longo prazo. Outros
projetos com a finalidade
de desenvolver e melhorar
a qualidade de vida, assim
como a integração das ações
do governo por intermédio
das secretarias, precisavam
ser desenvolvidos.
Como mecanismo de valorização do servidor, o Programa de Qualidade de Vida
no Trabalho foi incorporado
às funções da Escola, fazendo
parte do componente estratégico de desenvolvimento
humano e organizacional.
Entre as ações, desenvolvidas por um corpo técnico de
servidores das secretarias de
Administração e de Saúde, es-
Gestão de Pessoas
tavam massagens, aferição de
pressão e palestras educativas
de alimentação e postura no
trabalho.
Naquele momento houve a
articulação dos gestores para
garantir acesso a recursos
complementares, bem como a
ação voltada ao direcionamento das duas secretarias. Depois
de legitimadas internamente,
num programa de visitas a
todos os órgãos da administração municipal, foram agrupadas às ações da prefeitura nos
bairros mais distantes.
Com programa de capacitação e desenvolvimento dos servidores, elaborado com base em
pesquisas desenvolvidas junto
aos servidores por um instituto contratado, outros cursos
foram inseridos, considerando
quatro eixos diferentes de desenvolvimento. Os resultados
esperados não foram atingidos,
uma vez que as dificuldades
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para efetivar a participação dos
servidores persistiam.
No entanto, ainda que esse
fato apresente-se de forma negativa, é importante destacar
que um Plano de Desenvolvimento constituído formalmente potencializa a gestão do
conhecimento organizacional,
pelos registros e pelas orientações que o mesmo traz para as
ações futuras.
De acordo com o gestor 4, a
comunicação para oferta dos
cursos estava sendo realizada
por meio de diferentes tipos de
mídias, mas os problemas de
comunicação persistiam. Com
o objetivo de se realizar uma
comunicação mais estreita com
a equipe de gestores de pessoal
de todos os órgãos, foi realizado
um encontro a fim de estreitar
os laços e estabelecer novas
formas de dinamizar o processo
de inscrição, estimulando o desenvolvimento dos servidores.
Impacientes com os resultados, e antenados aos desafios
de legitimação da política de
desenvolvimento, os gestores
mais uma vez passaram a elaborar mecanismos estruturadores
para a gestão de pessoas. Segundo o entrevistado 3, a ideia
era estabelecer novos critérios
para que os servidores se estimulassem a buscar por conta
própria o seu desenvolvimento.
Foi instituída a Comissão
de Avaliação de Desempenho
e uma lei definiu as bases para
a mudança do nível na matriz
remuneratória. Foram estabele-
12
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
cidas quantidades mínimas de
horas em cursos para o servidor
pleitear promoções.
As ações de desenvolvimento humano e organizacional
da prefeitura apresentara aos
gestores uma série de desafios
para a estruturação de uma
política baseada em um padrão
superior de desempenho. A necessidade de readequar as ações
e, por vezes, desenvolver novas
estruturas impactou significativamente nos resultados da
política de pessoal, pois o tempo
dos gestores para legitimar as
ações diminuiu à medida que
surgiam novos desafios.
Do ponto de vista da articulação entre os órgãos – Café de
Gestão, reuniões setoriais para
enfrentamento das discussões
de pessoal, Programa de Qualidade de Vida no Trabalho,
bem como os cursos voltados
aos gestores –, as ações foram
trabalhadas com a meta de estreitar relações e produzir um
pensamento sistêmico.
Mesmo que muitos gestores tenham a perseguir ações
isoladas como forma de produzir resultados positivos de
sua gestão em particular, é
possível inferir que o trabalho
foi significativo. O Programa
de Qualidade de Vida no Trabalho, por exemplo, permitiu
à Secretaria de Administração
desenvolver ações voltadas
para além dos “muros do governo”, constituindo as bases
para a prestação de serviços à
comunidade juntamente com
a Secretaria de Saúde.
Considerações finais
Pelos dados apresentados
neste estudo, é possível afirmar
que houve, por parte dos gestores da área de Gestão de Pessoas,
predisposição para desenvolver
no município os princípios
norteadores da NGP, sobretudo
na busca de padrão de desempenho capaz de proporcionar ao
governo a legitimidade de suas
políticas perante a sociedade.
Ainda que pesem as premissas elencadas neste artigo, é necessário que os gestores tenham
muito claro que a estrutura de
uma organização impacta fortemente na execução de suas
políticas e consequentemente
na obtenção de seus resultados.
Neste estudo, particularmente, fica caracterizado que
embora houvesse vontade dos
gestores em promover um padrão de desempenho elevado
dos servidores públicos municipais, questões estruturantes
precisaram ser adequadas para
produzir o resultado esperado.
Neste caso, se faz necessária
a produção de novo estudo ao
final do próximo governo, que
considere as variáveis de pesquisas aqui tratadas a fim de se
avaliar até que ponto as ações
estruturantes condicionaram
novos padrões de desempenho.
Algumas ações da política
de valorização do servidor estão
fundamentadas nos princípios
da NGP. Programas de Qualidade de Vida no Trabalho têm
sido introduzidos nas estruturas
Gestão de Pessoas
governamentais, como forma de
reduzir doenças ocupacionais.
Estas ações, por sua vez, tiveram
forte impacto nos resultados das
organizações privadas na década
de 90, o que sugere a ação do
isomorfismo mimético.
Dentro dos princípios da
NGP, foi possível identificar
uma mudança de paradigma
na gestão de pessoas, na qual
se observa um enfoque mais
voltado para as questões estratégicas. É preciso que as práticas desenvolvidas pelo governo
sejam aprimoradas de forma a
se garantir um desenvolvimento organizacional sustentado.
Por fim, quanto às premissas 1 e 2 deste estudo, ainda
que se possa verificar a existência de algumas ações, estas
aparecem de forma tímida em
relação ao que se produziu na
perspectiva do desenvolvimento humano. Cabe ressaltar que
ambas pressupõem descentralização por parte do executivo
para os gestores de pessoal,
fato que foi identificado na
pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRESSER-PEREIRA, L. C. Da administração pública burocrática à gerencial. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter. Reforma do estado e administração pública gerencial. 6. Ed. São Paulo: FGV, 2005.
DENHARDT, R. B. Teorias da administração pública. Tradução técnica e glossário Francisco G. Heidemann. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
HOOD, C. The “new public management” in the 1980`s, Accounting Organization and Society, v. 20, n. 2-3, p. 93-109, 1995.
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SLOMISKI, V.ET AL. Governança corporativa e governança na gestão pública. São Paulo: Atlas, 2008.
RESUMEN
Desafíos de la legitimación política de administración de personal en la administración pública: Estudio de caso de
un municipio del nordeste de Brasil
Este artículo trata de la descripción de los desafíos de una prefectura en la legitimación de las acciones de la política de gestión de
personas. Por lo tanto hemos tratado de comprender los fenómenos desde la perspectiva de la Nueva Gestión Pública y neo institucionalismo. En cuanto a los resultados, se puede inferir que a pesar de los obstáculos en el proceso de ruptura y la necesidad de crear
mecanismos que la estructura, la política de personal establecido nuevos parámetros para un modelo de rendimiento superior.
Palabras-clave: Nueva Gestión Pública. Legitimidad. Desarrollo Humano.
ABSTRACT
Challenges of political legitimation of personnel management in public management: case study of a municipality
of the Brazilian northeast
This article deals with the description of the challenges of a prefecture in legitimizing the actions of the management policy of people.
Therefore we sought to understand phenomena from the perspective of New Public Management and Neo-Institutionalism. As for the
results, we can infer that despite the obstacles in the process of rupture and the need to create mechanisms which structure, personnel policy established new parameters for a pattern of superior performance.
Key words: New Public Management. Legitimacy. Human Development.
Gestão de Pessoas
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
13
Avaliação de desempenho
Avaliação de desempenho como ferramenta
de melhora do serviço público
Valmor Pedro Bacca — Secretário de Administração e Finanças do Município de Peritiba-SC e Pós-graduando em Administração Pública
da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC – Campus de Joaçaba – [email protected]
RESUMO
O presente trabalho dispõe sobre avaliação de desempenho do servidor público, como ferramenta de gestão de
pessoas e um processo que inclua atividades de planejamento, acompanhamento e avaliação e que procura integrar
os diferentes níveis organizacionais e promover a melhoria da performance de indivíduos, de equipes de trabalho e
da organização como um todo. Nesse processo destacamos o planejamento estratégico que identifica as metas a
serem alcançadas a partir da missão, da visão e da análise do ambiente externo e interno.
Palavras-chave: Avaliação de Desempenho. Servidor Público. Gestão de Pessoas.
Introdução
A administração pública
passa por um momento de
redefinição de estruturas. A
estrutura burocrática não encontra lugar quando se refere
a organizações cada vez mais
enxutas, das quais é exigida
mais qualidade na prestação
de serviços. Neste contexto, a
área de Recursos Humanos tem
papel fundamental, na medida
em que se vê responsável por
reelaborar sua política de ação
com referência aos funcionários, incumbidos de assumir
postura diferente frente à nova
administração pública.
Será difícil implantar um
programa de recursos humanos
em qualquer organização sem
informações adequadas sobre
o comportamento das pessoas
que nela trabalham. A avaliação de desempenho pode ser o
meio de se obter essas informações. Assim, a avaliação serve
14
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
como um dos mecanismos para
transformações no âmbito
funcional das organizações
públicas, podendo ser usada no
sentido de averiguar deficiências e proporcionar políticas de
desenvolvimento profissional.
O presente trabalho visa
analisar os aspectos relacionados à gestão de recursos
humanos nas organizações
públicas, no que se refere especificamente à questão da
avaliação de desempenho, considerando os seus objetivos
e a importância na realidade
dessas organizações.
Após a presente pesquisa,
pode-se concluir que a subjetividade inerente a todo e
qualquer processo de avaliação
é mais visível na administração
pública, já que dificilmente se
poderão calcular salários, promoções ou outras vantagens
em função, por exemplo, dos
volumes de venda ou da pro-
dução de bens ou de serviços.
A missão pública terá sempre
por obrigação servir indiferencialmente o cidadão e não a
simples geração de lucro. Estas
funções e obrigações do trabalhador público fazem com que
a sua avaliação individualizada
seja particularmente difícil.
Outro aspecto a ressaltar é
que a Administração Pública
em todos os níveis e esferas enfrenta um importante processo
de mudança organizacional,
em prol de um aumento da
eficiência, da eficácia e da
economicidade. A existência
de um sistema de informação
estratégica torna-se essencial para apoiar o processo
de tomada de decisões, aumentar a transparência das
atividades desenvolvidas perante os cidadãos e aumentar
a racionalização na gestão dos
recursos. A preocupação com a
satisfação da comunidade face
aos serviços prestados consti-
tuía principal perspectiva de
desempenho em organizações
públicas, sendo básico desenvolver medidas de desempenho
a este nível. Assim, a introdução de sistemas de avaliação
de desempenho no setor público exige, cada vez mais, uma
análise multidimensional do
desempenho, uma adaptação
ao contexto político em que
estas instituições operam, uma
mudança na cultura instalada
face à avaliação de desempenho
e a consideração do cidadão e
da excelência no atendimento
de suas necessidades como um
principal fim a atingir.
Avaliação de desempenho
Em ambiente extremamente competitivo, marcado pela
globalização e por fatores dinâmicos, a área de gestão de
pessoas surge como setor estratégico para o desenvolvimento
das organizações. Levando-se
em consideração o ambiente
público, observa-se que na área
de Gestão de Pessoas é primordial adequar a realidade pública
aos novos paradigmas administrativos que primam pela
eficiência, por baixos custos,
por rapidez e por bons serviços
(LOTTA, 2002, p.3).
A avaliação é um termo de
múltiplos significados e, como
instrumento de ação, que atende a diferentes propósitos, não
é apenas um instrumento ou
mecanismo técnico. A avaliação produz sentidos, consagra
ou inibe interesses, valores e
comportamentos, provoca mudanças, transforma realidades.
Por isso mesmo, é poderoso
instrumento de ações políticas
e consequências éticas.
crítico emancipatório por meio
de métodos dialógicos e participativos (LOTTA, 2002, p.4)
Avaliação é uma dessas palavras muito utilizadas, que
faz parte da vida de todos nós,
e uma dessas atividades que
nos afetam sempre e de forma
muitas vezes radical. Como
afirma Sobrinho (SOBRINHO
E RISTOFF, 2002, p.104), “nada
permanece igual e indiferente
após uma avaliação”.
O que é avaliação
de desempenho
A avaliação é um processo
essencialmente complexo e se
torna incompreensível ou até
mesmo deturpado se visto sob
uma ótica simplificadora. Esta
complexidade a cada dia se
intensifica e se torna cada vez
mais abrangente. Por exemplo,
até bem pouco tempo, no mundo da economia e da política, a
riqueza e o poder se traduziam
em bens materiais e tangíveis
– o capital era o recurso econômica mais significativo; hoje, o
conhecimento é, seguramente,
o recurso econômico fundamental, representado pelo
conjunto de competências e de
habilidades privilegiadas pelo
mercado. Não existe avaliação
unireferencial; ela é sempre
plural e associada a valores éticos e políticos, nunca aleatória
e descomprometida. Deverá
obedecer a uma racionalidade
técnica, que assegure informações objetivas e confiáveis e que
atendam aos requisitos de equidade e justiça, contribuindo
para a redução das desigualdades e da exclusão social, e
progressivamente permita
atingir níveis de consciência
Avaliação de desempenho
A avaliação de desempenho
é uma ferramenta de gestão
de pessoas, que corresponde
a uma análise sistemática do
desempenho do profissional
em função das atividades que
realiza, das metas estabelecidas, dos resultados alcançados
e o seu potencial de desenvolvimento. Para Chiavenato
(apud PEIXER, 2008, p.4), a
avaliação de desempenho é
uma sistemática de apreciação
do desempenho do indivíduo
no cargo e de seu potencial de
desenvolvimento. É um meio
pelo qual podem ser localizados problemas de supervisão
de pessoal, de integração do
empregado à empresa ou o
cargo que presentemente ocupa, de não aproveitamento
de empregado com potencial
mais elevado que o exigido
pelo cargo, de motivação. Pode
colaborar na determinação e
no desenvolvimento de uma
política adequada às necessidades da empresa.
Na visão de Pontes (apud
PEIXER, 2008, p.4), “a Avaliação ou Administração de
Desempenho é um método
que visa, continuamente,
estabelecer um contato com
os f uncionários referente
a o s re s u l t a d o s d e s e j a d o s
pela organização, acompanhar os desafios propostos,
corrigindo os rumos quando
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
15
necessário, e avaliar os resultados conseguidos”.
Avaliar o desempenho, portanto, nada mais é do que
fornecer o feedback construtivo, tanto no dia a dia quanto
nas reuniões formais para esse
fim, além de estabelecer os resultados a serem perseguidos
pelos indivíduos e acompanhar
o processo de trabalho. Sem
essa característica do relacionamento não existe Programa
de Avaliação de Desempenho,
qualquer que seja a metodologia adotada.
A avaliação de desempenho
não é um ajuste de contas ou a
criação de uma lista negra de
defeitos, mas um levantamento
de informações que beneficiarão todos dentro da empresa.
A avaliação de desempenho
é, antes de tudo, um processo
de comunicação. O processo
de comunicação é a essência
da avaliação de desempenho
(PONTES, 1996). Ainda segundo (PONTES, 1996), deve
analisar o comportamento do
empregado – e não da pessoa
– e como ele desempenha o
cargo que ocupa.
Na visão de Lucena (1992), o
desempenho refere-se à atuação do empregado em relação
ao cargo que ocupa na organização, tendo em vista as
responsabilidades, as atividades, as tarefas e os desafios que
foram atribuídos para produzir
os resultados que dele se espera.
De acordo com Oliveira-Castro
(1999), o conceito de desempenho compreende o conjunto de
habilidades, conhecimentos,
atitudes, capacidades, inteligência e experiências pessoais
do indivíduo, entre outras disposições pessoais componentes
do saber fazer.
Saber fazer e ter suporte
organizacional são condições
necessárias, mas não suficientes, para um desempenho
eficaz. O querer fazer consiste
em outra condição necessária
para que alguém apresente um
desempenho eficaz, de acordo
com expectativas, normas e
padrões bem especificados.
Para Oliveira-Castro (1999),
a avaliação de desempenho é
definida como um conjunto
de normas e de procedimentos
utilizados pelas organizações
para aferir o nível de produtividade de seus empregados.
Segundo a mesma autora,
os processos de avaliação de
desempenho geralmente compreendem várias etapas, entre
as quais o estabelecimento de
critérios de avaliação e padrões
de desempenho; negociação
de objetivos e expectativas de
desempenho; observação de
amostras representativas de
desempenho do empregado
em período preestabelecido;
registro de incidentes críticos;
comunicação de resultados de
avaliação; provimento de feedback ao avaliado; formulação
de planos de ação para melhorar o desempenho e remover
obstáculos e dificuldades ao
desempenho.
Avaliação ou gestão
de desempenho?
A existência de um sistema de informação estratégica torna-se essencial para apoiar
o processo de tomada de decisões
16
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
No início do século passado,
a avaliação de desempenho
tinha como foco exclusivo
o indivíduo e a forma como
realizava seu trabalho. O seu
conceito evoluiu e passou
a referir-se, de forma mais
ampla, ao ato de executar as
Avaliação de Desempenho
atividades próprias a determinada função para obtenção de
resultados previamente estabelecidos. Mais recentemente,
as técnicas de avaliação de
desempenho foram aperfeiçoadas e passaram a considerar a
interferência de vários fatores,
como, por exemplo, aqueles
relacionados ao contexto em
que a organização se encontra
inserida (ENAP, 2005, p.39).
Nos últimos anos, a gestão de
desempenho vem substituindo
a avaliação de desempenho
por meio de processo amplo,
que inclui atividades de planejamento, acompanhamento
e avaliação (BRANDÃO, 1999).
Embora haja esforço de ampliar o foco das metodologias,
de modo a contemplar as dimensões mais abrangentes de
atuação das equipes e da gestão global da organização, do
ponto de vista prático a ênfase
dessas atividades tem incidido,
fundamentalmente, sobre o
nível individual. Apesar disso,
algumas instituições públicas
já têm adotado o sistema de
gestão de desempenho em vez
da mera avaliação de desempenho. De acordo com Brandão e
Guimarães (1999), a gestão de
desempenho é um instrumento
gerencial capaz de integrar diferentes níveis organizacionais
(do corporativo ao individual)
e promover a melhora da performance de indivíduos, de
equipes de trabalho e da organização como um todo (ENAP,
2005, p.39-40).
Conforme Brandão e Guimarães (1999), o planejamento,
por sua vez, identifica as metas
a serem alcançadas a partir da
missão, da visão e da análise do
ambiente externo e interno da
empresa. Sendo assim, convém
que as atividades de avaliação
estejam alinhadas às metas
definidas anteriormente. Se
não houver metas definidas,
o que será avaliado? O acompanhamento das ações faz-se
necessário, uma vez que podem
ocorrer mudanças capazes de
modificar as metas estabelecidas. Pelo acompanhamento do
desempenho, também é possível medir as competências, o
que pode auxiliar na busca de
ações de desenvolvimento e de
capacitação (ENAP, 2005, p. 40).
O desempenho humano
ou organizacional representa, em última instância, uma
expressão da competência de
indivíduos, de grupos ou de
organizações. Assim sendo, é
preciso que o processo de gestão de competências considere
o caráter de complementariedade entre a competência e o
desempenho. Por isso, é imperativo integrar as atividades
de planejamento, de acompanhamento e de avaliação
de desempenho, a partir de
diagnóstico das competências
essenciais à organização, do
nível corporativo ao individual.
No modelo de gestão de
competências, a gestão tem
o seu momento inicial com
a formulação da estratégia
da empresa, na qual são definidos a visão de futuro e os
macro-objetivos. Em seguida,
a organização realiza um diag-
Avaliação de desempenho
nóstico de suas competências
essenciais e define os indicadores de desempenho no nível
corporativo. O diagnóstico
permitirá identificar as lacunas entre as competências
necessárias à consecução dos
objetivos organizacionais e as
competências internamente
disponíveis. Assim, é gerado
outro diagnóstico das competências profissionais, que
fornecerá subsídios para as
decisões de investimento em
desenvolvimento ou em ação
(ENAP, 2005, p.40).
Por fim, há uma etapa de
acompanhamento e avaliação,
que funciona como mecanismo
de retroalimentação ou feedback, à medida que os resultados
são comparados com as metas
previamente estabelecidas
(ENAP, 2005, p.41).
Normas e leis sobre a
avaliação de desempenho
A adequada compreensão
das relevantes questões envolvidas na condução de atividades
de avaliação de desempenho
em organizações públicas exige
a análise de algumas normas
relacionadas a essa matéria.
Quanto aos aspectos legais,
na área pública, a avaliação de
desempenho em geral é exigida por lei, a fim do registro do
desempenho dos servidores,
como no caso do Brasil, onde
serve para cômputo de pontos
para promoção salarial.
O artigo 4º do Decreto nº
84.669, de 29 de abril de 1980,
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17
“
Motivação é um quadro complexo. Entretanto, para
a grande maioria das pessoas, é possível obter melhor
desempenho quando se sentem bem no que fazem
estabelece que a progressão
horizontal por merecimento decorrerá da avaliação de
desempenho expressa em conceitos que determinarão o
interstício a ser cumprido pelo
servidor. A norma fixa que o
servidor será avaliado pela
chefia imediata, observados
determinados fatores que,
pontuados, lhe dariam uma
classificação que possibilitaria
o seu eventual enquadramento
no número de vagas destinadas para essa modalidade
de progressão. Esses fatores
são: 1) qualidade e quantidade de trabalho; 2) iniciativa e
cooperação; 3) assiduidade e
urbanidade; 4) pontualidade
e disciplina; 5) antiguidade
(ENAP 2005, p.41 e 42).
A avaliação de desempenho
no setor público é assunto
novo, trazido pela Emenda
Constitucional nº 19, de 04 de
junho de 1998, a qual altera o
artigo 41 da Constituição da
República Federativa do Brasil, que versa sobre o tema.
Não há praticamente fonte de
pesquisa voltada diretamente
à área pública, o que faz com
que os profissionais desta área
18
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sintam-se “perdidos e desesperados” quando da necessidade
e da exigência da implantação
de tais procedimentos.
Pelo Decreto nº 4.247, de 22
de maio de 2002, foi criada a
Gratificação de Desempenho
de Atividades Técnico-Administrativa (Gdata), com o
objetivo de “melhorar a qualidade dos serviços mediante o
reconhecimento profissional
e a Avaliação de Desempenho
Institucional”.
Com essa gratificação, os
servidores passaram a ter uma
parcela de sua remuneração
vinculada, do ponto de vista
formal, ao desempenho ou à
produtividade (ENAP, 2005,
p.41 e 42).
”
órgão definirá as unidades de
avaliação a serem consideradas;
o peso relativo de cada unidade
de avaliação no cumprimento
das metas institucionais; e
os indicadores e as metas de
desempenho institucionais.
No caso da avaliação do desempenho individual, serão
estabelecidos os fatores a serem
aferidos; os indicadores de desempenho; o peso relativo de
cada fator; a metodologia a ser
utilizada; e os mecanismos para
encaminhamento de recursos
por parte do servidor avaliado
(ENAP, 2005, p.42).
A avaliação de desempenho
e resultados
Sob a ótica dessa nova legislação, a avaliação de desempenho
individual visa aferir a performance do servidor no exercício
das atribuições do cargo ou da
função, com foco na contribuição individual para o alcance
dos objetivos organizacionais.
A avaliação de desempenho pode, essencialmente, ser
procedida a partir destas duas
dimensões gerais de análise:
a eficiência e a eficácia. Não
obstante sua larga margem de
utilização, é importante assinalar que se trata de conceitos
distintos, especialmente no que
se refere ao seu foco (BERGUE,
2007, p.169).
Para a avaliação do desempenho Institucional, cada
Segundo o mesmo autor, é
importante destacar também
Avaliação de Desempenho
que a avaliação de desempenho na gestão de pessoas pode
enfocar: a) as pessoas no exercício de suas atividades; e b)os
processos inerentes à área de
gestão de pessoas.
Em que pese a relevância do
monitoramento do desempenho
individual, deve-se considerar
que este se circunscreve ao
contexto de conferência do desempenho dos processos. Isso
porque as pessoas inserem-se
nas atividades que compõem
os processos, o que significa
dizer que o acompanhamento
do desempenho individual não
faz sentido se desvinculado do
desempenho do processo e de
seu resultado final.
Assim sendo, os indicadores de desempenho auxiliam
na tarefa de identificar a atuação de um processo. A partir
da utilização de indicadores,
é possível também acompanhar seu comportamento
ao longo das atividades que
o integram. Os indicadores
de desempenho servem para
informar o gestor acerca do
desempenho dos processos ou
das atividades que integram
os processos. Essa performance pode ser medida em termos
de eficiência ou eficácia (BERGUE, 2007, p.170).
A eficiência é um parâmetro
de avaliação da utilização dos
recursos. Ser eficiente, portanto,
é empregar em nível máximo
os recursos existentes em determinado processo produtivo.
Nessa linha, a produção de bens
e serviços públicos, que tem as
pessoas como principal recurso
para a geração de valor público,
pode ser processada segundo
diferentes níveis de qualidade
e quantidade, cuja variação
depende das políticas e das decisões de alocação desses recursos.
Dessa forma, podem-se associar
os conceitos de eficiência aos de
produtividade e economicidade
(BERGUE, p.170).
Enquanto a noção de eficiência identifica-se com o melhor
uso dos recursos da organização,
o conceito de eficácia sugere uma
análise a partir de uma perspectiva de sua atuação externa, ou
seja, o nível de aceitação do seu
produto. O conceito de eficácia
está associado a fazer aquilo que
precisa ser feito com vistas a alcançar um determinado objetivo
(BERGUE, p.171).
Ainda que os níveis de produção de bens e de serviços
públicos sejam otimizados
(eficiência), resulta saber se
estão atingindo os resultados
esperados (eficácia). Conforme
Sandroni (2001, p.198), no plano
ideal espera-se “que o resultado
de uma tarefa seja eficaz (adequado a um objetivo) e que a
tarefa seja realizada com eficiência” (BERGUE, p.171).
Um processo é eficaz quando alcança os objetivos a que se
propõe, a despeito do eficiente emprego dos recursos de produção.
Ainda segundo Bergue (2007,
p.172-174), um indicador de desempenho de processo deve, na
medida do possível, incorporar
os seguintes atributos: relevância, simplicidade, perenidade,
consistência e objetividade.
a) Relevância: um indicador
de desempenho deve fornecer
informação relevante, que gere
dados capazes de conduzir à
produção de informações efetivamente necessárias;
b) Simplicidade: deve ser concebido a partir de uma estrutura
Para funcionar corretamente, todas as pessoas envolvidas devem acreditar na avaliação de desempenho
Avaliação de desempenho
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de relações entre variáveis o
mais simples possível, observados os demais atributos. Uma
das condições fundamentais
para sua implantação é a facilidade de apresentá-lo e fazê-lo
ser compreendido;
c) Perenidade: deve apresentar
uma arquitetura constitutiva
que sofra transformações mínimas, preferencialmente
inexistentes, por longos períodos de tempo;
d) Consistência: deve contemplar relações verdadeiras
entre suas variáveis componentes, evitando-se incidir
em uma estrutura que relacione variáveis que integrem
dimensões dissociadas do
fenômeno, cujo resultado
constitua objeto de análise;
e) É preciso atentar para
a minimização de juízos de
valor por ocasião de sua análise e interpretação. Embora a
subjetividade não possa ser plenamente afastada na avaliação
de desempenho a partir de indicadores, é preciso evitar (sempre
que possível), já por ocasião da
composição de um indicador de
desempenho, a introdução de
variáveis de natureza subjetiva.
Diferenças na avaliação de
desempenho dos setores
público e privado
S egundo G omes (2007,
p.1066), o principal propósito da
avaliação de desempenho em
qualquer organização é apoiar
o processo de tomada de decisão e permitir o processo de
20
>
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aprendizagem organizacional.
A introdução de melhorias na
prestação de bens e de serviços,
após cada processo de avaliação,
é o principal papel de um sistema
de avaliação de desempenho.
To r n a - s e n e c e s s á r i o
distinguir a avaliação do desempenho no setor público
relativamente ao setor privado, na medida em que, no
primeiro, a distribuição de
bens e serviços não segue o
modelo de mercado. Por outro
lado, o lucro não constitui
uma medida de desempenho
relevante. A análise do lucro
ou da rentabilidade nas demonstrações financeiras de
uma entidade governamental
não revela se esta atingiu ou
não os objetivos definidos. Se
há dúvida sobre a importância
das medidas não financeiras
no setor público, elas fazem
ainda mais sentido neste
setor, uma vez que os seus
objetivos são definidos, na
sua maioria das vezes, em
termos não financeiros, de
acordo com a natureza e complexidade das suas atividades
(GOMES, 2007, p.1.067).
É grande a dificuldade de
avaliar o desempenho das pessoas em seus cargos, mais ainda
é realizar esse tipo de trabalho
no serviço público, visto que
sempre houve e sempre haverá grande influência política
em tudo o que é realizado nos
órgãos e os setores públicos
(PEIXER, 2008, p.2).
A avaliação de desempenho
no serviço público tem por
objetivo a permanência (efetivação) ou não do servidor
no cargo em que está sendo
avaliado. Para isso, é preciso
haver uma orientação quanto
ao trabalho a ser executado,
tanto pelas chefias quanto
pelos próprios servidores a
respeito do que acontece durante este período que, hoje,
é de três anos (art. 41, da
Constituição Federal), sendo
que o acompanhamento pelas chefias para a elaboração
do relatório final é efetuado,
geralmente, de seis em seis
meses (PEIXER, 2008, p.8).
Comumente os avaliadores são as chefias imediatas.
Acontece que, nos órgãos
públicos essas chefias não
possuem conhecimento suficiente de sua área de trabalho,
pois os cargos são ocupados,
na maioria dos casos, por políticos sem critérios e objetivos
de competência de gestão,
atrapalhando o processo de
avaliação de desempenho
(PEIXER, 2008, p.9).
S e n d o me c an is mo q u e
busca conhecer e medir o desempenho dos indivíduos na
organização, a avaliação de
desempenho estabelece uma
comparação entre o desempenho esperado e o apresentado.
S e le varmos em consideração a participação da
avaliação de desempenho
frente à gestão de pessoas
no ambiente organizacional,
depara-se com a nova função
pela qual a área de Gestão
de Pessoas é responsável: o
Avaliação de Desempenho
ANDREASSI 1994), “como meio
de se difundirem os objetivos
globais da organização entre
seus gerentes e funcionários,
responsáveis pela consecução
desses objetivos”.
Já a função de planejamento
de gestão de pessoas leva em
conta a capacidade da avaliação
em fornecer subsídios para o
planejamento estratégico da
área de gestão de pessoas. A
avaliação de desempenho serve
para permitir que a organização
estabeleça política de desenvolvimento de seus servidores nos
quesitos necessários ao melhor
desempenho e utilização dos
talentos disponíveis.
A área de gestão de pessoas surge como setor estratégico para o desenvolvimento das organizações
planejamento estratégico da
organização.
minuir ou até mesmo suprir
tais deficiências.
Objetivos da avaliação
de desempenho
A função de aumentos salariais e promoção, por sua vez,
diz respeito à capacidade que
uma avaliação de desempenho
tem de dar subsídios à política
de promoção e salários. A avaliação pode ser utilizada a fim
de gerar informações para a
discriminação do aumento salarial e promoção. No entanto,
tal função pode gerar problemas à organização, visto que,
na medida em que a avaliação
fica intimamente ligada a essas
duas funções, seus outros objetos são deixados de lado.
Segundo Andreassi (1994),
os objetivos da avaliação podem
ser divididos em cinco áreas
principais: treinamento/desenvolvimento; aumentos salariais
e promoção; comunicação;
planejamento de recursos
humanos e aspectos legais
(PEIXER, 2008).
De acordo com a função
d e t re i n a m e nt o e d e s e nvolvimento, a avaliação de
desempenho serve como
mecanismo de identificação das deficiências e das
aptidões dos funcionários,
o que permite desenvolver
programas de capacitação e
treinamento que possam di-
A função da comunicação
diz respeito à viabilidade que
a avaliação oferece de entendimento entre o chefe e os
funcionários, o que pode ser
visto, como afirma (KING apud
Avaliação de desempenho
Dificuldades na avaliação
de desempenho
A avaliação de desempenho
precisa ser estudada e aplicada
de forma que gere os resultados
esperados, caso contrário não
será necessário existir. (PEIXER, 2008, p.7). A vantagem
preponderante da avaliação é
permitir que o desempenho
melhore e que beneficie todos.
Para Peixer (2008, p.8),
alguns problemas poderão
ocorrer nas avaliações de desempenho:
a) Visão da avaliação de desempenho como uma obrigação
administrativa, a ela dedicando
tempo e atenção insuficientes
para seu bom funcionamento;
b) Muitos avaliadores tendem
a ficar na posição de juizes,
os avaliados tendem a ficar
na defensiva, e os avaliadores
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
21
tornam-se demasiadamente
críticos; c) Pode ocorrer, também, falta de envolvimento que
leva à falha de direção, sendo
que os avaliadores permitem
aos avaliados ficarem no extremo de somente receber.
O grande risco é que a avaliação de desempenho se torne
um fim em si mesma, desvinculada do objetivo maior que é
a melhoria do serviço público
prestado ao cidadão.
Motivação e desempenho
Motivação é um quadro
complexo. Entretanto, para a
grande maioria das pessoas, é
possível obter melhor desempenho quando se sentem bem
no que fazem. Esse sentimento de satisfação é promovido
pelo reconhecimento, louvor,
feedback positivo dos resultados, bom relacionamento no
trabalho, e assim por diante.
A motivação também é necessária para a aprendizagem
contínua. Juntas, são essenciais
ao desempenho excelente.
Mediante o encorajamento da
motivação e a facilitação do
aprendizado, qualquer pessoa
pode progredir (PEIXER, 2008,
p.8). Segundo o mesmo autor
(2008, p.8), o caminho mais
simples para os gerentes seguirem para conectar as pessoas ao
resultado passa por três passos:
estabelecer objetivos avançados; monitorar e proporcionar
feedback positivo de desempenho; e identificar as formas
com as quais o pessoal pode
aprimorar o próprio valor nas
tarefas diárias e, a logo prazo,
22
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
os benefícios que serão gerados
para a organização.
Avaliação de resultados e
planejamento
A avaliação de desempenho
representa uma ferramenta
importante para o desenvolvimento de uma cultura voltada
para resultados. Tal afirmação
é baseada no pressuposto de
que o alinhamento de objetivos
individuais e das equipes às
metas da organização implica
no maior envolvimento dos
funcionários de todos os níveis,
os quais passam a se sentir pessoalmente responsáveis pelo
desempenho da organização
(DUTRA, 2009, p.52).
Numa primeira fase – que
pode ser considerada a do planejamento estratégico –, os
altos dirigentes articulam os
objetivos e as metas da organização a partir dos quais os
gerentes e os diretores determinam objetivos estratégicos
e mensuráveis para suas unidades (DUTRA, 2009, p.52).
Os objetivos para o desempenho dos indivíduos e das
equipes são desenvolvidos
subsequentemente. Uma política consistente de avaliação de
desempenho força os funcionários e os gerentes a definirem e
a priorizarem em conjunto as
metas e os objetivos (DUTRA,
2009, p.52).
A chave para o sucesso da
política de avaliação de desempenho é a integração com
a política de capacitação, ofe-
recendo oportunidades de
desenvolvimento aos profissionais nas áreas em que eles
apresentam pontos fracos (DUTRA, 2009, p.52).
Na opinião de Dutra (2009,
p.53), os mecanismos que associam o valor da remuneração à
avaliação de desempenho estão
relacionados com os objetivos
de propiciar maior eficiência, alcance dos resultados e
integração com a sociedade.
Entretanto, para que possam
desempenhar adequadamente
esse papel, os processos de avaliação precisam ser percebidos
como justos pelos participantes, sob pena de prejudicar o
alcance dos benefícios resultantes da prestação de contas à
sociedade sobre o desempenho.
Se assim não for, as informações sobre o desempenho
poderão ser questionadas pelos
servidores.
O papel das metas preestabelecidas, que devem ser
amplamente divulgadas, é o de
neutralizar o caráter subjetivo
das Avaliações de Desempenho, que muitas vezes deixam
de ser consideradas pelos responsáveis por RH pela falta
de legitimidade das mesmas
(DUTRA, 2009, p.54).
Modelos de avaliação
de desempenho
Assim sendo, um modelo
satisfatório de análise de desempenho pode possuir um
componente associado à avaliação de cada servidor e outro
relativo à atuação de grupos
Avaliação de Desempenho
ou da organização (DUTRA,
2009, p.54).
Quando a avaliação individual envolve apenas o chefe
e o subordinado, esta relação
direta inúmeras vezes inibe
um processo efetivo de avaliação, pois a relação entre
ambos pode impedir uma
análise isenta. Ao analisar
um indivíduo, é importante
que o maior número possível
de pessoas participe do processo – avaliação que inclui
chefia, colegas e usuários dos
serviços. Dessa forma se dilui
o impacto da avaliação direta,
elimina o caráter individualista do avaliador e possibilitar a
sua atuação, diluindo responsabilidades e possibilitando
uma análise mais justa e menos complacente (DUTRA,
2009, p.54).
Os critérios de avaliação
devem ser objetivos sempre
relacionados às metas da organização, que são derivadas
do planejamento estratégico.
É imprescindível que a avaliação implique um plano de
capacitação, a fim de corrigir
as deficiências levantadas na
organização e deve ser pautada
um momento seguinte, pelos
eventos de capacitação anteriormente realizados (DUTRA,
2009, p.54).
Assim, para Marconi (2009,
p.29), “a avaliação de desempenho baseada no alcance de
resultados é um dos instrumentos mais relevantes na
gestão estratégica de recursos
humanos, pois possibilita ali-
nhar as metas da organização,
os objetivos das equipes, o
envolvimento (por se sentirem
corresponsáveis) e a performance dos servidores, contribuindo
para disseminar uma cultura
voltada para o alcance de resultados. Uma política consistente
de avaliação de desempenho
leva os funcionários e os gerentes a definirem e a priorizarem
em conjunto as metas e os objetivos, estabelece a contribuição
das equipes para o alcance dos
objetivos da organização e reconhece e premia a busca do
aumento da produtividade”.
Consequentemente o desempenho é definido pelo
percentual cumprido das metas
preestabelecidas e derivadas do
Planejamento Estratégico (cuja
existência é um pressuposto
capital de todo o modelo). Os
processos de avaliação precisam ser percebidos como justos
pelos participantes.
Portanto, na ponderação de
Bresser Pereira (2001, p.96), “a
administração baseada no desempenho pode contribuir para
que todas as pessoas envolvidas
no processo pensem mais estrategicamente. Pode ajudar os
administradores públicos a se
concentrar no melhor modo de
fazer seu trabalho e de explicar
aos governantes o que estão
tentando fazer para traduzir,
em resultados, os objetivos
da legislatura. Pode ajudar
os governantes a analisar os
muitos pedidos, que disputam
recursos sempre escassos, e a
alocar os recursos aos projetos
que podem gerar os melho-
Avaliação de desempenho
res resultados. E, ainda mais
importante, pode ajudar os
cidadãos a entender melhor o
que lhes é oferecido em troca
dos impostos que pagam”.
Segundo Marconi (2010,
p.29), os modelos de avaliação
de desempenho individual não
possuem a mesma eficácia. A
individual envolve chefe e subordinado e esta relação direta
termina inibindo um processo
efetivo de avaliação, pois a
afinidade entre ambos pode
impedir a realização de uma
análise isenta. Assim como é
difícil definir metas individuais
objetivas, e os critérios adotados neste tipo de avaliação
terminam sendo subjetivos. A
avaliação de desempenho individual deve corresponder a uma
entrevista anual que possibilite
identificar pontos fortes e fracos da atuação dos servidores,
suas habilidades, deficiências e
realizações, o que auxiliará na
definição das oportunidades de
capacitação aos profissionais
nas áreas em que forem identificadas as dificuldades.
A avaliação de desempenho
determina os critérios para promoção, mobilidade e incentivos
ao servidor. Está, portanto, intimamente ligada ao horizonte
de carreira do funcionário. E
deveria ser, no serviço público,
estritamente relacionada à
administração do trabalho, visando levantar as deficiências
impeditivas para se alcançar os
objetivos da instituição.
A deficiência funcional individual deve ser tratada como
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
23
necessidade de treinamento
e reciclagem para o resgate
do funcionário improdutivo e
para o alinhamento às metas
institucionais.
Infelizmente, na maioria das
vezes as avaliações de desempenho geram constrangimentos,
e nenhuma ação pós-avaliação
é realizada pelos departamentos de recursos humanos das
instituições do País. Avaliar
atividades sem direcionar as
metas anuais sob o objetivo
institucional pode significar
um trabalho desgastante, constrangedor e de pouca eficácia
para a melhoria dos serviços
públicos prestados à população.
Também é essencial que o
subordinado esteja consciente
da sua importância na interface
da missão institucional, quais
as suas tarefas (o que fazer) e
como desempenhá-las. Dessa
forma, ao ser cobrado tem
como ser ter seu trabalho analisado corretamente. O resultado
da avaliação de desempenho
também deve gerar política
orçamentária com autonomia
do setor de recursos humanos
destinada à reciclagem e ao
treinamento do pessoal.
Avaliação 360 graus
Segundo Almeida (1999,
p.63), na avaliação 360 graus
o funcionário é avaliado por
seu superior, pelos pares, por
si próprio (auto avaliação) e
pelos clientes. A metodologia,
que teve início na década de
1950, teve como base práticas de Desenvolvimento
24
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Organizacional e influência
da Psicologia Social. A partir
de então, estudos vêm sendo
aprimorados e o método passou a ser conhecido também
como feedback com múltiplas
fontes, feedback estruturado,
entre outras nomenclaturas
(Souza, 2009, p.1).
A avaliação 360 graus tem
como função subsidiar as políticas de gestão de pessoas,
a gestão por competências e o
desenvolvimento das lideranças. Auxilia, igualmente, nas
mudanças organizacionais e é
uma das formas de se avaliar o
desempenho dos colaboradores para fins de promoção ou
realocação de pessoas (SOUZA,
2009, p.1).
A implantação da avaliação
360 graus divide-se em quatro
etapas, de acordo com SOUZA,
(2009, p.1):
1ª - Delineamento do perfil da
liderança e o desenvolvimento
do instrumento de feedback. A
empresa precisa definir os atributos da liderança;
2ª - Qualidade dos feedbacks
fornecidos. Deve-se escolher
fornecedores de feedback que
tenham contato com o receptor, que faça ou fez parte da
rede de contatos no período
considerado ao da avaliação. Os
próprios receptores não devem
escolher os fornecedores de
feedback, pela tendência que
temos em buscar fontes das
quais já sabemos a opinião a
nosso respeito e que nos dão
segurança, impedindo as possi-
bilidades de desenvolvimento.
Os fornecedores precisam ser
cuidadosos em não serem excessivamente rigorosos nem
excessivamente benevolentes
com os receptores. Não é um
julgamento, é uma avaliação,
visando ao aperfeiçoamento;
3ª- Processamento e utilização dos
feedbacks pelo receptor. O comprometimento do receptor com
os resultados depende da competência das fontes para emitir
os feedbacks. Da mesma forma,
que os atributos que conduzem
o processo façam sentido e que
os comportamentos do perfil
de liderança sejam realizáveis,
podendo ser desenvolvidos. Os
resultados dos feedbacks devem
ser disponibilizados na forma
de relatórios;
4ª- Interação ao Sistema de Gestão com pessoas. A avaliação
360 graus deve ser integrada a
outras práticas de RH, a exemplo de seleção, remuneração,
desempenho, desenvolvimento e promoção. É preciso que
operem em sintonia, sustentando-se entre si.
A avaliação 360 graus é
um processo que expande a
avaliação individual do antigo modelo um a um a outro
multifontes, pois uma de suas
características é a qualidade
dos envolvidos no processo.
Nos questionários utilizados para o levantamento das
impressões devem ser constar
questões específicas, como
efetividade da comunicação;
comprometimento com resul-
Avaliação de Desempenho
necessariamente a análise individual, a das equipes e a da
organização como um todo.
Outro ponto importante:
para funcionar corretamente,
todas as pessoas envolvidas
devem acreditar na Avaliação
de Desempenho. Por isso, é
basilar um esclarecimento a
respeito do processo, do que é
avaliado, o motivo e o resultado
pretendido.
Assim sendo, um sistema
de avaliação eficiente e eficaz
pode ser, além de um mecanismo de seleção, um poderoso
instrumento de motivação e
de aperfeiçoamento das pessoas, que são a maior riqueza de
qualquer organização.
tados; valorização das relações
humanas; disposição para
aprender; uso de habilidades;
exercício de competências que
agregam valor; relacionamento
com clientes; conhecimento
dos desejos dos clientes e sua
satisfação; motivação para
atingir objetivos; abertura a
críticas; e postura de facilitação
para buscar soluções.
Considerações finais
Os desafios na busca incessante da qualidade, da
produtividade e da competitividade impõem melhor estudo
das estruturas de avaliação hoje
existentes. A procura envolve
inovação dos métodos e proces-
sos relacionados com a melhora
da atuação do servidor público.
A avaliação de desempenho no serviço público deve
sempre estar voltada ao levantamento das deficiências
que impedem o alcance do
objetivo final da instituição.
Precisa, da mesma forma, contribuir na melhora do papel do
servidor, encaminhando-o a
treinamento adequado quando
necessário, desenvolvendo a
motivação pessoal e o reconhecimento para fins de promoção
previstos no plano de cargos e
salários. O objetivo final da instituição deve ser o único alvo de
uma avaliação de desempenho
coletiva, que precisa incluir
Avaliação de desempenho
Quando os objetivos não são
atingidos, o mecanismo para
avaliar, promover e orientar o
crescimento pessoal e profissional passa a ser o principal ponto
de insegurança, de insatisfação
e de sentimento de injustiça,
gerando profundas e inapagáveis frustrações e desperdício
dos recursos humanos.
Pesquisas apontam que, em
termos teóricos, houve grande
evolução quanto à compreensão dos métodos da avaliação
de desempenho. O maior desafio aparece no momento da
aplicação da teoria, sobretudo
tendo em vista a ingerência política no momento da avaliação.
Outro ponto negativo é a falta
do planejamento estratégico,
delimitando metas e objetivos
claros, na maioria das organizações públicas brasileiras.
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
25
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RESUMEN
Evaluación de desempeño como herramienta de mejora del servicio público
El presente trabajo visa sobre evaluaciones de desempeño del servidor público, como herramienta de gestión de personas y un proceso
que incluya actividades de planeamiento, acompañamiento y evaluación, y que busque integrar diferentes niveles organizacionales y
promover el mejoramiento de la performance de individuos, de equipos de trabajo y de la organización como un todo. En este proceso
destacamos el planeamiento estratégico que identifica las metas a ser alcanzadas a partir de la mision, de la vision y del analisis del
ambiente externo e interno.
Palabras-clave: Performance Assessment. Public Servant. People Management.
ABSTRACT
Performance assessment as a tool to improve public service
This work deals with performance evaluation of the public served as a tool for managing people and a process that includes planning
activities, monitoring and evaluation that seeks to integrate the different organizational levels and promote improved performance of
individuals, work teams and the organization as a whole. In the process we highlight the strategic planning that identifies goals to be
achieved from the mission, vision and analysis of external and internal environment.
Key words: Evaluación de Desempeño. Servidor Público. Gestión de Personas.
26
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Servidores Temporários
A tensão entre o regime jurídico único
e servidores temporários
Alexandre Veronese — Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) – [email protected]
RESUMO
A Constituição Federal de 1988 possui duas disposições jurídicas que mantêm um tenso equilíbrio normativo: a
regra geral dos concursos públicos e a exceção da contratação temporária em razão do excepcional interesse público. O tema tem sido muito discutido nos tribunais superiores em meio a uma alteração paradigmática ocorrida
na jurisprudência: a outorga de direitos subjetivos à nomeação dos aprovados em concursos. Tal estado de coisas
enseja o repensar na política de pessoal, que deve se pautar por um planejamento de longo prazo, bem como pela
boa definição legal, de modo a serem evitados transtornos judiciários.
Palavras-chave: Servidor público. Contratação temporária. Jurisprudência.
Introdução
É certo que o instituto da
obrigatoriedade do concurso
público, tal como previsto no
inciso II do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, se
tornou generalizado na Administração Pública depois destes
quase 25 de vigência da Carta
Política. Todavia, o mesmo
instituto possui uma exceção
também prevista no mesmo
artigo, no inciso IX, que é a
possibilidade de contratação
temporária de pessoal.
O presente artigo visa debater o conflito entre os dois institutos, tendo em vista a jurisprudência recente do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e do
Supremo Tribunal Federal (STF)
em relação à terceirização e à
contratação temporária. Apesar
de o artigo focalizar o regime jurídico federal de contratação de
servidores temporários, o mesmo tem aplicabilidade teórica
aos Estados, ao Distrito Federal
e aos municípios, em razão da
simetria constitucional que
marca a Administração Pública.
Um exemplo é que, apesar deste
texto tratar primariamente da
esfera federal, também se terá
atenção ao problema dos Estados, tendo em vista as diversas
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) impetradas contra legislações estaduais, bem
como o fato da jurisprudência
do STF e do STJ derivarem de
casos estaduais.
Na primeira parte do artigo,
serão descritos os institutos
jurídicos relacionados ao ingresso de pessoal no serviço
público federal, com destaque
à questão da contratação temporária, tal como prevista na Lei
nº 8.745/93, que regulamenta o
já referido inciso IX do art. 37
Servidores Temporários
da Constituição Federal. Depois, será descrita uma questão
doutrinária de relevância, relacionada ao regime jurídico dos
servidores contratados temporariamente na área federal. Em
seguida, será tratada a grande
mudança recente havida na jurisprudência do STF que modificou o paradigma dos concursos
públicos, ao reconhecer a existência de liquidez e a certeza no
direito à nomeação, em vez da
antiga doutrina da expectativa
de direito.
O debate do artigo indica o
difícil equilíbrio entre a defesa da regra geral do concurso
público e a necessidade de
contratar servidores de forma
temporária. A sua conclusão
versa sobre a necessidade de
que os entes públicos realizem
um planejamento de pessoal
em longo prazo, como forma
de se precaver ao debate judici-
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
27
ário, que é custoso em diversos
sentidos.
Admissão de pessoal
no serviço público federal
Após a promulgação da
Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988,
foram harmonizados diversos
dispositivos constitucionais
relativos à gestão de pessoal
no aparelho do Estado. O poder
público possuía delineamentos
jurídicos sobre esta questão por
meio do antigo Decreto-lei nº
200, de 1967, combinado com as
disposições específicas acerca
dos regimes jurídicos (celetista, por força da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT),
Decreto-lei nº 5.452, 01 de maio
de 1943; e estatuário, pelo antigo Estatuto dos Funcionários
Públicos Civis da União, Lei nº
1.711, de 28 de outubro de 1952).
A principal transição foi a
migração do pessoal celetista
para o âmbito do Regime Jurídico Único (RJU), que viria a
ser efetivada pela Lei nº 8.112,
de 1990, por força do seu art.
243. Desta forma, o vínculo
do pessoal da administração
federal indireta foi dotado de
certa isonomia em relação ao
pessoal da administração direta. O RJU, Lei nº 8.112, de 1990,
previa a contratação de pessoal
temporário com fulcro nos artigos 232 até 235. Com a sanção
presidencial da Lei nº 8.745, de
1993, foi erguido novo estatuto
específico para a contratação
temporária, com a consequente
revogação expressa dos dispositivos colidentes do RJU. Esta
28
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
lei específica foi amplamente
alterada por meio de diversas
medidas provisórias, tendo
alcançado certa estabilidade
em seus termos com a edição
de leis ordinárias.
O ponto central da Lei nº
8.745, de 1993, é a regulação
de uma exceção: o contrato
temporário de pessoal no Estado. Seu objetivo é criar uma
limitação, por meio de um estatuto, para a discricionariedade
do administrador público em
relação ao que pode configurar
uma necessidade excepcional
de pessoal. Uma vez configurada a situação fática, prevista
no texto legal, há a autorização
para que, excepcionalmente e
segundo os procedimentos da
Lei e da regulamentação específica, se realize a contratação
do pessoal temporário.
Uma ressalva necessária
é que a contratação pela Lei
nº 8.745, de 1993, no caso dos
professores substitutos nas Instituições Federais de Educação
Superior (IFES), possui previsão
detalhada. Ela não deve decorrer apenas do interesse de
possuir pessoal contratado de
forma “flexível”. A contratação
deve atender situações específicas, previstas no diploma legal.
Em passado recente, a própria legislação teve este sentido atacado pela política de
pessoal vigente, quando os
concursos para o provimento
de cargos efetivos na carreira
do magistério superior foram
suspensos pelo Governo Federal (1995-2002). Esta suspensão
acarretou a falta de pessoal
em diversos órgãos, além do
sistema educacional. Dessa
forma, uma modificação legal
foi realizada para introduzir
a previsão de contratação em
órgãos, como o Instituto Nacional de Propriedade Industrial
O atual panorama normativo não demonstra a existência de um equilíbrio estável entre o problema da contratação
de servidores temporários, terceirização e a regra geral do concurso público
Servidores Temporários
(INPI). Contudo, tal mudança
foi atacada pela Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN)
nº 2.380, ajuizada no STF. O
centro do ataque foi a baixa
razoabilidade de uma previsão
factual abrangente, no caso
do INPI, tendo em vista que a
contratação pela Lei nº 8.745,
de 1993, ao regular o inciso IX
do art. 37, rompe a regra constitucional geral do concurso
público prévio à admissão,
prevista no inciso II do mesmo
dispositivo. No caso concreto,
foi deferida liminar para suspender sua aplicação1. A própria
União revogou o dispositivo
posteriormente e prejudicou a
apreciação do mérito. A exceção
à regra geral do concurso público deve ser clara, para evitar
que a contratação temporária
se torne um meio “flexível” de
ingresso no serviço público. A
exceção é limitada constitucionalmente pela expressão
“excepcional interesse público”.
Com isto, depreende-se que ela
deveria ser restrita para situações que podem ser previstas
(como a calamidade pública),
mas que não fazem parte do regular cotidiano das atividades
estatais. Assim, somente desta
maneira podem ser compreendidos os ataques dirigidos
às legislações estaduais, no
STF. O próprio STF foi atento
à possível infração ao texto
constitucional federal por legislações estaduais e declarou a
inconstitucionalidade de vários
diplomas legais2. Mas o controle de constitucionalidade
não tem o condão de produzir
resultados com o objetivo de
forçar a administração pública
a efetivar políticas públicas.
Pode, no máximo, exercer poder de veto aos diplomas que
não coadunem com as disposições da Constituição Federal.
Feitas estas considerações,
deve ser ressaltado que, para
avançar no tema, é necessário
esclarecer as disposições constitucionais que fixam o regime
jurídico de pessoal. Deve ser
destacada a fundamentação
jurídica para a contratação de
mão de obra temporária, como
parte de um regime geral para a
temática do pessoal no Estado.
Uma nota deve ser feita, tendo
em vista a mais recente alteração realizada na Lei nº 8.745, de
1993, por meio da Medida Provisória (MP) nº 431, convertida
na Lei nº 11.784, ambas de 2008.
Esta mudança incluiu quatro
alíneas e dois incisos com novas possibilidades de contratações temporárias. Na prática,
pode-se considerar que, no meio
das mudanças, se estabeleceu
a possibilidade de efetivação
de algo que estava distante do
espírito inicial da legislação.
Ela se encontra numa eventual
política de pessoal baseada em
funções temporárias, especialmente no que concerne à alínea
“i”, que tem sido utilizada por
diversos Ministérios. No teor
dado pela Lei nº 11.784/2008, a
hipótese ficou assim redigida:
“Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público, atividades técnicas
especializadas necessárias à
implantação de órgãos ou entidades ou de novas atribuições
definidas para organizações
existentes ou as decorrentes de
Servidores Temporários
aumento transitório no volume
de trabalho que não possam ser
atendidas mediante a aplicação
do art. 74 da Lei nº 8.112, de 11
de dezembro de 1990”. Todavia,
as outras hipóteses incluídas
no art. 2º, da lei (alíneas “j”, “l”,
“m”, do inciso VI, bem como
os incisos VIII e IX), não oferecem tal possibilidade. Elas
apenas expandem o rol de casos delimitados, sem que haja
atribuição de um excesso de
discricionariedade ao gestor
para construção de hipóteses
de incidência.
Elas preveem a possibilidade
de contratação temporária de
atividades técnicas especializadas de tecnologia da informação, de comunicação e de
revisão de processos de trabalho,
não alcançadas pela alínea “i” e
que não se caracterizem como
atividades permanentes do órgão ou entidade (art. 2º, VI, “j”);
atividades didático-pedagógicas
em escolas de governo (art. 2º,
VI, “l”); atividades de assistência
à saúde junto a comunidades
indígenas (art. 2o, VI, “m”);
contratação de pesquisador,
nacional ou estrangeiro, para
projeto de pesquisa com prazo
determinado, em instituição
destinada à pesquisa (art. 2o,
VIII); e atividades de combate
a emergências ambientais (art.
2o, IX). Em especial, no caso das
primeiras novas hipóteses (art.
2º, VI, alínea “i”), bem se visualiza a possibilidade genérica de
contratação de temporários, o
que demonstra a tensão mencionada no presente artigo. Por
fim, deve ser indicada uma mudança central ocorrida por meio
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
29
do controle de constitucionalidade: a declaração, em sede de
medida cautelar do caput do art.
39 da Constituição Federal. Ela
ocorreu no julgamento da ADIN
nº 2.1353. Desta forma, a referida
decisão restabeleceu a vigência
do caput do art. 39, da Constituição Federal, ao texto existente
antes da aprovação da Emenda
Constitucional nº 19, de 1998.
Este restabelecimento produz a
impossibilidade jurídica da existência de um regime jurídico
alternativo ao Regime Jurídico
Único, no caso federal, definido
pela Lei nº 8.112, de 1990:
correlata, naquilo que a lei não
dispuser em contrário”.
Obviamente, as novas leis que
disporiam sobre as carreiras, cuja
afetação normativa seria dirigida
aos novos empregos públicos,
não foram aprovadas. Aliás, elas
não foram aprovadas nem como
Medidas Provisórias. Também,
nos mesmos termos, não foi
aprovada nenhuma legislação
específica sobre a transformação
de cargos em empregos públicos,
bem como possível regime de opção. Logo, na prática esta política
pública não foi efetivada.
Texto original (reestabelecido)
Texto modificado (de 04 jun. 1998
até 07 mar. 2008)
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios instituirão, no
âmbito de sua competência, regime
jurídico único e planos de carreira para os
servidores da administração pública direta,
das autarquias e das fundações públicas
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios instituirão
conselho de política de administração e
remuneração de pessoal, integrado por
servidores designados pelos respectivos
Poderes.
Vale lembrar que a possibilidade de instituição de outro regime jurídico, baseado na Consolidação das Leis do Trabalho,
tal como estava propugnado
pela Lei nº 9.962, de 2000, foi
descartado como política pública, na prática. Esta lei dispunha, em poucos artigos, porém
de forma central, o seguinte, no
seu artigo 1º: “O pessoal admitido para emprego público na
Administração federal direta,
autárquica e fundacional terá
sua relação de trabalho regida
pela Consolidação das Leis do
Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei no 5.452, de 1o de maio de
1943, e legislação trabalhista
30
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Entretanto, a redação do
art. 39, ausente de uma política direcionada à construção
dos empregos públicos da Lei
nº 9.962, de 2000, que vigorou
entre 1998 e 2008, apenas reforçava a possibilidade normativa
de existência de outros regimes
jurídicos estatutários no âmbito
da administração pública. Ela
resolvia, em termos conceituais,
o problema do enquadramento
legal dos servidores temporários, regidos pela Lei nº 8.745,
de 1993. Com a decisão de 07
de março de 2008, do Supremo
Tribunal Federal, retornou-se
ao problema anterior à Emenda
Constitucional (EC) nº 19, de
1998, sobre qual o regime que
deve ser observado na relação
jurídica dos servidores temporários. Este é o próximo tema.
Qual o vínculo jurídico do
contratado temporário,
da Lei nº 8.745, de 1993?
Na parte revogada da Lei
nº 8.112, de 1990, que tratava
da matéria, estava disposto,
no artigo 232: “Para atender a
necessidades temporárias de
excepcional interesse público,
poderão ser efetuadas contratações de pessoal por tempo
determinado, mediante contrato de locação de serviços”. A expressão “mediante contrato de
locação de serviços” possibilitou que a doutrina administrativista buscasse enquadrar os
servidores temporários como
situados no marco do Código
Civil, ou seja, sem que houvesse
a incidência das normas do RJU
ou da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). Esta hipótese é
uma impossibilidade jurídica,
tendo em vista que o instituto
da locação de serviços possui o
escopo da empreitada em seu
norte. A empreitada constitui
uma tarefa e não a prestação
continuada de serviços, como
o magistério. Exemplar deste
ponto de vista é o trecho do
voto do Min. Maurício Corrêa,
quando da declaração de inconstitucionalidade da Lei nº
418, de 1993, do Distrito Federal,
por meio da ADIN nº 890:
“Anote-se inicialmente que
o legislador local perpetrou
uma verdadeira confusão ao
prever a contratação extraor-
Servidores Temporários
“
Deve ser destacada a fundamentação jurídica
para a contratação de mão de obra temporária,
como parte de um regime geral
dinária de pessoal por meio da
locação de serviços, espécie de
ajuste bilateral disciplinado
pelo Código Civil brasileiro. A
essência da norma deixa claro,
porém, que não se cuida de
contratação de serviços, esta a
rigor sujeito às normas da licitação pública (CF, art. 37, XXI),
mas efetivamente uma forma
de admissão de pessoal4”.
A confirmação do voto, realizada pelo Min. Carlos Ayres
Brito, também é exemplar no
sentido de legitimar o ponto de
vista do relator. Ou as relações
se regem pela CLT, ou por um regime administrativo específico:
“De outra parte, e como V.
Exa., Sr. Presidente, bem observou, o regime “civil” de trabalho
dos contratados emergenciais,
segundo a ótica da Lei nº 418,
realmente é incompatível com
o regime previsto pela Constituição para recrutamento de mão
de obra. Admitiria, como V. Exa.,
ou um regime especial de Direito
Administrativo, para tais contratações, ou o regime da CLT”.
Não há entendimento especificamente claro sobre a matéria
na doutrina administrativa. Para
Diógenes Gasparini, por exemplo, os servidores temporários estão adstritos ao regime da CLT5.
Como o seu livro é evidentemente oriundo do período de enormes mudanças que marcaram o
direito administrativo recente, é
razoável que a indefinição ainda
reinasse na doutrina6. O maior
obstáculo para compreensão de
que os servidores temporários
deveriam ser enquadrados sob
um vínculo estatutário, porém
especial, na União, era a determinação constitucional da
existência de um único regime
jurídico. Com o advento da EC
nº 19, em 1998, a previsão de
um único regime foi retirada do
texto constitucional. Abriu-se a
possibilidade de ser estipulado
um regime específico ou de incidirem alguns dispositivos do
RJU em um regime estatutário
peculiar para os temporários.
Os tribunais se depararam
com diversas ações sobre o tema
e o entendimento generalizado
vem sendo o de que os servidores temporários estão adstritos
ao regime jurídico, no escopo
da própria Lei nº 8.745, de 1993.
Logo, o foro para processamento
Servidores Temporários
”
das disputas é a justiça comum
(estadual ou federal). A Reclamação nº 4.762/PR, relatada pela
Min. Carmen Lúcia Antunes Rocha, julgada pela primeira turma
do STF em 02 de março de 2007,
que possuía como reclamante
(polo ativo) a Agência Nacional
de Telecomunicações e no polo
passivo o Juiz do Trabalho da 7a
Vara do Trabalho de Curitiba,
demonstra o problema7. Afinal,
a definição do regime jurídico
aplicável aos servidores contratados temporariamente define
o manancial dos direitos e dos
deveres aos quais eles estarão
submetidos. Mas também possui impacto sobre a organização
das atividades dos órgãos em
relação ao controle dos atos
administrativos, definição de
responsabilidades e outras incidências normativas. No caso
específico, acima indicado, os
autos deveriam ser remetidos
à Justiça Federal. Mas qual o regime aplicável neste período? A
decisão acima indicada fornece
evidências de que seria a própria
Lei nº 8.745, de 1993, com suas
modificações.
Portanto, até 07 de março de
2008, seria muito fácil concluir
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
31
que os servidores temporários
federais estavam sob a égide
de um regime administrativo
específico, lastreado pela Lei nº
8.745, de 1993. Esta Lei delimita
a incidência de parte da Lei nº
8.112, de 1990, que não era mais
o único regime jurídico dos servidores, por força da alteração
do art. 39, caput, da Constituição Federal. Tal alteração havia
suprimido a expressão “regime
jurídico único”, abrindo a possibilidade de instituição de outros regimes estatutários. Mas
houve uma decisão do STF, em
medida cautelar, restabelecendo a vigência original do art. 39,
caput. Tudo leva a crer que tal
decisão deve ser mantida, porque o argumento central para a
declaração de inconstitucionalidade, na petição inicial da ADI
nº 2.135, havia sido uma grave
manobra regimental que teria
fraudado a votação do Poder
Legislativo. Obviamente, foi
restabelecida a necessidade de
vigência de um regime jurídico
único, seja na União seja nos
Estados, no Distrito Federal e
nos municípios. Podemos sintetizar que, no período recente,
houve uma alteração sensível,
em decorrência da mudança
constitucional, revertida pela
decisão do STF, como pode ser
visto no quadro 1.
Assim, em síntese, o texto
original indicava uma interpretação possível. Ele foi alterado,
com a supressão do regime
jurídico único, por meio da
EC nº 19/98. Recentemente, a
redação original foi repristinada por decisão do STF. O texto
constitucional indica que esta
função excepcional é ocupada por meio de um contrato
temporário. Todavia, o vínculo
contratual é atípico, porque não
existe autonomia às partes. Na
prática, trata-se de um contrato
administrativo, constitucionalmente previsto, com disposições assimétricas definidas pela
lei de regência. Mas sobre este
contrato incidem as regras do
regime jurídico único, adaptadas pela Lei nº 8.745/93, como
está em sua própria redação?
Ele é um regime específico, sem
afrontar a unicidade? Ou, em
algum grau, incidem as normas
trabalhistas previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho?
Ou, ainda, incidem as primeiras, acrescidas das segundas,
onde houver omissão da Lei nº
8.112, de 1990? O STF definiu por
meio de repercussão geral que é
possível – e deve ser o caminho
adotado pela administração
pública – que os contratos
temporários, com fulcro no art.
37, IX, da Constituição Federal,
ficam submetidos a um regime
Quadro 1
Promulgação
da Constituição
de 1988
Sanção da Lei
n 8.112/90 (RJU)
Sanção da Lei
no 8.745/93
(Temporários)
Promulgação
da Emenda
Constitucional
no 1998
Repristinação da
redação original
(art. 39), cf.
promulgado
em 1988
31 out. 1988
11 dez. 1990
09 dez. 1993
04 jun. 1988
07 mar. 2008
Tem-se o entendimento
de que a menção
“contrato”, existente no
texto constitucional só
pode ser lida como CLT.
Porém, há dúvidas.
Fica criada a
possibilidade de múltiplos
regimes jurídicos de
pessoal da administração
pública. Logo, a Lei n.
8.745/93 é entendida
como regime autônomo,
sem sombra de dúvidas.
Reverte-se à situação
de 1993, com a edição
original da Lei n.
8.745/93. O STF tem
entendido que continua
um vínculo administrativo
Todavia, apesar de
improvável, poderá
haverá dúvidas.
o
O pessoal na administração pública fica sujeito a dois
regimes possíveis (regime jurídico único ou regime
contratual, CLT). O entendimento minoritário é que
existe a possibilidade de um regime de prestação de
serviços que não é submetido nem à CLT, nem ao
RJU. Seria regulado pelo Código Civil, consoante o
disposto no RJU. Muitas dúvidas na doutrina.
32
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Servidores Temporários
jurídico específico, focado na
legislação de regência (a Lei nº
8.745/93, no caso federal; outras
leis, no dos municípios, Estados
e Distrito Federal)8. Anote-se
que, apesar do definido pelo
STF, pode ser que o tema ainda
continue a suscitar polêmicas
doutrinárias, a despeito da sua
baixa probabilidade. Realizado
o primeiro panorama sobre
a contratação temporária de
servidores na administração
federal, cabe descrever a mudança paradigmática havida na
jurisprudência do STF.
As tensões jurisprudenciais
entre concurso público, funções
temporárias e terceirização
O atual panorama normativo não demonstra a existência
de um equilíbrio estável entre
o problema da contratação de
servidores temporários, terceirização e a regra geral do
concurso público. Há inúmeras
decisões dos tribunais superiores que descaracterizam a
necessidade de contratação
temporária – ou a terceirização
– como modos de contornar a
regra geral dos concursos públicos. A jurisprudência recente
do STJ tem outorgado resultados favoráveis aos candidatos
aprovados e classificados em
concursos públicos, no momento em que se evidencia a
sua preterição por terceirizados
ou por servidores temporários.
Todavia, para entender a atuação do STJ, há que se visualizar
a mudança havida no STF.
Logo, para tratar deste tema,
deve ser analisado o Recurso
Extraordinário nº 509.998,
que consolidou a matéria com
a necessidade de observância
por todos os tribunais do país,
pela outorga dos efeitos da repercussão geral, prevista no art.
543-C do Código de Processo
Civil. Mas a origem deste entendimento está em outro julgado paradigmático do STF que
reconheceu o direito dos candidatos aprovados em concurso
público, no rol de vagas previstas no edital de convocação,
em serem nomeados: o Recurso
Extraordinário nº 227.480. O
argumento central da Ministra
Carmem Lúcia, relatora, era que
o princípio da segurança jurídica deveria prevalecer sobre a
conveniência e oportunidade
da administração pública. Ou
seja, no seu entendimento, se
o edital previu determinado
número de vagas, não mais
poderia ser mantido o ponto
de vista de que não haveria
direito líquido e certo ao particular contra a administração
pública. Haveria, sim, direito à
nomeação. Este acórdão é tão
relevante que vale ser transcrita
sua ementa:
“Direitos Constitucional e
Administrativo. Nomeação de
aprovados em concurso público.
Existência de vagas para cargo
público com lista de aprovados
em concurso vigente: direito adquirido e expectativa de direito.
Direito subjetivo à nomeação.
Recusa da administração em prover cargos vagos: necessidade de
motivação. Artigos 37, incisos II e
IV, da Constituição da República.
Recurso extraordinário ao qual se
nega provimento. 1. Os candidatos
aprovados em concurso público
Servidores Temporários
têm direito subjetivo à nomeação
para a posse que vier a ser dada
nos cargos vagos existentes ou nos
que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da
Administração Pública em prover
cargos vagos, quando existentes
candidatos aprovados em concurso público, deve ser motivada,
e esta motivação é suscetível de
apreciação pelo Poder Judiciário.
3. Recurso extraordinário ao qual
se nega provimento9.”
Em termos simples: se a administração pública previu tal
número de vagas e o candidato
foi aprovado nelas, ele teria
direito à nomeação e não uma
mera expectativa de direito.
Este foi o entendimento esposado no acórdão que alterou a
jurisprudência do STF. Todavia,
o que fazer em casos excepcionais? O tema foi pacificado de
forma definitiva com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 598.099, que estabeleceu
parâmetros para lidar com tais
excepcionalidades. Para o que
interessa aqui, cabe indicar que
o STF determinou de forma
inequívoca que a contratação
de temporários, sem a justificativa devida e amparo legal,
enseja a preterição em relação
aos candidatos aprovados que
estejam no cadastro de reserva,
ou na lista de espera para convocação. O voto proferido pelo
Ministro Gilmar Mendes buscou um termo intermediário
entre a nova situação jurisprudencial e a possibilidade de que
a administração pública não
nomeie os aprovados no rol de
vagas previstas, caso haja uma
motivação suficiente e compro-
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
33
tes de cargos diversos, para exercer
a mesma função de candidatos
aprovados em certame dentro do
prazo de validade, transforma a
mera expectativa em direito líquido
e certo, em flagrante preterição a
ordem de classificação dos candidatos aprovados em concurso público. (...) 8. Recurso ordinário em
mandado de segurança provido11.”
A grande questão é que se firma a dificuldade para justificar a contratação de servidores temporários e para a
realização de atividades de terceirização
vada (grave crise e ausência de
recursos, por exemplo)10.
A leitura da extensa ementa
é recomendada e é bastante
didática para afirmar o ponto
central que está em discussão
no presente artigo. A jurisprudência do STF e do STJ,
em seguida, está firmada no
ponto de vista de que os candidatos aprovados na lista de
espera possuem a conversão
em direito líquido e certo da
sua expectativa de direito se
houver uma violação à lista de
convocação, ou seja, preterição.
Somente um exemplo do STJ
é necessário para demonstrar
como o precedente do STF tem
indicado um roteiro de decisão:
“Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança.
Concurso Público. Aprovação fora
das vagas previstas no Edital.
Surgimento de novas vagas no
decorrer do prazo de validade do
certame. Cargos ocupados em caráter precário. Direito líquido certo
34
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
e configurado no caso concreto.
Precedentes do STF e STJ. Provimento do Recurso Ordinário. (...)
4. Entretanto, tal expectativa de
direito é transformada em direito
subjetivo à nomeação do candidato
aprovado se, no decorrer do prazo
de validade do edital, houver a contratação precária de terceiros para
o exercício dos cargos vagos, salvo
situações excepcionais plenamente
justificadas pela Administração,
de acordo com o interesse público.
5. Na hipótese examinada, a recorrente foi aprovada para o cargo de
Escrivão, fora do número de vagas
previsto no edital, em regular
concurso público realizado pelo
Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul. Além disso, é
incontroverso o surgimento de novas vagas para o referido cargo, no
período de vigência do certame, as
quais foram ocupadas, em caráter
precário, por meio de designação de
servidores do quadro funcional do
Poder Judiciário Estadual. 6. Portanto, no caso concreto, é manifesto que a designação de servidores
públicos de seus quadros, ocupan-
A grande questão é que se
firma a dificuldade para justificar a contratação de servidores
temporários e para a realização
de atividades de terceirização.
Como pode ser depreendido dos
julgados acima listados, há uma
alteração de paradigma. Os candidatos aprovados começaram a
ser entendidos como portadores
de direitos subjetivos e não
como detentores de expectativas, submetidas primariamente
ao interesse do Estado. Assim,
o ponto nodal é que a administração pública deverá comprovar que não está violando o
potencial direito dos candidatos
em serem nomeados. Logo,
situações excepcionais podem
ocorrer. Contudo, as mesmas
deverão ser comprovadas.
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi
demonstrar como ainda há
uma tensão evidente entre o
disposto no artigo 37 da Constituição Federal, pelos incisos
II e IX. Assim, fica claro como
o debate jurídico entre a regra
geral do concurso e a necessidade excepcional e de interesse
público enseja problemas de
gestão que acabam por ser
dirimidos no âmbito do Poder
Servidores Temporários
Judiciário. Será que há como
solucionar de forma definitiva
tal tensão? De fato, tal resposta não se avizinha. O que fica
como conclusão possível é que
o instituto do concurso público e a sua regra geral, prevista
no inciso II do artigo 37 da
Constituição Federal, têm sido
interpretados de forma exten-
siva e protetiva em relação aos
candidatos. Desta forma, uma
advertência fica dirigida à administração pública em sentido
geral: deve haver previsão clara
dos quadros funcionais, com
a realização de uma política
concreta de pessoal – inclusive
com concursos periódicos –, de
modo a que sejam atendidas
as funções estatais em longo
prazo. O certo é que o estabelecimento de uma política de
pessoal clara e consequente,
com uma legislação coerente e
simétrica aos moldes federais,
ainda é a melhor solução possível contra eventuais problemas
jurídicos relacionados aos concursos públicos.
NOTAS
1 BRASIL: STF. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2380 (União). Relator Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 20 jun. 2001, acórdão publicado no Diário da Justiça
em 24 maio 2002 e no Ementário v. 2070-02.
2 BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2987 (Santa Catarina). Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 19 fev. 2004, acórdão publicado no Diário da Justiça em
2 abr. 2004, no Ementário v. 2146-03 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 193-01. No mesmo sentido: BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 890 (Distrito Federal), Relator Min.
Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 11 set. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 06 fev. 2004 e no Ementário v. 2138-01; BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade
1222 (Alagoas), Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 6 fev. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 11 abr. 2003 e no Ementário v. 2106-01.
3 JBRASIL: STF. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135, Relator Min. Néri da Silveira, Relatora para acórdão Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 2 ago. 2007,
publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 7 mar. 2008, no Ementário v. 2310-01 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 204-03.
4 BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 890 (Distrito Federal), Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 11 set. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 06 fev.
2004 e no Ementário v. 2138-01.
5 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 146-147.
6 Os comentários de Ivan Barbosa Rigolin são bem enfáticos no sentido de comemorar a revogação, com o advento da nova lei específica: “A Lei nº 8.745/93 extirpou do texto da Lei nº 8.112/90
o canhestro e esdrúxulo disciplinamento que ali existia (art. 232 a 235) de contratos de locação de serviço, regidos pelo Código Civil, para suprir necessidades temporárias de excepcional interesse
público, conforme admitido – de outro modo, por certo, como agora se deu – para Constituição no art. 37, IX; e agora disciplinou aceitavelmente a matéria, fora e longe desta Lei nº 8.112/90”
(RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 432).
7 BRASIL: STF. Reclamação 4762/PR, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgada em 2 mar. 2007, acórdão publicado no Diário da Justiça em 23 mar. 2007, no Ementário v. 2269-01 e
na Revista LEXSTF v. 29, nº 341, 2007, p. 217-222.
8 BRASIL: STF. Recurso Extraordinário 573.202/AM, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 21 ago. 2008, Repercussão Geral – Mérito, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 5 dez. 2008, no Ementário v. 2344-05 e na LEXSTF v. 30, nº 360, 2008, p. 209-245
9 BRASIL: STF. Recurso Extraordinário 227.480/RJ, Relator Min. Menezes Direito, Relatora para acórdão Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 16 set. 2008, publicado no Diário da Justiça
Eletrônico em 21 ago. 2009, no Ementário v. 2370-06 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 212.
10 BRASIL: STF. Repercussão Geral – Mérito – no Recurso Extraordinário 598.099/RJ, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10 ago. 2011, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 03 out. 2011 e no Ementário v. 2599-03.
11 BRASIL: STJ. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 31.847/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22 nov. 2011, publicado no Diário da Justiça
Eletrônico em 30 nov. 2011.
Servidores Temporários
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35
RESUMEN
La tensión entre las normas habituales para la contratación de fuerza de trabajo y los contratos temporales en la
administración pública brasileña: un debate judicial con algunas consecuencias para la gestión.
La Constitución Federal brasileña de 1988 tiene dos disposiciones que mantienen un tenso equilibrio normativo: la regla general de la
concurso previo a la contratación de empleados publicos y la excepción de contratación temporaria por razones de interés excepcional.
El tema ha sido ampliamente discutido en los tribunales superiores brasileños, en medio de un cambio de paradigma en la jurisprudencia: la concesión de derechos legales para el nombramiento de los aprobados en los concursos. Esta situación juridica implica una
necessaria reevaluación de la política de personal que debe estar guiada por una planificación a largo plazo, así como la definición en
las leyes adecuada para evitar problemas judiciales.
Palabras-clave: Servidores públicos. Puestos temporales de trabajo público. Decisiones judiciales.
ABSTRACT
The tension between the regular rules for hiring workforce and the temporary contracts in the Brazilian public
administration: a judicial debate with some consequences to the management.
The Brazilian National Constitution has two key legal norms in a tense balance: the wide requirement of previous approval in tests in
order to gain a position in the public service, and the possibility of hiring workforce without it in exceptional cases due to the public
necessity. Such theme is under a deep debate in the high courts of the nation amidst a paradigmatic recent change: the recognizance
of some rights to the approved candidates in the public tests made to staff in the public administration. This situation brings to need
of re-thinking the planning and the policies regarding selection and management of the workforce in Brazilian public entities in order
to avoid some judicial conflicts.
Key words: Public servants. Temporary public jobs. Judicial decisions.
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Contratação de Serviços
Inadequação da licitação na modalidade
pregão para contratação de serviços para
realização de concurso público
Jaber Lopes Mendonça Monteiro — Consultor Jurídico do IBAM, Advogado pós-graduado em Direito Público e mestre em Filosofia do
Direito – [email protected]
Rafael da Silva Alvim — Graduando em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Estagiário da CJ/IBAM, Ex- Pesquisador-bolsista do Departamento de Fundamentos em Direito, Administração e Política, da ECJ/Unirio – [email protected]
RESUMO
O concurso público objetiva selecionar os candidatos dotados de maior merecimento e garantir que somente integrarão os quadros da administração os que atendam plenamente aos requisitos do cargo. Na busca de tão relevante
mister, o gestor não deve abrir mão da avaliação da melhor técnica entre os licitantes que participam do certame.
Nestes casos, cabe ao administrador renunciar à modalidade Pregão, vez que esta se limita a perquirir a oferta de
menor preço dentre as apresentadas pelos licitantes.
Palavras-chave: Concurso Público. Licitação. Pregão.
Desde os tempos antigos,
os concursos públicos são a
melhor forma de seleção de
pessoal para o Poder Público. As
primeiras referências históricas
datam de até 2.200 a.C., na China. No Brasil, apesar de haver
algumas disposições sobre concursos públicos desde a Constituição do Império de 18241, foi
a Constituição Federal de 1988
que inaugurou na ordem constitucional brasileira o dever de
realizar o concurso público para
a seleção e o recrutamento de
pessoal, decorrência do chamado princípio do dever geral
de licitar, insculpido no art. 37,
caput e inciso XXI.
O concurso público foi a forma escolhida pelo constituinte
para garantir a igualdade de
oportunidades no provimento
dos cargos públicos. Trata-se de
procedimento que, por um lado,
visa a garantir a moralidade, a
impessoalidade e a igualdade
de oportunidades na investidura dos cargos públicos e, por
outro, garantir aos cidadãos o
acesso a esses cargos à luz do
princípio da igualdade de oportunidades. Com efeito, presta-se a selecionar os que demonstrarem maior merecimento
– ou seja, aqueles dotados de
maior gabarito e qualificação
técnico-científica –, ao mesmo
tempo em que visa garantir que
apenas serão admitidos aqueles
que preencham as necessidades
da administração em relação
às funções inerentes ao cargo,
colocando-se a serviço do desenvolvimento institucional da
administração. A finalidade do
concurso público é, portanto, a
seleção e a admissão do pessoal
mais qualificado a atender o
Contrataçào de Serviços
que serviço público carece. Neste diapasão, vale a pena conferir
o conceito de concurso público,
nas palavras de Francisco Lobello de Oliveira Rocha2:
“(...) é um procedimento
administrativo, subordinado
a um ato administrativo prévio, o edital – que por sua vez
subordina-se a todo o ordenamento jurídico pré-existente
–, destinado a propiciar a mais
perfeita seleção entre os candidatos que preencherem as
necessidades da Administração, garantindo-se a igualdade
de oportunidades no acesso a
cargos e empregos públicos”.
Assim, quando o administrador se precisa realizar
concurso para prover cargos
vagos no âmbito do serviço
público, pode realizar o certame
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mediante execução direta ou
recorrer ao mercado e proceder à escolha daquele que se
demonstrar mais apto à realização do relevante processo
de seleção de pessoal ante às
diferentes nuances específicas
relacionadas ao desempenho de
cada tipo particular de função
pública.
É o interesse público que
guia a conduta do administrador e que dele não se pode afastar. Afinal, os futuros servidores
– tais como médicos, advogados, enfermeiros e professores
– é que irão prestar os serviços
que a população necessita. Assim sendo, é o povo o destinatário último de toda a atuação
estatal. Destarte, não se pode
abrir mão da qualificação técnica daqueles que irão proceder
à seleção dos candidatos mais
aptos, sendo certo que disso
decorre a necessidade de uma
equipe técnica e pessoal gabaritado para identificar quais
serão os aspectos essenciais à
mais perfeita seleção e para que
sejam estabelecidos os critérios
mais adequados para a escolha
do pessoal que será admitido.
A organização de um concurso público vai muito além da
mera aferição do conhecimento
dos candidatos: a realização
da seleção pública concerne
múltiplos fatores, tais como a
banca, o critério de correção, os
critérios pedagógicos, a logística do concurso, a divulgação,
a inscrição, a fiscalização, o
dimensionamento do número
de inscritos. Todos esses fatores com potencial de ocasionar
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impactos no resultado final do
certame. Outro elemento que se
nos afigura de suma importância é a escolha dos critérios que
serão utilizados para avaliação
dos conhecimentos indispensáveis ao exercício do cargo,
a se enquadrarem na expertise
da instituição que procederá à
realização do concurso público.
Por isso, é comum se falar de
concurso como procedimento
eminentemente técnico, o que
importa relegar o preço a um
plano secundário, não obstante
sua relevância na contratação.
Por outro lado, é indiscutível
que a licitação pública é regida
pela Lei nº 8.666/1993 (que fixa
normas gerais de licitações e
contratos em obediência ao
art. 22, XXVII da Constituição),
pela Lei nº 10.520/2002 (que
cria e estende aos Estados,
Distrito Federal e Municípios
uma nova modalidade de licitação conhecida como pregão)
e pela Lei Complementar nº
123/2006 (que estabelece regras
de preferência na contratação
de micro e pequenas empresas),
além dos princípios de Direito
Constitucional e de Direito
Administrativo.
Quanto ao objeto, o julgamento das licitações pode se
dar mediante a persecução
dos seguintes critérios: menor
preço, melhor técnica e melhor
técnica e preço. Em relação ao
primeiro tipo de julgamento,
temos que a licitação do tipo
menor preço norteia-se pelo
custo dos bens ou serviços que
venham a ser apresentados,
mediante proposta dos licitantes, à administração. Já no que
tange à licitação do tipo melhor
técnica, trata-se de critério de
julgamento apropriado para a
contratação de serviços de natureza eminentemente técnica
ou intelectual. Cabe consignar
que a licitação de tipo melhor
técnica e preço consubstancia-se
em ponderação dos critérios de
preço e de técnica, do qual se
extrairá média ponderada das
Cumpre às autoridades encarregadas da licitação promover criterioso exame tanto do serviço de realização de
concurso público, quanto dos critérios de seleção dos mesmos
Contratação de Serviços
notas obtidas em cada um dos
quesitos.
A administração pública
vem admitindo a utilização da
figura do pregão para a contratação de serviços de natureza
majoritariamente técnica ou
intelectual, mediante a observação de elementos de ordem
técnica, o que é um grave equívoco. O pregão é modalidade
licitatória prevista na Lei nº
10.520/2002 a ser realizada entre interessados especializados
no ramo do objeto ou serviço
pretendidos e que comprovem
possuir os requisitos mínimos
de qualificação exigidos no edital. Nesta modalidade licitatória, a disputa pelo fornecimento de bens ou serviços comuns
é feita em sessão pública de
forma presencial ou eletrônica.
Cada dia mais, União, Estados e Municípios vêm se valendo da modalidade Pregão, que
tem por aspectos positivos a
celeridade, a desburocratização
e a economia de recursos que
proporcionou, mas cuja falta
de material crítico mostra-se impressionante. Segundo
recente divulgação da Secretaria de Comunicação Social
da Presidência da República,
somente no primeiro semestre
do ano de 2012, a União gastou
R$ 8,5 bilhões com pregões eletrônicos, que já correspondem
a cerca de 93% dos processos de
licitação do Governo Federal3.
No presente artigo, tentaremos
elucidar alguns problemas que
surgiram com a utilização desenfreada e equivocada desse
tipo de licitação, em especial
na contratação de serviços
para a realização de concursos
públicos.
nem sempre o tipo “menor
preço” será o adequado para a
licitação.
O pregão não se presta a
procedimentos do tipo melhor
técnica ou melhor técnica e
preço, admitindo somente a
modalidade menor preço. Esta
é a razão pela qual é inquestionável o fato de não dever ser
utilizado para contratação de
serviços de realização de concursos públicos, já que se trata
de procedimento que, além de
extremamente complexo, deve
ser avaliado caso a caso, ponderando a técnica da entidade e o
preço por ela proposto, sendo
inviável a simples contratação
da instituição com o preço mais
baixo, que certamente não será
o critério mais idôneo para aferir as propostas dos licitantes.
Menor preço, mesmo sendo
hoje a regra geral das licitações,
deve ser o requisito perseguido
apenas quando o objeto da
licitação possa ser fornecido,
idêntico, o mesmo, ou quase
idêntico, por vários proponentes, sem diferença alguma ou com diferença mínima
de qualidade, durabilidade,
ou aquelas outras características explicitadas. (...).
No mesmo sentido, lecionam Ivan Barbosa Rigolin e
Marco Tulio Bottino4 acerca
dos momentos em que deverá
ou não a administração proceder ao processo licitatório mediante critério de menor preço,
ou à conjugação dos requisitos
de técnica e preço:
“(...) Sempre que possível – e
com frequência é possível –
devem ser combinados fatores
de julgamento outros que não
apenas o preço, para constituir o critério de julgamento
mais vantajoso à entidade, tais
quais, exatamente, qualidade,
rendimento, durabilidade, garantia, compatibilidade, rede
de manutenção, facilidade na
reposição de peças, prazo de
pagamento (...). Nesse caso,
Contrataçào de Serviços
Quando a Comissão (ou a
Administração) constate que
o objeto pretendido possa variar significativamente, quer
no preço, quer na qualidade,
quer no rendimento, quer na
garantia, quer em qualquer fator importante, não deve realizar
licitação do tipo de menor preço.
Deve necessariamente constituir um critério de julgamento
integrado por fatores diversos,
através dos quais possa avaliar
cada uma daquelas características dos bens ou produtos oferecidos pelos licitantes, em cada
qual das propostas; somente
assim poderá fazer cumprir o
papel institucional da licitação:
selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração (cf. art.
3º da L. 8.666). Escolherá, então,
o tipo da melhor técnica, ou da
técnica e preço.” (grifamos)
Ante a impossibilidade de
a administração se utilizar,
de forma indiscriminada, da
modalidade pregão quando da
realização de seus processos
licitatórios para a contratação
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de serviços para a realização de
concursos públicos, o administrador deve optar por uma das
modalidades mais conservadoras previstas na Lei Geral de
Licitações, quando as características inerentes ao mercado
assim o aconselharem. Nesse
contexto, não se pode deixar
de consignar a possibilidade
de dispensa de licitação para
a contratação de serviço de
realização de concurso público.
As hipóteses de dispensa são as
especificamente citadas no art.
24 da Lei nº. 8.666/1993, dentre
as quais a “contratação de instituição brasileira incumbida
regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do
desenvolvimento institucional,
ou de instituição dedicada à
recuperação social do preso,
desde que a contratada detenha
inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins
lucrativos” (inciso XIII).
Ao se falar em dispensa
há sempre que se proceder a
criterioso exame das instituições que porventura venham
a submeter suas propostas à
apreciação da administração
pública. Isto porque o permissivo legal aplica-se, no dizer
de Márcio dos Santos Barros5,
exclusivamente a “instituições ou pessoas jurídicas que
tenham estabelecido em seus
atos constitutivos ou organizacionais que suas atividades
fundamentais serão relacionadas com pesquisa (...), ensino,
desenvolvimento institucional
(...) ou recuperação social de
presos, e efetivamente a exercitem, a ponto de adquirirem
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uma indubitável reputação pelo
trabalho qualificado, correto,
ético”. Não atendendo esses
critérios de avaliação, o administrador público incorrerá no
risco de dispensar a contratação de entidade que não atenda
aos fins estritamente previstos
em lei, correndo o risco de ser
condenado por dispensa indevida de licitação.
Sobre a inadequação do pregão para licitação de vários bens
e serviços há argutas observações da mais abalizada doutrina
que defendem um uso ponderado da modalidade em respeito
a vários princípios que regem a
administração e os postulados
mais fundamentais de um Estado Democrático de Direito. O
professor Marçal Justen Filho
também tece comentários esclarecedores nesse sentido6:
“Nem é possível argumentar
em defesa do pregão eletrônico
com a invocação ao princípio da
eficiência e o fornecimento de
estatísticas acerca da economia
obtida para os cofres públicos.
Em primeiro lugar, o princípio da eficiência não se superpõe aos princípios estruturantes
da ordem jurídica. Não se pode
transigir acerca da configuração de um Estado Democrático
de Direito, pleiteando adoção
de certas técnicas economicamente rentáveis. A adoção da
democracia não é uma questão
econômica. Não se pode escolher eleger através de critério
econômico uma solução incompatível com a ordem democrática. Os controles impostos à
atividade administrativa do
Estado não podem ser suprimidos através do argumento
de sua onerosidade econômica.
Todo agente estatal tem o dever
de submeter sua conduta aos
controles necessários à prevalência do Direito, mesmo que
isso signifique tornar a gestão
administrativa mais lenta e
menos eficiente. Pode dizer-se
que o princípio da eficiência é
derivado e secundário: apenas
se aplica após verificar-se a compatibilidade de diferentes soluções com os princípios jurídicos
fundamentais. A eficiência tem
de ser um atributo do Estado
Democrático de Direito, nunca
bastará um Estado eficiente, se
não for democrático.
Apenas acessoriamente, insista-se em que a História ensina que a ausência de democracia
tende a destruir o postulado da
eficiência. O sacrifício da democracia acaba sendo sucedido
pela destruição da eficiência.
Em médio prazo, os autoritários
que tomaram o poder acabam
desviando-o em seu benefício
próprio, sem possibilidade de
controle externo. Seria talvez
um exagero afirmar que a invocação à eficiência pode recobrir
a intenção de realizar precisamente o resultado oposto.
Depois de afastados os empecilhos jurídicos, torna-se possível
praticar atos muito reprováveis.
Ao assim dizer, não se pretende imputar à inovação do
pregão eletrônico algum defeito dessa ordem. Apenas se
põem em destaque os enormes
riscos existentes na conduta
Contratação de Serviços
“
O concurso público foi a forma escolhida
pelo constituinte para garantir a igualdade de
oportunidades no provimento dos cargos públicos
de suprimir controles jurídicos
fundamentais.
Depois disso, a avaliação
da eficiência faz-se através
de critérios e estatísticas extremamente questionáveis. É
usual invocar a diferença entre
o valor de melhor proposta na
primeira fase e aquela obtida
ao final da etapa de lances.
Esse raciocínio é extremamente
discutível, eis que os licitantes
sabem de antemão que suas
propostas não lhes assegurarão
a vitória. Como será obrigatória
a realização de lances, é inevitável que incluam em seus preços
uma espécie de “reserva”, para
propiciar reduções posteriores.”
O dever da administração
pública é selecionar a melhor
proposta, entendida como aquela que melhor atenda ao interesse público. Deve, assim, o
administrador examinar, caso
a caso, os aspectos envolvidos
em cada contratação, mitigando
um princípio ou outro em face
da realidade e da necessidade
de selecionar a proposta mais
vantajosa à máquina pública.
Muitas vezes a melhor proposta não é a mais barata.
Neste mister, cabe a aplicação
do adágio popular segundo
o qual “o barato sai caro”. Por
reiteradas vezes a contratação
de serviço ou aquisição de bem
cuja proposta tenha valor relativamente mais elevado que as
outras acaba sendo preferível
face à obstinada persecução do
menor preço, haja vista a maior
rentabilidade, durabilidade ou
mesmo a qualidade do serviço
que se deseja adquirir.
Neste mesmo sentido, é de se
considerar que a economia feita
pelos cofres públicos em virtude
da contratação de serviço de
menor preço logo se transforma em gastos desnecessários
às custas do erário, referentes à
insuficiência de qualificadores
do serviço que assegurem um
adequado atendimento às necessidades da administração. O
pregão não se digna a contratar
serviços pelos critérios técnica
ou técnica e preço, razão pela
qual não pode ser utilizado em
muitos casos, em especial na
contratação de serviços para realização de concursos públicos.
Confira-se, ainda, a lição de
Ivan Barbosa Rigolin e Marco
Tulio Bottino7 acerca do critério melhor técnica:
“É significativo constar a palavra técnica antes de preço, pois
Contrataçào de Serviços
”
que tal indica ser, o primeiro, o
elemento mais importante do
sistema, e o mais procurado pela
lei – esta ao menos deve ter sido
a ideia originária do legislador, já
que pelo critério de média ponderada os fatores técnicos e os
de preço eventualmente poderão
ter a mesma relevância (...).”
Destarte, procedendo a apertada síntese da argumentação
até o presente empreendida,
cabe consignar que, em primeiro
plano, quando da utilização pela
modalidade pregão, a comissão
de licitação deverá proceder ao
julgamento e classificação das
propostas apresentadas pelos
licitantes mediante o critério
de menor preço, conforme resta
inequívoco do art. 4º, X da Lei
nº 10.520/2002. Outra característica intrínseca ao serviço de
realização de concurso público
é sua natureza inequivocamente
técnica, conforme acima referido, em face da qual não é lícito
ao administrador público proceder a mero julgamento das propostas apresentadas, avaliando
apenas os custos que a contratação do serviço ocasionará
ao erário (daí já se extraindo
o afastamento da modalidade
pregão para avaliar as propostas relativas à organização de
concurso público, vez que não
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
41
comporta uma avaliação mais
acurada da técnica do que se
está a contratar). Por derradeiro,
ainda atendo-nos aos requisitos
necessários à formalização do
procedimento licitatório pela
modalidade prevista na Lei nº
10.520/2002, é de se consignar
que não é tarefa das mais fáceis enquadrar a realização de
concurso público como sendo
um “serviço comum”, face à natural demanda por qualificação
técnica especializada e dada a
natureza eminentemente intelectual do serviço, a ensejar das
organizações empreendimentos
cada vez maiores no sentido
de se aprimorar as técnicas
inerentes ao planejamento e
à execução dos concursos públicos; qualificação de pessoal;
questões inéditas etc.
Face às ponderações até o
momento apresentadas, cabe
colacionar a jurisprudência
pátria acerca da temática em
comento. Confira-se:
tada ou da incerteza sobre a
caracterização do objeto, deve
o gestor preterir o pregão em
favor de outras modalidades
licitatórias cercadas de maior
rigor formal.” (TCU. Acórdão
nº 1.615/2008 – Plenário. Rel.
Min. BENJAMIN ZYMLER. Julgamento em 13.08.2008. DJ de
18.08.2008) (grifamos)
“(...) Dessa forma, em análise
perfunctória da questão posta
em juízo, (...) a modalidade
“pregão” para a contratação de
pessoa jurídica visando prestação de serviço consistente,
na espécie, em elaboração de
concurso público para preenchimento de cargos na Administração Pública Municipal,
(...) não parece ser a mais
adequada porque ‘para a elaboração e execução do serviço
demandam técnica apurada
do vencedor da licitação’ (...)”.
(TJPR – AI nº 6.762.901/PR. 5ª
Câmara Cível. Rel. Des. ADALBERTO PEREIRA. Julgamento
em 07.12.2010) (grifamos)
“(...)
15. A aplicação do pregão
aos bens e serviços incomuns
representa risco à segurança
contratual, pela possibilidade
de conduzir a Administração
à celebração de contrato com
pessoa sem qualificação para
cumpri-lo ou pela aceitação de
proposta inexequível.
16. Por essa razão, em situações que sejam necessárias
medidas mais cautelosas para
segurança do contrato, em
razão dos riscos decorrentes
de inadimplência da contra-
42
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“(...). Dentre as irregularidades apontadas ressaltam
aos olhos a inadequação da
modalidade de licitação pregão, utilizada para contratação da empresa encarregada
da execução do objeto, eis que
os serviços contratados não
se configuram como “serviço
comum”, conforme estabelecido na Lei n° 10.520/02.
(...)
No particular, dadas as características do objeto – planejamento, organização, ge-
renciamento e realização de
concurso público de provas
para provimento de cargos
efetivo – é certo que não se
trata de um serviço comum,
disponível frequentemente no
mercado. De modo contrário, os
serviços contratados atendem
a especificidades da contratada, visando a atingir objetivos
específicos, com qualificação
determinada.” (TCE/AL. Processo nº TC-2.366/2012 – Rel.
Conselheiro SÉRGIO RICARDO
MACIEL (substituto). Julgamento em 08.03.2012. DJ de
09.03.2012) (grifamos)
Não ignoramos, contudo, o
fato de que muitos administradores têm entendido que o
pregão pode ser utilizado para
a contratação de serviços para
a realização de concursos públicos com base na equivocada
premissa de que se trata de
“serviço comum”. Essa postura,
entretanto, é um erro crasso
que deve ser afastado – e não
seria mesmo preciso entrar nessa seara, dada a inadequação
prima facie do pregão para a licitação de vários tipos, mas dado
o atual estado da discussão na
doutrina e na jurisprudência,
temos que são necessárias algumas considerações sobre o
que é serviço comum.
A Lei do Pregão explicita um
controverso conceito de bens e
serviços comuns no parágrafo
único de seu art. 1º, a partir
do qual os operadores do direito têm formulado diversas
interpretações que conferem
diferentes alcances ao termo.
Doutrina autorizada vem en-
Contratação de Serviços
tendendo que comuns são os
bens e serviços que se encontram disponíveis no mercado,
que são padronizados e dotados
de alguma fungibilidade, como
afirma Marçal Justen Filho8:
“Para concluir, numa tentativa de definição, poderia
dizer-se que bem ou serviço
comum é aquele que se apresenta sob identidade e características padronizadas e que se
encontra disponível, a qualquer
tempo, num mercado próprio.”
Assim, é tarefa muito difícil,
se não impossível, classificar
a realização de um concurso
público como sendo um serviço
comum. Nesse sentido, é pertinente colacionar a elucidativa
lição de Marçal Justen Filho9:
“Como regra, a qualificação
técnica será desnecessária para
a contratação de bens e serviços
comuns. Mais precisamente,
bastarão exigências muito
sumárias nessa área. Poderão
ser estabelecidas distinções
conforme se trate de compra
de bens ou de prestação de serviços. Por mais comuns que o
sejam, os serviços sempre comportam maior complexidade do
que os bens. Na maior parte dos
casos, não existirá obrigatoriedade de inscrição em entidades
profissionais. Mas a afirmativa
não pode ser generalizada. Se
for o caso, é possível exigir
comprovação de experiência
anterior. Aplicam-se, em termos gerais, os comentários
formulados a propósito dessa
questão. Os incs. III e IV do art.
30 da Lei de Licitações serão ob-
jeto de comprovação somente
em situação excepcional.”
Outro aspecto do erro acima
exposto é que a confusão é ainda mais agravada pela vacilante
jurisprudência de nossas Cortes
de Contas, em especial do Tribunal de Contas da União, no
que toca ao sentido ou alcance
da expressão “serviço comum”.
A propósito, seja consentida a
transcrição de jurisprudência
do TCU e suas diversas interpretações sobre o que entende
como bens e serviços comuns,
como se afere da leitura dos
seguintes julgados:
“(...). Utilize obrigatoriamente a modalidade pregão,
preferencialmente na forma
eletrônica, quando se tratar
de serviços comuns, definidos
como aqueles cujos padrões de
desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos por meio de especificações
usuais no mercado, em conformidade com o art. 1º, parágrafo
único, da Lei nº 10.520/2002, e
com o item 9.2.1 do Acórdão nº
2471/2008, todos do Plenário.”
(TCU – 1ª Câmara. Acórdão nº
137/2010)
“(...) Quanto ao aspecto
legal, a Lei do Pregão nos
fornece um tipo aberto, consubstanciado no “bem ou serviço comum” por ela definido
como “aqueles cujos padrões
de desempenho e qualidade
possam ser objetivamente
definidos pelo edital, por
meio de especificações usuais no mercado.” Em outras
palavras, podemos dizer que
Contrataçào de Serviços
o objeto deve ser definido por
meio de critérios objetivos e
usuais no mercado. Ocorre que
todo julgamento de propostas,
independentemente da modalidade licitatória empregada,
deve utilizar-se de critérios
objetivos, como determina o
art. 44 da Lei n° 8.666/93. A
primeira parte da definição
então pouco orienta, pois não
pode ser considerada intrínseca ao pregão. A segunda
parte da definição também
é vaga, pois não informa
nem quais os critérios para
considerar algo usual, nem
a qual mercado se refere. Por
exemplo, as especificações do
pregão da Senasp não podem
ser consideradas usuais em
relação ao mercado em geral,
pois aeronaves não são bens
negociados pela grande maioria das pessoas ou empresas.”
(TCU – Plenário. Acórdão nº
2.406/2006) (grifamos)
A jurisprudência das Cortes
de Contas tem evoluído ao
longo da última década, o que
refletiria quiçá uma tolerância
excessiva e até mesmo uma
inclinação crescente a alargar
o significado do que se entende
por bem ou serviço comum,
como, aliás, resta latente no entendimento fixado na Súmula
TCU de nº 257/201010. Entretanto, sem medo de sermos redundantes, e com a devida vênia, tal
postura é um erro manifesto.
Sem dúvida, o advento da
Lei do Pregão representou
grande passo a caminho de
maior e mais efetiva celeridade
nos processos licitatórios indis-
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43
vista científico ou tecnológico,
vantajosa material e imediatamente do ponto de vista
operacional. Não se trata de
preço; não se trata de qualidade tecnológica; trata-se de
aproveitar outras eventuais
circunstâncias, conforme
edital, que assegurem técnica
vantajosa, e por isso melhor.
Não obstante vertida a lição
do pranteado mestre ao direito
anterior, vale ainda, plenamente, o inteligente raciocínio.”
(grifamos)
Cada dia mais, União, Estados e Municípios vêm se valendo da modalidade Pregão
pensáveis à administração pública. Contudo, sua utilização
deve ser cautelosa e ponderada,
sob pena de trazer sérios riscos para a administração que
podem ser evitados mediante
o rigor técnico e exame dos
critérios a serem levados em
consideração quando da análise das propostas apresentadas
pelos licitantes. Não raro, a
contratação realizada mediante
estrita observação do menor
preço tem gerado severos danos
ao erário, à administração e à
própria sociedade, destinatária
final de toda a gestão pública.
Cumpre às autoridades encarregadas da licitação promover criterioso exame tanto do
serviço de realização de concurso público, que se deseja licitar,
quanto dos critérios de seleção
dos mesmos, ponderando variar caso a caso os parâmetros
de predomínio para a seleção
do objeto da licitação. No caso
particular abordado pelo pre-
44
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sente artigo, ficou assentado
que não é o critério menor
preço, largamente observado
por ocasião dos processos licitatórios na modalidade pregão
(presencial ou eletrônico), meio
mais idôneo para, em muitos
casos, se aferir a proposta mais
vantajosa para a administração.
Cabe, por derradeiro, recorrermos novamente ao magistério de Ivan Barbosa Rigolin e
Marco Tulio Bottino11, quando,
citando a lição de Hely Lopes
Meirelles, asseveram:
“Hely separa inteligentemente técnica mais vantajosa
de melhor técnica, e tal assim
é observável. Na licitação de
técnica e preço deve o edital
fixar que, além do preço, outros fatores devem figurar nas
propostas técnicas, a compor
vantagens diversas, como aproveitamento de material, local
ou mão-de-obra disponíveis,
de modo a tornar a técnica,
além de melhor do ponto de
Fa c e à s c o n s i d e r a ç õ e s
exaradas, é lícito verificar
que somente nos casos em
que o critério de seleção da
proposta for o menor preço
será adequada a utilização
da modalidade pregão, razão
pela qual tal modalidade é
inadequada para a contratação
de serviços de realização
de concursos públicos. Por
seu turno, em que pesem as
controvérsias na doutrina e na
jurisprudência pátrias acerca
da inserção da organização de
concurso público como bem
comum, requisito necessário
à utilização da licitação na
m o d a l i d a d e p re g ã o, i ss o
certamente constitui equívoco
a d m i n i s t r a t i v o, d e v e n d o
ser combatida a utilização
desvirtuada do pregão sob
pena de malferir o interesse
público. Como exaustivamente
exposto, a questão insuperável
é a do pregão não se destinar
à escolha de melhor técnica e
preço, somente se prestando
a escolher o melhor preço.
Por isso, concluímos por ser
peremptoriamente inadequada
Contratação de Serviços
a utilização do pregão como
modalidade de licitação para
a contratação do serviço de
realização de concurso público.
Por fim, pelas razões expostas, conclui-se que é ina-
dequada a modalidade pregão para a contratação de
serviços para a realização de
concursos públicos, devendo
o administrador se valer de
qualquer outra modalidade
de licitação (concorrência,
tomada de preços ou convite),
o que inclui, eventualmente,
a própria dispensa, tanto no
caso da contratação do serviço de realização de concurso
público quanto em outros
casos.
NOTAS
1 Em seu art. 179, inciso XIV, dispunha a Constituição de 1824: “Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus
talentos, e virtudes” (sic).
2 In ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 165.
3 Disponível em http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/acoes-e-programas/comunicacao-publica/em-questao/edicoes-anteriores/julho-2012/boletim-1580-25.07/pregao-eletronico-poupa-r-2-5-bi-de-janeiro-a-junho?utm_campaign=Newsletteremquestao&utm_medium=Gestao.Publica&utm_source=Pregao.Eletronico&utm_content=250712. Acesso em 26/07/2012.
4 In RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tulio. Manual prático das licitações: Lei n. 8.666/93. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 201-202.
5 Idem, p. 219.
6 In JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Dialética, 2004, 215-216.
7 Idem, p. 206.
8 In JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Dialética, 2004, p. 30.
9 Idem, p. 94.
10 Súmula TCU nº. 257/2010: “O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002”.
11 Idem, p. 209.
RESUMEN
La insuficiencia de licitación en el modo de pregón para la contratación de servicios para la realización de concurso
público.
El concurso objetiva seleccionar a los candidatos con más méritos y garantizar que sólo integrarán los cuadros de la administración los
que atiendan plenamente a los requisitos del cargo. En busca de un menester tan relevante, el gestor no debe renunciar a la evaluación
de la mejor técnica entre los licitadores que participan en el certamen. En estes casos, cabe al administrador renunciar a la modalidad
Pregón, ya que esta se limita a espulgar la oferta con el menor precio de entre las presentadas por los licitadores.
Palabras-clave: Concurso Publico. Licitación. Pregón.
ABSTRACT
The inadequacy of licitation in cry modality for hiring of services for public concurrence.
The public concurrence aims to select candidates with more merit and ensure that only will fulfill the boards of the administration
the ones which fully meet the requirements of the position. In search of such a relevant goal, the manager should not give up on
the evaluation of the best technique among bidders participating in the dispute. In these cases, the administrator shall resign the Cry
modality, since it circumscribes itself to scrutinizing the offer with the lowest price among the ones submitted by the bidders.
Key words: Public Concurrence. Licitation. Cry modality.
Contrataçào de Serviços
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
45
Reportagem
Gestão de pessoas e administração
pública: capacitação de profissionais para
o desenvolvimento de ações de qualidade
visando ao atendimento à população
Patrícia Fahlbusch e Mauricio Lima — Jornalistas
Cerca de 5,5 mil prefeitos, escolhidos nas
eleições municipais de 2012 – base nos dados
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomaram
posse este ano e serão os principais responsáveis
pela elaboração de políticas públicas para saúde,
educação e habitação, entre outros fatores pertinentes à qualidade de vida nos munícipios. Uma
delas é a melhora do serviço público – desde a
necessidade de se oferecer ao cidadão um trabalho
de qualidade até a satisfação pessoal do servidor.
Um desafio que envolve as mais variadas técnicas e
ferramentas com a modernização administrativa,
e principalmente, na área de Gestão de Pessoas
na Administração Pública. Com isso, as palavras
de ordem são recrutamento e seleção de pessoal,
capacitação, desenvolvimento, avaliação, reconhecimento e remuneração.
Mecanismos de avaliação
Maria Luiza dos Santos Vellozo, diretora-presidente da Escola de Serviço Público do Espírito Santo, explica que somente com equipes competentes
e conhecedoras dos processos organizacionais é
possível delinear cargos e carreiras, cuja missão
esteja em sintonia com os objetivos e a estrutura
da organização: “Se conhecermos o porquê, a razão
da existência da organização, temos que delinear
os macroprocessos. Daí, é possível identificar quais
cargos e respectivas funções são necessários para se
“Quando se tem gestores e equipes capacitados,
comprometidos e preocupados com
o cidadão, o ambiente de trabalho
é permanentemente estimulado.”
Maria Luiza dos Santos Vellozo
46
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
atingir os resultados e atender a missão. Devemos
sempre perguntar que atividades são importantes e
necessárias e alinhá-las à finalidade da organização.”
Neste sentindo, os processos seletivos têm valor
ímpar. Na avaliação da diretora, uma das tarefas
mais difíceis é desenvolver mecanismos que
permitam identificar as competências técnicas e
comportamentais, considerando-se as regras para
provimento de cargos efetivos na administração
pública. “Um mecanismo possível de ser usado é
dar um caso prático para que os candidatos pudessem solucionar. Durante a sua execução, uma
equipe multidisciplinar seria eficiente para avaliar
conhecimentos, habilidades e atitudes”, destaca
Maria Luiza. E acrescenta: “É possível enumerar
critérios que permitam avaliar e medir resultados
e entregas, bem como a forma de mensuração”.
Gestão e capacitação
De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas
Municipais – Perfil dos Municípios (Munic) de 2011,
em relação aos níveis de escolarização do pessoal ocupado na administração direta, no Brasil,
38,0% (2.143.618 de servidores) possuíam nível
médio; 25,9% (1.459.173), ensino superior; e 6,1%
(343.690), pós-graduação. Por outro lado, 20,7%
(1.168.347) cursaram apenas o nível fundamental
e 1,7% (96.043) não tinham instrução.
No entanto, segundo Maria Luiza dos Santos
Vellozo, o mais difícil é haver gestores capacitados
e isentos para interpretar dados e assumir uma
avaliação de desempenho sem contaminação com
envolvimentos de ordem pessoal e política. Para a
presidente da escola, o acesso a cursos de formação
e de aperfeiçoamento se dá com a criação de uma
política de capacitação que valorize e busque a profissionalização dos servidores públicos. “Isso é possível com a implantação de planos de carreiras que
priorizem o desenvolvimento, com o apoio amplo e
irrestrito dos gestores públicos e compreendendo a
importância do desenvolvimento de competências
para um melhor atendimento aos cidadãos”, destaca.
Maria Luiza também opinou sobre a criação de
um ambiente de trabalho que fomente a inovação,
o conhecimento e o compromisso com resultados:
“Quando se tem gestores e equipes capacitados,
comprometidos e preocupados com o cidadão, o
ambiente é estimulado permanentemente, mesmo
com as dificuldades legais impostas ao serviço
público, que por vezes são colocadas como um
dificultador. A experiência da escola, com cursos
na área de empreendedorismo e de inovação, tem
comprovado que os investimentos nessa área dão
resultado, pelos inúmeros projetos inovadores premiados anualmente no serviço público estadual e
municipal”.
A diretora ainda diferenciou as políticas de
remuneração fixa e variável: “A remuneração fixa é
estabelecida por lei, paga pela prestação das atividades inerentes ao cargo. Já a variável é aquela que
deveria ser paga pelo desempenho, pela criatividade e pela inovação, demonstrados para o alcance
dos resultados, variando de pessoa para pessoa,
aplicando-se os preceitos da ‘meritocracia’”.
Qualidade de vida no trabalho
Na visão de Maria Luiza, sistemas de apoio a
decisões são implantados com o envolvimento da
gestão superior, apoiando as ações, os programas e
os projetos das unidades organizacionais; com espaço e com respeito à criatividade. “É fundamental
investir em ações que visem à qualidade de vida no
trabalho. É necessário criar estratégias e ações com
o objetivo de promover um ambiente agradável.
Um clima organizacional favorável influenciará no
desenvolvimento das atividades diárias e nos resultados, o que tem sido, atualmente, cuidado das
empresas e também das instituições públicas. A
produtividade está diretamente relacionada com
o bem estar das pessoas e das equipes”, conclui.
Perfil do profissional
Coordenador da Escola do Legislativo do Estado do Rio de Janeiro, o deputado estadual Gilberto
Palmares é um crítico dos processos que focam,
de maneira exagerada, o perfil do profissional
com o objetivo da organização. “De certa forma,
essa visão restringe o acesso de profissionais com
formações diferenciadas, que podem contribuir
Reportagem
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
47
“Considero os relatórios individuais um instrumento
fundamental para se acompanhar o trabalho de cada um
e o desempenho de toda a equipe. E ajudam, inclusive,
o próprio profissional a ter uma dimensão melhor
de suas próprias tarefas.”
Gilberto Palmares
de maneira extremamente positiva. A superespecialização é importante, mas não deve ser o
principal critério.”
variável é um bônus, um instrumento que ajuda a
valorizar o trabalho do profissional”, acrescenta.
Cursos de formação
Para o parlamentar, em todo processo seletivo
são estabelecidos critérios aos quais os candidatos devem se adequar. O currículo e a experiência
passada são pontos que pesam bastante na escolha de um profissional. “Tenho, porém, dúvida se
mecanismos que estabeleçam padrões, nos quais
as pessoas necessitem se encaixar, são realmente
positivos. Muitas vezes, um candidato se sai bem
em provas seletivas, mas no dia a dia do trabalho
apresenta várias fragilidades diante de questões
inesperadas.”
O deputado defende que se estimule a autoavaliação, seja por meio de relatórios individuais
periódicos seja na participação em seminários
de planejamento, ou em reuniões de avaliação. “Particularmente, considero os relatórios
individuais um instrumento essencial para o
acompanhamento do trabalho de cada um e o
desempenho de toda a equipe. Ajudam, inclusive,
o próprio profissional a ter melhor dimensão de
suas próprias tarefas.”
Na opinião de Gilberto Palmares, há várias restrições em relação à remuneração variável, porque,
de modo geral, ela serve para rebaixar a valores
irrisórios a remuneração fixa, que é base inclusive
para a aposentadoria do trabalhador. “Entretanto,
em algumas situações específicas, com trabalhadores expostos a situações de risco, a remuneração
48
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Para garantir o acesso a cursos de formação e de
aperfeiçoamento, Gilberto Palmares defende que
a organização deve reservar um horário, dentro
da própria jornada do trabalhador. “A prática deve
envolver todos, com escalas ou rodízios, de maneira a que sejam igualmente beneficiados. Também
considero os cursos de formação fundamentais
para a progressão funcional.”
O coordenador da Escola do Legislativo afirmou
ser possível criar um ambiente de trabalho que
fomente a inovação, o conhecimento e o compromisso com resultados. “Obviamente, isso depende
de quem está à frente do ambiente de trabalho, de
quem assume as diferentes instâncias de poder.
Sou um entusiasta dos grupos de trabalho, pois
permitem que todos tenham oportunidade de
falar, de expor suas ideias, de compartilhar conhecimento e de dividir tarefas.”
O desenvolvimento e a implantação de sistemas de apoio à decisão, para Palmares, são feitas
ao se investir no espírito de equipe, no trabalho
em equipe, nas atividades em que cada um deve
conhecer perfeitamente as suas funções. Mas,
também, na ampla visão do conjunto das tarefas,
sabendo que a ação de cada um é parte do todo.
“Decisões compartilhadas são mais bem aceitas e
cumpridas. Cada vez mais fica claro que é impor-
Reportagem
tante fazer com que o trabalhador não veja o local
de trabalho como um ambiente hostil e, sim, como
um lugar onde é possível assegurar qualidade de
vida, que envolve da atenção à ergonomia, passando pela criação de espaços de lazer, que permitam
ao empregado ter momentos de relaxamento.”
Atitude sustentável na administração
Paulo Sérgio Muçouçah, coordenador de Programas de Trabalho Decente e Empregos Verdes do Escritório da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) no Brasil, também participou da entrevista.
Ele respondeu questionário sobre a relação entre a
Gestão de Pessoas e a Economia Verde e a respeito
de como funciona a atitude sustentável na Administração Pública. “Um dos principais gargalos da
transição para uma economia mais sustentável é a
carência de profissionais qualificados para exercer
as funções requeridas pelas atividades econômicas
‘verdes’”, sinaliza o profissional. “Essa transição
pressupõe, portanto, a criação de programas de
formação profissional que incorporem a seus conteúdos um cuidado efetivo com a sustentabilidade.
Na Administração Pública, a preocupação pode
se traduzir na concessão de incentivos fiscais e
econômicos para a produção e para o consumo
sustentáveis, inclusive concedendo prioridade para
a aquisição, por parte dos órgãos públicos, de bens e
de serviços que causem menor impacto ambiental.”
O coordenador explicou os critérios para a
seleção de pessoal: “A presença de cursos, de dis-
ciplinas e de conteúdos específicos relacionados
à sustentabilidade nos currículos dos candidatos
a determinados postos de trabalho tem sido cada
vez mais valorizada pelas empresas, por órgãos
públicos e por instituições do Terceiro Setor.”
De acordo com Paulo Sérgio, campanhas internas de promoção do comportamento ambientalmente correto realizadas por servidores (como
reciclagem, redução do consumo de água e de
energia) são desenvolvidas pelo Ministério do
Meio Ambiente, por meio do programa A3P, cujo
objetivo é a promoção de práticas sustentáveis na
Administração Pública, incluindo o treinamento
de profissionais.
“A geração de empregos verdes contribui para a
promoção de uma transição socialmente justa para
uma economia de baixo impacto ambiental, na
medida em que cria alternativas de ocupação para
os trabalhadores que terão seus postos reduzidos ou
eliminados nesse processo de transição”, assegura
Muçouçah. E acrescenta: “O Programa Empregos
Verdes da OIT busca basicamente ‘esverdear’ as
atividades econômicas de maior impacto ambiental
e melhorar as condições de trabalho nas atividades
ambientalmente sustentáveis. Os exemplos são
muitos e diversificados: incentivos à eficiência
energética e ao uso de fontes renováveis de energia;
criação de alternativas sustentáveis de geração de
trabalho e renda em áreas assoladas pelo desmatamento; e promoção da reciclagem de resíduos com
condições de trabalho decentes”, finaliza.
“A presença de cursos, de disciplinas e de
conteúdos específicos relacionados à sustentabilidade
nos currículos dos candidatos a determinados postos
de trabalho tem sido cada vez mais valorizada pelas
empresas, por órgãos públicos e por instituições
do Terceiro Setor.”
Paulo Sérgio Muçouçah
Reportagem
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
49
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50
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Tributação da Propriedade
Um diagnóstico atualizado da tributação
da propriedade no Brasil
José Roberto R. Afonso — Economista e doutor pela UNICAMP
Julia Morais Soares — Economista e mestre pela UFR
Kleber Pacheco de Castro — Economista e mestre pela UFF
RESUMO
O objetivo deste artigo é atualizar o diagnóstico sobre o contexto da tributação sobre propriedade no Brasil e tentar
contribuir para a introdução da matéria nos debates sobre a reforma tributária. A estagnação do IPTU mostra o quanto o enorme potencial dos tributos patrimoniais tem sido ignorado, a despeito da relevância destes como alternativa
para a exagerada tributação do consumo e, por fim, como promotor de maior equidade tributária.
Palavras-chave: carga tributária. imposto patrimonial. IPTU.
O Brasil surpreende ao arrecadar uma carga tributária global (atualmente na casa de 36%
do PIB) no patamar da maioria
das economias avançadas. Porém, o mesmo não ocorre quando se observa apenas a parcela
da carga relativa à tributação
patrimonial, equivalente a 1.2%
do PIB, mal respondendo por
4% da tributação nacional.
Chama a atenção a situação de estagnação do Imposto
Predial e Territorial Urbano
(IPTU), municipal, que não se
aproveitou da imensa onda de
valorização imobiliária e de
expansão de financiamentos
habitacionais que varre todo o
País; há anos arrecada menos
que o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA), estadual, que, um fenômeno mais recente, indica
que em muitas cidades (40%)
chega a arrecadar menos que
o Imposto sobre a Transmissão inter vivos de Bens Imóveis
(ITBI), também municipal. Já o
Imposto Territorial Rural (ITR),
federal, segue com arrecadação
irrisória, talvez mal cobrindo os
custos de seu lançamento.
A baixa carga de impostos
sobre propriedade é consistente com a fraca equidade
que caracteriza o sistema tributário brasileiro, a ponto de
exercícios apontarem que a já
elevada concentração de renda
piora depois da cobrança dos
tributos. Apesar dessa grave
distorção, o debate sobre a
equidade fiscal está ausente
da cena política e até mesmo
técnica no País.
Não é muito diferente o
tratamento do tema nas discussões sobre a reforma tributária.
Tributação da Propriedade
Fracassaram todos os projetos
apresentados no passado e,
agora, o governo brasileiro optou por propor mudanças pontuais e paulatinas. Infelizmente
as atenções continuam monopolizadas para os chamados
tributos indiretos, em especial,
o estadual sobre circulação de
mercadorias e serviços (ICMS).
A tributação patrimonial é um
tema completamente fora dos
projetos de reforma e ausente
até mesmo nas discussões.
O objetivo deste artigo é
atualizar o diagnóstico sobre o
contexto da tributação sobre
propriedade no Brasil e tentar
contribuir para que a matéria desperte alguma atenção nos debates
sobre a reforma tributária. Ainda
mais sendo impostos típicos da
competência local e como as
prefeituras vêm reclamando da
pressão de gastos e da estagnação
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
51
das transferências federais, há
uma oportunidade para se advogar maiores esforços para elevar
impostos sobre propriedade.
A tributação brasileira
Dentre as razões apontadas
para se reformar o sistema tributário brasileiro, está o peso
da carga tributária. Argumenta-se que ela tem sido demasiado onerosa, principalmente se
comparada a outros países em
desenvolvimento, e que tem sido
uma das responsáveis pelo baixo
dinamismo da economia. Outro
argumento está relacionado à
alta e crescente regressividade
dos tributos, predominantemente indiretos e pouco seletivos. A
concentração de renda, que já
está entre as maiores do mundo,
aumenta ainda mais depois da
aplicação dos impostos - que
contrasta com a experiência da
maioria dos países latinos (Rossignolo, 2012), quanto mais das
economias avançadas.
O sistema brasileiro é, ainda,
considerado bastante complexo,
devido à grande quantidade de
tributos e alíquotas existentes.
Como resultado, o Brasil é, disparado, o país onde os contribuintes
precisam destinar mais tempo ao
cumprimento de suas obrigações
com o fisco1, principalmente com
impostos sobre consumo, que
chega a representar mais da metade do tempo total. Isto é reflexo
da predominância de tributos
indiretos no país.
Os dados de 2011, na Tabela
1, apresentam uma composição
da carga tributária melhor em
52
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
tação. Os fatores apresentados
nesta primeira parte têm sido os
responsáveis pela caracterização
do sistema tributário brasileiro como um sistema oneroso,
injusto e anticompetitivo e a
revisão desta imagem perpassa
a reflexão sobre a ideal participação dos tributos patrimoniais
na carga tributária.
relação à do início da década,
mas ainda bastante concentrada
sobre Bens e Serviços (41,6% da
arrecadação, o correspondente a
14,9% do PIB), enquanto a Renda
e o Patrimônio responderam por
21,3% e 3,4% da arrecadação e 7,6%
e 1,2% do PIB, respectivamente.
Devido à grande capacidade
de gerar recursos fiscais, os tributos sobre o consumo, mais especificamente o ICMS, têm sido
o principal alvo das propostas
de reforma tributária, enquanto
a tributação sobre o patrimônio
tem sido relegada, a despeito das
vantagens deste tipo de tribu-
A tributação do patrimônio
no Brasil
Evolução pós-80
O Brasil é um dos únicos
países da América Latina que
Tabela 1 - Composição da carga tributária global brasileira em 2011
Base de
Incidência
R$ Bilhões
% PIB
% Total
Per capita
(R$)
Total
1.481,2
35,8
100,0
7.699,4
Bens e
Serviços
616,4
14,9
41,6
3.203,9
9,2
25,6
1.974,5
21,3
1.642,2
3,4
263,3
1,8
138,5
Salários e mãode-obra
379,9
Renda, lucros e
ganhos
315,9
Patrimoniais
50,7
7,6
1,2
Comércio
Exterior
26,6
Taxas
23,4
0,6
1,6
121,4
Transações
Financeiras
31,9
0,8
2,2
165,6
Demais
36,5
0,9
0,6
2,5
189,8
Fonte: Elaboração Própria (Balanço Oficial da União, STN: Balanço dos Estados, STN; Finbra. STN; SRF)
Tributação da Propriedade
atribui a seus governos locais,
os municípios, a responsabilidade pelo estabelecimento
de isenções e fixação de taxas,
além de poder para exercer com
autonomia a administração
– cadastro, avaliação, determinação, arrecadação e cobrança
– do principal imposto imobiliário do país, o IPTU. Outro
imposto patrimonial sob sua
competência é o ITBI (transmissão de bens intervivos); à
União compete o imposto sobre
propriedades rurais, o ITR; e aos
estados competem dois impostos sobre o patrimônio, o IPVA
(sobre veículos automotores) e
o ITCD (sobre transmissão de
bens como herança e doação).
A evolução da carga dos tributos patrimoniais IPTU, IPVA
e ITR, que incidem recorrente-
desempenho ocorreu em 1997,
quando alcançou 0,026% do PIB.
No período todo, seu peso no PIB
sofreu um decréscimo de 29,3%.
mente sobre a propriedade, está
ilustrada no gráfico 1.
A carga tributária patrimonial total (projetada no eixo
esquerdo) cresceu de 1980 a 2011,
partindo de 0,27% para 1,01% do
PIB. Em termos percentuais,
esse crescimento foi de 276,8%,
enquanto a carga tributária total
(projetada no eixo vertical direito) cresceu 46,1%, mas os tributos
sobre o patrimônio continuam
tendo um peso muito pequeno
(pouco menos de 3,4% da receita
total). Dos 11,1 pontos que a carga
aumentou nesse longo período
apenas 0,74 se deveram a impostos sobre o patrimônio.
O IPTU foi o maior tributo
patrimonial até 1996, quando foi
alcançado pelo IPVA. Até 2005
havia certo equilíbrio na carga
destes dois impostos, mas a
partir desse ano o IPVA assumiu
participação crescente, enquanto
o IPTU decresceu. A carga do
IPTU cresceu 66,9% e a do IPVA,
311,8% desde sua criação, em 1985.
Estes fatos podem ser reflexo, em
grande medida, das deficiências
presentes na administração do
IPTU, além da forte expansão da
base tributável (veículos automotores) do IPVA nos últimos anos.
Dentre os impostos que
compõem a carga patrimonial,
podemos notar a irrisória participação do ITR, cujo melhor
O ITBI também vem crescendo mais que o IPTU. Para ter uma
Gráfico 1 - Evolução da carga tributária patrimonial e total no Brasil: 1980-2011
Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).
Tributação da Propriedade
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
53
Tabela 2 – Impostos sobre a propriedade no Brasil em 2011
Arrecadação
(R$ bilhões)
% da
Arrecadação
total
% da
arrecadação
patrimonial
% PIB
R$ per
capita
1481,2
100,00%
2726,5%
35,82%
7.699,4
1.1.3 - Impostos sobre Propriedade
54,3
3,67%
100,0%
1,31%
282,4
1.1.3.1 - Impostos Recorrentes sobre
Propriedade Imóvel
17,7
1,19%
32,5%
0,43%
91,9
1.1.3.2 - Impostos Recorrentes sobre
Riqueza Líquida
0,0
0,00%
0,0%
0,00%
0,0
1.1.3.3 - Impostos sobre Imóveis,
Heranças e Doações
9,1
0,61%
16,7%
0,22%
47,2
1.1.3.4 - Impostos sobre Transações
Financeiras e de Capital
0,0
0,00%
0,0%
0,00%
0,0
1.1.3.5 - Outros Impostos não Recorrentes
sobre Propriedade
3,7
0,25%
6,7%
0,09%
19,1
1.1.3.6 - Outros Impostos Recorrentes
sobre Propriedade
23,9
1,61%
44,0%
0,58%
124,3
Patrimônio
54,3
3,67%
100,0%
1,31%
282,4
IPVA
23,9
1,61%
44,0%
0,58%
124,3
IPTU
17,1
1,16%
31,5%
0,41%
89,0
ITBI
6,3
0,43%
11,6%
0,15%
32,9
ITCD
2,8
0,19%
5,1%
0,07%
14,3
ITR
0,5
0,04%
1,0%
0,01%
2,8
Contribuições de Melhorias (Municípios)
3,0
0,20%
5,5%
0,07%
15,5
Contribuições de Melhorias (Estados)
0,7
0,05%
1,3%
0,02%
3,6
Arrecadação Total
POR CATEGORIA TRIBUTÁRIA
(METODOLOGIA IMF/GFS)
1.1 - Impostos
POR TRIBUTO PATRIMONIAL
Fonte: Elaboração própria (Balanço Oficial da União, STN; Balanço dos Estados, STN; Finbra, STN; SRF).
54
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
Tributação da Propriedade
Gráfico 2 – Comparação da arrecadação por cidade do IPTU, IPVA, ISS e ITBI:
em proporção do total de municípios, 2010 e 2011
ideia da defasagem, o ITBI gera
atualmente quase 40% do IPTU,
enquanto rendia apenas um
quinto há apenas uma década.
Composição atual
A arrecadação de impostos sobre a propriedade no Brasil, segundo a metodologia de classificação
do FMI, conforme a Tabela 2, tem
se concentrado sobre os imóveis
(17,7%), inclusive quando de sua
transferência - venda, herança e
doação – (9,1%), e sobre veículos
automotores, o principal componente da categoria Outros Impostos sobre Propriedade (23,9%).
A abertura destes números
pelos impostos existentes no
Brasil (parte baixa da tabela)
mostra o IPVA como o maior
arrecadador dentre os tributos
patrimoniais. Em seguida, arrecadam mais o IPTU, o ITBI e o
ITCD, nesta ordem. O Imposto
sobre a Propriedade Territorial
Rural (ITR) tem a participação
irrisória de 1% da arrecadação
patrimonial. Em 2011, os R$
54,3 bilhões arrecadados pela
taxação sobre o patrimônio representavam 1,31% do PIB; 3,67%,
apenas, da arrecadação total.
Na realidade, o que se observa
no Brasil é que o ITR é praticamente nulo e que o IPTU tem sido
pouco explorado e vem perdendo
espaço para outros impostos.
A tributação municipal
Sendo municipal a competência para tributar o pa-
Tributação da Propriedade
trimônio imobiliário e a sua
transferência, é interessante
concentrar as atenções em sua
arrecadação. O Gráfico 2 relaciona o percentual de municípios cuja arrecadação de IPTU
tenha sido maior e menor do
que outro imposto recolhido
no âmbito municipal, no caso,
IPVA, ISS e ITBI2.
Pode-se notar que grande
parte dos municípios arrecadam mais IPVA e ISS do que
IPTU. O IPVA manteve nos
dois anos analisados a dominância em relação ao IPTU
em aproximadamente 93%
dos municípios. Já o ISS teve
um pequeno aumento no percentual de municípios que o
arrecadam mais, de 84,8% para
85,5%. O mais surpreendente
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
55
Tabela 3 (a) (b) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011
(a)
UF
Município
(b)
População
Dif. % IPTU/
IPVA
UF
Município
População
Dif. % IPTU/
ISS
BA
Salvador
2.693.606
-10%
SP
São Paulo
11.316.119
-44%
CE
Fortaleza
2.476.589
-31%
RJ
Rio de Janeiro
6.355.949
-59%
MG
Belo Horizonte
2.385.640
-17%
BA
Salvador
2.693.606
-60%
AM
Manaus
1.832.424
-71%
CE
Fortaleza
2.476.589
-60%
PR
Curitiba
1.764.541
-36%
MG
Belo Horizonte
2.385.640
-17%
PE
Recife
1.546.516
-18%
AM
Manaus
1.832.424
-87%
RS
Porto Alegre
1.413.094
-18%
PR
Curitiba
1.764.541
-55%
PA
Belém
1.402.056
-56%
PE
Recife
1.546.516
-57%
GO
Goiânia
1.318.149
-20%
RS
Porto Alegre
1.413.094
-48%
SP
Guarulhos
1.233.436
-1%
PA
Belém
1.402.056
-78%
SP
Campinas
1.090.386
-23%
GO
Goiânia
1.318.149
-30%
MA
São Luís
1.027.430
-71%
SP
Campinas
1.090.386
-34%
RJ
São Gonçalo
1.008.065
-40%
MA
São Luís
1.027.430
-91%
AL
Maceió
943.110
-37%
RJ
São Gonçalo
1.008.065
-34%
RJ
Duque de Caxias
861.158
-18%
AL
Maceió
943.110
-55%
PI
Teresina
822.364
-61%
RJ
Duque de Caxias
861.158
-82%
RN
Natal
810.780
-43%
PI
Teresina
822.364
-69%
RJ
Nova Iguaçu
799.047
-19%
RN
Natal
810.780
-70%
SP
São Bernardo do
Campo
770.253
-19%
RJ
Nova Iguaçu
799.047
-52%
PB
João Pessoa
733.155
-37%
SP
São Bernardo do
Campo
770.253
-11%
SP
Santo André
678.486
-26%
PB
João Pessoa
733.155
-74%
SP
Osasco
667.826
-8%
SP
São José dos
Campos
636.876
-39%
SP
Ribeirão Preto
612.340
-56%
MG
Uberlândia
611.904
MG
Contagem
SP
Sorocaba
SE
Aracaju
579.563
BA
Feira de Santana
562.466
1.120.129
-36%
Média
-23%
Brasil
Média
SP
Santo André
678.486
-25%
SP
Osasco
667.826
-42%
SP
São José dos
Campos
636.876
-46%
-77%
SP
Ribeirão Preto
612.340
-29%
608.715
-59%
MG
Uberlândia
611.904
-77%
593.776
-56%
MG
Contagem
608.715
-51%
-11%
SP
Sorocaba
593.776
-51%
-72%
SE
Aracaju
579.563
-59%
1.667.583
-53%
Brasil
-48%
Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).
é a relação entre IPTU e ITBI,
que é um imposto que incide
sobre a transmissão de bens
(venda ou herança) e deveria
ser residual em relação ao IPTU.
No entanto, em 38,9% dos municípios ele arrecadou mais do
que o imposto recorrente sobre
56
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
a propriedade urbana, em 2010,
e este percentual ainda aumentou mais de 3 pontos em 2011.
Algumas relações podem
ser inferidas também da análise da Tabela 3, que apresenta
os municípios mais populosos
dentre aqueles cuja arrecadação de IPTU é menor e maior
do que a de IPVA (seções (a)
e (d), respectivamente); menor e maior do que a de ISS
(seções (b) e (e), respectivamente); e menor e maior do
que a de ITBI (seções (c) e
Tributação da Propriedade
Tabela 3 (c) (d) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011
(c)
(d)
UF
Município
População
Dif. % IPTU/
IPVA
UF
Município
População
Dif. % IPTU/
ISS
PB
João Pessoa
733.155
-42%
SP
São Paulo
11.316.119
22%
MG
Uberlândia
611.904
-16%
RJ
Rio de Janeiro
6.355.949
57%
ES
Vila Velha
419.854
-5%
MS
Campo Grande
796.252
90%
PE
Petrolina
299.752
-16%
PR
Londrina
511.279
11%
MG
Ribeirão das
Neves
299.729
-17%
RJ
Niterói
489.720
56%
PR
Cascavel
289.340
-8%
GO
Aparecida de
Goiânia
465.093
30%
CE
Juazeiro do
Norte
252.841
-9%
SC
Florianópolis
427.298
14%
PA
Marabá
238.708
-8%
SP
Santos
419.509
33%
AL
Arapiraca
216.108
-45%
RN
Parnamirim
208.426
-60%
BA
Juazeiro
199.761
-33%
BA
Lauro de Freitas
167.309
-2%
MA
São José de
Ribamar
165.418
-25%
MA
Caxias
156.327
-94%
PI
Parnaíba
146.736
0%
BA
Barreiras
139.285
-50%
PE
Vitória de Santo
Antão
130.924
-4%
PE
Garanhuns
130.303
-11%
BA
Porto Seguro
129.325
-15%
CE
Crato
122.717
-29%
MA
Codó
118.568
-28%
CE
Itapipoca
117.720
-44%
CE
Maranguape
115.465
-45%
ES
São Mateus
110.454
-62%
RS
Bento Gonçalves
108.481
-21%
MA
Paço do Lumiar
107.764
0%
GO
Trindade
106.256
-83%
AM
Parintins
102.946
-40%
BA
Eunápolis
101.432
-45%
208.518
-30%
Média
Brasil
SP
Diadema
388.576
32%
SP
São Vicente
334.663
50%
PE
Caruaru
319.580
13%
RJ
Petrópolis
296.565
20%
SP
Guarujá
292.744
407%
SP
Praia Grande
267.307
330%
RJ
Volta Redonda
259.012
37%
BA
Camaçari
249.206
48%
26%
RJ
Itaboraí
220.352
MS
Dourados
198.422
2%
RJ
Cabo Frio
190.787
16%
PE
Cabo de Santo
Agostinho
187.159
66%
GO
Luziânia
177.099
28%
RJ
Angra dos Reis
173.370
113%
RJ
Teresópolis
165.716
10%
GO
Águas Lindas de
Goiás
163.495
157%
MA
Timon
157.438
871%
SP
Bragança Paulista
148.411
2%
RJ
Maricá
131.355
132%
SP
Atibaia
127.778
355%
SP
Cubatão
119.520
1605%
874.130
160%
173%
Média
Brasil
-23%
Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).
(f)). É possível notar, observando a população média dos
grupos, por exemplo, que a
maior arrecadação de ITBI é
mais comum em municípios
de menor porte, enquanto
naqueles de maior porte a
inferior arrecadação de IPTU
ocorre em benefício da arrecadação de ISS e IPVA. Ou seja,
há motivos para acreditar que
a debilidade da arrecadação
de IPTU nos municípios pequenos seja ainda maior do
Tributação da Propriedade
que nos grandes, pois esta sequer alcança a arrecadação do
ITBI3. Sobre as causas do pior
desempenho dos municípios
menores, Sepulveda e Vazques (2009) apontam a menor
base tributável e Afonso e et
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
57
Tabela 3 (e) (f) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011
(e)
(f)
UF
Município
População
Dif. % IPTU/
IPVA
UF
Município
SP
Guarulhos
1.233.436
7%
SP
São Paulo
11.316.119
302%
MS
Campo Grande
796.252
7%
RJ
Rio de Janeiro
6.355.949
157%
PR
Londrina
511.279
9%
BA
Salvador
2.693.606
42%
GO
Aparecida de
Goiânia
465.093
50%
CE
Fortaleza
2.476.589
95%
SP
Mogi das Cruzes
392.196
31%
MG
Belo Horizonte
2.385.640
140%
SP
Diadema
388.576
32%
AM
Manaus
1.832.424
32%
SP
Carapicuíba
371.502
13%
PR
Curitiba
1.764.541
57%
População
Dif. % IPTU/
ISS
SP
São Vicente
334.663
199%
PE
Recife
1.546.516
239%
SP
Franca
321.012
32%
RS
Porto Alegre
1.413.094
53%
PE
Caruaru
319.580
2%
PA
Belém
1.402.056
139%
SP
Guarujá
292.744
109%
GO
Goiânia
1.318.149
104%
SP
Praia Grande
267.307
694%
SP
Guarulhos
1.233.436
488%
SP
Suzano
265.074
38%
SP
Embu
242.730
27%
SP
Campinas
1.090.386
367%
SP
São Carlos
224.173
62%
MA
São Luís
1.027.430
106%
SP
Indaiatuba
205.808
34%
RJ
São Gonçalo
1.008.065
217%
SP
Rio Claro
187.638
46%
RS
Passo Fundo
186.083
5%
SP
Ferraz de
Vasconcelos
170.297
157%
RJ
Teresópolis
165.716
42%
GO
Águas Lindas de
Goiás
163.495
67%
SP
Itapecerica da
Serra
154.374
5%
SP
Bragança
Paulista
148.411
121%
SP
Jaú
132.494
12%
RJ
Maricá
131.355
AL
Maceió
943.110
127%
RJ
Duque de Caxias
861.158
604%
PI
Teresina
822.364
153%
RN
Natal
810.780
65%
RJ
Nova Iguaçu
799.047
262%
MS
Campo Grande
796.252
515%
SP
São Bernardo do
Campo
770.253
354%
SP
Santo André
678.486
283%
SP
Osasco
667.826
445%
SP
São José dos
Campos
636.876
218%
56%
SP
Ribeirão Preto
612.340
93%
SP
Atibaia
127.778
39%
MG
Contagem
608.715
26%
RS
Bagé
116.944
194%
SP
Sorocaba
593.776
95%
SP
Ribeirão Pires
113.726
714%
SP
Catanduva
113.356
840%
SE
Aracaju
579.563
25%
294.589
126%
1.691.191
200%
Média
Brasil
-48%
Média
Brasil
173%
Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).
al (2012) mencionam razões
políticas e administrativas4.
Com o objetivo de dimensionar a magnitude da defasagem
do IPTU com outros impostos no
58
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
âmbito municipal, elaboramos
uma simulação para apurar quais
seriam os impactos na arrecadação
deste imposto caso ela fosse igual à
arrecadação do IPVA ou igual à do
ITBI, nos municípios em que estes
impostos são mais arrecadados do
que o IPTU, e as conclusões podem
ser vistas na Tabela 4.
Se a arrecadação de IPTU
fosse igual à arrecadação do
Tributação da Propriedade
Tabela 4 – Comparação municipal da arrecadação de IPTU, IPVA e ITBI em 2011
IPTU=IPVA
IPTU=ITBI
2010
2011
2010
2011
% Municípios
em que IPTU é
menor
93,4%
93,3%
38,9%
42,0%
Aumento da
arrecadação
(R$ milhões)
7.158
7.927
247
304
Aumento da
arrecadação
(%)
45,2%
45,2%
1,6%
1,7%
Carga tributária
0,610%
0,616%
0,427%
0,431%
Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).
IPVA, nos municípios em que
fora menor, o país teria um aumento de 45,2% no recolhimento de IPTU, o que significa que
a carga tributária do imposto
sobre a propriedade urbana seria de 0,61% do PIB em 2010, em
vez de 0,43%. Em 2011 haveria
o mesmo impacto em termos
percentuais da arrecadação do
IPTU e praticamente a mesma
carga. Para o ITBI o impacto
seria menor, pois o número de
municípios em que essa arrecadação supera o IPTU é pequeno
diante dos 93% em que há superação do IPVA.
Outro imposto, o ISS, é responsável, junto com o IPTU,
por grande parte das receitas
próprias dos municípios. De
fato, conforme ilustrado no
Gráfico 3, o segundo vem superando cada vez mais o primeiro
desde a década de 1980, e particularmente a partir de meados
de 2003 apresentou forte aceleração em termos percentuais
do PIB, enquanto a carga do
IPTU decresceu, ainda que em
menor magnitude.
A maior e crescente importância de impostos sobre serviços no financiamento dos seus
municípios lança luzes sobre
dois pontos importantes sobre
a estrutura tributária brasileira:
a competição fiscal entre municípios e a falta de equidade.
O primeiro ponto diz respeito à existência de competição fiscal entre municípios
brasileiros no âmbito do ISS,
que afeta a alocação das firmas prestadoras de serviços
Gráfico 3 – Evolução da carga tributária de IPTU e ISS no Brasil: 1980-2011
Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).
Tributação da Propriedade
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
59
“
O sistema brasileiro é, ainda, considerado bem
complexo, devido à grande quantidade de tributos
e de alíquotas existentes
e reduz a arrecadação global
do imposto. A tributação de
imóveis tem como vantagem
em relação à tributação sobre
serviços o fato de sua base ser
relativamente imóvel, o que
evita que os governos locais entrem numa disputa destrutiva
pela manutenção das firmas em
sua jurisdição em troca de menores alíquotas ou benefícios
fiscais específicos (Sepulveda e
Vazques, 2009).
O segundo ponto, a falta
de equidade, é majorada pela
forte presença de impostos
sobre serviços, que, por natureza, não fazem acepção entre
contribuintes, tendendo a ser
regressivos ou, na melhor das
hipóteses, neutros5. Como se
não bastasse, o IPTU está incidindo de forma regressiva entre
as diferentes faixas de renda
(IPEA, 2009), o que vai contra
a concepção de impostos sobre
o patrimônio, principalmente
num país carente de políticas
fiscais de cunho social, ou seja,
que contribuam para a redução
de desigualdades.
Desde 2000, com a Emenda
Constitucional nº 29, a incidência progressiva do IPTU está autorizada e pode ser usada como
instrumento de política urbana
60
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
e equidade tributária, mas ainda enfrenta dificuldades, que
afetam, inclusive, a questão que
acabamos de expor, a equidade,
ou a falta dela.
Os impostos imobiliários, se
bem administrados, se mostrariam como uma boa alternativa
para um sistema tributário que
se pretenda razoavelmente
equitativo, tanto por reduzir os
efeitos das competições entre
municípios como por ser a tributação direta a ferramenta que
permite distinguir as distintas
capacidades contributivas. Por
isso se mostra importante diagnosticar a defasagem do IPTU,
identificada através da análise
dos dados aqui feita, de modo a
estimular e fomentar reformas
que o incluam em sua pauta.
O desprezado imposto
patrimonial urbano
A dificuldade em se aumentar a arrecadação do IPTU
reside em várias questões. A
primeira e principal delas é
apontada por vários estudos sobre o tema: os custos políticos
e administrativos do imposto.
A pressão política de grupos
com grande influência e a impopularidade do imposto para
a população em geral podem
”
ser uma barreira a qualquer
tentativa do município de aumentar a arrecadação (Carvalho
Jr., 2006).
Bahl (2009) afirma que,
mesmo que seja admitido que
são as falhas na administração do um imposto sobre a
propriedade a maior causa de
baixa arrecadação em países em
desenvolvimento, tanto eleitores como governantes têm
certa relutância em promover
melhorias neste campo. Isto
porque estariam associadas ao
fim de práticas como a subavaliação do patrimônio, isenções
e relaxamento das sanções
a devedores. Além disso, os
custos de uma reforma nestes
tributos são geralmente vistos
como altos em relação à receita
gerada pelo imposto, enquanto
o retorno de uma melhor administração de impostos sobre o
consumo, por exemplo, seria
muito mais alto. Por isso é importante ter noção do quanto
a receita patrimonial pode
ser aumentada, de forma que
o peso dos custos da reforma
sejam reduzidos, e das vantagens da ênfase neste tipo de
tributação.
Os custos administrativos
da arrecadação do IPTU se
Tributação da Propriedade
devem à necessidade de manutenção de cadastros imobiliários atualizados e com bom
grau de cobertura, já que a base
de cálculo do imposto, o valor
venal do imóvel, não é declaratória (como IR e ICMS), mas
deve ser aferida pelo governo
municipal.
Revisões periódicas das informações são extremamente
importantes pois só assim o
coletor poderá monitorar a expansão urbana e as mudanças
no uso do solo6 já cadastrado
e, consequentemente, poderá
implementar políticas públicas
de otimização do uso do espaço
urbano mais eficientes. Cada
cidade possui o seu chamado
Cadastro Imobiliário Municipal, mas a realidade é que nem
sempre a prefeitura possui os
recursos (financeiros e humanos) em escala suficiente para
um bom controle desse serviço.
O recente descompasso entre a expansão acelerada do
ITBI e a estagnação do IPTU
é mais uma expressão do antigo problema: os valores dos
imóveis nos cadastros não são
revisados com frequência suficiente e a preços de mercado
de forma que a cobrança do
imposto pudesse acompanhar
a valorização imobiliária dos
últimos anos. A arrecadação
do IPTU ficou estacionada, enquanto o ITBI, baseado no valor
da transação, sofreu o devido
“reajuste”.
O ISS, em contraposição, é
um imposto mais fácil de ser
cobrado e administrado, o que
tem determinado o aumento
de sua participação nas receitas próprias dos municípios.
Por ser um imposto indireto o
seu ônus é socializado, embora
regressivamente. A despeito de
sua regressividade, o imposto
enfrenta menor desgaste político, afinal seu pagamento não
é tão visível quanto o do IPTU.
E dois fatores determinam a
facilidade no seu recolhimento:
a concentração da base tributária em grandes contribuintes, o
que facilita o trabalho de fiscalização e o nível de arrecadação,
e a determinação direta e automática da base de cálculo, que
é o preço do serviço cobrado
pelos contribuintes.
Além dos aspectos políticos
e administrativos que rodeiam
o IPTU, outros obstáculos a
uma melhor arrecadação são
apontados por Cesare (2012).
A desigualdade de renda, que
atinge tanto a famílias que
não terão condições de pagar
o imposto como a municípios
que não terão recursos para
manter um fisco eficiente. O
alto grau de informalidade
verificado em grandes áreas de
ocupação irregular, principalmente nas grandes cidades, que
dificultam a universalização
do tributo e a manutenção de
cadastros. A heterogeneidade
de tipos de ocupação e posse,
que aumentam as chances de
erro de avaliação. E, por último,
a falta de transparência tanto
das informações fiscais como
do mercado imobiliário.
O que se argumenta no final
das contas, é que há espaço
para aumentar a arrecadação
de impostos sobre o patrimônio
imóvel sem necessariamente
aumentar alíquotas, investindo
na melhoria da qualidade da
tributação, investindo em tecnologia e capital humano. No
entanto, citando Bahl (2009),
um aumento efetivo da receita
exige que todos os aspectos da
Um aumento efetivo da receita exige que todos os aspectos da reforma sejam implementados, caso contrário
se corre o risco de que o gasto realmente não tenha valido a pena
Tributação da Propriedade
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
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quadrado onde estão inseridos
os imóveis da cidade e será
usada como referência pelo
fisco para determinar a base
de cálculo do IPTU. Para que
a progressividade do imposto
seja garantida, é fundamental
que o valor venal dos imóveis
esteja o mais próximo possível
do seu preço de mercado, cujo
valor sofre influência de fatores dinâmicos e exige revisão
periódica, caso contrário pode
causar impactos distributivos
significativos.
A única vez em que a tributação patrimonial mereceu um pouco mais de atenção
foi na estratégia para construção de um novo sistema tributário
reforma sejam implementados,
caso contrário se corre o risco
de que o gasto realmente não
tenha valido a pena. E estes
aspectos são: elaboração de
cadastro de todas as propriedades, atualização constante das
informações cadastrais e das
avaliações imobiliárias e aplicação de mecanismos eficazes
de cobrança e punição judicial
a devedores. Afonso et al (2012)
seguem na mesma linha ao
afirmar que o investimento na
melhoria do sistema de cadastro e de avaliação por si só não
tem efeitos certos, pois alguns
municípios podem se deparar
com outros fatores que estejam
afetando a arrecadação. Os frutos de uma reforma, no entanto, iriam além de aumento de
receitas, incluindo a correção
de outro aspecto negativo do
atual sistema que é a alta regressividade do IPTU.
Para entender a regressividade do IPTU vamos destrinchar um pouco mais o processo
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de arrecadação do imposto.
Existem dois instrumentos de
controle: o Cadastro Imobiliário Municipal e a Planta Genérica de Valores (PGV). O primeiro
contém o registro das características dos imóveis, como tamanho, localização, padrão de
construção e a identificação dos
contribuintes. Manter estas informações atualizadas depende
de uma equipe técnica especializada e de recursos tecnológicos sofisticados, como imagens
via satélite para georreferenciamento da zona urbana da
cidade. A alta informalidade,
ou seja, existência de inúmeros
imóveis irregulares, decorre da
dificuldade de acessar as áreas
marginalizadas da cidade. Mas,
a irregularidade não se restringe a edificações de baixa renda.
Geralmente os cadastros estão
defasados em relação à situação
real dos imóveis e têm baixo
grau de cobertura.
A PGV, por sua vez, deve
informar o valor do metro
Estudos apontam para uma
tendência a avaliações imobiliárias regressivas. Uma das
razões disso é a ausência de
aplicação de critérios técnicos,
o que torna a revisão de valores das plantas uma decisão
meramente política. De Cesare
(2008) mostra a desigualdade
nas avaliações imobiliárias
como uma das duas fontes
de regressividade no imposto
imobiliário, de natureza administrativa. A outra fonte é da
natureza intrínseca ao imposto.
A autora cita trabalhos de Yinger et al., 1998, e de Vilela, 2001,
que explicam a regressividade
intrínseca ao imposto pelo fato
de não necessariamente o valor
do patrimônio ser proporcional
à renda da família. Na verdade,
geralmente as famílias mais
pobres devem fazer um esforço
financeiro maior para adquirir
o imóvel próprio do que as famílias mais ricas, o que quer dizer que há um distanciamento
maior entre a renda da família
e o valor do imóvel nas camadas
mais pobres da população. O
uso de taxas progressivas pode
Tributação da Propriedade
“
A baixa relevância dos impostos patrimoniais na
elevada carga tributária global nacional e a rara
atenção dada a eles nos diagnósticos sobre a situação
atual da tributação no País acabam por se reproduzir
nas discussões e proposições de reforma tributária
amenizar a regressividade intrínseca do imposto, mas não
será capaz de corrigir distorções de origem administrativa.
As avaliações imobiliárias
costumam ser distorcidas do
ponto de vista distributivo
pelos seguintes fatores apontados por Carvalho Jr. (2006):
a) a possibilidade de omissão
de variáveis que geram externalidades positivas, que vão
além da análise do padrão de
construção; b) tendência a
estabelecimento de arrecadação piso e teto por imóvel,
geralmente para cobrir custos
administrativos; e c) a maior
capacidade de exercer pressão política de determinados
grupos com poder econômico
(proprietários de imóveis mais
caros) e conseguir benefícios
individuais como isenções, ou
mesmo de contestar judicialmente as cobranças.
A qualidade da elaboração
e a periodicidade da revisão
do Cadastro Imobiliário Municipal e da Planta Genérica de
Valores operariam no sentido
da minimização, quiçá da ex-
tinção, destes problemas. Mas
o quadro atual destas informações no Brasil ainda inspira
preocupações, a despeito da
boa evolução recente, inclusive nos municípios menores.
Dados de Garson (2007), de
2006, mostram que 20% dos
3970 municípios com menos de
20.000 habitantes não tinham
cadastro imobiliário informatizado, mas em 1999 eram 48%.
Já dentre os 1.594 municípios
com mais de 20.000 habitantes,
9% não o tinham, mas em 1999
eram 26%.
Dentre as preocupações
ainda presentes está o fato de
a revisão dos valores venais na
PGV depender de aprovação
legislativa, o que a torna uma
decisão política e bloqueia mudanças que deveriam ter teor
técnico. A cobrança de débitos
em atraso também enfrenta
dificuldades administrativas e
políticas que precisam ser revistas no sentido de combater
a evasão fiscal (Garson, s/d).
De forma a fortalecer a receita do IPTU sem perder o
foco na equidade fiscal, Guedes
Tributação da Propriedade
”
(2008) sugere várias ações, sendo elas no campo da ação legislativa e administrativa. Num
primeiro momento, o objetivo
se concentra na promoção da
regressividade do imposto, que
implica na reordenação do sistema de isenções, de mensuração da capacidade contributiva
e reestruturação das alíquotas
em função do valor venal. Administrativamente, muitas das
orientações seguem na mesma
linha do que comentamos aqui,
mas há uma ênfase maior na
importância da gestão dos créditos tributários, devido ao alto
grau de inadimplência verificado, e na insegurança jurídica
que ainda rodeia as tentativas
de reavaliações imobiliárias,
apesar da EC 29/2000.
Mudanças sem dúvida se
mostram necessárias, afinal,
a substituição da tributação
sobre o consumo, que não leva
em consideração a capacidade
contributiva do consumidor,
por uma eficiente tributação
sobre o patrimônio, pode ser
uma maneira de reduzir a regressividade da carga tributária, significativa no Brasil. No
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entanto, apesar dos benefícios
sobre a equidade do sistema
tributário e do espaço para aumento da arrecadação para os
municípios, não tem havido o
menor interesse dos diferentes
projetos do governo federal de
reforma tributária em propor
mudanças para os tributos
patrimoniais. Os debates políticos têm evitado ao máximo
as mudanças que atinjam as
competências municipais.
Reforma e perspectivas
A baixa relevância dos impostos patrimoniais na elevada
carga tributária global nacional
e a rara atenção dada a eles nos
diagnósticos sobre a situação
atual da tributação no País
acabam por se reproduzir nas
discussões e proposições de
reforma tributária.
A única vez em que a tributação patrimonial mereceu
um pouco mais de atenção foi
na estratégia para construção
de um novo sistema tributário
(ou seja, além de uma reforma)
desenhada no Senado Federal,
por comissão especial entre
2008/2010 (Senado Federal,
2008). A defesa no Senado de
um novo sistema tributário,
porém, não avançou, pois a
agenda parlamentar no País
historicamente sempre foi
pautada pelo Executivo Federal e este não manifestou
interesse em mudanças mais
profundas. Ao contrário, a atual gestão assumiu o discurso
de que só é possível promover
mudanças aos poucos e, ainda
assim, manteve o foco apenas
no ICMS, quando muito incluindo contribuições sociais.
Na prática, as alterações na
legislação tributária foram
raras e com alcance mínimo.
Neste contexto, a tributação
patrimonial continua sendo
um tema completamente fora
da pauta, do mesmo modo que
a equidade tributária é do interesse de um pequeno grupo
de técnicos. O discurso segue
sendo progressista, sempre
a favor de mudanças sociais,
mas a política tributária é conversadora e a disposição para
promover reformas é mínima.
Sem reformas estruturais,
a perspectiva para a tributação do patrimônio é, quanto
muito, manter a carga do IPTU
municipal e do IPVA estadual em torno dos patamares
atuais, assim como o ITR 7
federal com sua insignificância (até estatística), e quando muito com expansão dos
impostos sobre transmissão,
beneficiados pela valorização
imobiliária e financiamentos
habitacionais, mas que pouco
contam na receita tributária
nacional – e mesmo local. O
cenário político não aponta
menor indicio de se aproveitar
o enorme potencial oferecido
pelos tributos patrimoniais
no Brasil, até como alternativa para compensar a redução
da exagerada tributação do
consumo.
NOTAS
1 Ver avaliações do Banco Mundial denominadas Doing Business: a empresa brasileira gasta mais de 2,6 mil horas por ano para pagar tributos, a mais alta entre uma e meia centena de países.
2 Para as análises deste estudo consideramos o dobro da Cota-parte IPVA para comparação com a arrecadação do IPTU, ainda que os recursos tenham ficado com o estado.
3 Os municípios menores precisariam promover maior esforço fiscal do que os maiores para administrar eficientemente impostos sobre a propriedade, pois os ganhos em arrecadação não seriam
proporcionais ao seu custeio, devido à sua menor base tributável. Os dados mostram que 39,5% dos municípios brasileiros têm arrecadação do IPTU inferior à dos três impostos e eles têm população média de 27.118 habitantes. Todos os municípios da lista (f) estão entre eles.
4 Afonso et al (2012) destacam as diferentes realidades dos municípios e sua relação com a capacidade tributária.
5 Paes e Bugarin (2006) encontram alíquotas efetivas crescentes para o ISS em estudo a partir de despesas da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003, mas a justificativa estaria
no consumo mais intensivo de serviços pelas famílias de maior renda, principalmente educação e saúde. Há uma diferença entre pagar menos impostos por um serviço e não ter acesso a ele, que
não se reflete nos números.
6 Morales-Schechinger (s/d) faz interessante investigação sobre o mercado imobiliário latino-americano e defende a sua regulação por via fiscal, principalmente para captura de mais-valia
para uso da coletividade. Sobre o Brasil, especificamente São Paulo, ele chama atenção para o pouco uso de instrumentos fiscais desta natureza, a despeito de estarem claramente previstos na
legislação.
7 Emenda Constitucional de 2003 chegou a contemplar a delegação à Prefeitura, por convênio, da cobrança do ITR. Até hoje 1617 municípios aderiram ao convênio.
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Tributação da Propriedade
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RESUMEN
Un diagnóstico actualizado sobre la tributación de la propiedad en Brasil
El propósito de este artículo es actualizar el diagnóstico del contexto de los impuestos de propiedad en Brasil y tratar de contribuir a la
introducción de la materia en los debates sobre la reforma fiscal. El estancamiento de IPTU muestra cómo el enorme potencial de los
impuestos a la propiedad han sido ignoradas, a pesar de la importancia de estos como una alternativa a la sobre-imposición sobre el
consumo y, por último, como promotor de la equidad fiscal.
Palabras-clave: Tax Burden. Property tax. IPTU.
ABSTRACT
Updated diagnosis on property taxation in Brazil
The purpose of this article is to update the diagnosis of the context of property taxes in Brazil and try to contribute to the introduction
of the subject in debates about tax reform. The stagnation of IPTU shows how the huge potential of the property taxes have been
ignored, despite the relevance of these as an alternative to over-taxation of consumption and, finally, as a promoter of greater tax
fairness.
Key words: Carga fiscal. Impuestos a la propriedad. IPTU.
Tributação da Propriedade
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65
Administração Estatal
Administração estatal ou social:
um falso dilema
Carlos Fernando Galvão — Coordenador de Geografia da Equipe de Apoio Pedagógico da Coordenadoria Técnica da Secretaria Municipal de
Educação (SME) do Rio de Janeiro e Coordenador de Gestão e Integração de Rede da Regional Metropolitana VI, da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro — [email protected]
RESUMO
Gerir o Estado não é uma tarefa simples e, como a crise da democracia apenas representativa bem o demonstra,
não deveria ser tarefa de poucas pessoas, ainda que eleitas. O modelo de gestão do Estado, entendido como poder
público, é, dada a força crescente dos fundos públicos, essencial para o sistema democrático moderno e para a melhoria da qualidade de vida de todos nós. O presente artigo analisa um desses modelos e seus prováveis impactos
sociais e aponta para alternativas.
Palavras-chave: Gestão Pública. Democracia Representativa. Democracia Participativa.
Gestão Social:
uma nova visão, para além
da mera “Gestão Estatal”
Guimarães Rosa dizia em
“Grande Sertão”, que viver é
muito perigoso, mas aprender
a viver é que é o verdadeiro
viver. Várias são as propostas
existentes para a reforma do
Estado. Aos cidadãos, cabe aceitar o desafio de examinar tais
propostas e, analisando-as,
aceitá-las, por eficazes para
nossas condições sociais, culturais, políticas, ambientais
e econômicas, ou rejeitá-las,
por inadequadas, segundo os
mesmos parâmetros. Nenhuma
proposta deve ser descartada a
priori, como se tivesse vícios de
origem e o exercício da crítica,
desde que respeitosa, deve ser
66
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
valorizado. Debater com respeito faz parte do bem viver.
Isto posto, propomos, neste
artigo, uma breve análise da
“Proposta de Ajuste Fiscal para
o Brasil e a experiência da Nova
Zelândia”, realizado neste país
a partir dos anos 80 e apresentado em maio de 2006, pela
FIESP. Embora o documento
tenha sido divulgado há algum
tempo, vale, no mínimo, como
um exercício de análise crítica
para propostas futuras. A partir
do referido modelo, a entidade
empresarial expôs uma proposta de controle dos gastos
públicos brasileiros, baseada
em três pontos:
1 – redução do total da despesa
real do Estado em 2% ao longo
de 6 anos e a manutenção dos
níveis de despesas, após esse
período, por mais 4 anos;
2 – limite do crescimento do
total da receita real para até
50% da taxa prevista de crescimento econômico, limitada a
2,75% ao ano e
3 – atingido o superávit operacional real positivo (diferença
entre receita e despesa, após
o pagamento de juros), passaríamos, então, a destinar 90%
do mesmo para investimentos
estatais.
Com essas três medidas, a
FIESP estimava que, ao final
dos 10 anos desse ajuste fiscal,
uma vez realizado, os gastos
públicos ficariam reduzidos
em 2% reais e o que poderia vir
como boas conseqüências desse
ajuste seria, segundo a FIESP:
1 – a queda na dívida pública,
de 51,8% do PIB (dados de 2006)
para 25,7%;
2 – a queda da carga tributária
de 34% do PIB (dados de 2006)
para 18%;
3 – em conseqüência da dívida pública, os empréstimos
bancários ao setor privado
aumentariam e os investimentos do particular passariam de
16,8% do PIB para 19,2%;
Nacional e novamente tendo à
frente o Partido Trabalhista, o
processo foi iniciado, em 1984,
com idéias liberalizantes. Os
gastos públicos teriam caído,
entre 1990 e 2002, de 53,8% do
PIB para 37% e a carga tributária teria caído também, de 49%
do PIB para 41%. Além disso, a
taxa real de juro teria passado
de 6,4% ao ano para 3,0% ao ano,
em 2002.
5 – a economia cresceria 6% ao
ano, em média.
3 – Órgãos e entidades públicas
com receitas próprias foram
reorganizados a partir de modelos de gestão empresariais,
embora a propriedade permanecesse governamental. Nesses
modelos, a contabilidade e a
prestação de contas do setor
público foram concebidas e
realizadas de modo quase idêntico as de uma empresa do setor
privado.
Como funciona o modelo
de gestão estatal que poderia
melhorar nosso desempenho
econômico e nos conduziria
ao cenário favorável descrito
pela FIESP? Arriscamos um
pequeno resumo do que diz o
documento dos empresários.
4 – Criou-se a figura de um
Executivo Chefe, com seu próprio
corpo funcional, por ele nomeado, tal como numa empresa
privada, com metas financeiras
a serem atingidas; o Parlamento teve controle dos gastos
públicos.
1 – Sofrendo os efeitos das crises do petróleo dos anos 70 e do
ingresso da Inglaterra na Comunidade Econômica Européia,
o que teria prejudicado suas
exportações, desequilibrando
a balança de pagamentos do
país, a classe dirigente da Nova
Zelândia optou por realizar o
seu ajuste fiscal.
5 – Foi instituída a Lei de Responsabilidade Fiscal (existente
no Brasil) para, no dizer do documento, levar o país a ter uma
“redução da dívida para níveis
prudentes” e uma “administração
prudente do risco fiscal e a previsibilidade do nível dos impostos”.
4 – os investimentos públicos
passariam de 0,3% do PIB para
5% e
2 – Iniciado pelo Partido Trabalhista, continuado pelo Partido
6 – A forma contábil da Nova
Zelândia já foi a de Fluxo de
Caixa, ou seja, informações
contábeis que refletem as movi-
Gestão Social
mentações de contas bancárias
em cada ano fiscal. A mudança
passou a considerar as despesas, quando incorridas e as
receitas, quando auferidas, em
tempo real. Segundo a FIESP,
esse novo sistema permitiu
a captura de todos os custos
dos “recursos consumidos por
um produto durante o período em
análise e, portanto, disponibiliza
informação mais acurada ao administrador público”.
7 – As contas públicas do Executivo passaram a ser auditadas
por um órgão independente, ligado ao Parlamento que podia,
inclusive, apresentar medidas
para melhorar a eficácia do
sistema.
8 – A partir das informações
públicas resultantes dos relatórios preparados, durante o
processo acima, foram gerados
indicadores econômicos com os
quais o Executivo Neozelandês
pode se planejar.
9 – Ao assumir o governo, foi
aumentado o ritmo das privatizações e da liberalização
da economia e foi instituído
o regime de “administração por
resultados”.
1 0 – Fo r a m c r i a d o s t rê s
conceitos à administração governamental da Nova Zelândia:
10.1 - recursos utilizados –
bens e serviços comprados ou
empregados com a finalidade
de obter um produto e o exemplo que a FIESP trouxe foi o do
Ministério da Saúde local, que
“poderia contratar assistentes
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sociais e comprar veículos e
materiais (recursos) visando a
aumentar o número de atendimentos a crianças carentes de
uma determinada região”;
10.2 – produto – benefício
à comunidade, propriamente
dito e
10.3 – resultado – medida
do impacto do produto na
comunidade e o exemplo da
FIESP foi o do impacto da ação
do Ministério da Saúde, acima
relatada, que esperava levar a
uma redução em 20% no índice
de crianças desnutridas, pelos
anos seguintes (não sabemos
se a meta foi atingida).
Nossas ideias só estão fechadas quando morrem ou
morremos. A proposta Neozelandesa teve, pelo exposto no
estudo, aspectos interessantes,
como a forma de trabalhar a
questão contábil do Estado,
com apuração em tempo real
e não apenas com o Fluxo de
Caixa, o que agiliza processos
administrativos e pode ser um
bom instrumento de controle
social porque pode, dentre
outras coisas, levar à institucionalização de medidas como o
pregão eletrônico, infelizmente
ainda pouco utilizado no Brasil.
Um segundo ponto positivo
do modelo foi a aplicação dos
conceitos de “recursos utilizados – produtos – resultados”, que
clareiam a execução orçamentária ao mostrar a aplicação
do dinheiro público de modo,
aparentemente, mais compreensível. Por fim, um terceiro
ponto interessante do modelo
trazido pela FIESP foi a criação
de dados e informações para
que indicadores econômicos
sejam produzidos, com confiabilidade maior do que com
formas mais tradicionais de
geração de dados e informações
estatais. Há um detalhe não
analisado ou não explicitado
no estudo da FIESP que acha-
Em sua intangibilidade - dimensão existencial - cuja representação é tanto subjetiva quanto social, a cidade é
uma “imagem pública”
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mos por bem mencionar, que
é o fato de que um modelo de
gestão estatal, qualquer que
seja, para ser eficaz, não pode
prescindir de um orçamento
que seja impositivo.
A política pública apresentada é um modelo de gestão
financeira da Nova Zelândia e
está voltado para os aspectos
contábeis e fiscais do Estado,
mas não há menção, ao menos
no estudo apresentado pela
FIESP, de tudo o mais que compõe o poder público. Assim, ou
o modelo toma o Estado apenas
em sua abstração financeira,
subordinando tudo o mais a
ela, ou a FIESP o faz – e é legítimo que o faça, diga-se de
passagem, se for esse o caso.
Contudo, também é legítimo
que essa visão de mundo seja
criticada. Para ficarmos em
apenas em um aspecto, há
funções estatais que, embora
envolvam dinheiro público,
não só não podem, como não
devem ser reduzidas à planilhas
de custos, como a abertura do
Estado ao controle social e,
por conseguinte, às estruturas
de poder para que a população
diga, quando, onde e quanto
investir o dinheiro público,
ou mesmo, se querem ou não
essa ou aquela política pública.
Alguns dizem que não é necessária tal consulta à população
porque ela já teria dado o seu
aval, ao votar no grupo administrador do momento, mas a
falência da democracia apenas
representativa está mais do que
evidente, e suas funestas conseqüências são por todos, senão
conhecidas, conscientemente,
Administração Estatal
ao menos sentidas, na vivência
cotidiana.
O modelo de gestão financeira e fiscal da Nova Zelândia,
a despeito de toda e qualquer
crítica que lhe seja feita, pode
ser adequado às condições
sociais, políticas, culturais, ambientais e econômicas do povo
neozelandês, mas não é, direta
e automaticamente, passível de
ser transposto para o Estado e o
povo brasileiro, como nenhum
modelo permite, aliás.
Cortar gastos públicos onde?
Essa é uma escolha política,
e não técnica. O mesmo vale
sobre onde, como e a quem
beneficiar, quando o assunto é
política fiscal dos investimentos públicos. O setor público
brasileiro, em diversos momentos de sua história recente,
tem contido gastos públicos e
em outro, expandido. Fazemos
enormes “superávitis” primários e a pobreza continua,
embora tenha diminuído nos
últimos anos. De juros, nos
últimos 10 anos, segundo estimativas baseadas em dados
oficiais, pagamos algo como
R$12 trilhões, ou seja, 6 PIBs
brasileiros! Se existe algum
lugar nas despesas estatais, que
deveria ser cortado, certamente é nas finanças relativas ao
pagamento de juros. Claro que
teríamos gritaria, alegando que
seríamos um país irresponsável,
mas não é menos verdade que
manter a dívida social intacta
ou com melhoras pontuais e/
ou lentas é irresponsabilidade
muito maior. Em maio de 2006,
com a meta oficial de 4,25% do
PIB, fizemos, na prática, 6,36%
de superávit primário. Em que
isso melhorou a gestão pública,
estruturalmente, para a população em geral, salvo o que foi
feito com as políticas púbicas
compensatórias? Estruturalmente pouco.
Não podemos falar em
reformar o Estado sem que
mexamos nos mecanismos de
distribuição de renda, quer
dizer, sem que discutamos a
alocação dos fundos públicos.
Em decorrência, instrumentos
fiscais como os propostos no
modelo neozelandês e nas metas apontadas pela FIESP, terão
tanto mais chances de não
afetar negativamente a vida
da população que as adotar,
quanto mais ela tiver alcançado
um nível de desenvolvimento
social lhe permita atravessar
períodos restritivos por ter
“gorduras para queimar”, como
é o caso da Nova Zelândia e
vários países europeus. Não
é, ainda, infelizmente, o caso
do brasileiro comum, carente
de muitas coisas, com baixo
índice de atendimento de serviços públicos de qualidade e,
infelizmente, ainda muito dependente dos serviços públicos.
O modelo em questão, da
Nova Zelândia, propõe auditagem permanente das contas
do Executivo por um órgão do
Legislativo. É uma boa medida,
em que pese o fato de que, sem
a abertura maior dos governos
à participação popular, torna-se
apenas um acerto de cúpulas
e, nesse caso, o problema da
concentração de poder e, por
Gestão Social
conseguinte, de renda, não
será substancialmente alterado. Vale, apenas, a ressalva de
que a auditagem deve ser feita
de modo retroativo, desde as
origens de nossas dívidas. A
participação aqui preconizada
teria, ainda, o efeito de inibir
cortes drásticos ou remanejamentos em áreas como saúde,
educação e segurança, áreas
que afetam mais as camadas
menos assistidas e que menos poder aquisitivo tem para
suprir essa falta de serviços
públicos da parte do Estado.
Este último não pode ser administrado como uma empresa
porque não visa ao lucro, mas
sim à prestação de serviços
públicos e isso exige, não raro,
investimentos para além do
que supostas taxas “científicas” de inflação normalmente
o permitem. As metas administrativas devem servir para
atender as que deveriam ser
as mais importantes metas do
Estado, as sociais como, por
exemplo, a ampliação do SUS
ou a melhora da qualidade da
educação pública.
As propostas de reforma
do Estado estão baseadas, em
boa parte das vezes, na crença, equivocada, de que ajustes
financeiros e de gestão têm o
poder, (quase) por si sós, de
resolver as crises sociais. Não
estamos aqui, de modo algum,
pregando uma gastança estatal
indiscriminada, até porque, já
fizemos em alguns períodos
e de nada adiantou – embora
boa parte do dinheiro público
venha sendo canalizado para
os abastados econômicos e
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
69
“
Governar é, sobretudo, um ato contínuo
de solidariedade social, criatividade política e
competência administrativa
políticos com acesso aos mecanismos de poder ou venha
sendo roubado, pura e simplesmente. O que estamos a dizer
é que apenas restrições orçamentárias aos gastos públicos
não são a panacéia universal
e, num país onde a riqueza é
muita, mas concentrada e onde
o Estado ainda é vital (possivelmente, por muito tempo o será)
para boa parte da população,
reduzir os gastos públicos, na
dimensão que parte da mídia
e vários setores econômicos e
políticos têm proposto, é uma
contribuição para que tudo fique mais ou menos como está
e, quando isso acontece, a tendência não é o estancamento
das crises, mas a sua piora.
De todos os poderes públicos, por assim dizer, o
municipal é o que está mais
próximo das pessoas, dos cidadãos e com a magnitude dos
problemas sociais e urbanos
neste século XXI, mesclada a
toda potencialidade que temos
para construir espaços existenciais cada vez melhores, se
soubermos como não desperdiçar a capacidade enorme para
criar coisas boas, que temos,
gerir de modo diferenciado tais
Unidade Existenciais ou, como
70
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
são mais conhecidas, nossas
Cidades, é um fator de extrema importância dos nossos
tempos. Como fazer isso, não
de modo autocrático, mas de
modo, efetivamente, democrático e universal?
Espaço Urbano: um modelo,
concreto e abstrato,
em construção
Em sua intangibilidade –
dimensão existencial – cuja
representação é tanto subjetiva
quanto social, a cidade é uma
“imagem pública”. Podemos ter
uma imagem visual concreta,
”
ou seja, de um objeto real e uma
imagem mental, que é uma forma de apreensão, por parte do
ser, de um objeto, tangível ou
intangível, que não é ele mesmo. Uma cidade tem as duas
formas de imagens. Por exemplo, com objetos tangíveis, na
sua dimensão geométrica e cartograficamente representável,
a cidade deve ser tratada como
um objeto arquitetônico e de
engenharia. Maria Eliane Kohlsdorf mostra que “a geometria
euclidiana fornece instrumentos de
fácil manejo e que coincidem com
uma representação secundária do
espaço, onde se expressam suas
A visão da Arquitetura sobre o conceito “espaço” é importante porque é esse “olhar” que conduz a
maior parte das intervenções urbanas
Administração Estatal
dimensões, proporções e predicados
relacionais da estrutura de suas
respectivas formas” (Kohlsdorf,
1996: p.171). Morais e Messias,
a partir da teoria marxista do
valor, afirmam o seguinte:
“Sendo o espaço (e tudo o
que ele contém) uma condição universal e preexistente
do trabalho, ele é, desde logo,
um valor de uso, um bem de
utilidade geral. A produção,
desta forma, sempre se realizará sobre formas preexistentes,
sejam naturais ou sociais. (...)
É por isso que o espaço é uma
condição geral da produção
(1999: p.123).
Esse “valor”, citado pelos
autores, é o valor do espaço capitalista. Por outro lado, há um
valor no espaço, uma vez que
ele é, do mesmo modo, “palco
de processos que nele ocorrem”,
ou seja, as relações (sociais)
de produção e a produção em
si, mesmo não parecendo ser
especificamente espaciais, são,
no mínimo, dotadas de espacialidade, e ela também
entra na composição do valor
de uma mercadoria (Morais
e Messias, 1999: p.128). Para
Fridman e Siqueira, “o produto
chamado ‘cidade’ é concebido e
realizado exatamente seguindo os
mesmos métodos recomendados
pelo marketing: deve ser atraente e
mostrado diretamente em suas características mais desejáveis, sendo
a sua venda a mais desimpedida
possível” (2003: p.26).”
É um equívoco a afirmação de que apenas construir
ruas, praças etc. é construir
espaço urbano, se estivermos de um lugar da fala que
não o da Arquitetura ou da
Engenharia Civil (ou, ao menos, de uma parte de suas
correntes de pensamento) ou
que não o do senso comum.
A “cidade arquitetônica”,
por assim dizer, e seu espaço
(arquitetônico) são apenas
a base para a constituição
do(s) espaço(s) social(is).
Uma cidade não é uma construção de espaço, mas uma
construção existencial que é
materializada no espaço e os
objetos urbanos nele transitam e com ele interagem.
Uma cidade pode ser
definida, não apenas, mas
também, como a organização
cultural, ambiental, econômica e política de um espaço
físico e seus elementos como
um rio ou o mobiliário urbano. Eni Orlandi diz que há um
certo “eu” urbano, que produz
sentidos sociais no, a partir do
e para o espaço urbano. A autora
afirma que a cidade tem significados e formas, e ambos têm
a sua “narrativa” que pode ser
“lida” pelas pessoas (Orlandi,
2001: p.10-11). As relações sociais são sempre “de sentido”
e, por isso, “não restam espaços
vazios na cidade, sua realidade
estando toda ela preenchida pelo
imaginário urbano” (Orlandi,
2001: p.14).
Do ponto de vista arquitetônico, uma cidade pode
ser definida, nas palavras
de Kohlsdorf, como “qualquer espaço intencionalmente
produzido (...) toda construção
Gestão Social
social é, efetivamente, projetada” (1996: p.19). Mais uma
vez, a concepção de espaço
urbano, quando construída a
partir do conceitual de uma
certa vertente da Arquitetura, define cidade como sendo
o produto de um projeto e,
ainda que ressalte que esse
é socialmente construído, é,
na essência, um projeto e, se
levarmos em consideração o
que é definido como projeto,
na Engenharia e na Arquitetura (um plano geral para a
construção de uma obra, com
plantas e cálculos), fica fácil
percebermos que uma cidade,
nessa concepção, pode ser,
efetivamente, remodelada
na prancheta. É o jogo de
interesses técnicos e, não
raro, de grupos e/ou classes
sociais hegemônicos e suas
concepções ideológicas que
estão por trás dessa definição
de espaço urbano.
Ora, uma consequência
dessas idéias é que há uma separação entre o que podemos
chamar de “Espaço Arquitetônico” e “Espaço Urbano”. Embora
complementares, são diferentes
e autônomos: o espaço arquitetônico é uma das formas de
leitura, interpretação e intervenção do espaço urbano, não
se confundindo com ele. O
problema aparece quando essa
dimensão arquitetônica – ou
geométrica – é tida como a
priori, como se essa “res extensa” existisse independente de
um ser e de um conjunto de
seres (sociedade), que a percebe
como “extensa” e que lhe dá
significado; com se o material
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
71
significasse a existência e não
o contrário.
A visão da Arquitetura sobre
o conceito “espaço” é importante porque é esse “olhar”
que conduz a maior parte das
intervenções urbanas e pode
ser apreendida, por exemplo,
pelo menos em uma de suas
vertentes, a partir das idéias do
professor Sílvio Colin, quando
afirma o seguinte:
“Ao mesmo tempo em que
o espaço é o lugar-continente
de todos os corpos, a extensão
onde ocorrem todos os eventos,
o meio vazio onde os seres se
locomovem e onde estão situados os objetos, para o arquiteto
o espaço é, também, uma coisa
extensa, uma existência objetiva, uma “matéria” à qual ele terá
de dar forma (2000: p.57-58).”
A definição acima pode
expressar, contudo, o que podemos chamar de “Espaço
Arquitetônico”, mas não “Espaço”, universalmente falando, ou
mesmo “Espaço Urbano”, como
categoria conceitual passível
de alguma generalização para
outras áreas do conhecimento humano, se adotarmos a
perspectiva política e existencialista. Nesta perspectiva, o
que tem forma, ao contrário
do que afirmam alguns, não é
o espaço, um ente intangível,
mas os objetos e construções,
animados e inanimados, que
estão dispostos sobre a base
física que caracteriza a dimensão geométrica do conceito
“espaço”. Este último tem estética e simbologia, elementos
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
materiais e existenciais, mas
não tem uma forma clássica, se
esta for entendida como algo
que podemos ver e tocar. Segundo Argan (1992), no período
Modernista, o Urbanismo foi
definido como uma disciplina
criada para estudar a cidade e
planejar o seu desenvolvimento
e foi o resultado da mistura de
diversas áreas do saber humano
como a Sociologia, a Economia
e a Arquitetura, por ele citadas.
No seu modo de ver, o Urbanismo não deveria ser confundido
com o que chamou de “Arquitetura Urbana”.
A busca por novos
espaços sociais
Como “olhar” a política com
olhos estranhados, tomando
emprestada uma expressão
de Bertold Brecht? Um novo
“olhar” pode selar um novo
acordo entre duas ou mais pessoas e, jurídica e politicamente
falando, um acordo recebe o
nome de “contrato”, que é uma
transferência mútua de direitos
e obrigações entre as partes.
Mesmo tendo uma natureza
jurídica, o Estado é, na verdade,
um ente com poder político que
faz uso de instrumentos jurídicos. Os poderes socialmente
constituídos devem decidir
qual regra legal será aplicada
em cada caso e essa decisão é
política e não jurídica, embora
não prescinda do arcabouço
jurídico. O Estado Moderno é,
pois, a expressão Constitucional do Soberano, o Povo, e pela
Carta Magna e códigos vários
(sistema legal) baseia suas ações
(políticas). Em sua origem,
além do território, da soberania e da Constituição, há um
outro elemento constituidor
do poder estatal - aliás, o mais
importante: as pessoas. Sem
povo (cidadãos organizados e
conscientes de seu processo
histórico-espacial), não há
soberania, território, Constituição ou Estado.
Uma administração social
do território e da vida é não
só possível, a despeito dos que
falam que isso é utopia, como
desejável e perfeitamente realizável (não é nada fácil, isso
sim, mas é viável). Um grupo
de voluntários, no Rio de Janeiro testou uma proposta que
chamamos de Plano de Gestão
Cidadã, explicitada no livro
“Democracia – do conceito
à prática, da representação
à participação”, da Editora
Claridade, lançado em maio de
2010, em Ponta Grossa (PR) e
na cidade do Rio de Janeiro. A
síntese dessa proposta, abaixo
explicitada, pode ser encontrada, na íntegra, no livro.
Participação Popular no
Brasil e alguns de seus
pressupostos legais
Como levar o bem-estar a todos os moradores das cidades,
respondendo às modernas demandas urbanas? Isso é função
apenas dos governos? No Brasil,
desde 1987, para citar um único
exemplo, existe e vem atuando
o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), resultado de uma
articulação de pesquisadores de
universidades, de organizações
Administração Estatal
não governamentais e autoridades que, baseados em vários
estudos e documentos, como a
Carta de Atenas e em conferências como as chamadas “Habitat
I e II”, da ONU, se propõem a
buscar ideias e ações concretas
para melhorar a qualidade de
vida nas cidades. Há instrumentos legais que versam sobre
o quesito “participação popular” na gestão urbana, embora
a menção às metodologias de
trabalho sejam vagas, com um
indicativo de “participativo”,
mas sem dizer como se dará, na
prática, essa participação. Não
obstante, lei não nos falta para
regular a participação popular
na gestão pública.
1 – O artigo 182 da Constituição
Federal, em seu § 1º, determina a obrigatoriedade de toda
cidade com mais de 20 mil habitantes ter um Plano Diretor,
o qual deve ser refeito decenalmente, conforme o § 3º da CF;
às cidades com menos de 20
mil habitantes, o Plano Diretor
é facultado. O § 2º do artigo 40
do Estatuto da Cidade determina que as cidades com mais de
500 mil habitantes devem ter,
obrigatoriamente, um plano
de transporte. As diretrizes do
Plano Diretor são traçadas pela
Lei nº◦ 10.257/2001.
2 - No § 2º do artigo 182, está
expresso que a propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências
fundamentais da ordenação
da cidade, assinaladas no Plano Diretor. Isso significa que
a abrangência desse Plano
é apenas a área urbana ou a
área de expansão urbana e no
§ 2º do artigo 40 do Estatuto
da Cidade está disposto que o
Plano Diretor deve englobar
o território urbano como um
todo. No artigo 186 da Constituição Federal, a propriedade
rural cumpre a função que lhe
é demandada quando atende
aos requisitos que estão dispostos, explicitamente, neste
artigo e não quando cumpre as
exigências fundamentais do
Plano Diretor que, como já visto, rege apenas o ordenamento
do espaço urbano.
3 – O Planejamento Municipal
tem no Plano Diretor um instrumento constitucional para
as Políticas Urbanas, como
prescreve o artigo 4º do Estatuto da Cidade.
4 – As diretrizes expressas no
artigo 39 da Lei n◦ 10.257/2001
mostram que os Municípios
devem observar na elaboração
de seus Planos Diretores: a garantia de cidades sustentáveis;
o saneamento ambiental; a
moradia; a ordenação e controle do uso do solo; a retenção
especulativa de imóvel urbano;
a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente,
natural e construído; a regularização fundiária e urbanística
de áreas ocupadas por população de baixa renda; a isonomia
das condições para agentes
públicos e privados nos empreendimentos urbanísticos;
a gestão democrática das cidades;
outras.
5 – São instrumentos do Planejamento Municipal, expressos
Gestão Social
no artigo 4º, inciso III, do Estatuto da Cidade: Plano Diretor,
que disciplina, por exemplo, o
parcelamento, uso e ocupação
do solo; zoneamento ambiental; Plano Plurianual; diretrizes
orçamentárias anuais; planos,
programas e projetos sociais,
planos de desenvolvimento
econômico e social; gestão orçamentária participativa.
6 – O Plano Diretor deve ser
elaborado por procedimentos
do Poder Executivo e/ou Legislativo, mas a metodologia é,
segundo o Estatuto da Cidade
e os artigos 182 e 183 da CF,
obrigatoriamente, participativa, numa parceria entre poder
público e população.
7 – O § 4º do artigo 182 da Constituição Federal dispõe que os
poderes municipais, na elaboração do Plano Diretor e em sua
fiscalização e implementação,
deverão garantir: a publicidade quanto aos documentos e
informações produzidas pelas
políticas urbanas; o acesso
a qualquer interessado nos
documentos e informações
produzidas e a promoção de audiências públicas e debates com
a participação da população e
de associações representativas
da sociedade.
A realização de um Plano
Diretor é uma das formas de
participação popular, sem
dúvida. Entretanto, é dependente de legislação e de
políticas públicas, ou seja, é
função da institucionalidade,
ainda que associada à cidadania, e não de um movimento
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
73
originado e executado pelos
cidadãos, independente de
terem ou não apoio institucional. A participação no
Plano Diretor é feita através
de seis passos: 1 – levantamento da realidade da cidade
e de seus problemas; 2 – definição de objetivos e métodos
de trabalho; 3 – redação da
prop osta; 4 – apre ciação
pelas câmaras municipais; 5 –
aprovação pelos vereadores e
6 – promulgação pelo Prefeito. Um Plano Diretor, embora
não deva ser nosso único foco
de ação, quando pensarmos
em democracia participativa,
deve contar com a participação ativa, sempre que estiver
sendo discutido, já que nele
são tomadas decisões importantíssimas para nossas
vidas. O Estatuto das Cidades
traz em seus artigos, assim,
mecanismos legais para que
a cidadania participe mais
ativamente de sua vida, quando da elaboração decenal do
Plano Diretor, mas não garante que tal participação seja
contínua e sistemática.
Governar é, sobretudo, um
ato contínuo de solidariedade
social, criatividade política e
competência administrativa.
Contudo, os sistemas estatais,
ao longo da História, são
engessados e lentos em suas
ações. E talvez tenham que ser
assim mesmo, já que o poder
público deve se precaver, pois
seu resguardo é uma garantia
social. Mas as mudanças e
avanços precisam acontecer.
Assim, a participação popular
faz-se essencial para que a
74
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
vida em comunidade flua de
modo autônomo e satisfatório. O que fazer, então?
A ideologia do Plano de Gestão
Cidadã (PGC)
O papel de quem usa o intelecto e o coração, na política e
na vida, é tomar a palavra em
público e levantar problemas
fundamentais que precisam
de uma resposta coletiva. É
essa, na verdade, a essência
do Plano de Gestão Cidadã e a
meta expressa no título deste
capítulo não pode ser atingida
se não houver:
1 – participação popular;
2 – autoplanejamento / autogestão;
3 – qualidade social de vida.
Para construir este processo, por
sua vez, é necessário termos:
a – vontade política, existente
ou “construível”, pelo poder
público e pela população;
b – afetividade e respeito pelo
outro;
c – uma metodologia de trabalho sociopolítico participativa
(e não autocrática).
Por outro lado, é também importante:
1 – o fortalecimento da sociedade e dos cidadãos;
2 – o planejamento coletivo;
3 – a viabilização de projetos
autogestionários.
Plano de Gestão Cidadã (PGC):
uma proposta de ação
política coletiva
O PGC se justifica, a começar do fato de que qualquer
reivindicação da cidadania,
por mais ingênua que possa
parecer, deve ser incentivada,
pelo simples fato de que é o
resultado de um sentimento
e, com um pouco de sorte, de
alguma forma de organização popular, o que é sempre
desejável. Assim, o PGC é
uma proposta que possibilita
o oferecimento ao cidadão
comum e aos movimentos
comunitários, um canal livre
e eficiente de comunicação
com o poder público e com
toda a sociedade, além de um
instrumento de ação política.
O objetivo específico do PGC
é viabilizar a participação popular cada vez mais intensa,
autônoma e auto-sustentável,
o que envolve, por exemplo,
auto-organização, geração de
renda e desenvolvimento solidário e local, além de buscar
uma cada vez maior participação popular no planejamento e
na gestão política das cidades.
Buscando novos caminhos
A imposição de um tipo de
realidade, sem contestação, nos
imobiliza. Movimentemo-nos,
pois! Mas para movimentarmo-nos, tempestivamente e
com consequência, não é necessário que antes efetuemos
um bom planejamento, ou
seja, que antes tenhamos uma
ideologia (na boa acepção da
palavra), viabilizada por uma
metodologia de ação social
eficaz? Vale aqui, a ressalva de
que não podemos permitir o
engessar-se nessa ideologia
e nessa metodologia. Temos
de ter a humildade para reco-
Administração Estatal
nhecer erros no que fazemos
e acertos no que os outros
fazem, encarando-os como
aliados que pensam diferente
e não como inimigos a quem
devemos humilhar e aniquilar (desde que todos ajam
com ética, lealdade e amor);
é necessário termos lucidez
e disposição suficientes para
absorver os acertos dos outros
e corrigir os nossos erros. Sobretudo, devemos acreditar
em nós mesmos e em nossos
sonhos, tentando realizá-los.
RESUMEN
Administración estatal o social: un falso dilema
Gerir el Estado no es una tarea simples y como la crisis de la democracia representativa lo demuestra, no debería ser tarea de unos
pocos, aunque elegidos. El modelo de gestión del Estado entendido como poder público es, debido a la fuerza creciente de los fondos
públicos, esencial para el sistema moderno y para el mejoramiento de la calidad de vida de todos nosotros. El presente artículo examina
uno de esos modelos y sus probables impactos sociales y apunta hacia alternativas.
Palabras-clave: Gestión Pública. Democracia Representativa. Democracia Participativa.
ABSTRACT
State or social administration: a false dilemma
To administer the State is no easy task and, as the crisis of representative democracy clearly points out, it should not be placed in
the hands of a few persons, even being the elected ones. Considering the growing strength of public funds, the State management
model, considered as public authority, is viewed as essential not only for the modern democratic system but also for our quality of life
improvement. The present article analyzes one of these models as well as its probable social impacts and proposes alternatives.
Key words: Public Management. Representative Democracy. Participatory Democracy.
Gestão Social
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
75
Pareceres
Cargos de provimento em comissão.
Fixação do percentual mínimo a ser exercido
por servidores efetivos. Iniciativa do projeto
de Lei. Competência.
Priscila Oquioni Souto — Consultora Jurídica do IBAM
CONSULTA
Indaga sobre a iniciativa de projeto de lei que fixa percentuais mínimos de cargos em comissão previstos no art. 37,
inciso V da Constituição Federal, bem como se esta iniciativa é diferenciada por Poder.
Resposta
Diante dos princípios constitucionais que devem reger a
administração pública, insertos
no art. 37, caput da Constituição, o inciso II deste mesmo
dispositivo constitucional estabelece a exigência de concurso
público para o provimento de
cargos ou de empregos públicos. Dentre as exceções possíveis a tal exigência temos a dos
cargos em comissão, que são de
livre nomeação e exoneração
e destinam-se tão somente às
atribuições de direção, chefia e
assessoramento.
No entanto, exatamente por
configurar uma exceção à regra
do concurso público para provimento de cargos, a Constituição estabeleceu em seu art. 37,
inciso V, que os cargos em comissão deverão ser preenchidos
por servidores de carreira. Isto
é, concursados, nos casos condições e percentuais mínimos
76
>
Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
previstos em lei. Trata-se de
regra extremamente salutar e
moralizadora introduzida pela
EC nº 19/1998.
Relativamente ao dispositivo ora analisado, vale ainda
asseverar que a referida modificação no bojo do texto constitucional pela EC nº 19/1998, que
também introduziu expressamente o princípio da eficiência
no caput do art. 37, pretende
materializar este princípio ao
garantir e reconhecer que os
cargos de direção, chefia e assessoramento devem ser, em
determinado percentual, providos por servidores efetivos
em virtude da necessidade de
conhecimentos técnicos, com
o desiderato de evitar o loteamento meramente político
desses cargos.
O legislador constituinte
derivado reformador, por intermédio da EC nº 19/1998,
transformou a eficiência,
antes considerada atributo de
gestão técnica, em vetor constitucional que deve orientar
toda a atuação da Administração Pública.
De tal sorte, diante de uma
interpretação conforme e
sistemática do texto constitucional, pode-se aferir que
a exigência de um percentual
mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por
servidores efetivos encontra
guarida na preocupação hodierna de exigir-se o melhor
desempenho possível das atribuições dos agentes públicos,
a fim de se obter os melhores
resultados, o que atende não
somente aos interesses da
Administração pública, mas
também dos cidadãos.
Feitas estas primeiras considerações elucidativas acerca
dos cargos em comissão, passamos à análise da competência
para iniciativa do Projeto de Lei
que fixa o percentual mínimo
desses cargos.
Inicialmente, cabe deixar
consignado, por oportuno
que se revela, que a norma
contida no art. 37, inciso V
da Constituição, é constitucional de eficácia limitada.
Ou seja, é norma que depende
de uma Lei integrativa infraconstitucional para produzir
todos os seus efeitos. D e
forma mais completa, temos
uma norma constitucional de
eficácia limitada declaratória
de princípio institutivo ou
orgânico, visto que contém
esquema geral de estruturação de instituições, órgãos ou
entidades.
Tratando-se de norma de
eficácia limitada, que tem por
fito concretizar o princípio
da eficiência, compete aos diversos órgãos e entidades da
administração pública definir
o limite que lhes seja conveniente de reserva para servidores efetivos.
Muito embora na jurisprudência dos Tribunais Superiores não exista, até a presente
data, jurisprudência que se
amolde perfeitamente ao caso
em apreço, pode-se colacionar,
com o intuito de corroborar as
ideias até aqui expostas, a ADI
nº 4.355, cumpre esclarecer que
se encontra em trâmite no STF,
a qual pleiteia a declaração
de inconstitucionalidade da
Res. nº 88/2009 do CNJ que,
entre outros, fixou no seu art.
2º, § 2º, o percentual de 50%
dos cargos em comissão para
provimento de servidores das
carreiras judiciárias, impondo
aos Tribunais de Justiça, nos
Estados onde ainda não haja
legislação a respeito, encaminhem Projetos de Lei para a
regulação da matéria.
A indigitada ação declaratória de inconstitucionalidade
ainda se encontra pendente de
julgamento. Entretanto, o seu
Ministro relator e o Advogado
Geral da União e o Procurador
Geral da República manifestaram-se pela sua improcedência
e conseguinte constitucionalidade da Res. nº 88/2009 do CNJ.
Importante para ilustrar a
questão sob exame, trecho da
manifestação do Advogado Geral da União na ADI nº. 4.355, o
qual a seguir se reproduz:
“(...) já em relação ao percentual mínimo de cargos em
comissão que devem ser providos por servidores das carreiras
judiciárias, a resolução questionada presta-se a concretizar,
no âmbito do Poder Judiciário,
o preceito constitucional contido no inciso V do art. 37 da
Lei Maior”.
Na conformidade de todo
o exposto até aqui, e com as
adaptações devidas, visto o especial papel que a Constituição
atribui ao CNJ no âmbito do Poder Judiciário, reitera-se a ideia
anteriormente mencionada de
que, tratando-se de norma de
eficácia limitada que tem por
objetivo o melhor desempenho
possível das atividades a serem
desenvolvidas, compete aos
Pareceres
diversos órgãos e entidades da
administração pública definir o
limite que lhes seja conveniente de reserva para servidores
efetivos.
No âmbito do Poder Executivo, uma vez que a matéria
é atinente à organização administrativa, composição de
órgãos integrantes da estrutura
desse Poder, a iniciativa da lei
em comento cabe ao Prefeito,
por força do art. 61, § 1º, II,
alínea “e” da Constituição, aplicável ao processo legislativo em
âmbito municipal por força do
princípio da simetria (art. 29,
caput da Constituição), consoante jurisprudência pacífica no
âmbito do STF.
No âmbito dos demais Poderes, no caso o Poder Legislativo, cabe a ele dispor sobre sua
organização e funcionamento,
respeitado o Princípio da Separação dos Poderes contido no
art. 2º da Constituição.
Nesse diapasão, conclui-se
que a norma infraconstitucional que integra o art. 37,
inciso V da Constituição, que
configura norma de eficácia
limitada, conforme visto
outrora, no âmbito do Poder
Executivo, é de iniciativa privativa do seu chefe. No que
tange ao Poder Legislativo,
cabe a ele dispor por Resolução sobre os percentuais
mínimos de cargos em comissão ocupados por servidores
efetivos, eis que é da sua competência a edição de normas
acerca da sua organização e
funcionamento.
Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM >
77
Em Foco
Projeto Conservador das Águas, Extrema (MG)
Gustavo Rabello — Coordenador de Projetos do IBAM
O projeto Conservador das
Águas surgiu da necessidade
de se implementar ações de
preservação e de recuperação
ambiental no município de
Extrema (MG). Situado em
um dos maiores sistemas de
abastecimento público do
mundo (Sistema Cantareira),
está em situação de grave degradação de sua mata nativa
como consequência da atividade agropecuária.
Comitê de Bacias PCJ Federal,
Universidade Federal de Lavras, Associações de Moradores, The Nature Conservancy
(TNC) e SOS Mata Atlântica.
Liderado pela Prefeitura Municipal de Extrema, o Conservador das Águas realizou
atividades em 95 propriedades rurais de duas das sete
sub-bacias englobadas pelo
município (Posses e Salto),
entre 2007 e 2011.
Reconhecido nacionalmente e com grande potencial de replicabilidade, o Conservador das Águas serviu de
base para publicações e para
a criação de projetos similares
em outros municípios. Além
disso, foi agraciado com os
prêmios Bom Exemplo, concedido pela Rede Globo e Fundação Dom Cabral, em 2011,
e Caixa – Melhores Práticas em
Gestão Local 2011/2012.
Os principais objetivos do
projeto são aumentar a cobertura vegetal nas sub-bacias
hidrográficas do município;
implantar microcorredores
ecológicos; reduzir os níveis
de poluição difusa rural; difundir o conceito de manejo
integrado de vegetação, solo
e água; e garantir a sustentabilidade socioeconômica e
ambiental das ações de manejo por meio do Pagamento
por Serviços Ambientais
(PSA) aos produtores rurais,
instrumento regulamentado
pela Agência Nacional de
Águas (ANA).
A implantação do Pagamento por Serviços Ambientais em Extrema mostrou-se
uma experiência de sucesso
na construção de novo modelo de preservação ambiental,
e continua ampliando suas
ações e agregando, a cada ano,
novos produtores rurais.
Foi, igualmente, uma das
12 práticas ganhadoras do
Prêmio Internacional de 2012
promovido pela Municipalidade de Dubai, nos Emirados
Árabes Unidos, com o apoio
do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos
Humanos (UN-Habitat).
O projeto teve início em
2005, com a promulgação
da primeira lei municipal do
Brasil a regulamentar o PSA.
Ao longo de sua implantação,
contou com o apoio técnico e
financeiro de diversos parceiros – ANA, Caixa Econômica
Federal (CEF), Instituto Nacional de Florestas (IEF-MG),
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Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012
O projeto Conservador das Águas teve início em 2005, com a promulgação da primeira
lei municipal do Brasil a regulamentar o PSA
Para mais informações, consulte:
www.extrema.mg.gov.br
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