Simetria em Mecânica Quântica Márcio H. F. Bettega Departamento de Física Universidade Federal do Paraná [email protected] CF703–Física Quântica I – Simetria em Mecânica Quântica Simetrias e Leis de Conservação I Simetrias em física clássica: X Lagrangiana: L = L(qi , q̇i ; t) = T − V , onde qi (q̇i ) são as coordenadas (velocidades) generalizadas e q̇i = dqi /dt. X Equações de Lagrange: ∂L d ∂L − =0 ∂qi dt ∂ q̇i X Se L não depender de qi (coordenada cíclica ou ignorável), temos: d ∂L ∂L =0→ = constante dt ∂ q̇i ∂ q̇i Definimos o momento conjugado à coordenada qi , pi , como: pi = ∂L ∂ q̇i Como consequência, pi = constante. P X Hamiltoniana: H = H(qi , pi ; t) = i pi q̇i − L X Equações de Hamilton: ∂H ∂H ; ṗi = − ∂pi ∂qi X Se L (ou H) não depender explicitamente de qi , então pi é uma constante de movimento ⇒ Lei de Conservação. q̇i = Simetrias e Leis de Conservação I Transformação canônica infinitesimal: X transformação identidade: F2 (q, P ) = qP p= ∂F2 (q, P ) ∂F2 (q, P ) = P, Q = =q ∂q ∂P X transformação infinitesimal: F2 (q, P ) = qP + G(q, P ), ( 1) p= ∂F2 (q, P ) ∂G(q, P ) ∂F2 (q, P ) ∂G(q, P ) =P + ,Q = =q+ ∂q ∂q ∂P ∂P X fazendo = dt, H(q, P ) ≈ H(q, p) temos (evolução temporal) P = p − dt ∂H(q, p) = p + dt ṗ = p(t + dt) ∂q Q = q + dt ∂H(q, p) = q + dt q̇ = q(t + dt) ∂p Simetrias e Leis de Conservação I Teorema de Noether: (de forma bastante simplificada) simetrias na Lagrangiana levam a constantes de movimento: X p → translação X L → rotação X H → evolução temporal X Simetria (escondida) no problema de Kepler: vetor de Laplace-Runge-Lenz p×L r − Ze2 m r Em mecânica quântica, a simetria associada ao operador M= p×L−L×p r − Ze2 m r é uma simetria SO(4) associada a uma rotação em 4 dimensões e explica a degenescência acidental (E = En ) no átomo de hidrogênio M= Simetrias e Leis de Conservação I Simetria em mecânica quântica (H é o Hamiltoniano do sistema): X S: operador unitário definido como: S = 11 − i G; G† = G ~ onde G é um operador gerador de simetria. Se [H, S] = 0 → S † HS = H. Isso implica em: i i i 11 + G H 11 − G = H + [G, H] + O(2 ) ~ ~ ~ Como consequência, se [H, G] = 0 → dG/dt = 0 (equação de Heisenberg), ou seja, G é uma constante de movimento (vimos os casos em que G = p, G = J e G = H). I Vamos considerar os autokets de G, |g 0 i: G|g 0 i = g 0 |g 0 i. No tempo t: |g 0 , t0 ; ti = U (t, t0 )|g 0 i Se [H, G] = 0 → [G, U ] = 0, |g 0 i são autokets de energia e portanto G|g 0 , t0 ; ti = g 0 |g 0 , t0 ; ti e H|g 0 , t0 ; ti = Eg0 |g 0 , t0 ; ti Simetrias e Leis de Conservação I Degenerescências: [H, S] = 0; |ni são os autokets de energia, H|ni = En |ni. Neste caso S|ni também é um autoket de energia: S|ni → HS|ni = SH|ni = En S|ni Supondo que |ni 6= S|ni, |ni e S|ni são autokets de energia associados ao mesmo autovalor En ⇒ degenerescência. I Se S = S(λ), onde λ é um parâmetro contínuo, temos: X rotação: S(λ) = D(R) [D(R), H] = 0 → [J, H] = 0, [J2 , H] = 0 Neste caso |n; j, mi são autokets simultâneos de H, J2 , Jz . D(R)|n; j, mi são autokets de H com mesmo autovalor En : D(R)|n; j, mi = X m0 |n; j, m0 ihn; j, m0 |D(R)|n; j, mi = X Dm0 m (R)|n; j, m0 i (j) m0 Neste caso há (2j + 1) valores possíveis para m0 , o que acarreta uma degenerescência de ordem (2j + 1). Exemplo: V (r) + VLS (r)L · S. No caso da presença de campos externos a degenerescência pode ser removida (total ou parciamente). Veremos isso em CF704–Física Quântica II (teoria de perturbação). Simetrias e Leis de Conservação I Vamos agora considerar simetrias discretas, como paridade (inversão espacial). Chamos de Π o operador paridade, exigindo que: |αi → Π|αi : hα|Π† xΠ|αi = −hα|x|αi Com isto: Π† xΠ = −x → {x, Π} = 0 Vamos considerar os autokets de posição |x0 i. Proposta: Π|x0 i = exp(iδ)| − x0 i. Para provar isso fazemos: xΠ|x0 i = −Πx|x0 i = (−x0 )Π|x0 i → Π|x0 i ∝ | − x0 i Adotamos exp(iδ) = 1. Π2 = 11, de tal forma que seus atovalores ±1. Simetrias e Leis de Conservação J. J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics, Revised Edition, Addison Wesley. Simetrias e Leis de Conservação I O que acontece com o operador p sob paridade? (p = mdx/dt, ímpar?). Sabemos que p é um gerador de translação. Podemos ver pela figura que translação + paridade = paridade + translação no sentido contrário. Isso se traduz como ΠT (dx0 ) = T (−dx0 )Π → ΠT (dx0 )Π† = T (−dx0 ). Temos então que: p · dx0 p · dx0 Π 11 − i Π† = 11 + i ~ ~ ou ΠΠ† − i i ΠpΠ† · dx0 = 11 + p · dx0 ~ ~ Comparando: ΠΠ† = 11, {Π, p} = 0. O que acontece com o operador J sob paridade? Dica: L = |{z} x × p → par. |{z} ímpar ímpar Traduzimos isso como [Π, L] = 0. Isso vale para S? A resposta é sim. A matriz que representa uma operação de paridade é R = −11, que comuta com as matrizes de rotação 3 × 3. Postulamos então que: ΠD(R) = D(R)Π, onde D(R) é o operador de rotação infinitesimal. Com isso [Π, D(R)] = 0 → [Π, J] = 0 → Π† JΠ = J Simetrias e Leis de Conservação I Comentários: X x e J se transformam da mesma maneira sob rotação: vetores (ou tensores esféricos de ordem 1); X x e p são ímpares sob paridade (vetores polares); X S · x: se transforma sob rotação como escalar, assim como S · L e x · p. Sob paridade temos: Π−1 S · xΠ = −S · x (pseudoescalar) e Π−1 S · LΠ = S · L (escalar) I Funções de onda sob paridade: |αi → hx0 |αi = ψα (x0 ) Π|αi → hx0 |Π|αi = h−x0 |αi = ψα (−x0 ) Se Π|αi = ±|αi temos: hx0 |Π|αi = ±hx0 |αi = ±ψα (x0 ) = ψα (−x0 ) Logo:ψα (−x0 ) = +ψα (x0 ) (par); ψα (−x0 ) = −ψα (x0 ) (ímpar). Exemplo: Y`m (θ, φ) → (−1)` Y`m (θ, φ) → Π|α; `, mi = (−1)` |α; `, mi. Simetrias e Leis de Conservação I Teorema: “Suponha que [H, Π] = 0 e que |ni é um autoket de energia não degenerado com autovalor En . Então |ni também é um autoket de paridade. Note que (11 ± Π)/2|ni é um autoket de paridade (Π2 = Π). Logo: 1 1 H (11 ± Π) |ni = En (11 ± Π) |ni 2 2 Simetrias e Leis de Conservação I Vamos considerar como exemplo o poço duplo simétrico de potencial, como mostra a figura. Neste caso V (−x0 ) = V (x0 ) e portanto [H, Π] = 0. Assim temos: X H|Si = ES |Si: estado fundamental (simétrico), X H|Ai = EA |Ai: primeiro estado excitado (antissimétrico), Podemos definir os estados |Ri e |Li, que são estados localizados nos lados direito e esquerdo do poço como 1 |Ri = √ (|Si + |Ai) 2 e 1 |Li = √ (|Si − |Ai) 2 Os estados |Ri e |Li não são autoestados de paridade. Note que Π|Si = |Si e Π|Ai = −|Ai, e como consequência Π|Ri = |Li e Π|Li = |Ri. Simetrias e Leis de Conservação J. J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics, Revised Edition, Addison Wesley. Simetrias e Leis de Conservação I Vamos agora olhar a evolução temporal considerando o estado inicial como |Ri. Assim: 1 |R, t0 = 0; ti = U (t, 0)|Ri = √ (U (t, 0)|Si + U (t, 0)|Ai) = 2 exp(−iES t/~) √ = {|Si + exp[−i(EA − ES )t/~]|Ai} 2 t= T ~ = 2π → |R, t0 = 0; t = T /2i = exp(−iES T /2~)|Li 2 2(EA − ES ) t = T = 2π ~ → |R, t0 = 0; t = T i = exp(−iES T /~)|Ri (EA − ES ) Ou seja, o sistema fica oscilando estre os estados |Ri e |Li com frequência ω = (EA − ES )/~. Tornando a barreira infinita, não há mais possibilidade de tunelamento. Neste caso |Si e |Ai são degenerados e |Ri e |Li são autokets de energia. Se agora em t0 = 0 o sistema encontra-se no estado |Ri, permanecerá em |Ri (agora a frequência de oscilação ω é infinita). O estado fundamental agora pode ser antissimétrico, embora H seja simétrico, o que significa uma quebra de simetria. Quando há degenerescência os autokets de energia físicos não precisam ser autokets de paridade. Simetrias e Leis de Conservação J. J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics, Revised Edition, Addison Wesley. Simetrias e Leis de Conservação I Vamos discutir agora a regra de seleção de paridade. Considerando que Π|αi = εα |αi e Π|βi = εβ |βi, onde εα , εβ = ±1, podemos mostrar que hβ|x|αi = 0 a menos que εα = −εβ . Isso significa que o operador x (ímpar sob paridade) conecta apenas estados com paridades opostas. A demostração desta regra de seleção fica como exercício. I Vamos considerar agora um autoket de energia |ni, tal que H|ni = En |ni, onde En é não degenerado. Se [H, Π] = 0, temos que hn|{x, Π}|ni = hn|xΠ|ni + hn|Πx|ni = ±hn|x|ni = 0 → hn|x|ni = 0 Simetrias e Leis de Conservação I Vamos considerar agora a simetria de reversão temporal. Antes, vamos considerar e sujeita à condição uma operação de simetria tal que |αi → |e αi e |βi → |βi e αi = hβ|αi hβ|e Isso pode ser alcançado por um operador unitário U (translação, rotação, paridade e = U |βi, tal que: etc), onde |e αi = U |αi e |βi e αi = hβ|U † U |αi = hβ|αi hβ|e Vamos considerar uma condição mais fraca para o caso da reversão temporal: e αi| = |hβ|αi| |hβ|e a qual é satisfeita pelo operador unitário U . Esta condição também é satisfeita se e αi = hβ|αi∗ = hα|βi hβ|e Simetrias e Leis de Conservação I Definimos uma transformação antiunitária θ como e = θ|βi |e αi = θ|αi; |βi tal que e αi = hβ|αi∗ hβ|e onde θ(c1 |αi + c2 |βi) = c∗1 θ|αi + c∗2 θ|βi e θ é denominado operador antiunitário. I Vamos escrever θ como: θ = U K, onde U é um operador unitário e K é o operador que forma o complexo conjugado de qualquer coeficiente que multiplica um ket (Kc|αi = c∗ K|αi). K não altera os kets de base: |αi = X a0 |a0 iha0 |αi → K|αi = K X a0 |a0 iha0 |αi = X 0 ∗ X 0 ∗ 0 ha |αi K|a0 i = ha |αi |a i a0 a0 Simetrias e Leis de Conservação I Cuidado, pois o efeito de K muda de acordo com a base escolhida. Para ver isso, vamos considerar spin 1/2: 1 {|±i} → |sy , ±i = √ (|+i ± i|−i) 2 1 K|±i = |±i → K|sy , ±i = √ (|+i ∓ i|−i) 2 No entanto, se considerarmos |sy , ±i como base temos K|sy , ±i = |sy , ±i. Simetrias e Leis de Conservação I Vamos retornar a θ = U K: θ(c1 |αi + c2 |βi) = U K(c1 |αi + c2 |βi) = c∗1 U K|αi + c∗2 U K|βi = c∗1 θ|αi + c∗2 θ|βi X 0 ∗ ha |αi U |a0 i |αi → |e αi = θ|αi = U K|αi = U K X a0 a0 e = θ|βi = U K|βi = U K |βi → |βi X X 0 ∗ |a0 iha0 |βi = ha |βi U |a0 i a0 a0 e αi = hβ|e |a0 iha0 |αi = X X 00 (ha |βiha00 |U † )(ha0 |αi∗ U |a0 i) = a00 a0 X X 00 † ∗ 0 = ha |βihα|a0 i ha00 | U | {zU} |a i = hα|βi = hβ|αi a00 a0 11 | {z δa0 a000 } Simetrias e Leis de Conservação J. J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics, Revised Edition, Addison Wesley. Simetrias e Leis de Conservação I Vamos definir agora o operador de reversão temporal Θ: |αi → Θ|αi De acordo com a figura temos: X |αi = |p0 i → Θ|p0 i = | − p0 i X |αi = |x0 i → Θ|x0 i = |x0 i iH 11 − δt |αi ~ iH δt Θ|αi |α, t0 = 0; t = δti = 11 − ~ t = 0 ⇒ |αi −→δt |α, t0 = 0; t = δti = t = 0 ⇒ Θ|αi −→δt A simetria sob reversão temporal exige que o ket acima seja o mesmo que: iH Θ|α, t0 = 0; t = −δti = Θ 11 + δt |αi ~ iH iH 11 − δt Θ|αi = Θ 11 + δt |αi ~ ~ iHΘ ΘiH Θ− δt |αi = Θ + δt |αi ~ ~ Simetrias e Leis de Conservação I Isto resulta em: −iHΘ|αi = ΘiH|αi ou, para qualquer ket −iHΘ|i = ΘiH|i Se Θ for unitário: −HΘ = ΘH H|ni = En |ni ⇒ HΘ|ni = −ΘH|ni = −En Θ|ni Neste caso, Θ|ni é um autoket de H com autovalor −En , o que não faz sentido (pense em uma partícula livre). Portanto Θ é um operador antiunitário: ΘiH|i = −iΘH|i ⇒ ΘH = HΘ hβ|Θ|αi → hβ|(Θ|αi) −−−→ (hβ|Θ)|αi não Não vamos definir (hβ|Θ). Simetrias e Leis de Conservação I Vamos analisar agora como os operadores lineares ⊗ se comportam sob reversão temporal. e = Θ|βi |e αi = Θ|αi; |βi Neste caso: e hβ| ⊗ |αi = he α|Θ ⊗† Θ−1 |βi A prova fica como exercício. No caso em que ⊗ = A; A† = A temos: e hβ|A|αi = he α|ΘAΘ−1 |βi No caso em que ΘAΘ−1 = ±A (A pode ser par ou ímpar sob reversão temporal) temos: e = ±he e = ±hβ|A|e e α i∗ hβ|A|αi = he α|ΘAΘ−1 |βi α|A|βi Fazendo |βi = |αi temos (valor esperado): hα|A|αi = ±he α|A|e α i∗ Simetrias e Leis de Conservação I Exemplos: XA=p hα|p|αi = −he α|p|e αi∗ → ΘpΘ−1 = −p pΘ|p0 i = (−ΘpΘ−1 )Θ|p0 i = −Θp|p0 i = −p0 (Θ|p0 i) ⇒ Θ|p0 i = | − p0 i XA=x hα|x|αi = he α|x|e αi∗ → ΘxΘ−1 = x xΘ|x0 i = (ΘxΘ−1 )Θ|x0 i = Θx|x0 i = x0 (Θ|x0 i) ⇒ Θ|x0 i = |x0 i Simetrias e Leis de Conservação I Vamos olhar agora como ficam as relações de comutação [xi , pj ] = i~δij e [Ji , Jj ] = i~ijk Jk sob reversão temporal: [xi , pj ]|i = i~δij |i → Θ[xi , pj ]|i = Θi~δij |i → → Θ[xi , pj ](Θ−1 Θ)|i = −i~δij Θ|i → → [xi , −pj ]Θ|i = −i~δij Θ|i → [xi , pj ] = i~δij e a relação é preservada. Para preservar [Ji , Jj ] = i~ijk Jk é necessário que ΘJΘ−1 = −J. I Vamos agora considerar uma partícula sem spin, e olhar o comportamento da função de onda sob reversão temporal: t = 0 → |αi ⇒ hx0 |αi = ψ(x0 ) Z |αi = Z d3 x0 |x0 ihx0 |αi → Θ|αi = Θ d3 x0 |x0 ihx0 |αi = Z Z = d3 x0 hx0 |αi∗ Θ|x0 i = d3 x0 hx0 |αi∗ |x0 i Simetrias e Leis de Conservação I Temos assim: X Se ψ(x0 , t) = u(x0 ) exp(−iEt/~) ⇒ ψ ∗ (x0 , −t) = u∗ (x0 ) exp(−iEt/~); t = 0 → u(x0 ) = u∗ (x0 ) X Se ψ(x0 ) = R(r)Y`m (θ, φ) ⇒ Y`m ∗ (θ, φ) = (−1)m Y`−m (θ, φ) |`mi → Θ|`mi = (−1)m |` − mi I Teorema: “Suponha que o Hamiltoniano seja invariante sob reversão temporal (ΘHΘ−1 = H) e que o autoket de energia |ni seja não degenerado; então a autofunção correspondente é real (ou, de forma mais geral, uma função real multiplicada por um fator de fase independente de x0 ). HΘ|ni = ΘH|ni = En Θ|ni Neste caso |ni e Θ|ni tem o mesmo autovalor de energia (não degenerado). Logo |ni ∝ Θ|ni e |ni → hx0 |ni; Θ|ni → hx0 |ni∗ ⇒ hx0 |ni = hx0 |ni∗ Como fica hp0 |αi?