Os modelos cosmológicos em obras de professores - HCTE

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Os modelos cosmológicos em obras de professores da Aula da Esfera
Jefferson dos Santos Alves1
Resumo: A discussão acerca de qual seria o correto modelo cosmológico pode ser encontrada
em diferentes obras dos séculos XVII e XVIII. Entre essas obras há aquelas produzidas no
âmbito de uma instituição de ensino jesuíta em Portugal: o Colégio de Santo Antão em
Lisboa, especialmente pelos professores do curso de Matemáticas conhecido como Aula da
Esfera. Os modelos em discussão eram o ptolomaico, o copernicano e o tychônico. Este
trabalho possui dois objetivos: identificar a argumentação apresentada em defesa do modelo
tychônico perante aos demais em escritos de três professores da Aula da Esfera: Cristoforo
Borri, Simon Fallon, Inácio Vieira; mostrar a utilização deste sistema na publicação de
efemérides calculadas por Eusébio da Veiga, o último professor da Aula da Esfera.
Palavras-chave: Astronomia; Portugal; Jesuítas
Introdução
Uma das características do século XVII é a mudança da forma de interpretar a
natureza, passando de uma visão aristotélica presente no pensamento escolástico para uma
matematização do mundo natural. Este processo ocorreu de forma gradativa e é uma
característica do fenômeno histórico conhecido como Revolução Científica. Dentro deste
cenário de mudança há uma diferença epistemológica de interpretação da natureza, o
escolasticismo era predominantemente instrumentalista, enquanto que aqueles considerados
“modernos” partilhavam de uma visão realista.
Os instrumentalistas acreditavam que as teorias derivadas da matemática eram
propostas de maneira apenas hipotética, para facilitar cálculos e predições
matemáticos. O realismo, em contraposição, insistia em que a análise matemática
revelava como as coisas deveriam ser; se os cálculos funcionavam, devia ser porque
a teoria proposta era verdadeira, ou muito aproximadamente verdadeira (HENRY,
1998, p. 20-21).
Nessa diferença epistemológica podemos situar um debate cosmológico acerca da
correta ordenação do universo. Segundo Henrique Leitão, a origem desse debate está nas
observações celestes empreendidas por Galileu Galilei, conforme divulgado na obra Sidereus
Nuncius de 1610 e em observações posteriores:
1 Mestrando do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Em resumo, publicados no Sidereus Nuncius, ou divulgados alguns meses depois da
sua publicação, Galileu deu a conhecer essencialmente cinco “factos polémicos”:
que o número de estrelas é muito maior do que até então se julgava; que a Lua tem
montanhas e vales; que Saturno apresenta uma configuração muito peculiar; que
Vénus exibe fases (tal como a Lua); e que Júpiter tem satélites [...] estes factos todos
– bastando, em rigor, a existência de satélites de Júpiter ou, sobretudo, a observação
das fases de Vénus – desfechavam um golpe definitivo na tradicional concepção
aristotélico-ptolomaica do cosmos (LEITÃO, 2008, P.28).
Essa “tradicional concepção aristotélico-ptolomaica do cosmos” é resultante de uma
interpretação do universo através da apropriação de pensadores cristãos fizeram da filosofia
aristotélica e da utilização do modelo cosmológico desenvolvido por Ptolomeu. É uma
concepção geocêntrica que divide o universo em duas regiões: sublunar onde a Terra está
estacionária, caracterizada por imperfeições e movimentos descontínuos; supralunar onde
estão os planetas (inclusive a Lua e o Sol) e as estrelas, sem imperfeições e com movimentos
circulares. Os movimentos celestes são entendidos conforme o sistema ptolomaico que utiliza
epiciclos e equantes.
Podemos atribuir dois motivos para que a interpretação aristotélica do cosmos e a
ordenação do universo conforme descrito por Ptolomeu fossem consideradas como reais não
apenas por partes dos matemáticos e astrônomos, mas também pelo senso comum. O primeiro
está ligado ao que se observa no céu todos os dias, os astros parecem circundar a Terra.
Contrariar isso seria contrariar os próprios sentidos. O segundo motivo é de caráter religioso.
O mundo foi criado por Deus para os homens, logo é natural que a Terra esteja no centro de
toda criação. Além disso, o cristianismo toma a Bíblia como fonte verdade e todo
conhecimento sobre o mundo natural deveria ser aferido por ela. A intepretação literal de
algumas passagens da Bíblia indica a centralidade da Terra 2 (CAMENIETZKI, 2000, p. 18,
27).
A Teologia medieval tinha criado um sistema descritivo e interpretativo do Universo,
imaginoso e arguto, concretamente fundamentado na observação dos fenómenos
celestes convenientemente acomodados aos ditames da religião católica
(CARVALHO, 1985, p. 9).
As descobertas de Galileu o levaram a refutar o modelo geocêntrico como verdadeiro.
O “golpe definitivo” aplicado por ele está na refutação da ideia de perfeição celeste e na
apresentação de evidências da realidade do sistema heliocêntrico desenvolvido por Nicolau
Copérnico conforme De Revolutionibus orbium caelestium de 1543. Galileu ao mostrar que a
Lua possui montanhas e vales, contradiz a ideia de perfeição celeste, pois não é mais um
2 As passagens mais conhecidas são Salmos 18,6 e 103,5; Crônicas 16,30; Eclesiastes 1,4-6; e Josué 10,12.
objeto perfeitamente redondo e sem deformidades. Essa refutação ganhou mais força em 1613
com a publicação de Istoria e Dismostrazioni intorno alle Macchie Solari e loro Accidenti,
obra que mostra a existência de manchas no Sol. As observações através do telescópio não
comprovaram, mas forneceram fortes evidências de que o sistema pensado por Copérnico era
verdadeiro, a existência de eclipses em Vênus não era possível conforme o sistema
ptolomaico. Os satélites de Júpiter retiravam a prerrogativa da Terra como o centro de todos
os movimentos celestes.
Até a polêmica suscitada por Galileu não havia problemas para a maioria dos
astrônomos em aceitar o geocentrismo como verdadeiro e o sistema copernicano como
instrumento matemático para a interpretação dos fenômenos celestes3. Porém, sua campanha
em prol do copernicanismo como um sistema cosmológico verdadeiro resultou na inclusão do
De Revolutionibus orbium caelestium no Index Librorum Prohibitorum em 1616 por conter “a
falsa doutrina pitagórica da mobilidade da Terra e imobilidade do Sol, totalmente contrária à
Divina Escritura”. O decreto que condenou a obra de Copérnico declara que puniria conforme
penas estabelecidas pelo Concílio de Trento quem a possuir, imprimir ou ler (Decreto da
Congregação do Índice apud BELLARMINO, 1988, p. 107-109).
Galileu havia dado aos cálculos de Copérnico evidencias de sua realidade, mas não
havia apresentado provas de que a Terra realmente estava em movimento. Porém, seus
trabalhos pressionaram os pensadores escolásticos a admitirem a falência do modelo
cosmológico aristotélico-ptolomaico. A solução encontrada foi a adoção de um terceiro
modelo que conciliasse a interpretação literal da Bíblia e os dados astronômicos obtidos pelo
telescópio. Em 1620 a obra Sphaera mundi seu cosmographia do jesuíta Giuseppe Biancani
mostra que essa solução está no sistema policêntrico de Tycho Brahe, no qual a Terra é
mantida no centro do universo tendo o Sol e a Lua orbitando a sua volta e os demais planetas
a volta do Sol. A adoção do sistema tychônico não encerrava a discussão acerca de qual
modelo cosmológico corresponderia com o real. A condenação de 1616 não coibiu a produção
de trabalhos que apontassem o sistema copernicano como verdadeiro. O próprio Galileu em
1632 publicou Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo apresentando argumentos a
favor do heliocentrismo, e por isto foi condenado a prisão perpétua domiciliar pela Inquisição
no ano seguinte.
3 John Henry diz que “na Europa somente dez pensadores aceitaram a verdade física da teoria de Copérnico antes de 1600 [...] apenas dois
deles trabalharam a vida toda como acadêmicos dentro do sistema universitário, e ambos eram alemães influenciados por importantes
reformas pedagógicas introduzidas pelo eminente teólogo luterano Philip Melanchthon” (HENRY, 1998, p. 24).
Os modelos cosmológicos na Aula da Esfera
A discussão cosmológica marcou a produção científica dos séculos XVII e XVIII. Os
três modelos cosmológicos eram apresentados e o autor apontava qual era o verdadeiro. Em
alguns casos, o autor apresentava um quarto modelo que matinha a estrutura do sistema
tychônico com algumas diferenças na ordenação dos planetas, são chamados de modelos
semi-tychônico.
Em Portugal essa discussão teve como porta de entrada o curso de matemáticas do
Colégio de Santo Antão conhecido como Aula da Esfera. Nele não havia um programa prédeterminado, cada professor era responsável pelo seu. Porém, a necessidade de aprimorar a
prática náutica para sua instituição em 1590. Esse tópico foi tema das aulas até a expulsão dos
jesuítas em 1759 e o consequente fechamento do Colégio. Durante o século XVII a
Companhia de Jesus identificou a necessidade de que professores de alta qualidade
assumissem a cadeira da Aula da Esfera, a solução foi o envio de professores estrangeiros
para Santo Antão e a consequente entrada de novos conhecimentos.
De 1627 a 1628 o jesuíta italiano Cristoforo Bruno foi responsável pela Aula da
Esfera. A discussão acerca do verdadeiro modelo cosmológico em suas aulas está presente em
sua obra cuja finalidade era utilizar em suas aulas, Collecta Astronomica Ex doctrina escrita
em 1628 e publicada em 1631. Nela Borri apresenta detalhadamente os modelos pensados por
Ptolomeu, Copérnico e Tycho Brahe, mas refuta os dois primeiros dizendo ser o tychônico o
mais condizente com a realidade devido ao trabalho observacional empreendido por Brahe e a
falta de provas de que a Terra realmente se movia.
Entre 1638 e 1641 assume a cátedra da Aula da Esfera o jesuíta Simon Fallon. Em
Materias mathematicas nas quais se contem Astronometria, Astrologia, e Outronometria,
manuscrito de 1638, o padre Simon Fallon apresenta dois modelos cosmológicos distintos. O
primeiro é o real que “sefaz enforma de caracol”. Nesse modelo os planetas realizam suas
órbitas em torno do Sol não apenas de leste para oeste, mas também subindo e descendo
conforme um espiral. Deste modo se explicava o movimento retrógrado dos planetas. A órbita
espiralada não era apropriada para a elaboração de cálculos que indiquem a posição futura dos
astros. Para isso é necessário utilizar um modelo cosmológico tychônico, chamado por Fallon
de imaginário, por não representar o real (FALLON, 1638, p. 219-220).
Inácio Vieira lecionou a Aula da Esfera entre 1708 e 1719 e abordou a ordenação do
universo de forma mais densa do que Fallon. Em sua obra Tratado da Astronomia de 1709 o
cosmos é aristotélico e tychônico. Há uma região sublunar formada por quatro corpos, cada
corpo corresponde a um elemento. O primeiro corpo é a Terra que está no centro do universo,
o segundo é a Água ao seu entorno. O terceiro corpo é o Ar e por último o Fogo.
O corpo do Ar é subdivido em três regiões, a mais próxima do fogo é região Suprema,
local onde estão os cometas devido a alta temperatura gerada pela proximidade com a região
do fogo e pela grande incidência de raios solares. A segunda região é chamada de Ínfima
descrita apenas como não tão quente como a Suprema. A região mais próxima da Terra é
chamada de Média, é fria por estar afastada do Sol e do Fogo, nela ser forma a chuva, a neve e
a saraiva. O Fogo circunda o Ar por ser mais o elemento mais leve, e devido a sua pureza não
produz vapor que o ofusque não sendo possível observá-lo (VIEIRA, 1708, p. 16-19).
Em relação a ordenação do universo, Inácio Vieria diz ser “taõ varia a opiniaõ da
divizaõ da Sph[e]ra Celeste, q[ue] bem se podia compor hum L[iv]ro int[ei]ro sóm[en]te das
Razões div[er]sas, e div[er]sos Ceos, que alguns apontaõ” (VIEIRA, 1708, p. 28-29). Sua
opção é o sistema tychônico, porém dividindo a “Sph[e]ra Celeste em 3 Ceos, s[endo],
Empyreo; Sydereo Solido; Ethereo Fluido” (VIEIRA, 1708, p. 29).
Eusébio da Veiga foi o último professor da Aula da Esfera (1753-1759) e diretor do
observatório do Colégio de Santo Antão onde empreendeu observações de fenômenos celestes
com o principal objetivo de determinar a diferença longitudinal entre meridianos. Em 1758
publicou a obra que pretendia ser a primeira publicação periódica de efemérides em Portugal
intitulada Planetario Lusitano. Veiga declara que seu objetivo era fornecer um material útil a
náuticos e astrônomos, já que as efemérides utilizadas eram as publicadas na França ou
calculadas para cada um que solicitasse.
No Planetario Lusitano há efemérides para os anos de 1758, 1759 e 1760
acompanhadas do que Veiga chamou de Planetario Explicado, um manual de instruções de
como utilizar as efemérides, e de tabelas que possuem valores fixos intituladas de Taboas
Perpetuas, e Imutaveis. O modelo cosmológico utilizado por Veiga pode ser verificado nestas
partes, apesar de estar explicitado, pois não condiz com o objetivo pretendido pela obra e por
possuir um caráter prático, sem preocupações em discussões acerca da correta ordenação do
universo.
O Planetario Explicado tem como primeira explicação uma Breve noticia dos circulos
da Esfera. Trata-se de uma introdução aos fundamentos de astronomia e náutica, ou seja, uma
explanação acerca dos círculos que compõe as esferas celeste e terrestre, entre os quais
citamos meridiano, equador e eclíptica. A principal função desses círculos e a determinação
das coordenadas geográficas – latitude e longitude, para que se guie “o navio de tal sorte, que
acerte com os pontos, e distancias da sua derrota, para que sabendo o lugar, em que se acha no
mar, possa prosseguir bem a sua carreira ate chegar ao porto desejado” (Veiga, 1758,
Planetario Lusitano, p. 105).
Para compreender os circulos da Esfera é necessário que haja uma concepção
geocêntrica do universo, pois o referencial para traçá-los está no observador. Deste modo, os
astros circundam a Terra. Veiga atribui ao movimento da Esfera Celeste e dos astros a função
de traçar esses círculos, como pode ser visto na explicação do que é o círculo do equador e
seus paralelos, responsáveis pela latitude, e do que é um meridiano:
Formando hum Astro o seu gyro, ou revolução sempre igualmente distante dos dous
polos, descreve hum circulo, a que chamamos Equador, ou Equinocial; porèm
quaesquer Astro que gyrarem fora do Equador. Formarão na sua revolução Circulos
Parallelos ao mesmo Equador. Estes parallelos são mais pequenos, quanto forem
mais proximos a qualquer dos polos (Veiga, 1758, Planetario Lusitano, p. 1-2).
Alèm dos circulos sobreditos ha na Esfera outro circulo maximo, que passa pelos
polos do mundo, e pelo Zenith: a este circulo chamamos Meridiano, porque
chegando a elle o Sol a cada dia, fórma o meio dia, isto he, fica então o dia dividido
igualmente, restando tanto tempo atè o Sol se por, quanto tem passado atè alli desde
que nasceo (Veiga, 1758, Planetario Lusitano, p. 3).
Uma das Taboas Perpetuas, e Imutaveis é denominada de Taboa da Grandeza dos
Planetas, comparando-os com a Terra; e das suas distancias à Terra; e das revoluções, que
elles fazem sobre o seu eixo, e à roda do Sol. Uma interpretação dos dados desta tabela nos
leva a inferir que o centro do cosmos é a Terra imóvel com o Sol orbitando em seu entorno e
os demais planetas, inclusive a Lua, orbitando em torno do Sol. Esta descrição do universo
não se propõe como verdadeira, principalmente por não permitir que haja um eclipse lunar.
Sobre essa Taboa Perpetua, Veiga diz:
Desejão muitas vezes os curiosos saber as grandezas dos Planetas, quanto distão da
terra, e quanto tempo gastão nas suas revoluções, para que instruidos com estas
noticias, possão applicallas em varias occasiões, que se offerecerem, ou para ornato
dos seus eruditos discursos, ou para perfeição das Faculdades, que professão (Veiga,
1758, Planetario Lusitano, p. 112).
Apesar de sua falência ter iniciando nas primeiras décadas do século XVII, o universo
geocêntrico ainda era ensinado no século XVIII. A obra Memorial histórico da creação do
mundo celeste e do mundo elemental de João Cardoso da Costa publicada em 1754 expõe os
assuntos através de um diálogo de um discípulo com seu mestre, entre os quais expõe um
universo geocêntrico como verdadeiro.
A obra de Cardoso da Costa pode ser classificada como de divulgação de
conhecimento. No prólogo o autor dedica sua obra aos “que naõ tem liçaõ dos livros” para
que “dem todo o louvor a Deos” (COSTA, 1754, Prologo e Dedicatoria). Em uma das
Licenças do Santo Officio, o censor Antonio de Santo Elias declara que a obra “conforma-se
grandemente com a santa Fé nas verdades, que propoem da Escritura”. Assim dizemos que
ainda no século XVIII em Portugal há entre os “que naõ tem liçaõ dos livros” uma percepção
do mundo fortemente baseada na doutrina religiosa. Além disto, está de acordo com o
percebido pelos sentidos. Dessa concepção de mundo geocêntrica é o que necessita quem
queira fazer uso do Planetario Lusitano. Veiga não aborda a questão da ordenação do
universo justamente por ser um conhecimento comum. “Formando hum Astro o seu gyro, ou
revolução...” e “...chegando a elle o Sol a cada dia...” são descrições entendíveis.
Conclusão
Para os historiadores Roland Mousnier e Ernest Labrousse (1995, p. 157-158) houve
no século XVIII houve uma “Revolução Técnica”, pois o conhecimento científico é posto a
serviço da prática. O conhecimento não se limita apenas na esfera especulativa, há um
empenho em torna-lo um produto, seja a construção de máquinas ou aprimoramento de
técnicas. Partindo desse conceito e das obras dos professores da Aula da Esfera, podemos
apontar uma diferença entre o século XVII e XVIII. No século XVII a discussão acerca de
qual seria o modelo cosmológico verdadeiro fez com que a astronomia produzisse um
conhecimento especulativo sem preocupação prática. No século XVIII a especulação não se
encerra em si e há um aproveitamento prático do conhecimento produzido. Nas obras de
Cristoforo Borri e Simon Fallon podemos verificar esse caráter especulativo, ao contrário de
Inácio Vieira e Eusébio da Veiga que produzem um conhecimento explicitamente ligado a
uma finalidade prática.
Outro aspecto importante da análise dessas obras é a posição instrumentalista ou
realista dos autores. Não há uma ligação entre recorte temporal e posicionamento
epistemológico perante um determinado modelo cosmológico. Borri apresenta o modelo
ptolomaico, copernicano e tychônico argumentando em favor deste último sem omitir o
conhecimento proporcionado pelos demais e apontando um uso instrumentalista. Essa mesma
atitude está em Fallon, porém, não apresenta dois modelos distintos, mas dentro de um mesmo
modelo mostra que o real possui um tipo de movimento planetário, enquanto que o aparente –
considerado imaginário – possui outro mais adequado à prática astronômica e astrológica.
Nas obras dos professores do século XVIII o caráter especulativo está mais
proximamente ligado ao caráter prático da produção de conhecimento. Inácio Vieira apresenta
primeiramente seu Tratado da Astronomia, em 1712 escreve Hydrographia ou Arte de
Navegar, uma obra prática que em vários momentos faz referência à página do Tratado da
Astronomia que o leitor deve consultar para esclarecimento de determinado assunto. Havendo
uma utilização da astronomia teórica na prática náutica. O Planetario Lusitano de Eusébio da
Veiga é uma obra de caráter predominantemente prático, informações acerca de modelo
cosmológico estão dispostas apenas quando o autor considerar de utilidade para o
entendimento do leitor.
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