UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL – ESS PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO Daniela Neves A Recepção da Economia Solidária no Serviço Social Rio de Janeiro 2010 Daniela Neves A Recepção da Economia Solidária no Serviço Social Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Serviço Social Orientador: Prof. Doutor José Paulo Netto Rio de Janeiro 2 2010 A Recepção da Economia Solidária no Serviço Social Daniela Neves Tese de Doutoramento submetida à comissão julgadora nomeada pelo Programa de PósGraduação da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte integrante dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor. Aprovada por: ________________________________________ Orientador: Prof. Dr. José Paulo Netto ________________________________________ Prof.ª. Dra. Cleier Marconsin ________________________________________ Prof.ª. Dra. Elaine Behring ________________________________________ Prof.ª. Dra. Cleusa Santos ________________________________________ Prof. Dr. Mauro Luis Iasi Rio de Janeiro 2010 3 N518 Neves, Daniela. A recepção da economia solidária no serviço social / Daniela Neves. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. 211f. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social / Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, 2010. Orientador: José Paulo Netto. 1. Serviço social - Brasil. 2. Economia – Brasil – Aspectos Sociais. 3. Política social – Brasil. I. Netto, José Paulo. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Serviço Social. CDD: 361.981 4 Aos trabalhadores da economia solidária, por se aventurarem nesta panaceia contemporânea. A Adrianyce de Sousa, pelo nosso fim de ano (2009). 5 AGRADECIMENTOS Aos daqueles que eu sou, daqueles de onde vim, daqueles que sei onde estão, a Grande Canindé; A Adrianyce de Sousa, por toda a colaboração que fizemos ao longo deste doutorado; A minha família cearense, meus amores e minha ida e volta; A Letícia Batista, meu guia genial, pela sua força e aconchego, com palavras precisas; Ao Fernando Velloso, o irmão que este doutorado me deu, pela recepção que tive na sua vida; A Marlise Vinagre, que me levou ao Rio que faz parte de mim; A Lúcia Soares e Bruno, que me receberam de braços abertos sob a Guanabara; A Marylúcia Mesquista, pela eloquência e carinho que traz a minha vida; A Thaís Batista, aprendi que é importante dizer as verdades sorrindo; Ao Rodrigo Marcelino, amigo que me instiga, me instrui, e me dá carinho; Ao Leandro, o padrinho que eu escolhi e que sempre compartilhou com os debates da economia solidária. A Ivanete e Elaine, pelas maravilhosas marchinhas de carnaval, de aniversário, de verão...., que tivemos no Rio. A Ranieri, pelo carinho que nos ofertou no doutorado; Ao Antonio, meu amigo livreiro, que me trouxe carinho e livros; Aos novos amores, uma família mesmo, em processo de construção: Arnaldo, Érica, Estela, Isabel, Juci, Jussara, Lucinha, Rose e Thiago. A Cleir Marconsin, pela solidariedade dos legítimos revolucionários; A Esther Lemos, pelo carinho que sempre compartilhou nos caminhas dessa pós; A Leila Escorsim, pela amizade e carinho construídas ao longo deste doutorado, mas também pela acolhida e aconchego nesta reta final; A Luisa e Eurico, pela recepção, amizade e aconchego diferenciados em terras portuguesas; 6 A Juca e Martha, pela gentileza e pelo aprendizado que compartilharam conosco em Portugal; A Alcina e Rosa, que além de professoras, foram as nossas queridas amigas portuguesas; A Anna Maria Dottavi, Paola e Laura, que foram grandes amizades conquistadas no curso deste doutorado, pela acolhida e por nos revelar uma outra via romana. Ao Alfredo, um italiano de alma brasileira, com quem aprendi um pouco mais sobre Paulo Freire, e que foi nosso grande amigo e interlocutor na Itália. Aos amigos e professores Carlos Montaño, Cleusa Santos e Yolanda Guerra, que nos propiciaram bons debates no doutorado e foram sempre carinhosos e incentivadores deste trabalho. A Adriane Tomazelli, Fernando e Belinha, pela solidariedade e carinho imensuráveis, uma linda família que aprendi a amar, e ainda por toda a torcida nesta reta final; A Rosa Stein e Marlene Teixeira, pela acolhida e carinho nessa nova etapa da minha vida; Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da UFRJ, pelos debates que realizamos nessa trajetória; Aos queridos funcionários da Escola de Serviço Social da UFRJ, especialmente, Luiza, Sérgio, Fábio e Tião, amigos delicados, funcionários atenciosos e socorristas das horas mais improváveis; Ao meu orientador, amigo e mestre José Paulo Netto, em toda a nossa caminhada sempre se comportou como um verdadeiro professor, foi preciso e presente, duro quando tinha de ser, mas sempre solidário em compartilhar muito do seu rico conhecimento, pelos ensinamentos que vão além deste doutorado, pelo comunismo e otimismo que me inspiram, mas, sobretudo, pela generosidade e carinho da nossa amizade; Ao professores Cleier Marconsin, Cleusa Santos, Elaine Behring e Mauro Iasi, por aceitarem prontamente o convite de fazer parte dessa banca e compartilhar dos seus conhecimentos; A CAPES, pela bolsa de doutorado no país durante os 04 anos do meu curso, e pelo investimento através do PDEE/sanduíche no exterior. 7 Resumo Esta tese apresenta uma análise da produção teórica do Serviço Social sobre a economia solidária no Brasil. A partir da análise de temas centrais realizamos um balanço dos debates importantes na produção teórica do Serviço Social, como a “problemática da democracia”, da política social, da questão social e do projeto profissional de ruptura com o conservadorismo, que, na nossa perspectiva, se constituem em canais para circulação e produção de concepções ídeo-políticas que dão suporte ao conjunto de valores econômicos, políticos e culturais que animam a relação da economia solidária com o Serviço Social. O núcleo articulador da pesquisa – que se utiliza tanto, dos fundamentos ídeo-políticos e teóricos, que vão dos socialistas utópicos ao socialismo de Singer, como uma radiografia dos chamados “empreendimentos de economia solidária” que vem sendo desenvolvidos no Brasil – indica que a produção teórica da profissão reflete o conjunto heterogêneo das perspectivas ídeo-políticas que concorrem no debate da economia solidária no país, recheadas de conservadorismo e anticapitalismo romântico. 8 Abstract This thesis presents an analysis of theoretical production of Social Work about the solidarity economy in Brazil. From the analysis of central issues we conducted a review of important debates in theoretical work of Social Work, as the "problem of democracy, social policy relating to social and professional project to break with conservatism, which in our view if channels are in circulation and production of ideo-political ideas that support the set of economic values, politics and culture that animate the relationship of economic solidarity with the Social Work. The core promoter of research - which uses both of the grounds of ideologies and political theorists, ranging from the utopian socialists socialism Singer, as a snapshot of the so-called "developments of the solidarity economy" that has been developed in Brazil - indicates that the theoretical production of the profession reflects the heterogeneous set of ideo-political perspectives that compete in the discussion of the solidarity economy in the country, filled with romantic anti-capitalism and conservatism. 9 Riassunto Questa tesi presenta un'analisi della produzione teorica di Servizio Sociale per l'economia di solidarietà in Brasile. Dalla analisi delle questioni centrali che abbiamo effettuato una revisione dei dibattiti importanti nel lavoro teorico di Servizi Sociali, come il problema della democrazia, della politica sociale in materia di progetti sociali e professionali a rompere con il conservatorismo, che a nostro avviso se i canali sono in circolazione e la produzione di ideo-idee politiche che sostengono l'insieme dei valori economici, politici e culturali che animano il rapporto di solidarietà economica con il Servizio Sociale. Il promotore principale della ricerca - che utilizza entrambi i motivi di ideologie e teorici della politica, che vanno dal socialismo utopistico socialisti Singer, come un'istantanea del cosiddetto "sviluppo dell'economia solidale", che è stato sviluppato in Brasile indica che il produzione teorica della professione riflette l'insieme eterogeneo di ideo-prospettive politiche che competono in discussione l'economia di solidarietà nel paese, pieno di romanticismo anti-capitalismo e il conservatorismo 10 SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS...............................................................................................................13 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................15 CAPÍTULO I: Serviço Social Contemporâneo: balanço de alguns debates...................20 1.1. O debate da democracia................................................................................................21 1.2. O debate da política social............................................................................................37 1.2.1 Origem da política social e sua vinculação orgânica à questão social..............38 1.2.2. O keynesianismo/fordismo e a política social.....................................................41 1.2.3. Política Social no neoliberalismo.........................................................................46 1.3. O debate da Questão Social...........................................................................................50 1.3.1 A origem da questão social....................................................................................51 1.3.2. A questão social no capitalismo contemporâneo e seu enfrentamento............60 1.3.3. Elementos para a crítica da suposta “nova” questão social.............................64 1.4. O Serviço Social e a construção do Projeto Ético-político profissional....................66 1.4.1. O projeto profissional de ruptura com o Serviço Social tradicional...............66 1.4.2. O Serviço Social brasileiro e sua aproximação ao marxismo...........................69 1.4.3. Serviço Social e o Projeto Ético-Político.............................................................71 1.4.4. Temas conexos e desafios para o Serviço Social na cena contemporânea.......74 CAPÍTULO II: Economia Solidária e Capitalismo...........................................................81 2.1. Características contemporâneas do capitalismo.........................................................82 2.2. Fundamentos da economia solidária: dos socialistas utópicos a Paul Singer..........97 2.2.1. Saint-Simon...........................................................................................................99 2.2.2. Charles Fourier...................................................................................................104 2.2.3. Robert Owen.......................................................................................................105 2.2.4. Pierre-Joseph Proudhon.....................................................................................109 2.3. Ideias fundamentais da economia solidária...............................................................113 2.4. A economia solidária no Brasil...................................................................................123 11 CAPÍTULO III: Serviço Social e Economia Solidária....................................................136 3.1 A recepção da economia solidária no Serviço Social.................................................137 3.2. O universo teórico e político comum ao Serviço Social e à economia solidária.....157 3.3. Conservadorismo, anticapitalismo romântico e Serviço Social...............................170 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 191 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA...................................................................................198 ANEXOS..............................................................................................................................208 12 LISTA DE SIGLAS ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário; ANTEAG – Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária; CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais; CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; CNES – Conselho Nacional de Economia Solidária; CONAES – Conferência Nacional de Economia Solidária; CUT – Central Única dos Trabalhadores; DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos; EES – Empreendimentos de Economia Solidária; ENPESS – Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social; FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador FASE – Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educação; FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária; FED – Federal Reserve Bank; FETRABALHO – Federações das Cooperativas de Trabalho; FMI – Fundo Monetário Internacional; FSM – Fórum Social Mundial; IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; ITCPs – Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares; MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; MTE – Ministério do Trabalho e Emprego; ONU – Organização das Nações Unidas; OIT – Organização Internacional do Trabalho; PEA – População Economicamente Ativa; PME – Pesquisa Mensal de Emprego; PPA – Plano Pluri-Anual; PT – Partido dos Trabalhadores; 13 SEAD – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados; SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária; SIES – Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária; UNITRABALHO – Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Mundo do Trabalho. 14 INTRODUÇÃO Remetendo-nos ao processo de construção da nossa pesquisa, que tem por objeto a recepção que a economia solidária vem tendo no Serviço Social no marco das transformações societárias do capitalismo contemporâneo, uma pergunta se coloca de imediato: qual a relação e a importância de um estudo com este foco para o Serviço Social. Dentre as argumentações e respostas possíveis a este questionamento, indicaremos o que nos parece ser interessante de se explicitar no interior de um Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, e que podem ser pontuadas a partir de dois eixos centrais: um que se localiza no debate teórico-acadêmico e outro que se situa no terreno do exercício profissional. Em relação ao primeiro eixo, podemos estabelecer que é significativo um movimento expansivo no Serviço Social que aponta para a sua consolidação enquanto área do saber. Neste processo de expansão, a profissão amadurece dando importância à pesquisa e afirma-se como produtora de conhecimento. Nestes termos, podemos destacar que a produção científica no Serviço Social – nos seus programas de pós-graduação – tem privilegiado linhas de pesquisa na área do trabalho, dentre outras, dado o entendimento de ser este um debate fundamental para a investigação tanto da realidade social como das relações sociais gestadas pelo sistema capitalista. Assim, além de estudar o próprio Serviço Social, a pertinência da nossa tese também pode ser justificada pela percepção imediata que se tem da economia solidária no campo do trabalho: uma modalidade de trabalho diferenciada das relações de trabalho convencionais da “economia capitalista”. Estas questões levam-nos a enfatizar que a análise da economia solidária e sua recepção no Serviço Social não configura apenas uma interface da profissão com diversas temáticas das ciências sociais, mas expressa, alternativamente, a importância da centralidade das análises no campo do trabalho e dos processos sociais do capital e do Estado, na construção intelectual da profissão, que vem buscando investigar os elementos constitutivos das relações sociais capitalistas – e, neste processo, produzir conhecimentos que possam mediatizar a ação das classes subalternas nas disputas na sociedade. Como expressão deste entendimento, Francisco de Oliveira tece relevantes considerações no prefácio a Behring (2003): “os ainda chamados assistentes sociais constituem-se numa das categorias mais combativas e, por isso criativas, na política brasileira do último quartel do século” (2003, p.15). Dessa forma, para a profissão, investigar a realidade social e os processos sociais contemporâneo torna-se um dos meios mais profícuos para instrumentalizar a intervenção social. Logo, esta compreensão possibilita-nos apontar o outro eixo anteriormente mencionado, qual seja: o trabalho profissional que, balizado por este entendimento, demarca a necessidade de um 15 profissional investigativo como condição para realização de um exercício profissional comprometido com as classes trabalhadoras, remetendo-se, por sua vez, à busca constante das determinações da totalidade da vida social. Assim, queremos deixar claro que a importância das análises sobre a economia solidária e sua relação com o Serviço Social ultrapassa o universo strictu senso do conhecimento em que se inscreve a pesquisa acadêmica e pode resgatar alguns problemas que, já elaborados teoricamente no terreno da luta ídeo-política, facilitando aos assistentes sociais e a outros interessados combater o conjunto de conteúdos problemáticos em que se inscreve a economia solidária. Estabelecida a importância, para o Serviço social, de se realizar uma análise sobre economia solidária nos seus ambientes à luz das transformações do capitalismo contemporâneo, é preciso, pois, situar sinteticamente em que se constitui nosso problema de estudo. O governo do presidente Lula da Silva institucionalizou no Brasil, desde o início do seu primeiro mandato (2003), uma política centrada na economia solidária e criou, com a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003 (instituída pelo Decreto n° 4.764, de 24 de junho de 2003), a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, interna ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. A direção da SENAES ficou sob o comando de um respeitado acadêmico brasileiro, que tem grande produção sobre o tema, o economista Paul Singer. A partir de então, a economia solidária alçou-se ao status de política pública de governo. Mesmo antes da criação da SENAES, as iniciativas de economia solidária no Brasil vinham sendo impulsionadas a partir das ações de vários grupos sociais (movimentos sociais, ONGs, Igrejas, incubadoras acadêmicas, etc.), que apoiam a constituição e trabalham na articulação de cooperativas populares, de redes de produção e comercialização dos produtos, em feiras de economia solidária etc. Ao longo dos últimos dez anos (2000-2010), esses grupos passaram a articular fóruns estaduais e regionais de economia solidária e participar do Fórum Social Mundial – FSM, e durante a 3ª edição do FSM (2003) foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES. Os números da economia solidária também são expressivos. Os dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária, do MTE, apontam até 2007 um total de 21.859 “Empreendimentos de Economia Solidária” – EES existentes no país, dos quais, cerca de 49%, foram criados somente entre 2001 e 2007 e chegam a reunir um contingente, aproximadamente, de 1.687.496 participantes - mais de 1 milhão e meio de pessoas. Com todo esse dinamismo, a economia solidária apresenta-se na atualidade como um movimento político e de trabalho que atravessa, não apenas, mas de modo significativo, os ambientes do Serviço Social brasileiro. Mais do que isso, já há, em congressos profissionais e encontros de pesquisa, um interesse documentado, por parte dos assistentes sociais, sobre o debate 16 da economia solidária. Existem, também, livros, teses, ensaios, artigos, e projetos de pesquisa que tematizam a economia solidária no Serviço Social. Esta produção teórica caracteriza uma tendência emergente à profissão, uma tendência crescente, que vem ampliando o interesse e as elaborações sobre o tema, tanto no corpo profissional ligado à prática profissional quanto nos profissionais vinculados à academia. Como afirmamos mais acima, o crescimento desse debate, e a preocupação com o desenvolvimento de atividades de economia social não envolve apenas o Serviço Social. Diversos segmentos da sociedade civil e o do próprio Estado vêm desenvolvendo ações no âmbito da economia solidária. Esse setor vem se ampliando no Brasil desde os últimos anos do século passado, tentando se constituir, por um lado, como resposta, de partes da sociedade, às mudanças nas relações de trabalho e ao aumento da suposta “exclusão social” e, por outro, como alternativa política ao indicar que uma outra economia é possível, fora e dentro dos marcos do capitalismo. Entretanto, o nosso interesse de pesquisa incidiu sobre o Serviço Social, visto que já havia, de nossa parte, um estudo acumulado da economia solidária, cabendo-nos pensá-la em interface com o Serviço Social. Dessa forma, e como já se viu, a nossa tese tem por objeto de pesquisa a relação Serviço Social e Economia Solidária, buscando cuidar dessa tendência, que nos é perceptível como sendo de grande receptividade na profissão. Nossa tese se propõe como uma primeira investigação que visa oferecer um quadro sintético de como a Economia Solidária vem sendo recepcionada pelo Serviço Social e quais as implicações, para este, desta recepção. E cabe sublinhar que, devido à vinculação de nossa abordagem à tradição marxista, partimos da hipótese de que nem a economia solidária é uma alternativa crítica de superação do capitalismo, nem a sua recepção pelo Serviço Social contribui para uma afirmação do espírito crítico e combativo que subjaz ao “Projeto ético-político do Serviço Social”. Do final dos anos 1990 em diante, é verificável, mesmo que em seus primeiros passos, uma produção do Serviço Social sobre os temas que compõem o universo da Economia Solidária. Já em 2001 foram identificados, no X Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – CBAS, no Rio de Janeiro, a partir de levantamento feito por nós, 26 trabalhos que discutiam a economia solidária e temas diretamente a ela relacionados, como, entre outros, cooperativismo e autogestão. Três anos depois, no XI CBAS (2004), em Fortaleza, foi criado um eixo temático especialmente denominado “Políticas alternativas de geração de trabalho e renda”. No terreno da pesquisa acadêmica, o X Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social – ENPESS, realizado em 2006, em Recife, publicou em seus anais 15 trabalhos individuais e esta temática também comparece nas publicações de algumas revistas acadêmicas (dos Programas de Pós-Graduação da área do Serviço Social). Tais dados indicam a existência de uma produção sobre a economia solidária no Serviço 17 Social, e são relevantes, sobretudo, para tentarmos dimensionar em quais ambientes e em quais perspectivas este debate está sendo absorvido na profissão. Em se tratando da nossa pesquisa, todas essas informações e indícios de produtividade ressaltam a pertinência da nossa tese, o que, por sua vez, justifica a análise da relação Serviço Social/economia solidária. A nossa tese, está assim organizada: no Capítulo 1 realizamos um balanço de debates centrais na produção teórica do Serviço Social, analisando a “problemática da democracia”, da política social, da questão social e do projeto profissional de ruptura com o conservadorismo, que, na nossa perspectiva, se constituem em canais para circulação e produção de concepções ídeopolíticas que dão suporte ao conjunto de valores econômicos, políticos e culturais que animam a economia solidária. Tratou-se, portanto, de destacar os principais entendimentos sobre a democracia que incidem sobre as ciências humanas e perpassam também o serviço social, e resgatar os fundamentos sócio-históricos da questão social e os processos que dinamizam a existência e funcionalidade das políticas sociais. Verificou-se, dessa forma, que as respostas para o enfrentamento da questão social operadas no momento contemporâneo implicam numa larga repressão das forças sociais do trabalho e a constituição, no campo das políticas sociais, de alternativas fracionadas, em contraste com os direitos sociais mais amplos, e, por isso, a expansão de modalidades como a economia solidária. O segundo Capítulo trata da Economia Solidária em face das manifestações do capitalismo contemporâneo, e, mais ainda, rastreia alguns dos seus fundamentos ídeo-políticos e teóricos, que vão dos socialistas utópicos ao socialismo de Singer (1998), e se dedica, particularmente, a investigar a economia solidária no Brasil e oferecendo ao leitor uma radiografia dos chamados “empreendimentos de economia solidária” que vem sendo desenvolvidos no país. Nessa parte da pesquisa identificamos o que é, no nosso entendimento, um movimento contraditório de ampliação, fragilização e pauperização das estratégias de trabalho dos segmentos populares inscritas no leque da economia solidária no Brasil. No Capítulo 3 dedicamo-nos a investigar, especialmente, como o Serviço Social vem recepcionando a economia solidária, e como este relacionamento comparece no conjunto da sua produção teórica. Neste capítulo apresentamos uma significativa sistematização de quais trabalhos teóricos sobre esta temática vem sendo produzidos nos circuitos do Serviço Social, tanto acadêmicos quanto das intervenções profissionais, e mapeamos as tendências que estão contidas nela. Assim, proporcionamos uma análise dessas tendências indicando, particularmente, as perspectivas de defesa e crítica da economia solidária em face do sistema capitalista. Finalmente, gostaríamos de destacar que, para a realização dessa pesquisa, contamos com o apoio institucional do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ; registramos ainda o importante apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, que, 18 por meio do Programa de Doutorado no País com Estágio no Exterior – PDEE, nos possibilitou a realização, em Portugal, de um estágio que foi fundamental para o levantamento de fontes e estudos comparativos das experiências de economia solidária entre os dois países, bem como a participação de debates sobre o tema e suas articulações o Serviço Social internacional. Agradecemos também o apoio acadêmico do Instituto Superior Miguel Torga – ISMT e da nossa orientadora nesta instituição, a professora doutora Alcina Martins. 19 CAPÍTULO I SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORÂNEO: balanço de alguns debates. 20 Neste capítulo apresentamos um balanço de debates importantes na produção teórica do Serviço Social: democracia, política social, questão social e do projeto ético-político profissional, que são canais de circulação e produção de concepções ídeo-políticas que dão suporte ao conjunto de valores e que animam a economia solidária. Dessa forma, nas respostas do capital para o enfrentamento da questão social, comparecem expressões da larga repressão em que as forças sociais do trabalho se encontram, e as formas alternativas de trabalho que são gestadas neste universo, a exemplo da economia solidária. 1.1. O debate da democracia Em seu livro, Cultura e Democracia, Chauí (1990) assinala os riscos de uma disputa histórica cultivada entre filósofos e sociólogos: os primeiros consideram-se possuidores da verdade porque são detentores da Ideia, os segundos porque são conhecedores do Fato. Essa rivalidade marca largamente os estudos sobre democracia, cidadania, entre outros temas centrais no advento da sociedade moderna e ascensão da burguesia. Surpreendendo a todos – filósofos e sociólogos –, Karl Marx e alguns outros intelectuais clássicos põem por terra essa cisão Fato/Ideia, e produzem, no conjunto das suas obras, um amplo conhecimento sobre a sociedade capitalista e sobre o capital fundado numa intensa apropriação da realidade enquanto uma totalidade social, demarcando um campo de saberes e de práticas ricas e contraditórias. Ora, é neste campo amplo e heterogêneo que também os assistentes sociais se inserem e se confrontam contemporaneamente com o debate da democracia. No terreno profissional, através das políticas sociais públicas, ou por meio da investigação e pesquisa dos processos de formação e conformação da sociedade brasileira e seus setores dominantes, os assistentes sociais vêm dando a sua parcela de contribuições. Dessa forma, alguns segmentos profissionais fazem coro com os sociólogos factuais, outros com os filósofos idealistas, e há ainda aquele setor que exorciza toda essa dualidade e se ocupa de compreender a sociedade brasileira e captar o papel da democracia no capitalismo atual. Apesar da valorização da democracia verificar-se em vários momentos da história ocidental, é precisamente com o advento das sociedades modernas 1 que ela torna-se uma conquista social. Entretanto, a radicalidade potencial da democracia é extraída da pauta capitalista pelo processo de 1 Essas são caracterizadas pela consolidação da industrialização e a ascensão econômica, cultural e, principalmente, política da burguesia na sociedade. 21 decadência ideológica da burguesia2 e dessa forma a problemática democrática só comparece na agenda burguesa como tópico programático e constantemente mistificador. Interessa-nos considerar esta problemática no lapso histórico que nos é mais próximo. Após os anos de 1945, com o fim da guerra e a derrota dos regimes nazi-fascistas de base econômica monopolista, formam-se dois grandes blocos mundiais: de um lado, a proposta socialista (sob a forma stalinista) e os ganhos sociais dos trabalhadores da Europa do Leste, que se materializaram na consolidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS, marco possível a partir da Revolução de 1917, e de regimes políticos do que se chamou então “campo socialista”; e, do outro lado, a proposta capitalista monopolista, sensivelmente tensionada pela ameaça socialista e pela luta das forças operárias e democráticas da Europa Ocidental, formada pelos países que compõem a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, chefiada pelos Estados Unidos da América – EUA. É nesse contexto da denominada Guerra Fria que os processos sócio-políticos do mundo capitalista são alargados e preenchidos, funcionalmente, pela problemática democrática 3. Pois havia, no contraponto socialista, amplas massas trabalhadoras que gozavam de novos padrões de organização da vida social – mesmo que o stalinismo tivesse conseguido esvaziar o conteúdo democrático da alternativa socialista que se desenvolvia. As ideologias democráticas burguesas mostram, neste período, uma tendência constante: a clara capacidade de incorporar manifestações político-sociais diversificadas, sobretudo aquelas que se restringem às práticas no campo político. Todavia, o efetivo poder sobre o ordenamento econômico é o limite da flexibilidade capitalista4. O contexto da reorganização política e econômica capitalista que segue ao pós-1945 marca o desenvolvimento, por parte do Estado, de políticas anticrise que supõem elementos interventivos e reguladores (sob o comando dos interesses do capital), inclusive com articulações supra-nacionais – recorde-se o papel, por exemplo, da Conferência de 1944 em Bretton Woods 5, bem como de medidas respeitantes a controle de preços e à criação de políticas fiscais e políticas sociais. Estas últimas, além de serem medidas estatais do receituário anticrise, também resultam das 2 3 4 5 Este tema será melhor abordado na seção 3 do terceiro capítulo da nossa tese. Po r agora, basta-nos assinalar que o processo de decadência ideológica da burguesia analisado por Marx é retomado por Lukács (1968), que nos revela como a burguesia, no pós-1848, transforma-se de classe revolucionária, que carrega no interior do projeto moderno a defesa dos grandes interesses históricos da humanidade, em uma classe conservadora. O Estado Liberal burguês, predominante entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, é substituído pelo Estado Social que predominou nos anos 50 e 60 em países centrais da Europa. Uma excelente análise sobre as ideologias democráticas e os limites da democracia nas sociedades capitalistas pode ser encontrada em Netto (1990). Apesar do encontro de Bretton Woods ser um marco para a atividade bancária e financeira mundial (aqui são criados o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento – Banco Mundial), ele também redefine os parâmetros da reconstrução econômica capitalista, que será capitaneada pelos EUA. Para estudos mais aprofundados sobre Bretton Woods, cf. Moffit (1984). 22 reivindicações das camadas operárias, que buscavam uma inserção democrática e corporativa na agenda política e social do Estado. A originalidade instaurada por este modelo nos principais países de capitalismo central quase nada tem haver com a particularidade dos capitalismos latino-americanos, carentes de reformas democráticas burguesas - como, por exemplo, a manutenção do controle da terra pelos latifundiários. A partir de uma inserção periférica no capitalismo na sua fase imperialista, os países da América Latina, sensivelmente o Brasil, têm seu desenvolvimento econômico reafirmado como subalterno e dependente aos países imperialistas centrais e esta condição é resultado da funcionalidade que as burguesias nacionais imprimiram aos seus Estados, em especial a heteronomia econômica e a exclusão das massas por meio de regimes restritos e anti-democráticos6. É por tais características que diversos analistas (Fernandes, 1976; Coutinho, 1980 e 2000 e Netto, 1990) afirmam que a burguesia brasileira nunca teve compromisso, ou mesmo interesse, num pacto social que permitisse a participação das camadas subalternas na dinâmica política do país. “Os projetos burgueses estiveram sempre divorciados do pacto democrático. A institucionalidade democrática sob a dominação burguesa não passou nunca de expediente tático nos conflitos para a instauração e/ou a consolidação do ordenamento capitalista” (Netto, 1990, p. 119). A constituição e evolução da sociedade brasileira contou com a vitória continuada das forças sociais conservadoras que souberam travar o processos de fermentação social e neutralizaram as lutas sociais populares, mediante mecanismos integradores e/ou repressivos, garantindo a composição política dos interesses das camadas dominantes – dos tempos do pacto colonial ao século XX. A dinâmica capitalista que marcou a ascensão dos modernos monopólios, no século XX, criou uma nova condição estratégico-dependente para as nações da periferia. No caso brasileiro, aquela dinâmica teve efeitos tais que, na primeira metade do século XX, tornaram muito peculiares a constituição e o desenvolvimento das classes e da ordem social capitalista competitiva. Por um lado, a organização dos trabalhadores já nasce tutelada e a burguesia brasileira é a expressão do congelamento da descolonização (a feliz expressão é de Fernandes, 1976) e, por outro, o Estado burguês restringe a constituição dos direitos e torna-se quase a expressão exclusiva do poder das classes dominantes. Assim, o regime social brasileiro mostra-se, para com as classes subalternas, muito pouco flexível, impedindo os deslocamentos democráticos possíveis nas sociedades burguesas. Por isto mesmo, a valorização em larga escala da temática da democracia é, sobretudo, fruto de processos históricos mais recentes no país. O período, próprio do regime político instaurado em 6 Um estudo clássico sobre a particularidade das burguesias dependentes, em especial o Brasil, encontra-se em Fernandes (1976). 23 1964, que marca a ditadura do grande capital (Ianni, 1981) suprimiu toda a prática social democrática e restringiu duramente o debate público sobre a democracia. A análise e crítica social da autocracia burguesa que se constituiu só foi possível em pequenos nichos da intelectualidade, cortados de todo contato com segmentos sociais mais amplos, e nos circuitos fechados e clandestinos dos partidos e organizações de esquerda. Fortemente pressionada, a ditadura, visivelmente a partir de 1979, é compelida a seu projeto de auto-reforma, com medidas liberalizantes planejadas e controladas pelo Estado. Todavia, as mobilizações da sociedade civil intensificam-se e, aliada à conjuntura da crise econômica de 1981-1983 (cf. Singer, 1988), começam a influenciar, diretamente, no processo de abertura política. A democracia renova-se nesse contexto como um processo e um tema relevante para sociedade brasileira, e impacta, diretamente, toda a sua estrutura social. No caso particular do Serviço Social, a democratização foi especialmente importante pois contribuiu, decisivamente, no avanço da sua renovação. O Serviço Social prossegue, portanto em melhores condições, na década de 1980, seu processo de renovação teórico, político e profissional. As vertentes teóricas que influíam na profissão7, naquele momento, continuavam suas empreitadas na disputa dos rumos profissionais. A vertente modernizadora, em refluxo desde fins dos anos de 1970, estabelece conexões com a vertente da reatualização do conservadorismo, a fim de manter sua ampla influência nos circuitos profissionais. Os sujeitos protagonistas da concepção de intenção de ruptura elegeram a perspectiva modernizadora como a principal tendência a ser combatida, pois esta última era identificada com os interesses do projeto social implantado no país no pós-1964. O ambiente da ampliação das liberdades democráticas, próprio da abertura política, foi um dos condicionantes para a perspectiva de intenção de ruptura ampliar seu processo de maturação e consolidação acadêmica, aprofundando a renovação do Serviço Social e trilhando caminhos da teoria crítica marxista. Assumindo internamente a dinâmica de análise das relações sociais predominantes na sociedade, o Serviço Social apropria-se da pauta da democracia e transforma-a em parte teóricoprática do seu processo de renovação profissional. Dessa forma, um conjunto de temas – democracia, cidadania, direitos sociais, participação, autonomia, exclusão social, dentre outros – ganha nas duas décadas seguintes (1990 e 2000) ampla difusão nos circuitos teóricos e profissionais do Serviço Social. Interessa-nos aqui, para os objetivos desta teses, o debate teórico e político da “questão democrática” e das principais perspectivas que recobrem esse tema nas ciências humanas e nas 7 A renovação do Serviço Social sob a autocracia burguesa é analisada por Netto (1994), o qual identifica e classifica as três principais direções teóricas na profissão nesse período: a perspectiva modernizadora, de referencial estrutural funcionalista; a perspectiva de reatualização do conservadorismo, com recurso à fenomenologia; e a perspectiva de intenção de ruptura com inspiração sobretudo marxista. 24 práticas políticas da sociedade civil. Um conjunto de intelectuais ligados à tradição democrática, de diversas inspirações (socialistas, comunistas e liberais), são responsáveis diretos pela difusão nas práticas políticas da sociedade brasileira e na produção teórica das ciências humanas, de um rol de temas que informam concepções diversas de democracia. As análises sobre o Estado, a sociedade civil, as relações sociais, a cidadania, os direitos, etc comportam nesse conjunto uma variação de entendimentos sobre democracia. Todavia, para efeito de análise, elegemos os autores e as produções teóricas que têm o debate explícito da democracia como vetor de suas análises. A discussão sobre os vínculos entre democracia e sociedade moderna conheceu diferentes propostas e conhece ainda hoje diferentes formulações, tanto em nível internacional quanto no Brasil. Em nosso país, em que o recente processo de democratização se fundou na modernização conservadora (Barrington Moore Jr.) de sua economia e do poder das suas elites, a maioria das propostas democráticas revela uma fundamental cisão entre democracia política e socialização da riqueza. As propostas liberais apostam na construção da “democracia representativa” relacionada a momentos pontuais de “democracia participativa”. De outro lado, a esquerda socialista e os comunistas investem na pauta democrática para fortalecer a “soberania popular” e combater o capitalismo - mas note-se que mesmo a esquerda elegendo a “questão democrática” como uma prioridade nas lutas populares no país, isto não implica sua concepção e compreensão seja uniforme entre os grupos e partidos que a compõem. Grande parte da esquerda brasileira sustentou inicialmente, baseada no marxismo da Terceira Internacional, que a democracia seria apenas uma etapa preliminar no caminho para o socialismo, a ser substituída, oportunamente, pela ditadura do proletariado. Porém, ao longo dos anos de 1970 começa a difundir-se a ideia de que a democracia seria um momento ineliminável não só da luta pelo socialismo, mas também de sua organização e construção. E, mais recentemente, ao longo dos anos de 1990, consolida-se uma formulação na esquerda brasileira, inspirada na socialdemocracia europeia e pressionada pela ofensiva neoliberal, que abandona de fato o horizonte socialista e propõe a democracia como forma de “melhorar” o capitalismo conferindo-lhe um conteúdo de “justiça social”. No campo dessas várias tendências de esquerda, começamos por destacar as formulações de Carlos Nelson Coutinho sobre democracia e socialismo, e sua tese da democracia como valor universal. Alinhado – e um dos principais intelectuais orgânicos – ao campo de esquerda que entende a democracia como arma de luta pelo socialismo e necessária à sua construção, Coutinho (1980, 2000) defende que muitas das formas e objetivações de relacionamento social que compõem o arcabouço institucional da democracia política, que teve sua gênese na sociedade burguesa, não 25 perdem, objetivamente e subjetivamente, seu valor universal com o desaparecimento dessa sociedade. Isso porque o valor que constitui a democracia, à qual se refere, é resultado do processo pelo qual o homem se cria a si mesmo e complexifica e amplia tanto os carecimentos quanto as faculdades humanas. Surgem ao mesmo tempo, num processo dialético, o carecimento de determinadas objetivações (valiosas para a realização do homem) e a faculdade ou capacidade que torna possível a satisfação de tal carecimento. Essas objetivações valiosas, de acordo com a natureza do carecimento, podem se dar em qualquer esfera do ser social, da estética à política (Coutinho, 2000: p. 22). A democracia, para o autor, deve ser particularizada como o resultado de um processo histórico no qual foram desenvolvidas formas de objetivação política construídas pelo próprio homem - mas que têm uma dinâmica de evolução que depende da história e das suas leis. Dessa forma, Coutinho, nos termos de Lukács, compreende a democracia como um processo e não como um estado8. As múltiplas objetivações que formam a democracia moderna surgem como respostas, dadas em determinado nível concreto de processo de socialização do trabalho, ao desenvolvimento correspondente dos carecimentos de socialização da participação política. Embora formem um conjunto sistemático, essas objetivações vão se desenvolvimento ao longo do tempo, razão pela qual Lukács, ao falar em democracia, prefere corretamente usar o termo “democratização” (ibdi, p. 23). Assim, essa democratização torna-se um valor na medida em que contribui para explicitar e desenvolver os componentes centrais do ser humano-genérico. Essa perspectiva permite Coutinho a afirmar: como a democracia e a existência desse valor possibilita ao ser social produzir e destacar componentes humanos universais que o particularizam como humanidade, ela operará, como tal, independente da formação social que exista. Dito de outra forma, a democracia é universal, pois possibilita a constituição do ser humano- genérico tanto no capitalismo quanto no socialismo. Justifica que agreguemos ao substantivo valor o qualitativo de universal o fato – historicamente inquestionável – de que as objetivações democráticas são capazes de promover a explicitação do ser genérico do homem em diferentes formações econômico-sociais, ou seja, tanto no capitalismo quanto no socialismo. O consenso hoje quase unânime em torno do valor universal da democracia é a expressão subjetiva de um 8 Está disponível uma coletânea brasileira de textos de Lukács com o título “Socialismo e democratização” onde esse debate pode ser acessado. (Lukács, 2008, organizado por C. N. Coutinho e J. P. Netto). 26 fenômeno primariamente objetivo (Coutinho, ibid, p. 23). Nesse entendimento, a democracia teria, segundo o autor, um potencial trans-histórico. Tanto contribui na formação de processos de participação política que tensionam as estruturas institucionais capitalistas, quanto preserva modalidades sociais e institucionais de descentralização de poder que devem ser garantidos no socialismo. Portanto, a democracia é parte central da luta política contra o capitalismo e é, na mesma intensidade, parte central da constituição do socialismo. Coutinho retrata essa centralidade da democracia no extrato a seguir: Não basta constatar o valor que continuam a ter para as forças do progresso social, nas sociedades capitalistas de hoje, a conservação e o desenvolvimento das instituições democráticas, os quais são assegurados em grande parte, e muitas vezes em oposição à burguesia, pela luta organizada dos trabalhadores. Também é preciso afirmar que tanto na fase de transição para o socialismo quanto no socialismo realizado continuam a ocorrer situações que só a democracia política será capaz de resolver no sentido mais favorável ao enriquecimento do gênero humano (ibid, p. 2324). O socialismo não existirá como tal sem democracia. Com total convicção teórica e política sobre isto, Coutinho resgata a resolução política do último congresso do Partido Comunista Italiano (1989), que reconhece a necessidade de uma representação política adequada à unidade na diversidade produzida pelo socialismo. E essa representação seria a democracia. Para os comunistas italianos, “a democracia não é um caminho para o socialismo, mas sim o caminho do socialismo” (PCI apud Coutinho, ibid: p. 24, itálicos do autor). Coutinho reforça, assim, sua tese da democracia como valor universal. Por agora, queremos apenas enfatizar que a importância dada por Coutinho à democracia, tanto no ordenamento político do capitalismo quanto do socialismo, alimenta uma cultura política de esquerda que hipervaloriza a “questão democrática” e faz dela a diretriz fundamental do seu programa político de luta anticapitalista e do chamado socialismo democrático. Neste mesmo campo – da supervalorização da democracia –, mas por caminhos diferentes, podemos destacar a influência recente da obra de Ellen Wood na intelectualidade de esquerda brasileira. Wood (2003) também acredita que a democracia tem uma potencialidade política capaz de abalar com golpe de morte o capitalismo; todavia, essa queda não passa necessariamente pelo socialismo (o que a distancia de Coutinho). Ela parte da premissa de que o capitalismo é, na sua essência, incompatível com a democracia. E que a crítica histórica ao capitalismo tem que ser executada com a convicção de que 27 existem alternativas, mas para realizar a crítica do capitalismo na atualidade exige-se o exame também crítico da própria tradição socialista. “O objetivo principal dessa crítica foi a transformação da ideia socialista, de uma aspiração a-histórica, num programa político baseado nas condições históricas do capitalismo.” (Wood, 2003: p. 21). A autora busca nesta crítica ao socialismo resgatar a “história que vem de baixo”, termo que toma emprestado de E. P. Thompson (1987), contra o programa de “socialismo imposto de cima” - e utilizar essa análise histórica do movimento popular para colocar a luta de classe no centro da teoria e da prática política e econômica, construindo uma tensão democrática no capitalismo a partir da liberdade do demos. Meu próprio ponto de orientação ainda é o socialismo, mas as posições e resistências são de um tipo diferente e exigem crítica específica. Se existe hoje um tema unificador entre as várias oposições fragmentadas, é a aspiração à democracia (…) democracia como desafio ao capitalismo (Wood, ibid: p. 21). Uma das partes centrais da análise de Wood é que a democracia deve ser pensada para além dos mecanismos da política e explorada sua dimensão de poder do povo sobre a dinâmica econômica. Já sugeri em várias partes desse livro que o mercado capitalista é um espaço político, assim como econômico, um terreno não apenas de liberdade e escolha, mas também de dominação e coação. Quero agora sugerir que a democracia precisa ser pensada não apenas como categoria política, mas também como categoria econômica. Não estou sugerindo apenas uma “democracia econômica” entendida como maior igualdade na distribuição. Estou sugerindo democracia como um regulador econômico, o mecanismo acionador da economia (Wood, ibid: p. 248; destaques da autora). A proposição de Wood aponta para a democracia além dos mecanismos políticos e indica-a como sistema social capaz de regular a economia não somente no seu aspecto distributivo da riqueza mas, sobretudo, na sua forma imperativa nas relações de produção. Nesses termos, a autora indica como um bom ponto de partida a associação livre de produtores diretos proposta por Marx. Segundo ela, “o melhor local para começar a busca de um novo mecanismo econômico é a própria base da economia, na organização do trabalho” (ibid: 248). Todavia, Wood chama atenção para as formas imperativas do mercado impostas a uma organização democrática de produtores diretos. Formas novas e mais democráticas de organizar o local de trabalho e as tomadas de controle por parte dos trabalhadores são objetivos admiráveis em si e a base potencial de algo mais; mas, ainda que todas as empresas 28 fossem assim tomadas, persistiria o problema de separá-las dos imperativos do mercado (ibid: 249). A perspectiva de democracia apresentada pela autora, além de resgatar a centralidade da democracia nas formas de organização política (a partir de elementos da democracia antiga, 'poder do demos', articulados às modernas estruturas da democracia), propõe a democracia como suposto mecanismo regulador da economia; desta regulação seria possível a criação de uma nova dinâmica de relações sociais que confrontaria medularmente o capitalismo. Segundo Wood, Certos instrumentos e instituições hoje associadas ao mercado seriam sem dúvida úteis numa sociedade realmente democrática, mas a força motora da economia teria de emanar não do mercado, mas de dentro da associação auto-ativa dos produtores. E se a força motivadora da economia se encontrasse na empresa democrática, nos interesses e objetivos dos trabalhadores auto-ativos, seria necessário descobrir alternativas para colocar tais objetivos e interesses a serviço da administração da economia como um todo e do bem-estar da comunidade em geral (ibid: p. 249). Nesses termos, a autora aponta a democracia como um motor capaz de produzir uma nova racionalidade e uma nova lógica econômica. Trata-se de uma democracia fundada na organização democrática da produção, o que pressupõe a reapropriação dos meios de produção pelos trabalhadores e uma disposição em constituir uma cadeia produtiva independente da dominação interna e externa exercida pelo mercado. A totalidade das teses de Wood revela, sem dúvidas, um pensamento atual e ousado. No marco das tendências de análise sobre democracia que anunciei no início desse mapeamento, tomaremos agora a vertente de esquerda e socialista que localiza a democracia no campo preciso da sua particularidade no capitalismo e suas potencialidades, ou não, nessa sociedade. As notas produzidas por José Paulo Netto sobre democracia têm receptividade naqueles setores da esquerda que realizaram um sistemático expurgo do politicismo e do economicismo presentes no marxismo da Terceira Internacional, mas que reivindicam a sua herança política para elaborar uma análise teórica e política do capitalismo. Netto (1990) referencia sua análise das conexões entre democracia e capitalismo aprofundando algumas determinações marxianas: uma primeira é que “há relações pluricausais e determinantes entre a estrutura econômica e o ordenamento político de uma sociedade historicamente situada”; uma segunda: “estas relações não se põem abstratamente (...), mas operam numa totalidade sócio-histórica cuja unidade não elide a existência de níveis e instâncias diferentes e com legalidades específicas”, ou seja, a estrutura 29 econômica, em si mesma, não constitui uma instância ontológica que exclua a dinâmica particular de outras; e uma terceira determinação: “no interior desta totalidade sócio-histórica, a rede multívoca e contraditória de mediações concretas (…) abre um leque de possibilidades para a emergência e a compatibilização de ordenamentos políticos com a estrutura econômica” (ibid: p. 71-72). Dessa forma, podemos compreender que uma dada sociedade, com uma estrutura econômica determinada, pode comportar um conjunto de ordenamentos políticos diferentes; todavia, essas alternativas políticas são limitadas. Segundo Netto, Ninguém contesta que o sistema capitalista tem produzido e articulado distintos regimes políticos, compatibilizando, é verdade que diferencialmente, seus mecanismos estritamente econômicos com formas políticas muito variadas (…). Engendra ordenamentos políticos tendencialmente autocráticos (culminando, por vezes, na instauração de formas políticas inteiramente fascistas) quanto pode integrar ordenamentos outros que não sacrifiquem necessária e substancialmente aquele elenco de direitos e garantias que foram formalizados no pensamento e na prática política da cultura ocidental desde a culminação da revolução burguesa – e que abrem a etapa da institucionalização da moderna democracia política (ibid: p. 73). A evolução da sociedade capitalista abre, nesse entendimento, a possibilidade da democracia política moderna, que nasce com a sociedade burguesa, ser absorvida como uma das alternativas de conformação política dessa sociedade. Para o autor, a democracia pode realizar-se, pois ela é a “generalização do reconhecimento social da igualdade jurídico-formal dos indivíduos e comporta a incorporação de amplos segmentos sociais nos cenários de ação e intervenção sociais” (Netto, ibid: p. 76) - e só consegue expandir-se dependendo da capacidade de mobilização organizada desses segmentos. Ou seja, a sociedade capitalista comporta o ordenamento político da democracia; todavia, a sua ampliação a outros grupos sociais que não a burguesia depende do nível de pressão que a mobilização social alcance. O autor chama atenção para o fato de que a expansão da democracia, como já foi anunciado anteriormente, esbarra no limite próprio do ordenamento econômico. Mesmo que a economia capitalista não seja excludente de modalidades políticas democráticas, estas têm um limite: a socialização dos meios de produção e da riqueza socialmente produzida. Dessa forma, para Netto, no capitalismo só há a possibilidade da realização da democracia-método. O que a análise das formações econômico-sociais capitalistas demonstra insofismavelmente é que a estrutura econômica que lhes é própria põe à democracia um limite absoluto: ela só se generaliza e universaliza enquanto não desborda para um ordenamento político que requeira uma 30 organização societária fundada na igualdade social real, ou seja, na igualdade em face dos meios de produção – a estrutura capitalista só é compatível com a democracia-método (Netto, ibid: p. 76-77; itálicos do autor). A construção de uma igualdade social real, baseada num ordenamento econômico e político alternativo ao capitalismo não pode, de acordo com Netto, suprimir da pauta socialista revolucionária a funcionalidade das exigências democráticas. Assim, a questão democrática é estrutural e deve ser compreendida como componente estratégico do movimento de luta socialista. Todavia, as exigências democráticas devem ser valorizadas, segundo ele, exatamente por essas ajudarem a romper com o mito da democracia: “Se se quiser aprofundar e implementar teoricamente o processo de transformação social radical (…) a via mais correta não consiste na apreciação da democracia tomada abstratamente como um valor em si mesmo; consiste em determinar concretamente a sua função e ponderação no curso dos processos revolucionários reais e a relação destes com os seus objetivos macroscópicos”(Netto, ibid: p. 83-84). Portanto, para o autor, a viabilidade democrática está circunscrita a mecanismos institucionais precisos e importantes que caracterizam o que ele, seguindo a Cerroni, designa por democracia-método. De outro lado, a democracia-condição social é uma inviável modalidade no capitalismo. Mas precisamente como o autor define o estatuto dessas exigências democráticas? Para Netto, Por democracia-método deve entender-se o conjunto de mecanismos institucionais que, sob formas diversas (mais ou menos flexíveis), numa dada sociedade, permitem, por sobre a vigência de garantias individuais, a livre expressão de opiniões e opções políticas e sociais; quanto à democracia-condição social, ela não é um simples conjunto de institutos cívicos, organizados num dado ornamento político, mas um ordenamento societário em que todos, a par de livre expressão de opiniões e opções políticas e sociais, têm iguais chances de intervir ativa e efetivamente nas decisões que afetam a gestão da vida social (ibid: p. 84-85; itálicos do autor). Mas é importante ainda deixar claro que, no entendimento do autor, a democracia-método é um claro instrumento – despido da vulgata instrumentalista – para que a sociedade possa acessar a democracia-condição social e ultrapassá-la qualitativamente a partir da construção de uma nova experiência social, na qual revelaria novas relações sociais. Essa é sem dúvida, na nossa avaliação, a formulação do pensamento socialista revolucionário que situa a democracia-condição social como 31 um objetivo e um meio, pois esta caracteriza uma fase claramente de transição. O que vem depois não é passível de afirmações e as especulações correm o risco das proposições utópicas. Assim, para Netto, a democracia, qualquer que seja a sua natureza, não é degradável ao estatuto de expediente tático e permutável no bojo do processo revolucionário; inserindo na totalidade deste processo as exigências democráticas para transformá-las, através de uma mudança qualitativa, em realidades democráticas de condição social, o pensamento socialista revolucionário atribui-lhe (à democracia) um valor instrumental estratégico (ibid: p.86; itálicos do autor). Dessa forma, a democracia tem no capitalismo sua forma máxima possível de socialização dos mecanismos da política, sem com isso socializar o poder político. Dados os limites que são impostos pelo ordenamento econômico capitalista, a democratização da sociedade pode tensionar essa dinâmica econômica, o que torna a democracia estratégica. Contudo, a ordem societária que pode vir a nascer da ultrapassagem do capitalismo definiria com novas tonalidades as relações sociais e essas, por sua qualidade renovada, de acordo com Netto, não seria a democracia. A quarta perspectiva que discutiremos a seguir é alinhada politicamente à esquerda e propõe a democracia como forma de “melhorar” o capitalismo conferindo-lhe “justiça social” e participação ativa popular. Mas sobre essa tendência é necessária uma explicação prévia. É inquestionável que uma perspectiva fundada no melhoramento capitalista e na justiça social tem inspiração orgânica nas ideias tradicionais e reformistas da social-democracia clássica. Entretanto, a vertente que nós pretendemos expor não está situada politicamente neste quadrante, muito menos tem apreço aos projetos de poder político – via Estado – traçados pelos sociais-democratas. Esta vertente defende a chamada democracia participativa ativa inspirada nos movimentos mundiais de resistência à globalização e que, no Brasil, é muito bem representado no Fórum Social Mundial. Dentre alguns autores desse campo, elegemos como exemplar Boaventura de Sousa Santos. Sua produção teórica, no nosso entendimento, tem ampla receptividade nos circuitos acadêmicos das ciências humanas brasileira, no movimento onguista e na ação política dos movimentos sociais que se auto-intitulam de minorias (os importantíssimos movimentos de mulheres, negro, da diversidade sexual e outros). Para pensar uma proposta de democracia, Santos (2003) parte da crítica ao que ele denomina de procedimentalismo democrático instituído nas estruturas políticas dos Estados ocidentais do norte. Para o autor, a organização democrática não pode ser um método de autorização de governos. Ela teria de ser uma forma de exercício do poder político que tem na sua base “um processo livre de apresentação de razões entre iguais” (ibid: p. 53). Desse modo, ele informa que o 32 procedimentalismo que legaliza os processos eleitorais e os níveis de poder do Estado são apenas uma esfera, e insuficiente, da dinâmica democrática. Ela carece do fortalecimento da participação e da diversidade. A recuperação de um discurso argumentativo associado ao fato básico do pluralismo e às diferentes experiências é parte da reconexão entre procedimentalismo e participação. Nesse caso, mostram-se patentemente insuficientes os procedimentos de agregação próprios à democracia representativa e aparecem em evidência as experiências de procedimentalismo participativo de países do Sul, como o orçamento participativo no Brasil ou a experiência dos Panchayats na Índia (Santos, ibid: p. 53). Assim, para o autor haveria uma reinvenção da democracia que parte dos países do Sul devido a um processo de democratização instaurado pela inserção dos movimentos sociais em práticas de ampliação do político, pela transformação de práticas dominantes, pelo aumento da cidadania e pela inserção na política de “atores sociais excluídos”. No entanto, “a redemocratização não passou pelo desafio de limites estruturais da democracia, como supunha a discussão sobre democracia nos anos 60. O que a democratização fez foi, ao inserir novos atores na cena política, instaurar uma disputa pelo significado da democracia e pela constituição de uma nova gramática social.” (ibid: p. 54). O protagonismo desses movimentos recriou a democracia e deu a ela novos significados - o que, na perspectiva de Santos, expressaria a centralidade da participação social no debate democrático, sobretudo a necessidade de construção do que o autor vai chamar de uma nova gramática social. Ou seja, o surgimento de demandas as mais diversas desses denominados pelo autor de novos atores sociais implicaria na elaboração de uma nova interlocução entre esses segmentos e o Estado, o que para ele supõe a redefinição do próprio Estado. O problema da constituição de uma gramática social capaz de mudar as relações de gênero, de raça, de etnia e o privatismo na apropriação dos recursos públicos colocou na ordem do dia o problema da necessidade de uma nova gramática social e uma nova forma de relação entre Estado e sociedade. Essa gramática implicou na introdução do experimentalismo na própria esfera do Estado, transformando o Estado em um novíssimo movimento social (Santos, ibid: p. 54). A reinvenção da democracia participativa, segundo o autor, instituiria novos processos sociais que atingiriam o Estado e reformulariam a relação Estado/sociedade. Mas, ainda nos termos 33 de Santos, isso é possível em países do Sul, que dentro da lógica hegemônica do período posterior à Segunda Guerra Mundial “não estiveram no assim chamado campo democrático” - e ele complementa exemplificando com países como Portugal, Moçambique, África do Sul, Brasil, Colômbia e outros, que não tiveram nenhuma democracia durante a maior parte do século XX ou tiveram uma variação entre democracia, autoritarismo e guerra civil. Segundo Santos, o ascenso da democracia participativa requer uma nova combinação da velha articulação entre democracia representativa e democracia participativa. De acordo com ele, existiriam duas formas possíveis de combinação entre essas duas modalidades de democracia: a primeira seria uma combinação de coexistência e a segunda seria de complementaridade – e esta é a mais propícia à participação e articulação entre os “novos segmentos políticos” e o Estado. Na primeira, a coexistência implicaria uma convivência, em diversos níveis, das diferentes formas de “procedimentalismo”, de organização administrativa e de estrutura institucional. A democracia representativa em nível nacional (domínio exclusivo em nível da constituição de governos; a aceitação da forma vertical burocrática como forma exclusiva da administração pública) coexiste com a democracia participativa em nível local, acentuando determinadas características participativas já existentes em algumas democracias dos países centrais (Santos, ibid: p. 75-76). Note-se ainda que, segundo o autor, esse formato de coexistência secciona os níveis nacionais e locais da seguinte forma: a democracia representativa seria predominante na esfera nacional e a democracia participativa predominaria na esfera local. A segunda forma de combinação, chamada de complementaridade, implicaria uma articulação mais profunda entre democracia representativa e democracia participativa. Conforme Santos (2003), essa combinação parte do e contribui para o fortalecimento dos “atores” e esferas locais de poder político, e renova completamente o padrão hegemônico de democracia dominante nos países centrais. Essa combinação (de complementaridade) pressupõe o reconhecimento pelo governo de que o procedimentalismo participativo, as formas públicas de monitoramento dos governos e os processos de deliberação pública podem substituir parte do processo de representação e deliberação tais como concebidos no modelo hegemônico da democracia. Ao contrário do que pretende esse modelo, o objetivo é associar ao processo de fortalecimento da democracia local formas de renovação cultural ligadas a uma nova institucionalidade política que recoloca na pauta democrática as questões da pluralidade cultural e da necessidade de inclusão social (Santos, ibid: p. 76). 34 Por isto, para Santos, a concepção de complementaridade implicaria uma democracia mais qualitativa, pois ampliaria a participação em nível local através das formas locais de participação direta que substituiriam esferas de deliberação e decisão que fazem parte do processo de representação. Essa alteração contribuiria, segundo ele, para ampliar a diversidade cultural e a inclusão social. Nas palavras de Santos, “tanto no Brasil quanto na Índia, os arranjos participativos permitem a articulação entre argumentação e justiça distributiva e a transferência de prerrogativas do nível nacional para o nível local e da sociedade política para os próprios arranjos participativos”(ibid: p.76). Santos conclui sustentando que o fortalecimento da democracia participativa passa pela mobilização do que ele anuncia como três teses: 1ª) pelo fortalecimento da demodiversidade. “Essa tese implica reconhecer que não existe nenhum motivo para a democracia assumir uma só forma”(ibid: p. 77); 2ª) pelo fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre local e o global. “Novas experiências democráticas precisam de apoio de atores democráticos transnacionais nos casos nos quais a democracia é fraca”(ibid: p. 77); 3ª) pela ampliação do experimentalismo democrático. “É necessário para a ampliação cultural, racial e distributiva da democracia que se multipliquem experimentos em todas essas direções”(ibid: p.78). A última vertente que nos propomos a resgatar é aquela fundada no liberalismo clássico que aparece na atualidade com diversas tonalidades, e principalmente renovada pela ofensiva contemporânea do capital trajada de neoliberalismo. Todavia, o seu núcleo central é o mesmo: uma concepção de cidadania conectada a uma determinada forma de entender a liberdade e a igualdade, e forjar uma chamada cultura pública do que seria uma sociedade democrática. Como referência desse debate na academia brasileira, e muito bem manuseado pelos cientistas políticos desse campo, escolhemos Norberto Bobbio. De acordo com o autor, para se formular uma definição mínima de democracia, o primeiro indicativo é que ela é seja contraposta a todas as formas de governo autocrático e que ela seja caracterizada por um conjunto de “regras primárias ou fundamentais” que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais “procedimentos”. Para o autor, Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas até mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isso, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para 35 todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos (Bobbio, 2000: p. 30-31). Dessa forma, para o autor, a definição das regras ganha importância central para legitimar as decisões tomadas pelo grupo que, ainda de acordo com ele, é a soma de vários indivíduos. Mas essas regras servem principalmente para definir quais indivíduos têm autorização para decidir e de que forma é organizada essa tomada de decisão. Isso indicaria, no entendimento de Bobbio, que os escolhidos como representantes do grupo têm esse poder de decidir e que, para caracterizar uma democracia, os representantes seriam um quantitativo elevado do grupo. “No que diz respeito aos sujeitos chamados a tomar (ou colaborar para a tomada de) decisões coletivas, um regime democrático caracteriza-se por atribuir este poder (que, estando autorizado pela lei fundamental, torna-se um direito) a um número muito elevado de membros do grupo” (ibid: p. 31). Todavia, esse número elevado ao qual o autor refere-se é naturalmente vago e não pode ser igual a todos do grupo, pois, para o ele, os discursos políticos estão inscritos no universo do “aproximadamente” e do “na maior parte das vezes”, e é impossível dizer que mesmo no mais perfeito regime democrático “todos” participem e votem. O autor mostra, por exemplo, que não votam os indivíduos que não atingiram uma certa idade. Nos termos de Bobbio, A onicracia, como governo de todos, é um ideal-limite. Estabelecer o número dos que têm direito ao voto a partir do qual pode-se começar a falar de regime democrático é algo que não pode ser feito em linha de princípio, isto é, sem a consideração das circunstâncias históricas e sem um juízo comparativo: pode-se dizer apenas que uma cidade na qual os que têm direito ao voto são os cidadãos masculinos maiores de idade é mais democrática do que aquela na qual votam apenas os proprietários e é menos democrática do que aquela em que têm direito ao voto também as mulheres(ibid: p. 31). A democracia, assim, é processual e gradativa e o grau maior ou menor de democracia seria medido pela inserção dos segmentos nos processos decisórios. Em se tratando das modalidades de decisão, de acordo com o autor, a regra fundamental da democracia seria “a regra da maioria”. Para que decisões sejam consideradas coletivas, elas deveriam ser aprovadas ao menos pela maioria “daqueles a quem compete tomar a decisão” e virariam normas imperativas para todo o grupo. Bobbio chama atenção, dessa forma, para a validade da decisão. Segundo ele, a decisão coletiva da maioria adquiriria uma validação legítima, sendo apenas superada pela decisão adotada por unanimidade. Mas esta, adverte o autor, só seria possível em grupos restritos ou homogêneos. Na definição de democracia de Bobbio (2000), há um outro elemento fundamental que, para ele, antecederia o processo de participação dos indivíduos na tomada de decisões e a existência de 36 regras de procedimentos baseadas na maioria. Este elemento seriam os direitos fundamentais de liberdade, que garantiriam que os indivíduos estão tomando decisões a partir de escolhas livres e possíveis. Para ele, esta é a base do Estado liberal e foi a partir dele constituído o Estado de direito. É necessário que aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. – os direitos à base dos quais nasceu o Estado liberal e foi construída a doutrina do Estado de direito em sentido forte, isto é, do Estado que não apenas exerce o poder sub lege, mas o exerce dentro de limites derivados do reconhecimento constitucional dos direitos “invioláveis” do indivíduo (Bobbio, ibid: p. 32). É evidente, nessa perspectiva, que as normas constitucionais na qual estão cristalizadas esses supostos direitos “invioláveis” não são regras da organização democrática. São pressupostos que antecedem a democracia e que definem um tipo específico de funcionamento para a sociedade e as relações sociais. Mas o último ponto que nos parece importante na análise do autor é a relação intrínseca que ele estabelece entre Estado liberal e Estado democrático. É pouco provável que um Estado não-liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um Estado não-democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que Estado liberal e Estado democrático, quando caem, caem juntos (Bobbio, ibid: p. 33). Tendo essa convicção, Bobbio afirma que liberalismo e democracia são interdependentes, pois seriam necessárias “certas liberdades” para o exercício “correto” do poder democrático - como também é necessária a democracia para garantir a existência e divulgação das “liberdades fundamentais”. Esta é precisamente a concepção de democracia que determina o ordenamento político e a relação Estado/sociedade na maior parte dos países em escala mundial. 1.2. O debate da política social O debate que apresentamos nesta parte da nossa tese sobre a política social tem uma função diferente do anterior sobre democracia, que buscou mapear algumas das principais perspectivas sobre o tema. Agora, partimos da origem da política social até os tempos atuais para resgatar a articulação fundamental entre natureza do capitalismo, papel do Estado e papel da luta de classes na emergência e ampliação/contração das políticas sociais, de modo que tal articulação é o que 37 determina o significado e a função da política social em períodos historicamente determinados. O estudo da política social, a partir dessa perspectiva, nos permite identificar sua tendência predominante e suas funções na dinâmica econômica e social da realidade brasileira nos tempos atuais e reconstruir, a partir dela, um dos fios que estabelece conexões entre a economia solidária e o Serviço Social – nosso objeto central. De pronto, é necessário dizer que analisamos a política social a partir de um mirante determinado. Buscamos tratá-la inspiradas na tradição marxista9 que a compreende – de modo muito amplo – como a expressão possível e limitada, condicionada pela dinâmica da acumulação, das modalidades de proteção social nas sociedades capitalistas. As políticas sociais expressam um contexto contraditório de disputas, pelas classes sociais, de parcelas do excedente econômico (que se exprimem em conquistas e direitos sociais), sempre condicionadas pela acumulação (cf. Netto, 1992; Behring, 1998; Behring e Boschetti, 2006). 1.2.1. Origem da política social e sua vinculação orgânica à questão social As políticas sociais e as modalidades que constituem a proteção social são respostas e formas de enfrentamento às manifestações da questão social nas sociedades capitalistas. A questão social apresenta-se historicamente através das suas refrações e os sujeitos sociais engendram formas de seu enfrentamento. Sumariamente, o surgimento da questão social é marcado pela constituição das relações de produção e reprodução social capitalistas num determinado momento histórico – justamente aquele demarcado pelos primeiros impactos da revolução industrial e da urbanização a ela conexa. Sumariamente, pode-se entender por questão social o conjunto de determinações políticas, sociais e econômicas que a emergência da classe operária acarretou - com seus movimentos de protesto contra a exploração e o pauperismo a que estava submetida - no processo de afirmação da sociedade capitalista (cf. Cerqueira Filho, 1982). A contradição entre capital e trabalho é, nesses termos, fundamental no desenvolvimento da questão social. Com este pressuposto, podemos afirmar que as respostas dadas às sequelas da questão social até o final do século XIX pelo Estado liberal capitalista foram de caráter predominantemente repressivo e atenderam apenas a demandas pontuais da classe trabalhadora, “transformando as reivindicações em leis que estabeleciam melhorias tímidas e parciais nas condições de vida dos trabalhadores, sem atingir, portanto, o cerne da questão social” (Behring e Boschetti, 2006: p. 63). Mas a própria organização da classe trabalhadora foi importante para impor mudanças ao Estado e reivindicar mais direitos, mesmo os inscritos na pauta da cidadania burguesa (cf. Coutinho, 1996). O trânsito histórico ao capitalismo dos monopólios determinou renovadas funções econômicas e políticas ao Estado burguês. E, na dinâmica contraditória que o orienta, criou condições para que 9 Não existe uma análise única e sem divergências sobre política social na tradição marxista. Mas a compreensão que apresentamos aponta apenas aspectos gerais do que seria comum a boa parte dos intelectuais desse campo. 38 ele buscasse legitimação política através de meios democráticos, o que o tornou permeável a demandas das classes trabalhadoras organizadas que conseguiram algumas respostas para atender a seus interesses e reivindicações imediatas. Na medida em que as manifestações da questão social tornam-se alvo da intervenção contínua e sistemática do Estado, são criadas modalidades de atendimento a algumas dessas manifestações e é nessa trama que se origina a política social: “É só a partir da concretização das possibilidades econômico-sociais e políticas segregadas na ordem monopólica (concretização variável do jogo das forças políticas) que a ‘questão social’ se põe como alvo de políticas sociais”(Netto, 1992: p. 25). O Estado capitalista, então, passa a realizar ações sociais de modo mais sistemático. Na análise de diferentes autores, constata-se que existem aqueles que identificam alguns elementos que demarcariam o surgimento das políticas sociais no final do século XIX. Podemos, assim, sumariar na sequência alguns desses elementos apontados por Pierson (apud Behring e Boschetti, 2006). A presença da social-democracia alemã no parlamento e nas lutas sociais colaborou para a introdução de políticas sociais orientadas pela lógica do seguro social na Alemanha, a partir de 1883. A criação dessas políticas marcou o reconhecimento público de que a incapacidade para o trabalho devia-se a contingências que deveriam ser protegidas. O desenvolvimento das políticas sociais passa a ampliar a ideia de cidadania nos marcos do capitalismo, pois começa a alcançar alguns segmentos dos trabalhadores, o que reorienta suas ações antes apenas direcionadas para a pobreza extrema; isto ficaria explícito, segundo Pierson, na mudança de relação do Estado com o cidadão em quatro direções: a) o interesse estatal vai além da manutenção da ordem, e incorpora a preocupação de atendimento às necessidades sociais reivindicadas pelos trabalhadores; b) os seguros sociais implementados passam a ser reconhecidos legalmente como o conjunto de direitos e deveres; c) a concessão de proteção social pelo Estado deixa de ser barreira para a participação política e passa a ser recurso para o exercício da cidadania, ou seja, os direitos sociais passam a ser vistos como elementos da cidadania; e d) ocorre um forte incremento público nas políticas sociais, com crescimento do gasto social (Pierson apud Behreing e Boschetti, ibid: p. 64-65). Note-se que essas referências são de todo geral, pois a forma como a intervenção estatal ocorreu nos vários países remete a determinações que vão além do jogo de interesses das forças sociais. Aquela intervenção é particularizada pela magnitude das políticas sociais, pela constituição de fundos e pelos procedimentos diversos a sua formulação e implementação. Isso impede, segundo Bhering e Boschetti, estabelecer um padrão único nesse período de emergência das políticas sociais. Mas existem iniciativas que podem ser situadas como predominantes, segundo as autoras. entre 1883 e 1914, todos os países europeus implantaram um sistema 39 estatal de compensação de renda para os trabalhadores na forma de seguros; no mesmo período, 11 dos 13 países europeus introduziram seguro-saúde e 9 legislaram sobre pensão ao idosos; e em 1920, 9 países tinham alguma forma de proteção ao desemprego (ibid: p. 67). Essas indicações nos servem para apontar características importantes que revelam o processo de emergência da política social e as formas que esta adquiriu inicialmente, ainda sob o signo do liberalismo. No último quarto do século XIX e início do século XX fica patente o enfraquecimento político do liberalismo e destaca-se, no desenvolvimento do capitalismo, seu estágio imperialista10 e o papel decisivo dos monopólios e do capital financeiro. Podemos verificar, neste período, a significação central do processo de concentração e monopolização do capital. O mercado passa a ser cada vez mais liderado por grandes monopólios que inserem na dinâmica econômica fenômenos novos: a) os preços das mercadorias (e serviços) produzidas pelos monopólios tendem a crescer progressivamente; b) as taxas de lucro tendem a ser mais altas nos setores monopolizados; c) a taxa de acumulação se eleva, acentuando a tendência descendente da taxa média de lucro e a tendência ao subconsumo; d) o investimento se concentra nos setores de maior concorrência, uma vez que a inversão nos monopólios torna-se progressivamente mais difícil; e) cresce a tendência a economizar trabalho “vivo”, com a introdução de novas tecnologias; f) os custos da venda sobem, com um sistema de distribuição e apoio hipertrofiado – o que, por outra parte, diminui os lucros adicionais dos monopólios e aumenta o contingente de consumidores improdutivos (contrarrestando, pois, a tendência ao subconsumo) (Netto, 1992: p. 16-17). De outro lado, vem ocorrendo o crescimento do movimento operário que pressionou a burguesia para o reconhecimento de direitos políticos, cívicos e sociais cada vez mais amplos. Esta luta contou com um acontecimento decisivo para determinar a amplitude das conquistas dos trabalhadores: a vitória do movimento socialista em 1917 na Rússia e o processo posterior de consolidação da revolução. A Revolução de Outubro, como também é conhecida, teve um efeito singular no movimento operário internacional, fortalecendo-o, e impôs ao capital uma posição de defensiva. Também importantes foram as mudanças no processo de produção (taylorismo, depois associado às fórmulas fordistas) que, ao mesmo tempo em que possibilitaram taxas mais altas de mais-valia, propiciaram também, contraditoriamente, maior poder coletivo aos trabalhadores, que passam a requisitar acordos coletivos de trabalho e outras garantias trabalhistas. Todo esse contexto é palco da intensificação da concorrência inter-capitalista que culminou, em vias de fato, com as duas grandes guerras em escala mundial. Estas foram expressão dos 10 Para uma análise sobre o imperialismo os estudos de Lenin são centrais (Lenin, 1981). Outras importantes contribuições são de Hilferding (1985) e Luxemburg (1984). 40 conflitos inter-imperialistas, constituindo “a forma extrema de partilhas do mundo pelas potências imperialistas” (Netto e Braz, 2006: p. 183). Esse período de desenvolvimento amplo do imperialismo foi marcado por inúmeras crises, mas nenhuma delas se compara, pelos seus impactos, à crise de 1929. A grande depressão que se iniciou em 1929 e prolongou-se até 1932 começou no sistema financeiro americano e se espalhou por todas as partes do mundo. Esta crise, que teve consequências arrasadoras, agravou ainda mais a confiança nos pressupostos econômicos liberais e obrigou os líderes capitalistas a repensar as alternativas políticas e econômicas que seriam implementadas pelas potências imperialistas. A crise de 1929 evidenciou, para os dirigentes mais lúcidos da burguesia dos países imperialistas, a necessidade de formas de intervenção do Estado na economia capitalista. Registremos: o Estado burguês sempre interveio na dinâmica econômica, “garantindo as condições externas para a produção e a acumulação capitalistas (...); mas a crise de 1929 revelou que novas modalidades interventivas tornavam-se necessárias” (Netto e Braz, ibid: p. 192). As formas de intervenção estatal que seriam necessárias não tinham, de modo algum, mais nenhum suporte teórico no pensamento liberal-conservador, para o qual o Estado deveria ser atrofiado de funções sociais e principalmente econômico, responsável apenas pela garantia dos direitos políticos e cívicos tidos como um direito natural. Neste cenário, ganha espaço uma figura central, John M. Keynes (1883-1946), e sua clássica obra publicada em 1936, Teoria Geral do emprego, do juro e do dinheiro dá suporte teórico e garante a inovação que foi requisitada pelo capitalismo monopolista. Esse contexto demarca a passagem do Estado liberal para o que será denominado de “Estado Social”11. 1. 2. 2. O keynesianismo/fordismo e a política social O período que segue do fim da Segunda Guerra Mundial até final dos anos sessenta ficou marcado no desenvolvimento do capitalismo como o dos “anos dourados” de sua expansão. Então, o capitalismo vivenciou uma fase única, na qual apresentou resultados econômicos jamais vistos na sua história. A intervenção sistemática do Estado impôs uma regulação que reduziu os impactos das constantes crises – cíclicas e inelimináveis - do capitalismo e proporcionou taxas de crescimento econômico incomparáveis. As propostas do pensamento keynesiano (que, em geral, norteou esse processo de 11 Behring e Boschetti chamam atenção para o fato de que “não existe uma polaridade irreconciliável entre Estado liberal e Estado social (...). Houve sim uma mudança profunda na perspectiva do Estado, que abrandou seus princípios liberais e incorporou orientações social-democratas num novo contexto socioeconômico e da luta de classes. (…) Não se trata, então, de estabelecer uma linha evolutiva linear (...), mas sim chamar atenção para o fato de que ambos tem um ponto em comum: o reconhecimento de direitos sem colocar em xeque os fundamentos do capitalismo” (2006: p. 63). 41 renovação) sustentavam-se centralmente na ideia de que o capitalismo não conseguiria, pela dinâmica exclusiva do mercado, se auto-regular, sendo para isso, portanto, necessários fatores extraeconômicos frear a recessão e estimular os investimentos. Segundo Sweezy (1977), mesmo não concordando com as ideias de Keynes, ele afirma que suas maiores realizações foram a libertação da Economia da tirania da lei de Say12 e a destruição do mito do capitalismo como sistema autoregulável capaz de reconciliar interesses públicos e privados. “Keynes acreditava que o incentivo a investir era, digamos, naturalmente débil e que a estrutura do sistema era de molde a permitir que um débil incentivo a investir resultaria em depressão e desemprego” (Sweezy, ibid: p. 85-86). Menos que evitar a crise, tais medidas tinham a função de amortecer seus impactos e proporcionar uma forma viável para a reconstrução europeia pós-guerra. Estas medidas foram: 1. 2. 3. 4. 5. 6. a planificação da economia, destinada a evitar os riscos das flutuações periódicas13; a intervenção na relação capital/trabalho através da política salarial e do controle de preços; a distribuição de subsídios; a política fiscal; a oferta de crédito combinada a uma política de juros; e as políticas sociais. Essas medidas, operacionalizadas pelos poderes públicos, tiveram em seu conjunto o objetivo de conter a queda das taxas de lucros e, assim, efetivar algumas estratégias para conter o ciclo depressivo e estimular o crescimento econômico. A intervenção estatal tinha um programa fundado em dois grande eixos: a) a política de pleno emprego, a partir da geração de empregos diretos na produção e nos serviços públicos; b) e a redução da desigualdade social via os chamados salários indiretos, aumentando a renda dos trabalhadores e outros segmentos por meios dos serviços públicos, dentre eles a política social (cf. Behring e Boschetti, 2006). O Estado passa a agir ativamente na administração macroeconômica, intervindo na produção e regulação das relações econômicas e sociais. Porém, se “o bem-estar ainda deve continuar sendo buscado individualmente no mercado (...) se aceitam intervenções do Estado em áreas econômicas, para garantir a produção, e na área social, sobretudo para as pessoas consideradas incapazes para o trabalho: idosos, deficientes e crianças” (id, ibid: 86). 12 13 A Lei de Say é uma norma econômica neoclássica, de autoria do economista francês Jean-Baptiste Say, que estabelece que a chamada Oferta Agregada da Economia é que determina o nível da produção.. Segundo este princípio, quando um produtor vende seu produto, o dinheiro que obtém com essa venda está sendo gasto com a mesma vontade da venda de seu produto; sinteticamente: a oferta de um produto sempre gera demanda por outros produtos. Pela lei de Say, não existem as crises de superprodução, uma vez que tudo o que é produzido pode ser consumido, já que a demanda de um bem é determinada pela oferta de outros bens, de forma que a oferta agregada é sempre igual à demanda agregada. Mas Say aceitava ser possível que certos sectores da economia tivessem relativa superprodução em relação aos outros setores, que sofressem de relativa subprodução (cf. Mauro, 1973). Não são poucos os marxistas que discordam dessa “planificação da economia” sob o comando do capital (p. ex., Mészáros, 2002); parece, todavia, que aqui não se refere a um planejamento central e global da economia, mas, antes, à determinação dos futuros fluxos de investimentos estatais que, publicizados, oferecem aos capitalistas indicações mais ou menos precisas para os seus próprios investimentos. 42 Da parte dos trabalhadores, esse período histórico do capitalismo foi um momento de intensas críticas e lutas sociais que adensaram ainda mais esse movimento de renovação do capital e lhe impuseram alguns constrangimentos. O avanço das lutas trabalhistas foi propiciado por um conjunto de fatores históricos, assim sistematizados por Netto e Braz: Três processos, todos mutuamente relacionados, conferiram bases reais e práticas a esse questionamento (do capitalismo e da ordem burguesa). De uma parte, tendo sido a força decisiva na vitória contra o fascismo, a União Soviética passou a desfrutar de grande prestígio e poder, agora não mais isolada, mas cercada por um conjunto de países que, libertados da ocupação nazista, romperam com o capitalismo e se dispuseram à experiência socialista. De outra, especialmente a Europa Nórdica e Ocidental (à exceção de Espanha e Portugal, onde as ditaduras fascistas se prolongaram até meados dos anos setenta), o movimento operário e sindical e os partidos ligados aos trabalhadores conquistaram enorme legitimidade, impondo limites e restrições efetivos aos monopólios. Nesse mesmo período, ganhou dimensão mundial a mobilização anticolonialista que, ao fim, acabou por destruir os impérios coloniais (2006: p. 196). De fato, tais processos colaboraram ativamente para que o Estado a serviço dos monopólios redefinisse seu papel em relação aos trabalhadores. Os pressupostos das orientações econômicas do Estado são agora a desoneração do capital de parte dos custos e obrigações com a preservação da força de trabalho, financiando a prestação de serviços públicos os mais diversos, que irão conformar as modalidades de políticas sociais: seguro do trabalho, saúde, educação, aposentadoria, habitação etc. Existe uma mudança fundamental, que possibilitou de fato toda essa nova dinâmica da regulação social: as significativas alterações na própria organização do trabalho industrial. Houve um expressivo desenvolvimento de novas técnicas de produção, aliadas à introdução de também novas técnicas de “gerenciamento científico”. No início do século já eram desenvolvidas algumas experiências nesse sentido nos EUA patrocinadas por F. Taylor e Henry Ford. Inicialmente, essas novas estratégias de organização do processo de trabalho foram introduzidas nas indústrias de automóveis e tornaram-se rapidamente, devido aos seus resultados tão favoráveis ao capital, o padrão produtivo dominante e generalizaram-se por todas as latitudes no segundo pós-guerra. Esta modalidade de gestão da força de trabalho designa-se, até hoje, como fordista-taylorista. Dessa forma, ao keynesianismo foram agregadas determinações estruturais que possibilitaram o que a literatura convencionou chamar de pacto-fordista. O pacto proporcionou outras condições – que Netto e Braz (2006) vão chamar de mecanismos promotores de coesão social – para viabilizar o crescimento econômico, articulando os principais atores do processo de desenvolvimento 43 capitalista. O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papeis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativas ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção (Harvey, 1992: p. 125). Para conformar essa forma de organização social, foi necessário um amplo processo de legitimação do Estado a serviço dos monopólios, e este foi possível pelo reconhecimento dos direitos sociais e a ampliação do ordenamento democrático (sob pressão dos movimentos dos trabalhadores). Essas ações tiveram como resultado a “consolidação de políticas sociais e a ampliação de sua abrangência, na configuração de um conjunto de instituições que dariam forma aos vários modelos de Estado de Bem-Estar Social” (Netto e Braz, ibid: p. 206). A ampliação das funções econômico-sociais do Estado não permite que possamos homogeneizar as modalidades de bem-estar produzidas em cada país capitalista. Não há a menor dúvida de que o modelo norte-americano tem muito pouco a ver com o modelo nórdico, e este com o da Europa meridional - para não falar das diferenças com as modalidades que foram sendo construídas em algumas periferias capitalistas. Existem muitos estudos que buscam uma uniformização delas, recobertas todas pelo grande guarda-chuva denominado Welfare State14 ou ainda tentativas de criar tipologias para definir os traços marcantes desse Estado social, como é o caso da análise de Esping-Andersen (1991). A partir dessas indicações, embora não existam sistemas de seguridade social únicos ou um modelo-padrão de Welfere State, vale a pena, por preocupação meramente expositiva, lembrar algumas classificações realizadas pelos estudos comparativos nos últimos anos. Devido à sua influência no debate sobre o tema, destacamos os esquemas elaborados por Titmus (1963) e Esping-Andersen (1991) que foram sistematizados por Fiori (s/d). Segundo Fiori, as várias experiências foram agrupadas em alguns padrões básicos, diferenciados por sua forma de financiamento, pela extensão de seus serviços, pelo peso do setor público, pela sua organização dos sistemas políticos, pela sua forma de organização institucional etc. E que podem ser assim organizadas: “a mais antiga tipologia, e talvez a mais conhecida delas, foi sugerida por Titmus, já nos anos 60”: i. "The residual welfare model of social policy", o padrão ou modelo residual, "onde a política social intervém ex-post. e possui o caráter temporalmente limitado". Seria o caso contemporâneo dos Estados Unidos. ii. "The industrial achievement performance model of social policy", em 14 Welfare State foi o termo adotado na Inglaterra para caracterizar as ações do Estado na implementação dos serviços sociais não contributivos a partir do Plano Beveridge de 1942. (cf. Marshall, 1967). 44 geral traduzido como modelo ou padrão meritocrático-particularista, onde a política social intervém apenas para corrigir a ação do mercado. “O sistema de welfare”, nestes casos, é tão-somente complementar às instituições de mercado. A Alemanha talvez fosse, hoje, o caso que mais se aproxima deste modelo. iii. "The redistributive model of social policy", ou padrão institucionalredistributivo, "voltado para a produção e distribuição de bens e serviços sociais ‘extra-mercado’, os quais são garantidos a todos os cidadãos universalmente cobertos e protegidos". Os países nórdicos e a Suécia em particular seriam os países que mais se enquadrariam neste padrão.(Fiori, ibid: p. 06). Esping-Andersen (1991) nos oferece uma outra tipologia do que ele chamou de "regimes de welfare states", que, no entendimento de Fiori, “não se distingue muito no essencial da que já havia sido proposta por Titmus”. Esping-Andersen fala de três grandes grupos e apresenta critérios essenciais de diferenciação dos seus "regimes": “a qualidade dos direitos sociais, o grau em que o sistema promove ou reproduz a estratificação social e a forma em que se relacionam, em cada um dos casos, o Estado, o mercado e as famílias” (Fiori, ibid: p. 06). Eis a tipologia de EspingAndersen: i. O "welfare state liberal", "em que predominam a assistência aos comprovadamente pobres, reduzidas transferências universais ou planos modestos de previdência social e onde as regras para habilitação aos benefícios são estritas e muitas vezes associadas ao estigma". São seus exemplos típicos: Estados Unidos, Canadá e Austrália; ii. Os "welfare states conservadores e fortemente corporativistas", onde "predomina a preservação das diferenças de status; os direitos, portanto, aparecem ligados à classe e aos status... e a ênfase estatal na manutenção das diferenças de status significa que seu impacto em termos de redistribuição é desprezível. Incluem-se aqui, como casos típicos, Áustria, França, Alemanha e Itália; iii. Os "regimes social-democratas", onde o universalismo e a desmercantilização atingem amplamente a classe média e "onde todos os segmentos sociais são incorporados a um sistema universal de seguros no qual todos são simultaneamente beneficiários, dependentes e, em princípio, pagadores". Não cabe dúvidas de que Esping-Andersen está falando aqui de um número limitadíssimo de países escandinavos.(Fiori, ibid: p. 06-07). A caracterização geral das políticas sociais e dos sistemas de seguridade social existentes (ou que existiram) em vários países capitalistas centrais nos permite afirmar que as políticas sociais 45 experimentaram, dessa forma, sua consolidação no segundo pós-guerra, tendo como fator decisivo a intervenção do Estado na regulação das relações econômicas e sociais. Mesmo que não possamos equalizar tais experiências, podemos certamente apontar que esse período foi marcado, em praticamente todos os países, pelo crescimento do orçamento público destinado ao social e pela multiplicação de programas sociais. As mudanças capitalistas que se seguem a esse período, a partir especialmente da década de setenta, revelariam o caráter episódico da generalização das políticas sociais de cariz não contributivo e universais. 1. 2. 3. Política social no neoliberalismo A passagem de finais dos anos de 1960 à década seguinte é marcada na história do capitalismo monopolista por um conjunto de crises que define a saída de uma onda longa expansiva para uma onda longa recessiva (Mandel, 1982) e impõem grandes quedas nas taxas de lucro do capital. Esta conjuntura, aliada à inflexão neoliberal que se seguiu a partir de meados e fins dos anos 1970, produziram taxas elevadas e persistentes de desemprego e índices cada vez mais crescentes de pobreza na maioria dos países capitalistas centrais, mas principalmente na periferia. Os dirigentes capitalistas puseram em movimento um rápido processo de reestruturação capitalista, que vem apresentando seu formato e suas renovadas funções nos últimos trinta anos. A ofensiva do capital é marcada pelo aprofundamento da mundialização - via financeirização - da economia global, pela reestruturação produtiva e pela adesão às orientações políticas e econômicas do neoliberalismo15. Por outro lado, o desemprego impôs aos trabalhadores uma atitude de defensiva e determinou as opções do movimento operário em ações corporativas de defesa dos trabalhadores formais. Este processo desarticulou a resistência política no campo do trabalho, que vem acumulando sucessivas derrotas. A desagregação da União Soviética e a queda do muro de Berlim demarcaram o recuo dos projetos socialistas e colaboram objetiva e subjetivamente com o enfraquecimento da resistência operária e popular. O Estado burguês, que desempenhava amplas funções na regulação das relações econômicas sociais, começa a passar por um extensivo processo de contra-reforma, na qual são redefinidas suas ações. Sua intervenção passa a ter como principal objetivo a otimização da acumulação capitalista em crise por via da desregulação e abertura ampla e irrestrita dos mercados (mercantis e financeiros), da privatização e da realocação do fundo público (Oliveira, 1998) – com grandes implicações para as políticas sociais. Não ser trata de pensarmos que, no período anterior o Estado não era o principal articulador do crescimento do capital - mas agora essas funções se exacerbam em detrimento dos direitos do trabalho. 15 Algumas particularidades do capitalismo contemporâneo serão analisadas com mais mediações na seção primeira do capítulo 2 da nossa tese. 46 Se o estado social foi um mediador ativo na regulação das relações capitalistas em sua fase monopolista, o período pós-1970 marca o avanço de ideais neoliberais que começam a ganhar terreno a partir da crise capitalista de 1969-1973. Os reduzidos índices de crescimento com altas taxas de inflação foram um fermento para os argumentos neoliberais criticarem o Estado social e o “consenso” do pós-guerra, que permitiu a instituição do Welfare State (Behring e Boschetti, 2006: p. 125). O neoliberalismo é, em primeiro lugar, uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que a melhor satisfação dos indivíduos é provida pela liberação das capacidades empreendedoras individuais a partir de direitos naturais fundamentais: direito à propriedade privada, ao livre comércio e ao livre mercado. E o papel do Estado seria garantir e criar uma estrutura institucional adequada a essas práticas. Dessas funções do Estado deduz-se um suposto “Estado mínimo”, mas a realidade mostra que há um grande abismo entre as elaborações teóricas e a prática que vem operando. “O caráter geral do Estado na era da neoliberalização é de difícil descrição (...) tornam-se rapidamente evidentes desvios do modelo da teoria neoliberal” (Harvey, 2008: p. 80). Nos termos de José Paulo Netto, o “neoliberalismo é o capital sem controles sociais mínimos”. A estrutura do financiamento e dos gastos públicos no período de hegemonia neoliberal produziu um aumento de impostos regressivos para o capital e, para os trabalhadores, de impostos indiretos para a classe trabalhadora e há redução de gastos com as políticas sociais, sem ter sido retomado o crescimento econômico do período anterior. Tais medidas agravam as desigualdades sociais e a concentração de riqueza socialmente produzida. Essas realidades não são alteradas na década de 1990 e início do século XXI. Mas o que se obteve foi uma recuperação das taxas de lucros dos grandes monopólios. A reestruturação produtiva, as alterações na organização do trabalho e a hegemonia neoliberal têm provocado importantes reconfigurações nas políticas sociais. Além das tendências apontadas anteriormente, a expansão de programas de transferência de renda marca mais um traço da orientação neoliberal para as políticas sociais nos últimos anos. No final da década de 1980, as políticas neoliberais foram adotadas não apenas pela social-democracia que predominava em alguns países capitalistas centrais (europeus), como em muitos países periféricos e pelos Estados póssocialistas emergentes no Leste europeu e marca a estagnação ou redução dos gastos sociais. Alguns países europeus e os países periféricos, na sua maioria, instituíram essa modalidade (transferência de renda) de política social. Stein apud Behring e Boschetti (2006) nos oferece uma caracterização geral desses programas: • são condicionados à situação de ausência ou baixa renda; • são completivos ou substitutivos dos salários; 47 • possuem abrangência nacional e são regulamentados em lei nacional; • os beneficiários devem ter acima de 18 anos e devem comprovar cidadania ou residência legal no pais; • os beneficiários devem mostrar disposição para inserção econômica e ou social em alguma atividade ligada a qualificação profissional ou atividade de trabalho; • o financiamento é de responsabilidade, em geral, compartilhada entre governo federal, estados e municípios; • são permanentes e assegurados a partir de critérios objetivos (ibid: p. 133-134). As tendências contemporâneas da política social apontam nitidamente para um processo de contração quantitativo e qualitativo. A reestruturação capitalista em curso imprime nas políticas sociais características muito particulares, como a restrição, a seletividade e a focalização, “rompendo um ciclo de ampliação de direitos e proteção social criados no desenvolvimento capitalista” (Behring e Boschetti). A neoliberalização política, econômica, social e cultural não foi capaz de resolver a crise do capitalismo nem alterou os índices da recessão nos termos propostos. As medidas implementadas – provocando aumento do desemprego, destruição dos postos de trabalho não-qualificados, redução dos salários devido ao aumento da oferta de força de trabalho e redução de gastos com as políticas sociais – tiveram vários efeitos devastadores, mas o principal sem dúvida foi a degradação do padrão de vida dos trabalhadores. O processo de neoliberalização, no entanto, envolveu muita “destruição criativa”, não somente dos antigos poderes e estruturas institucionais, mas também das divisões do trabalho, das relações sociais, da promoção do bem-estar social, das combinações de tecnologias, dos modos de vida e de pensamento, das atividades reprodutivas, das formas de ligação à terra e dos hábitos do coração. (Harvey, 2008: p. 13). A destruição de que nos fala Harvey cria, tendo em vista a recuperação da rentabilidade do capital e do aumento da intensificação do trabalho, a recomposição da superpopulação relativa submetida a um quadro de insegurança constante que diz respeito à sua própria existência. Mas é importante destacar que não há uma eliminação das funções sociais do Estado; trata-se da sua refuncionalização, que implica na apropriação quase exclusiva dos mecanismos de regulação econômica pelo grande capital. E quais são as alternativas apresentadas para tratar com as refrações da questão social? O desemprego e a pobreza – que são derivações diferentes do mesmo processo – serão objeto de intervenção da ação pública e privada determinada por novas funções com ênfase no voluntariado, nas organizações não-governamentais, nas empresas privadas ditas não lucrativas (fundações) e de responsabilidade social (cf. Montaño, 2002). 48 Entretanto, existe ainda, no nosso entendimento, a proliferação de um conjunto de medidas emergenciais que o Estado brasileiro (nos seus níveis federal, estadual e municipal) vem desenvolvendo para atender aos desempregados e aos pobres. Essas políticas emergenciais somaram-se e fundiram-se, em alguma medida, com diversas modalidades associativas espontâneas surgidas no movimento popular e vêm formando nas duas últimas décadas um movimento heterogêneo de experiências concretas sob o leque genérico chamado de “economia solidária”. Esta é a forma que vincula política social no capitalismo contemporâneo e economia solidária sobretudo porque, se, de um lado, os “inválidos para o mundo” necessitam de uma forma de amenizar seus problemas de sobrevivência imediata, do outro “os donos do mundo” precisam suavizar os efeitos da questão social e garantir que a barbárie não chegue a níveis insuportáveis. Como anunciamos no início dessa análise sobre a política social, o posicionamento teórico e político de que compartilhamos é uma das perspectivas – obviamente a não hegemônica – que vem se dedicando a estudar esse fenômeno ao longo do século XX e início do XXI. Existem outras perspectivas que partem de entendimentos os mais diversos (a política social seria uma evolução linear na aquisição de direitos de cidadania burguesa; ou ela seria uma concessão exclusiva do Estado que busca cumprir sua função natural de reger a coisa pública; dentre outras) e por isso identificam as novas orientações para a política social, e para o conjunto de modalidades de combate ao desemprego e à pobreza que a ela se vinculam, como formas necessárias de adquirir mais eficiência e efetividade na alocação do fundo público, visto que o Estado tornou-se “pesado” e “sobrecarregado”, gerando ineficiência, burocracia e morosidade na gestão da política pública. Essas vertentes de análise (todas elas) gozam de alguma receptividade nos circuitos políticos, acadêmicos e profissionais. No caso particular do Serviço Social, percebemos a ampla difusão dessas perspectivas tanto no campo teórico quanto prático, que propiciam uma grande apropriação por parte dos assistentes sociais de preocupações teóricas, políticas e profissionais em torno da temática da proteção social e das modalidades atuais de política social. Mas existe, na atualidade no Serviço Social, um contraponto claro entre duas vertentes: a primeira, na qual nos inserimos, compreende a “política social como expressão possível e limitada de produção de bemestar nas sociedades capitalistas no contexto de acumulação do capital” (Behring e Boschetti, 2006); e uma segunda, para a qual a “política social destina-se a garantir o direito social, a promover a igualdade de oportunidades e a proteger os grupos vulneráveis” (Draibe, 2003). Nesta polarização de perspectivas, ganha destaque a tese de Mota (2008), apontando que vem ocorrendo um processo de “assistencialização da política social” - apesar desta tese ser uma chave analítica muito interessante, não nos ateremos especificamente a ela. O fato que, a esta altura, queremos destacar é que, havendo alterações no significado e nas funções da política social – inclusive com a criação de modalidades renovadas, como é o caso, em 49 nosso entender, da economia solidária –, e se a política social é “base profissional-funcional do Serviço Social” (Montaño, 2000), certamente tais alterações impactam o universo ídeo-político e teórico-prático do Serviço Social. Então, os temas e experiências vinculadas a todo esse caldo político, econômico, social e cultural produzido no seio da ofensiva neoliberal, haverão de incidir, através de várias mediações, com efeitos similares tanto na economia solidária como no Serviço Social. 1. 3. O debate da questão social Os estudos realizados pelos diversos segmentos profissionais sobre a “questão social” 16 são, certamente, um dos eixos centrais que balizam a produção teórica do Serviço Social nas últimas três décadas. Há um conjunto de análises ao longo desse período que consubstanciam, hoje, as concepções de Serviço Social que disputam a hegemonia junto à categoria profissional e, justificadamente, uma parte delas vem dando a tônica e direcionamento crítico aos debates profissionais. A produção do Serviço Social sobre a questão social tem um fôlego proporcional à importância que lhe é conferida e à sua diversidade de formulações. De um lado, o processo de renovação profissional – que inaugurou a centralidade da questão social na pesquisa e na formação acadêmica no Serviço Social –, lhe conferiu solidez analítica; de outro, a elaboração de pesquisadores e docentes brasileiros do Serviço Social criou um leque de estudos com inspirações teóricas diferentes, e por vezes colidentes, sobre o tema. Todavia, há uma tendência comum: localizá-la inscrita na dinâmica da sociedade capitalista, o que não qualifica em si a análise. Destacamos os autores que mais representam esse conjunto plural e heterogêneo de análises no debate e buscamos construir um roteiro que nos sinaliza onde e porquê o Serviço Social tem oferecido aporte teórico, político e prático aos modelos de organização social forjados no debate contemporâneo da economia solidária. De modo necessariamente esquemático, fizemos um apanhado das análises e formulações sobre a questão social que autores e pesquisadores desenvolveram nos últimos anos, sem, todavia, ter alguma pretensão de exaurir o seu pensamento. 1. 3. 1. A origem da questão social Os estudos e análises sobre a questão social no Serviço Social tendem a partir de um ponto inicial, que localiza e contextualiza a compreensão da produção da questão social na sociedade 16 Como a categoria “questão social” é estranha, na sua origem, ao universo teórico marxista, e possui até hoje compreensões diferenciadas, utilizamos aqui as aspas na sua grafia inicial, o que não ocorrerá ao longo do nosso trabalho. 50 capitalista. Dito de outra forma, os autores selecionados entendem que a sociedade capitalista é a formação histórica precisa que produz esse fenômeno social (a questão social) e, assim, identificam nela sua gênese. A despeito de existir na produção teórica da profissão aquelas tendências que identificam a questão social como um produto transistórico, o debate da questão social no capitalismo é o predominante. Localizamos três tendências explicativas da origem da questão social: 1ª) identifica sua produção vinculada à acumulação capitalista, tal como exposto por Marx no capítulo XXIII (Lei geral de acumulação capitalista) d'O Capital; 2ª) inscreve sua produção exclusivamente no processo de politização das necessidades e carências sociais dos trabalhadores, por meio dos embates políticos; 3ª) sua produção é resultado da desigualdade social resultante da sociedade de classes e equalizada genericamente à pobreza e à “exclusão social”. Passamos, a seguir, à análise dessas tendências, mas preliminarmente lançaremos mão da esclarecedora reconstrução, feita por Netto, do deslocamento do termo questão social – estranha inicialmente ao universo categorial da teoria social de Marx – para o universo teórico e político dos revolucionários. De acordo com Netto (2001), existem aspectos histórico-teóricos centrais para o estudo da questão social e sua interpretação no Serviço Social. O autor afirma que – na sua origem – a questão social está ligada ao fenômeno do pauperismo, resultado do primeiro movimento de industrialização na Inglaterra no final do século XVIII. Esta pobreza é vista pelos críticos da sociedade capitalista em crescimento como a resultante de um processo novo e em curso. Netto destaca essa particularidade de modo a centrar-se no caráter novo desta pobreza. Pela primeira vez na história, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a sociedade se revelava capaz de progressivamente produzir mais bens e serviços, tanto mais aumentava o contingente de seus membros que, além de não ter acesso efetivo a tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições materiais de vida de que dispunham anteriormente (id. ibid: p. 42-43). A dinâmica contraditória da questão social se mostra logo como traço próprio do crescimento do capitalismo (neste momento inicial, apenas na sua fase de produção de pobreza absoluta). E proporciona aos sujeitos que realizavam uma determinada crítica social (os reformadores sociais) a possibilidade de condenar politicamente o aumento do pauperismo. Netto analisa assim essa contradição. Se, nas formas de sociedade precedentes à sociedade burguesa, a pobreza estava ligada a um quadro geral de escassez (quadro em larguíssima medida determinado pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais e sociais), agora ela se mostrava conectada a um quadro geral tendente a reduzir com força a situação da escassez. Numa palavra, a 51 pobreza acentuada e generalizada no primeiro terço do século XIX – o pauperismo – aparecia como nova precisamente porque ela se produzia pelas mesmas condições que propiciavam os supostos, no plano imediato, da sua redução e, no limite, da sua supressão(ibid: p. 43). A produção da riqueza na sociedade burguesa está, de acordo com a análise de Netto, ligada medularmente à produção exponenciada da pobreza, que resultou, em primeiro plano, em protesto e contestações as mais diversas à florescente sociedade burguesa. A efervescência fruto desse movimento se representou na aparição das protoformas do movimento operário e no surgimento da denominação questão social. “A designação desse pauperismo pela expressão 'questão social' relaciona-se diretamente aos seus desdobramentos sócio-políticos”(id, ibid). Os protestos dos pauperizados e suas resultantes políticas configuraram-se, naquele momento, como uma ameaça real às instituições sociais existentes. “Foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como 'questão social'”(id, ibid). Entretanto, o autor destaca que a expressão questão social deixa de configurar o universo intelectual comum dos críticos da pobreza, para orbitar, mesmo que paulatinamente, no vocabulário do pensamento conservador. A Revolução de 1848 irrompe com eventos que encerram o ciclo progressista da burguesia e obriga aos intelectuais a ela vinculados a atuar na defesa da ordem burguesa. A questão social passa a ser naturalizada e vai perdendo toda e qualquer contextualização histórica determinada. Netto destaca que as manifestações da questão social passam a ser vistas, pelo pensamento conservador, “como o desdobramento, na sociedade moderna (leia-se: burguesa), de características inelimináveis de toda e qualquer ordem social, que podem, no máximo, ser objeto de uma intervenção política limitada (preferencialmente com suporte ‘científico’), capaz de amenizá-las e reduzi-las através do ideário reformista”(ibid: p. 44). O movimento que é inerente à produção capitalista passa a ser, na ordem burguesa, naturalizado, e o pensamento conservador, na medida em que naturaliza a questão social e as suas manifestações, também moraliza o trato e as intervenções junto a estes segmentos. De fato, no âmbito do pensamento conservador, tanto o laico quanto o confessional, a ‘questão social’, numa operação simultânea à sua naturalização, é convertida em objeto de ação moralizadora. E, em ambos os casos, o enfrentamento das suas manifestações deve ser função de um programa de reformas que preserve, antes de tudo e mais, a propriedade privada dos meios de produção (id, ibid: p. 44). O resultado desta operação é a tentativa de blindar e preservar a sociedade burguesa e os fundamentos da exploração, para que não haja questionamentos à ordem estabelecida e, através da manipulação das manifestações da questão social, pouco se altera para nada mudar. Esse é o movimento clássico do conservadorismo. A análise de Netto sobre isso é precisa: o cuidado com as manifestações da questão social é expressamente 52 desvinculado de qualquer tendência a problematizar a ordem econômicosocial estabelecida; trata-se de combater as manifestações da ‘questão social’ sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. Tem-se aqui, obviamente, um reformismo para conservar (ibid: p. 44). Segundo Netto, o caldeirão de 1848 não resultou somente na regressão ideológica, cultural e política da burguesia, mas serviu, mais que tudo, para alterar a cultura política do movimento operário. Torna-se perceptível para a classe trabalhadora o antagonismo de classes e, certamente, o protagonismo da burguesia na manutenção da ordem social17. Dessa forma, a expressão questão social passa a ser identificada pelo pensamento revolucionário como uma verberação da ideologia conservadora e começa a utilizá-la para destacar o caráter mistificador da sociedade burguesa. Mas Netto chama atenção de que consciência política é diferente de compreensão teórica: somente alguns anos mais tarde é que o movimento operário teria instrumentos teóricos e metodológicos para apreender “a gênese, a constituição e os processos de reprodução da 'questão social'” (id, Ibid). Foi a partir dos trabalhos de Marx e Engels sobre o processo de produção capitalista, especialmente O Capital de Marx, publicado em 1867, que se puseram precisamente os elementos teóricos da dinâmica da questão social e ficou patente para a classe trabalhadora que não se suprime a questão social conservando o capitalismo. O caminho que acabamos de percorrer nos apresenta, exclusivamente, o percurso histórico do início da designação questão social, a partir da análise de Netto (ibid); cabe agora analisar como é possível desvelar o mecanismo de produção da questão social e, consequentemente, os mecanismos da exploração capitalista – e, a partir daí, confrontar as análises produzidas no Serviço Social. A primeira tendência que anunciamos inicialmente – que identifica a produção da questão social vinculada à acumulação capitalista – sustenta que a origem da questão social está ligada ao fenômeno da superpopulação relativa, já emergente quando do primeiro movimento de industrialização na Inglaterra no final do século XVIII. Segundo essa tendência, a análise marxiana da lei geral da acumulação capitalista, operada n’O Capital, desvela o processo de reprodução ampliada do capital e de produção exponenciada da pobreza. A constituição historicamente determinada de um novo modo de produção, o capitalismo, revela a estrutura contraditória do seu sistema, pois o mesmo mecanismo que produz a riqueza social e a exacerbação da acumulação gera um contingente de trabalhadores supérfluos para o capital. De acordo com um dos autores que representa essa tendência, a novidade que é posta nessa dinâmica é a exploração do trabalho. “A análise de conjunto que Marx oferece n'O Capital revela, luminosamente, que a 'questão social' está elementarmente determinada pelo traço próprio e 17 Recorde-se que é concomitante aos processo de 1848, em nível histórico-universal, a passagem do proletariado de “classe em si” a “classe para si” – passagem que permite às vanguardas trabalhadoras acederem à consciência de que a questão social está colada à sociedade burguesa, e que somente a eliminação desta leva à supressão daquela. 53 peculiar da relação capital/trabalho – a exploração” (Netto, ibid: p. 45). Quando a composição do capital mantém-se inalterada, na primeira fase do desenvolvimento capitalista, o aumento do capital se dá ou pelo aumento do número de capitalistas que competem entre si ou pelo número absoluto de trabalhadores assalariados sob o comando do capital. Entretanto, o poder de acumulação do capital não está em ter muitos trabalhadores sob seu mando, mas precisamente pela capacidade constante do capital de aumentar a produtividade do trabalho a partir de processos resultantes da divisão técnica do trabalho e o incremento constante de tecnologia e da ciência. A incorporação de novas formas de produção – grande indústria – altera a relação entre trabalho vivo e trabalho morto empregada em cada processo produtivo e, dessa forma, altera a composição orgânica do capital. O contingente de trabalhadores que são expulsos do processo produtivo vai formar as fileiras da pobreza. Outra pesquisadora que se vincula a essa primeira tendência e explica o processo de produção da superpopulação relativa é Iamamoto18 Segundo a autora, A incorporação por parte dos empresários capitalistas dos avanços técnicos e científicos no processo de produção (no sentido lato, englobando, produção, distribuição, troca e consumo) possibilita aos trabalhadores, sob a órbita do capital, produzirem mais em menos tempo. Reduz-se o tempo de trabalho socialmente necessário à produção das mercadorias, ou seja, o seu valor, ampliando simultaneamente o tempo de trabalho excedente ou mais-valia. Em termos da composição de valor, reduz-se relativamente o capital variável – empregado na força de trabalho – e aumenta-se o capital constante, empregado nos meios materiais de produção. […] Assim, o processo de acumulação produz uma população relativamente supérflua e subsidiária às necessidades médias de seu aproveitamento pelo capital. […] Gera, assim, uma acumulação da miséria relativa à acumulação da miséria relativa à acumulação do capital, encontrando-se aí a raiz da produção/reprodução da questão social na sociedade capitalista. (Iamamoto, 2001: p. 14;. itálicos do original). Mota, em recente debate sobre a questão social, ratifica essa perspectiva da origem da questão social e também vincula-se, assim, à primeira tendência apontada: “Quero sustentar que, em minha análise, a questão social apresenta-se como um problema real […]. Os fundamentos teóricos da posição aqui sustentada encontram-se em Marx, No capítulo XXIII do livro primeiro de O Capital, quando discorre sobre a lei geral da acumulação capitalista” (Mota, 2008: p. 37). Para Mota, questão social é uma problemática que se funda no mecanismo de produção da acumulação 18 A Prof.ª Marilda Iamamoto vem se dedicando a analisar o processo de produção da questão social no capitalismo e, de fato, foi a primeira a relacionar Serviço Social e questão social numa perspectiva crítica marxista no seu livro “Relações Sociais e Serviço Social” de 1982, redigido com Raul de Carvalho. 54 capitalista e de produção da superpopulação relativa, ou seja, da exploração do trabalho. A segunda tendência que identificamos – que inscreve a produção da questão social exclusivamente ao processo de politização das necessidades e carências sociais dos trabalhadores, por meio dos embates políticos – está presente na produção de alguns autores do Serviço Social, mas é na elaboração de Pereira que ganha mais sofisticação e visibilidade. De acordo com Pereira, o conceito de questão social sempre expressou a relação dialética entre estrutura e ação, na qual sujeitos estrategicamente situados assumiram papeis políticos fundamentais na “transformação de necessidades sociais em questões” (Pereira, 2001: p. 51) ou, em outras palavras, questões sociais politizadas. Tais ações políticas se realizavam com vistas a que aquelas necessidades fossem integradas à agenda pública para, a partir daí, ganhar dimensões também nos espaços decisórios. Dessa forma, para a autora, as mudanças contemporâneas produziram um desafio renovado para a articulação de atores políticos estratégicos e já que os riscos e as necessidades atuais ainda carecem de efetiva explicitação e de problematização por tais atores, dá-se uma inviabilização da produção contemporânea da questão social. Pereira indaga: “Será que não estaríamos diante de uma questão latente que, apesar de inscrita na contradição fundamental do sistema capitalista – a contradição entre capital e trabalho –, ainda não foi explicitada, dada a posição profundamente desigual dos setores progressistas na atual correlação de forças? Tudo indica que sim” (ibid: p. 51, itálicos do original). É evidente para a autora que, num contexto político de fraca articulação e pouco impacto dos poderes populares, as necessidades destes não adquirem dimensão pública e política - logo, não se tornam questão social e não são objeto da ação social do Estado. Por falta de forças sociais com efetivo poder de pressão para fazer incorporar na agenda pública problemas sociais ingentes, com vista ao seu decisivo enfrentamento, entendo que temos pela frente não propriamente uma “questão social” explícita, mas uma incômoda e complicada “questão social” latente, cuja explicitação acaba por torna-se o principal desafio das forças sociais progressistas (Pereira, ibid: p. 52; itálicos do original). Para a autora, a dimensão e a profundidade dos problemas que são postos na atualidade à sociedade (como, por exemplo, o desemprego estrutural) não permitiram ainda articular um “ethos unificado, a partir do qual atores sociais estratégicos possam efetivamente se posicionar e impor os interesses das classes subalternas” (ibid: p. 53). Nesses termos, no entendimento de Pereira, a realidade carece de problematização para que os problemas possam ser transformados em questões explícitas, o que remete sua produção ao processo de politização das necessidades coletivas. Nos termos da autora: Os problemas atuais – tal como aconteceu com a alienação do trabalho e a 55 pauperização do proletariado que, no século XIX, esteve na base da questão social – são produtos da mesma contradição que gerou essa questão, mas que, contemporaneamente, ainda não foram suficientemente politizados. Donde se conclui que a “questão social” não é sinônimo da contradição capital e trabalho e entre forças produtivas e relações de produção – que geram desigualdades, pobreza, desemprego e necessidades sociais –, mas de embate político, determinado por essas contradições. (Pereira, ibid: p. 54). A organização dessa tendência aposta que a questão social só adquire tal corporificação na medida que as classes subalternas e as forças políticas progressistas produzem um movimento amplo de politização das necessidades sociais e criam, dessa forma, um embate político inconteste com os interesses dos grupos sociais dominantes, tornando as necessidades sociais uma questão social explícita. A terceira tendência que destacamos – que identifica a produção da questão social como resultado da desigualdade social, equalizando-a genericamente à pobreza e à “exclusão social” – é sem dúvida a que mais reverbera nas produções teóricas voltadas à intervenção profissional. Apesar do número significativo de trabalhos neste campo, não elegemos representantes específicos a que possamos atribuir-lhes a maternidade desta tendência 19, mas identificamos que esta tem penetração corrente nos escritos do serviço social. É importante afirmar inicialmente que esta tendência pouco se dedica a tratar do fenômeno da questão social enquanto seu objeto de estudo privilegiado – o que poderia inicialmente justificar a superficialidade com que se apropria do tema. Mas o que dá a tônica nesta vertente são as pesquisas e elaborações sobre a pobreza e a chamada “exclusão social”. Observa-se, no conjunto dessa tendência, que a referência à questão social é apenas um ponto de partida que, exposto genericamente, serve para afirmar que a pobreza tem determinações econômicas, políticas e culturais. Note-se, ainda, que para os trabalhos que estão contidos nessa tendência, de modo geral, a questão social está inscrita no contexto da desigualdade social, especialmente o aspecto de distribuição desigual da riqueza produzida; por isto, ela acaba por atribuir a desigualdade a apenas seu aspecto mais perceptível, que se localiza na distribuição social – com isto, apaga da trama social a produção capitalista como elemento gerador de tal desigualdade. Assim, somente o aspecto da divisão da sociedade em classes seria suficiente, nos seus termos, para deduzir a base desigual de 19 Diferente das tendências anteriores, nas quais são claramente perceptíveis suas características na produção de autores bem determinados, principalmente porque ao derivarem a questão social das relações sociais capitalistas, precisam necessariamente expor seus fundamentos para justificar-se, esta última tendência – que equaliza questão social à pobreza e à exclusão social - carece de fundamentação nos processos sócio-históricos da ordem social vigente, e na tentativa de fazê-la, remete à indicação abstrata do capitalismo, sem ater-se às suas particularidades tanto na esfera da produção quanto da distribuição. Pela sua condição desreferenciada da dinâmica real capitalista, esta terceira tendência remete-se à questão social de modo parcial e abstratamente. Para sua para sua melhor caracterização e identificação nesta tese, ela requereria um estudo específico, detalhado e aprofundado sobre o problema, o que nos desviaria do objeto da nossa pesquisa - a economia solidária e o Serviço Social. 56 acesso à riqueza na sociedade capitalista; dito de outra forma: é a divisão em classes que determinaria a desigualdade social e a existência da questão social na sociedade vigente, deixando completamente na sombra o fato de que a novidade da ordem burguesa não é a divisão da sociedade em classes, mas o aspecto social da produção que contrasta com o aspecto privado do controle da riqueza. A ênfase que esta tendência dá à questão da distribuição da riqueza – enquanto processo que determina a questão social – a leva à conclusão de que dessa desigual apropriação da riqueza desenvolve-se um circuito próprio da sociedade capitalista que seria a exclusão social. Nesse entendimento, seria a natureza excludente da sociedade capitalista o substrato que produz a questão social e determina a sua expressão factual: a pobreza. A apresentação dessas três tendências identificadas na produção do Serviço Social sobre a origem da questão social revela que, se suas premissas têm um ponto de partida comum, a sociedade capitalista, sua análise sobre o desenvolvimento dessa sociedade comporta determinações muito distintas, principalmente se confrontadas ao universo categorial da obra marxiana. Mas essa exposição nos exige um rápido confronto e análise de tais tendências. A tradição marxista, e até mesmo alguns marxólogos, são unânimes em afirmar que o traço inconteste que particulariza a relação capital e trabalho no modo de produção capitalista é a exploração. Mas não se trata de uma forma geral de exploração, pois essa existiu em formações históricas anteriores ao capitalismo, como, por exemplo a exploração que os senhores feudais impunham aos seus servos no feudalismo. A exploração revelada por Marx n'O Capital está ligada intimamente à distinção ele elabora entre capital constante e capital variável e nos permite entender o mecanismo da exploração como fundante da acumulação (cf. Mclellan, 1974). Na sociedade capitalista, a diminuição da exploração não mais implica, como em regimes anteriores, a diminuição da produção da riqueza, pois, ao analisar com esses novos determinantes a composição orgânica do capital, Marx apresenta a tendência de ampliação do capital constante e diminuição do capital variável, o que imprime à produção o incremento de tecnologia com redução de força de trabalho e particulariza o processo de acumulação. Assim, no capitalismo, riqueza e exército industrial de reserva são produzidos no mesmo processo, a partir de um renovado mecanismo de exploração do trabalho. Netto analisa essa questão: o que é distintivo desse regime [capitalista] é que a exploração se efetiva num marco de contradições e antagonismos que tornam, pela primeira vez na história registrada, suprimível sem a supressão das condições nas quais se cria exponencialmente a riqueza social. Ou seja, a supressão da exploração do trabalho pelo capital, constituída a ordem burguesa e altamente desenvolvidas as forças produtivas, não implica – bem do contrário – redução da produção de riquezas. (2001: p. 46). 57 Para nossos interesses, importante apontar com precisão o lugar que a exploração ocupa na dinâmica da sociedade capitalista para revelar, dessa forma, que é exatamente este processo que produz a questão social e confere a ela uma radicalidade histórica, pois questão social no capitalismo não são somente desigualdades e privações que advêm da escassez, mas desigualdades e privações resultantes da escassez produzida socialmente, ou seja: as relações sociais de produção – baseadas na apropriação privada dos meios de produção e na destinação decidida privadamente do excedente – são contraditórias com a base socializada das forças produtivas. Desta forma, a produção da questão social não é, como acredita a terceira e última tendência exposta, o resultado apenas da desigualdade que advém da distribuição desigual da riqueza, mas, sobretudo, é expressão da desigualdade que se origina na forma própria do modo de produção do sistema capitalista. Pois a particularidade da produção da questão social não reflete apenas a pobreza como carência, seja ela material, cultural ou política, como nos indica esta vertente, proveniente da má distribuição da riqueza, mas, especialmente, pela impossibilidade, neste sistema, de o produtor direto ser possuidor dos meios para a produção da riqueza social e de determinar a destinação e alocação do excedente. Como o demonstram, entre outros, Iamamoto (2001), Netto (2001) e Mota (2008), é precisamente este o fundamento de produção da questão social – ainda que estes autores não coincidam inteiramente no trato dos seus desdobramentos e nas propostas de seu enfrentamento. Mas voltemos à segunda tendência que sinalizamos, com destaque para a elaboração de Pereira (2001). É certo que a autora conhece as bases em que assenta o processo de acumulação capitalista – e a particularidade que a relação de exploração entre capital e trabalho implica –, mas Pereira identifica apenas no processo de politização e de enfrentamento político o mecanismo que produz a questão social. É evidente que o processo de saturação de multicausalidades, sejam elas políticas, históricas ou culturais, qualifica e enriquece a análise da questão social produzida na sociedade capitalista, porque a questão social tem que ser apreendida como uma problemática na qual incidem incontestes determinações. Porém, o seu aspecto fundador tem suporte na estrutura própria da acumulação do capital. Dito de outra forma, sua base ontológica tem registro preciso no processo de exploração típico da ordem capitalista. Isso não quer dizer que, identificada a sua gênese, está revelada sua complexidade. Mas quer dizer que se sua origem não está devidamente localizada, a incorporação de outras determinações obscurece mais do que explica a sua base. A exploração, todavia, apenas remete à determinação molecular da “questão social”; sua integralidade, longe de qualquer unicausalidade, implica a intercorrência mediada de componentes históricos, políticos, culturais etc. Entretanto, sem ferir de morte os dispositivos exploradores do regime do capital, toda luta contra as suas manifestações sóciopolíticas e humanas (precisamente o que se designa por “questão social”) 58 está condenada a enfrentar sintomas, conseqüências e efeitos (Netto, ibid: p. 45-46). A apreensão da totalidade da questão social é fundamental, mas autonomizar expressões importantes como os desdobramentos políticos do embate entre as classes entifica e mistifica os desdobramentos para o seu correto enfrentamento. E quando essa questão central é remetida à dinâmica do Serviço Social, o trabalho profissional inscreve-se exclusivamente na reprodução da questão social. Dessa forma, quando Perreira nos indica que o processo de embate político entre as forças sociais está desigual – não pende para o lado dos setores progressistas – por que falta conhecer melhor o conjunto de problemas e necessidades sociais para que seja possível construir uma unidade social para seu enfrentamento, alerta-nos corretamente para a problemática de que o enfrentamento contemporâneo da questão social requer a saturação de causalidades que se puseram somente na fase atual do capitalismo dos monopólios – como, por exemplo: a mundialização financeira do capital e a flexibilidade com que isso se traduz nos processos reais de produção do valor. O que não nos parece correto na análise da autora é deduzir desse enfraquecimento das classes subalternas a ausência de suficiente politização da questão social e, consequentemente, da não explicitação dela como tal. No nosso entendimento, o arrefecimento pelo qual passa o conjunto das lutas sociais de resistência da classe trabalhadora tem variados determinantes, o que não nos leva a concluir que falta a politização das necessidades e problemas sociais contemporâneos. É precisamente a ofensiva política do capital no processo de embates na luta de classes que vem impondo sucessivas derrotas às classes trabalhadoras. Dessa forma, do ponto de vista teórico, é necessário analisar o capitalismo contemporâneo para compreender a multicausalidade que incide sobre o velho processo de exploração que origina a questão social, e assim revelar a sua integralidade na atualidade. Do ponto de vista político, identificar as determinações que incidem sobre questão social na atualidade expressa, tão somente, que nem mesmo reformas sociais são possíveis no interior do capitalismo contemporâneo, o que politicamente aponta duas alternativa ao movimento organizado dos trabalhadores: ou resistência anti-capitalista ou barbárie. 1. 3. 2. A questão social no capitalismo contemporâneo e seu enfrentamento. No marco desta tese, é fundamental relacionar a economia solidária ao movimento contemporâneo de ofensiva capitalista e inseri-la no interior, e como resultado, das modalidades de trabalho inscritas na flexibilização e nas alternativas de políticas de produção de renda e de minimização da pobreza. Isto posto, a investigação das determinidades da questão social no capitalismo contemporâneo indica como a economia solidária pode ser apresentada como uma alternativa nesse contexto. Assim, as mudanças que vêm ocorrendo nos processos de organização e gestão do trabalho, nas formas de produção e acumulação do capital – em particular, a predominância do capital financeiro – nas funções de regulação econômica e social do Estado 59 capitalista e na ação organizada das massas trabalhadores devem ser traduzidas como respostas à crise que se instaura com a onda longa recessiva e define significativas alterações que remetem à integralidade da questão social. As transformações dessa quadra histórica alteram a face do capitalismo e da sociedade. O capitalismo radicalizou a sua tendência à internacionalizar a produção e constituiu um processo renovado de mundialização e financeirização do capital. Na base de produção e acumulação, a flexibilização aparece como alternativa para intensificar o trabalho e regular o exército industrial de reserva com particular destaque para a ampliação do desemprego. O movimento operário e popular encontra-se, dessa forma, na defensiva frente a essa restauração capitalista de base ídeo-política neoliberal. Verifica-se uma ampla investida do capital contra as funções sociais do Estado e reorganização das suas funções econômicas. Assim, o trato às manifestações da questão social que foi historicamente produzido no anterior período de expansão capitalista – por exemplo: a questão social como objeto de políticas sociais – adquire novas feições sem, com isso, romper com a velha origem. As mudanças no capitalismo, aqui apenas sinalizadas 20, revelam que as condições de vida e trabalho de um enorme contingente de pessoas que vivem nas fronteiras da produção e sem acesso à riqueza socialmente produzida agravam-se drasticamente e refletem o aprofundamento da exploração em paralelo ao desenvolvimento do capital e das forças produtivas. Pobreza e riqueza continuam como resultado imanente à acumulação capitalista. A produção da questão social no capitalismo contemporâneo, originada na mesma estrutura do passado, apresenta implicações e formas novas. Dentre as determinações atuais, destacaremos as de ordem ideológica e política, visto que estas adicionam dimensões especiais à questão social - não por lhe conferirem a condição de questão social (nem, menos ainda, de nova questão social), mas porque a elas ligam-se formas diversas de enfrentamento do capitalismo. Assim, a ofensiva política e ideológica para assegurar a hegemonia do capital passa pela contra-reforma do Estado e por novas estratégias de constituição de cultura e sociabilidade que impactam a sociedade civil e que se tornam fundamentais para uma “reforma intelectual e moral” e direcionam novos valores e novas “concepções de mundo” com substratos do liberalismo e do conservadorismo (cf. Mota, 1995). Essa reforma peculiar “reforma intelectual e moral” está centrada na conversão do trabalhador em “cidadão”, em “consumidor”, em “empreendedor”, em “parceiro” e “associado” dos seus empregadores. Harvey também indica essa tendência e agrega, ainda, particularidade posta pela maciça inserção das mulheres no trabalho. A natureza e a composição da classe trabalhadora global também se modificaram, o mesmo ocorrendo com as condições de formação de 20 Há uma larga documentação que trata suficientemente, para os fins desta tese, de tais mudanças. Cf., por exemplo, entre muitos Harvey (1992), Husson (1999), Mészáros (2002), Antunes (1999 e 2001) e Netto e Braz (2006). 60 consciência e de ação política. A sindicalização e a “política de esquerda” tradicional tornaram-se muito difíceis de manter-se diante de, por exemplo, sistemas de produção patriarcais (familiar) característicos do Sudeste Asiático ou de grupos imigrantes em Los Angeles, Nova Iorque e Londres. As relações de gênero também se tornaram muito mais complicadas, ao mesmo tempo que o recurso à força de trabalho feminina passou por ampla disseminação. Do mesmo modo, aumentou a base social de ideologias de empreendimentismo, paternalismo e privatismo (1992: p. 179). Os resultados políticos deste processo sobre a classe trabalhadora e os segmentos à margem têm implicado na fragmentação dos interesses de classe e na ampla visibilidade que movimentos sociais apartidários típicos dos anos 1960 vêm ganhando, alimentando a ideia de que a diversidade das agendas desses grupos é mais propícia à liberdade em face do chamado totalitarismo partidário e operário tradicionais. Isso tudo ao mesmo tempo em que a grande burguesia mostra-se capaz de agregar os interesses das megacorporações e dos gigantescos monopólios internacionais. O conjunto dessas mudanças políticas e ideológicas retrata, assim, novos componentes na integralidade da questão social no capitalismo contemporâneo. Nestes termos, Mota (2008) aponta algumas indicações sobre a questão social e sua particularidade na atualidade. É nesse contexto que a expressão “questão social” amplia seu leque de significados, ultrapassando, de certa forma, o sentido original que lhe foi conferido. Refiro-me, aqui, às consequências dessa fragmentação na composição e ação política das classes trabalhadoras, resultado do desemprego, da precarização do trabalho e do seus novos modelos de gestão (Mota, ibid: p. 32). A ação política das classes trabalhadores experimenta, depois de muitos anos de ascensão no cenário mundial, um retrocesso e uma certa pulverização. Podemos, é claro, identificar que existem lutas com referenciais nitidamente classistas em várias partes do mundo, mas visibilidade e permeabilidade sociais são conferidas às resistências trans-classistas - tais como, movimentos ecológicos e em defesa do clima, movimentos de solidariedade com a pobreza e miseráveis etc. A centralidade que era conferida ao trabalho no momento histórico imediatamente anterior é posta à prova pela ofensiva ideo-política e econômica do capital, que repõe no centro o desemprego como resultado natural da incorporação tecnológica e a pobreza como dimensão natural da sociedade. Essa aparente metamorfose alimenta o processo de reificação típico do capitalismo. Segundo Mota, “implica num 'deslocamento' do significado da questão social, que se afasta da relação entre pauperização dos trabalhadores e acumulação capitalista, para ser identificada genericamente com as expressões objetivas da pobreza” (ibid: p. 32. itálicos do original). 61 Remetemos anteriormente nossa a análise ao universo político e ideológico que cimenta a sociedade burguesa e vulnerabiliza a condição da organização dos trabalhadores na luta de classes para retomar, a partir desse contexto, as ações de enfrentamento da questão social. As multicausalidades que operam na problemática da questão social nos interditam atribuir aos determinantes ideológicos e políticos um peso maior do que aos seus congênitos elementos econômicos, históricos e culturais. Mas pusemos em destaque esse conjunto de particularidades para deles inferir a letargia ídeo-política que concorre nas formas possíveis de enfrentamento da questão social por parte das classes trabalhadores. O confronto direto dos interesses de classe na ordem burguesa dispõe, objetivamente, de poucas alternativas para as classes trabalhadoras organizarem seu enfrentamento, mas as inscrevem num universo bem delimitado: ou a superação real e concreta das condições que se impõem nas determinidades da questão social ou a reprodução da dinâmica capitalista a partir de ordenamentos que possibilitam maior ou menor incorporação de demandas do trabalho. Não há nessa nossa indicação nenhum componente determinista ou fatalista do caminho que pode (como possibilidade) ser trilhado pelas lutas operárias e dos seguimentos trabalhadores em geral. São elementos que compõem a legalidade das relações de produção e reprodução capitalista. Netto nos aponta, inclusive, que o dever ser não é um imperativo abstrato: Não é possível, por exemplo, desvincular a projeção marxiana da revolução proletária e do comunismo da suas análise do modo de produção capitalista. O “juízo de valor”, em Marx, não é um elemento ético que se justapõe às suas análises da realidade – é um componente crítico que arranca delas: o dever ser é uma possibilidade concreta que se extrai da análise histórico-sistemática do desenvolvimento do ser. Por via de conseqüência, o método de Marx, que pode ser dissociado de assertivas pontuais e singulares do seu discurso, não pode ser divorciado de sua teoria e de suas inferências inclusivas, relativas a processos histórico-universais. (1990: p. 65). Se a existência histórica do proletariado é uma das condições, em si, para a superação do modo de produção capitalista, as modalidades e os nexos políticos para essa realização estão de longe relacionados às condições e impacto que a intervenção das classes poderá alcançar. Dessa forma, retomando a questão anteriormente formulada, as condições de defensiva em que se encontram as classes trabalhadoras no capitalismo contemporâneo nos indica que a potencialidade da intervenção dessas, como ação coletiva organizada, inscrevem-se com mais concretude na possibilidade de reprodução da ordem do capital – que implica a incorporação de demandas dos trabalhadores em maior ou menor medida – do que na possibilidade de superação da legalidade do processo de trabalho capitalista. Uma importante pesquisadora do Serviço Social repõe essa problemática em outros 62 termos e com muito mais precisão. Segundo Mota, A rigor, não existem – do ponto de vista histórico, político e teórico – muitas alternativas para pensar a natureza do enfrentamento da questão social. Pode-se, de fato, falar apenas de duas tendências gerais: sua administração no interior da ordem burguesa – demarcada pela implementação de reformas sociais e morais, tanto mais “eficientes” quanto mais ancoradas tecnicamente – ou a sua superação como uma prática que transforma não a questão social em si, mas a ordem social que a determina. É evidente que tais tendências gerais se constituem e se explicam no âmbito da política e da economia, sob condições históricas muito precisas. Contudo, implicam em escolhas ético-políticas e em uma direção ideológica referenciada por um projeto político de classe – e que, mormente no que toca à tendência superadora, para sua realização, requer rigorosa análise da realidade e delineamento de estratégias de luta, balizadas pelas possibilidades contidas nas condições históricas existentes (2008: p. 49; itálicos do original). Apesar da análise de Mota ter sido produzida com outro interesse, reforça nosso entendimento de que as ações ídeo-políticas das classes trabalhadoras, de enfrentamento da questão social, não vêm adquirindo ofensiva suficiente para pôr na agenda política desses movimentos a questão da superação capitalista e da revolução, o que as impele, tendencialmente, à administração dos seus interesses no interior da ordem burguesa. Como no limite tais ações não apontam para a ruptura elas são, sucessivamente, refuncionalizadas pelo capitalismo. Não é casual, pois, que estejamos destacando o debate do enfrentamento da questão social nesse pequeno estrato da nossa tese. A ele vincula-se, no nosso entendimento, a base funcional que adquire a economia solidária na dinâmica contemporânea do capitalismo, e através da qual o Serviço Social relaciona-se com a economia solidária. Parece-nos que desse universo – localizado no interior da relação capital e trabalho, e das características e determinações que incidem sobre suas conformações - devem ser inferidas as modalidades de gestão e reprodução das condições de vida e trabalho das pessoas na atualidade e identificada a função social que tais modalidades adquirem. Nesses termos, o trato que é dispensado às polifacetadas refrações da questão social, por parte do capital, incorporam novas formas, não somente as tradicionais políticas sociais características do Estado de Bem-Estar Social, mas a conjugação reformulada dessas com ações sociais da sociedade civil (organizações privadas não lucrativas, empresas capitalistas, fundações empresariais, organizações da classe trabalhadora etc.). É evidente que esse trato à questão social alcança resultados de mínimas melhorias nas condições de vida e trabalho dos segmentos populares face à barbárie; todavia, são elas também estratégias funcionais de reprodução do ordenamento econômico e político da sociedade burguesa. É neste 63 campo que localizamos os enlaces possíveis entre economia solidária e Serviço Social. 1. 3. 3. Elementos para a crítica da suposta “nova” questão social. Mais recentemente, em finais dos anos 1990 e início de século XXI, foi introduzido no debate profissional um conjunto de análises sobre as mudanças em curso da sociedade que tematizam, especialmente, a crise pelo qual passava o assim chamado Estado social e como, dessa crise, surgia uma pretensa “nova” questão social. Na sequência deste debate, pareceu exorcizada a suposta “nova” questão social – e praticamente não há produção teórica que se reporte a ela sem alguma posição crítica. Todavia, mais significativo do que eliminar o adjetivo na caracterização e na análise da questão social – pois, como já vimos, anteriormente o processo que a produz é muito antigo (mesmo que com novíssimas determinações) –, importa o resultado da apropriação desse debate pelo Serviço Social e é decisivo observar que, hoje, frequentemente estão implícitas teses e concepções que têm por base a ideia de, realmente, já uma “nova” questão social – de que são exemplos as equalizações entre questão social e exclusão/inclusão sociais (estas duas últimas notas são originalmente provenientes deste debate, mas foram e são por ele alimentadas e reforçadas). Dessa forma, parece-nos relevante introduzir aqui uma nota referente à crítica da “nova” questão social. A generalização e os significados sócio-históricos das transformações da sociedade contemporânea, em especial a reorganização dos processos de produção e reprodução da vida social, repercutiram nos estudos e análises das ciências humanas (e não foi diferente no Serviço Social) e resultaram nos mais diversos modelos de interpretação das mudanças sociais em curso, em particular as produções sobre a questão social – destaque para a produção da Escola Francesa21. A produção de autores como Rosanvallon e Castel criou um corpo analítico para o debate da “nova questão social” ou de aspectos, segundo eles, sui generis que criaram fissuras estruturais que romperam com padrões sociais vigentes. De um lado, Rosanvallon indica que a crise do Etatprovidence (o Estado de Bem-Estar Social na tradição francesa), a partir de alterações nos modelos de financiamento e gestão da proteção social, romperia com o “contrato social” existente e resultaria na formação de uma nova pobreza e de uma nova questão social. De outro lado, com uma excelente pesquisa, Castel analisa a crise da sociedade salarial e realiza o que ele denomina de “uma crônica do salário”, reproduzindo o movimento histórico das chamadas “metamorfoses da questão social”, que são resgatadas para além da particularidade da sociedade capitalista, mas com centralidade no trabalho dos sujeitos nos processos históricos. As críticas que são apresentadas a estes autores no Serviço Social (cf. esp. o material 21 Os dois principais autores da Escola Francesa nos estudos contemporâneos sobre a questão social são Rosanvallon (1998) e Castel (1998). 64 recolhido na revista Temporalis22) são normalmente feitas em bloco, apesar das diferenças significativas entre seus pensamentos e se direcionam a resgatar o real processo de gênese da questão social e mostrar como o fenômeno, que nasce com o capitalismo, tem sobre ela determinações de monta que a redefinem e a qualificam. Por isto mesmo, não há que perder de vista estas determinações. No entanto, o essencial – que não aparece necessariamente nas críticas a que tais autores vêm sendo submetidos – é sublinhar que não há uma nova pobreza: é mais do mesmo, particularmente um mesmo que vem degradando cada vez mais as condições de vida e trabalho mundialmente. Uma armadilha que está embutida em tratamentos da questão social como os de Rosanvallon e Castel (malgrado as suas diferenças) reside em que, quando suas múltiplas e diferenciadas expressões são desconectadas de sua gênese comum e encobrem a contradição fundamental das relações sociais capitalistas, elas tendem a análises fragmentadas das questão social e, no limite, à postulação da existência de várias “questões sociais”. Para Mota: Embora por vetores de análise distintos, as construções de Rosanvallon (1998) e Castel (1998), longe de serem, respectivamente, tão-somente análises de cunho culturalista ou histórico-antropológica dos processos sócio-históricos, expõem, com clareza inconteste, seus referenciais ideopolíticos: baniram do horizonte histórico e teórico qualquer possibilidade de ruptura com a ordem social vigente. E mais, dotam a crise capitalista de um caráter genérico, sem classes, como um problema de todos e não como uma crise do projeto de sociabilidade do capital, sustentado pela hegemonia da classe dominante (2008: p. 44-45). Mota, na sua análise, demonstra que tais autores, bem como a penetração de suas ideias no Serviço Social, reduzem a questão social às manifestações da pobreza e consideram seu “enfrentamento como uma questão afeta às políticas de inserção”(ibid: p. 45). Para os assistentes sociais, esta redução coloca mais um desafio para o conjunto profissional: precisar com rigor a sua inserção nos processos de enfrentamento político da questão social, esclarecendo como a prática profissional vem interferindo nas modalidades contemporâneas da sua administração. E a pesquisa crítica e comprometida é uma grande aliada para desvelar a reificação que se desenvolve no capitalismo contemporâneo, pois, “inexiste qualquer “nova questão social”; deve-se investigar, para além da permanência de manifestações “tradicionais” da “questão social”, a emergência de novas expressões da “questão social” que é insuprimível sem a supressão da ordem do capital” (Netto, 2001: p. 48). 22 Este número (3, de 2001) do periódico da ABEPSS, editado em Brasília, traz a contribuição de diversos teóricos do Serviço Social especificamente sobre a questão social e, na Bibliografia, citamos praticamente todos os textos pertinentes. 65 1. 4. O Serviço Social e a construção do Projeto Ético-político profissional. 1. 4. 1. O projeto profissional de ruptura com o Serviço Social tradicional O Serviço Social brasileiro vem desenvolvendo, desde finais da década de 1960, um processo de renovação das suas bases originárias conservadoras, que é designado na literatura dedicada ao estudo desse tema como “Serviço Social tradicional 23”(Netto, 1994, 2005; Iamamoto, 1995). Essa renovação já foi fruto de vários estudos e debates no interior da profissão; todavia, a pesquisa de Netto (1994) é central para desvelar a dinâmica histórica e profissional dessa renovação nos marcos da ditadura do grande capital. O processo de renovação do Serviço Social no Brasil desenvolveu-se sob o signo da autocracia burguesa instaurada no país em 1º de abril de 1964. Um movimento reacionário civilmilitar derrubou o governo constitucional e instaurou uma ditadura que durou por vinte anos. A ditadura burguesa representava os interesses do grande capital monopolista nacional e internacional, inscrita no contexto de golpes que abalaram o cenário latino-americano – golpes que concretizaram um amplo movimento contra-revolucionário para expandir os interesses dos grandes monopólios e abafar qualquer tentativa de ruptura social com a ordem burguesa nessas regiões. “Movendo-se na moldura de uma substancial alteração na divisão internacional do trabalho, os centros imperialistas, sob o hegemonismo norte-americano, patrocinaram, especialmente no curso dos anos sessenta, uma contra-revolução preventiva em escala planetária” (Netto, 1994: p. 16). A contra-revolução preventiva posta em movimento apresentava finalidades muito articuladas e inter-dependentes, que podem ser assim sumariadas: adequar o desenvolvimento nacional ao padrão econômico capitalista, marcado pelo aprofundamento da internacionalização do capital; neutralizar os protagonistas sociopolíticos qualificados em fazer qualquer resistência ao enquadramento, ainda mais subalterno, do país no sistema capitalista; e, por fim, apoiar nas diversas partes do mundo grupos e tendências contrárias a qualquer perspectiva revolucionária e socialista (cf. Netto, ibid). Esta forma particular da dominação burguesa no Brasil teve resultados diretos no processo de renovação profissional. A ditadura realizou, como indica Netto (ibid), uma “modernização conservadora” que estimulou, particularmente, o desenvolvimento industrial e acadêmico do país, que tiveram íntima determinação para o Serviço Social: o primeiro introduziu demandas renovadas ao trabalho profissional catalizadas pela classe dominante e pelos interesses dos trabalhadores; e o segundo propiciou ao Serviço Social uma consolidação nas instituições de ensino e pesquisas 23 Na análise de Netto o “Serviço Social tradicional” refere-se a uma “prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma ética liberal-burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da “questão social” sobre os indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual ineliminável (2005: p. 06). 66 acadêmicas. Dessa forma, a renovação, dos anos 1960 a 1975, realizou-se, predominantemente 24, a partir da incorporação pela profissão de diretrizes desenvolvimentistas e modernizantes que adequaram a profissão às exigências do projeto social da ditadura. Essa tendência, qualificada por Netto (1994) como a perspectiva profissional modernizadora25, diversificou o perfil profissional, jogando para debaixo do tapete sua face tradicionalista, e articulou o conservadorismo a novos parâmetros teóricos e técnicos de clara inspiração funcionalista, requisitando uma fundamentação “científica” para o Serviço Social que redimensionasse metodologicamente as práticas profissionais. É somente a partir da segunda metade dos anos setenta que a renovação profissional aponta para rumos mais críticos com a herança tradicionalista e propõe um projeto profissional de ruptura26, marcado pelo contexto da auto-reforma da ditadura e pelo avanço das forças sociais democráticas na cena política nacional. A passagem dos anos 1970 aos 1980, animada a cena política com a reorganização do movimento operário e sindical e o avanço das lutas democráticas, instaurou novas determinações concretas para a parcela profissional que se organizava alinhada às demandas populares e na ruptura com o tradicionalismo. Os assistentes sociais passaram, dessa forma, a investir em duas frentes: na organização da categoria profissional e na formação acadêmica. Na primeira frente de auto-organização, o Serviço Social realizou um significativo deslocamento político, caracterizado pela ruptura política com as vanguardas profissionais conservadoras, e pôs no centro do debate da organização profissional a defesa dos interesses das classes trabalhadoras, no marco do que ficou conhecido nos circuitos profissionais como o Congresso da Virada, em 197927: A categoria presente no III CBAS em 1979, no Congresso da Virada, deliberou, sob a coordenação e direção do CENEAS, por uma direção sócio-política de seu projeto profissional comprometido com a classe trabalhadora. Isso somente foi possível pelo fato da reorganização 24 25 26 27 É importante destacar aqui a exceção do grupo que se organizou, nesse período na Universidade Católica de Minas Gerais, e constituiu uma experiência de formação profissional que ficou conhecida na literatura profissional de “Método BH”, de inspiração na tradição marxista. A perspectiva modernizadora, nos termos de Netto “constitui a primeira expressão do processo de renovação do Serviço Social no Brasil. Emergente desde o encontro de Porto Alegre, em 1965, ela encontra sua formulação afirmada nos resultado do primeiro “Seminário de Teorização do Serviço Social”, promovido pelo CBCISS na estância hidromineral de Araxá (MG), entre 19 e 26 de março de 1967” (1994: p. 164). Essa tendência do processo de renovação profissional foi denominado, novamente por Netto, como “a intenção de ruptura”, porque o e autor entendia que havia um processo em andamento de ruptura com as bases tradicionais, mas carecia ainda de aprofundamento teórico-metodológico da perspectiva que lhe inspirava, o marxismo. E essa tendência continha em “seu projeto as diretrizes para romper substantivamente com o tradicionalismo e suas implicações teórico-metodológicas e prático-profissionais” (1994: p. 250). “É precisamente sob o impacto da reinserção do proletariado na arena política, no quadro da mobilização antiditatorial de amplos contingentes assalariados, da mobilização de setores pequeno-burgueses, inclusive burgueses, e, na sequência quase imediata, da declaração da anistia, que o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (III CBAS) traz à cena política as tendências democráticas contidas e reprimidas no Serviço Social” (Netto, 2009: p. 27). Em 2009 foi realizado em São Paulo, pelo CFESS e CRESS/SP, nos marcos de comemoração dos 30 anos do “Congresso da Virada” um evento político de avaliação e renovação dos compromissos sociais assumidos pelas vanguardas profissionais no III CBAS e que estão presentes até hoje no projeto político-profissional. 67 político-sindical da categoria se inscrever no processo crescente de mobilização e de lutas, que articulavam as questões específicas da categoria às lutas políticas mais amplas, o que lhe conferia representatividade e legitimidade (Abramides e Cabral, 2009: p. 56). Na frente acadêmica, instituiu-se um currículo de graduação de incidência nacional, em 1982, que buscava materializar os avanços teóricos-metodológicos que a vertente de intenção de ruptura vinha consolidando, e ampliou a pós-graduação na área, investindo na pesquisa, na qualificação acadêmica e com grande interlocução com as ciências sociais(cf. Netto, 2005: p. 18). É precisamente esse investimento na pesquisa e na produção crítica, que inclusive desenvolveu-se com a inserção do marxismo no universo teórico da profissão, que veio delineando a nova face do Serviço Social brasileiro e suas possibilidades tanto de intervenção política no cenário nacional quanto de sua inserção no debate latino-americano do Serviço Social. É preciso sublinhar que a existência desse conjunto profissional que dá substância crítica ao Serviço Social possui uma composição política e teórica diversificada, marcada pela existência de propostas profissionais concorrentes e por polêmicas e debates que explicitam a característica da sua pluralidade. E dispõe de um pólo em que há a permanência e proliferação de tendências teóricas e políticas conservadoras e tecnicistas que se alimentam da herança conservadora imanente à dimensão sincrética da prática profissional e do contexto sócio-político regressivo e avesso às pautas progressistas. “Seria um equívoco imaginar que este ‘Serviço Social crítico’ é a expressão de todo o Serviço Social no Brasil. O panorama profissional brasileiro é muito diversificado, contando com tendências conservadoras (em algumas dimensões, reacionárias) e neoconservadoras, Nos últimos anos, de maré montante neoliberal, estas tendências vêm sendo muito estimuladas” (Netto, 2005: p. 18). 1. 4. 2. O Serviço Social brasileiro e sua aproximação ao marxismo As questões pontuadas até aqui permitem-nos chegar a um ponto importante para a análise da construção de um processo de ruptura profissional com o conservadorismo e a construção de um projeto político profissional em novas bases, qual seja: o contexto em que se realiza a interação entre o Serviço Social e a tradição marxista - posto que é no bojo do desenvolvimento da intenção de ruptura que podemos demarcar esta aproximação. Passemos agora à análise das condições efetivas desse processo e suas determinações. O marco inaugural da emersão da intenção de ruptura, o “Método BH”, o é também para pensar a relação entre Serviço Social e marxismo - entretanto, filtrada por uma problemática central dessa interação: o viés da tradição marxista a que ela está vinculada. Esta é uma tônica presente no desenvolvimento dessa relação, posteriormente superada quando o recurso ao legado marxiano se 68 efetiva e amadurece. Esta problemática marca o horizonte profissional, ainda sob a lente marxista, pois acaba reafirmando uma séria dicotomia entre a teoria e prática, na medida em que desde seus primeiros influxos no Serviço Social, o marxismo serviu para justificar um forte traço de militantismo, caucionado no que seria a aposta em uma prática profissional transformadora. Ao mesmo tempo, esta perspectiva marxista no Serviço Social só ganha substratos profissionais quando o caldo conservador que a precedeu é posto efetivamente em xeque. Ou seja, é somente quando o conservadorismo é colocado em xeque pela conjuntura histórico-social refletida no interior da profissão que se criam as condições para que o Serviço Social brasileiro possa pensarse histórico-criticamente. Este movimento é marcado pela obra de Iamamoto e Carvalho, em 1982, com posterior desdobramento na literatura profissional, efetivando aquilo que consideramos a real ruptura com o tradicionalismo, que se dá no campo teórico a partir da incorporação do marxismo. Aproveitando a indicação que nos foi feita por Adrianyce de Sousa em recente debate acadêmico, socorremo-nos da categorização que Santos (2007) apresenta para pensarmos as nuances das aproximações sucessivas entre o Serviço Social e o marxismo. O primeiro momento dessa aproximação, chamado pela autora de apropriação ideológica do marxismo, é aquele que diz respeito, naquilo que já está consagrado na bibliografia, ao período fortemente marcado pelo peso das necessidades ídeo-políticas, com reduzida exigência teórica e, por isso, fortemente instrumental - ou seja, opera-se pela via da militância política: neste momento, dado o clima da época, a instrumentalização era a forma “para legitimar estratégias e táticas” (Netto, 1994, p. 268). Este se constitui num aparente paradoxo da experiência de Belo Horizonte. Na medida em que encerra efetivamente a primeira interlocução mais sistematizada da intenção de ruptura com o marxismo, ela se faz não referenciando as fontes originais (o pensamento marxiano) e sim a tradição marxista, que à época representava-se no marxismo oficial e manualizado. O aparente paradoxo reside, para a intenção de ruptura, na necessidade de sua explicitação política sem a explicitação do padrão societário que se deseja referenciar. Ou seja, é uma elaboração marxista que carece de uma projeção socialista e que, mesmo sem esta projeção, traz para o universo profissional, por meio dos objetivos de transformação social que se propunha, uma legitimidade que só pode ser posta como perspectiva histórica de enquadramento do projeto de profissão e não da transformação da sociedade. Nesse momento, como travejamento dessa estrutura teórico-metodológica, recolhe-se da tradição marxista o visceral empirismo e se lhe dá uma iluminação teórica via redução do arsenal marxiano, ao epistemologismo de raiz estruturalista (Althusser) – donde a reiteração de discussões sobre idealismo, materialismo, ciência e ideologia, teoria e prática etc. (Netto, ibid: p. 268). Nesta concepção, a obra de Marx aparece, neste primeiro momento no Serviço Social, como “uma sociologia científica que desvenda o mecanismo da evolução social a partir da análise da situação econômica” (Netto, ibid: p. 268). Aqui, a obra de Marx aparece totalmente destituída de sua relação 69 contraditória e dialética – trata-se de uma apropriação positivista do marxismo (Quiroga, 1991). O segundo momento dessa aproximação é marcado pelas elaborações que passam a recorrer às fontes mais originais. Com ela se abrem as condições efetivas para fissuras na tônica dominante na profissão, pois o quadro da transição democrática pelo qual passava o país repõe a política e a história como objetos práticos inelimináveis e possíveis de reflexão e, ao mesmo tempo, a elaboração marxista nas ciências sociais, e também no Serviço Social, passa a recorrer às fontes mais originais. O caráter inaugural desta perspectiva está no livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil, de Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho, em 1982 e seu caráter seminal, para a profissão, reside na “justa compreensão que tem da postura teórico-metodológica marxiana” (Netto, 1994, p. 292). O eixo central da obra é a recusa a uma leitura interna do Serviço Social – que buscava a sua especificidade no seu objeto, objetivos, procedimentos e técnicas – e que passa a uma abordagem da sua institucionalidade como epifenômeno da ordem social burguesa. Procura, pois, compreender o significado social do exercício profissional em suas conexões com a produção e a reprodução das relações sociais na formação social vigente na sociedade brasileira (Iamamoto e Carvalho, 1994). Neste sentido, esta obra expressa uma afirmação e aprofundamento da perspectiva da ruptura com o conservadorismo, mas efetivamente esta só conseguirá se materializar hegemonicamente em processos profissionais posteriores; ao mesmo tempo, os pontos expressivos deste debate vão ser verificados em torno das disputas que articularam o Código de 1986 e na formação profissional, mais precisamente no currículo de 1982·. O projeto profissional de renovada elaboração marxista consegue, coletivamente, instaurar nos marcos do Serviço Social um novo ethos profissional, com nítido amadurecimento teórico, acadêmico, político e ético, que vem se entranhando nos últimos trinta anos no meio profissional. A relação entre o Serviço Social e o marxismo, no Brasil, contribuiu para: • a ampliação do universo temático do debate profissional, com a introdução de discussões acerca da natureza do Estado, das classes e dos movimentos sociais, das políticas e dos serviços sociais, da assistência; • o desvelamento crítico do lastro conservador (teórico e prático) do Serviço Social; • o reconhecimento da necessidade de explicitar, com máxima clareza, as determinações sócio-políticas das práticas profissionais; • a ênfase na análise histórico-crítica da evolução do Serviço Social no país (cf. Netto, 1991: p.90). Nestes termos, a década de 1980 foi marcada pela renovação do Serviço Social brasileiro em bases marxistas, destacando-se pela primeira vez no universo profissional uma apropriação do conjunto teórico-metodológico marxista mais consolidada, mesmo que muito diversifica e com apropriações teóricas em níveis distintos no seu conjunto. 70 A relação fecunda com o marxismo tem possibilitado o crescimento maduro e produtivo do Serviço Social. Os assistentes sociais ingressaram nos anos 1990 como uma categoria profissional que investe na pesquisa, que reflete a realidade brasileira, e que investiga o trabalho profissional do assistente social. Esse Serviço Social de inspiração crítica a partir da tradição marxista vem implementando, nos últimos vinte anos, o chamado Projeto Ético-Político Profissional. 1. 4. 3. Serviço Social e o Projeto Ético-Político Nossas alusões ao Serviço Social na década de 1980 e a sua aproximação ao marxismo de Marx é importante, posto que nos oferece a referência inicial para compreendermos o universo profissional que surge nos anos seguintes, particularmente o que se convencionou chamar de “projeto ético-político” da profissão. O resultado político e teórico das reflexões e lutas empreendidas pelo conjunto dos profissionais engajados nesse amadurecimento crítico está hoje expresso neste “projeto ético-político” e vem fomentando o conjunto das reflexões críticas no interior da profissão, particularmente sobre a sua contemporaneidade. Segundo Iamamoto, um dos desafios do Serviço Social na atualidade É re-descobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional, traçar horizontes para a formulação de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidárias com o modo de vida daqueles que a vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista da sua vida, da sua humanidade. Essa discussão é parte dos rumos perseguidos pelo trabalho profissional contemporâneo (1998, p. 75). Na década de 1990, ancorado no fôlego com que as lutas populares demonstraram nos anos imediatamente anteriores, foi possível que a maturidade teórica e política que vem caracterizando o processo profissional de ruptura com o conservadorismo ganhasse hegemonia teórico-política nos circuitos do Serviço Social brasileiro. O Serviço Social que se põe crítico e ativo desenvolve um conjunto de ações políticas de resistência na implementação do projeto ético-político, com grande destaque na atuação organizativa do conjunto dos profissionais, em especial nas entidades representativas como o conjunto CFESS – Conselho Federal de Serviço Social e CRESS – Conselho Regional de Serviço Social, a ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (antiga ABESS), e as entidades estudantis, em especial a ENESSO – Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social. Assumir uma postura em defesa das classes exploradas levou o Serviço Social a consolidar uma orientação ético-política que se tornou central no Código de Ética Profissional de 1993 e orientou a nova normatização federal da Lei de Regulamentação da Profissão, também de 1993. No campo da formação profissional foi empreendida uma nova jornada de pesquisas e 71 discussões que matizaram ainda mais uma perspectiva estratégica para a formação dos assistentes sociais, definindo as expressões da questão social enquanto objeto sobre o qual incide a intervenção profissional e elegendo o chamado “processo de trabalho e Serviço Social”, centrado nas análises do trabalho profissional, como espinha dorsal do novo currículo - aprovando, assim, as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social da ABEPSS, em 1996, através de muita discussão coletiva com as unidades de formação acadêmica de todo o país. Assim, aquele Serviço Social que nasce nos anos de 1970 constrói um novo Serviço Social que vem implementando, ao longo desses anos, o projeto ético-político marcado por uma unidade pluralista, que comporta no seu interior interpretações teórico-metodológicas e ético-político distintas, posto que o pluralismo não impede a disputa de ideias. A nova dinâmica profissional consegue apresentar, dessa forma, uma direção política e uma atuação profissional que se legitima na sua função social, sua relação com a sociedade, e com outros sujeitos políticos. Nos termos de Netto, Os projetos profissionais elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com outras profissões e com as organizações e instituições sociais, privadas e públicas (entre estas, também e destacadamente com o Estado, ao qual coube, historicamente, o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais) (1999, p. 16; negritos do original). Considerando essa perspectiva diversa, podemos elencar um conjunto de concepções e princípios que se apresentam ora como normatizações que estão cristalizadas nos documentos profissionais citados anteriormente28, ora como compromissos que orientam a formação, o trabalho profissional e a prática política dos assistentes sociais. O projeto ético-político do Serviço Social foi sendo construído a partir dos debates coletivos e organizativos e explicitou um conjunto de valores e compromissos que vem dando substrato à ação política das entidades profissionais, ao posicionamento dos profissionais frente às demandas dos usuários e ao direcionamento da formação acadêmica e técnica dos assistentes sociais. Considerando as perspectivas políticas e éticas que vêm sendo referenciadas pelo projeto profissional, seja na prática política das vanguardas profissionais, seja nas orientações normativas do trabalho profissional, podemos identificar três conjuntos de princípios que podem ser assim sistematizados, conforme estudos de Netto (1999): 28 O Código de Ética Profissional de 1993, a Lei de Regulamentação da Profissão também de 1993, e as Diretrizes Curriculares dos cursos de Serviço Social da ABEPSS de 1996. 72 i) o núcleo do projeto profissional: a liberdade é posta como um valor central, concebida historicamente como possibilidade de escolher entre alternativas concretas. Deste núcleo derivam alguns compromissos como a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais, a defesa dos direitos humanos. Logo, rechaçam-se politicamente todas as formas de autoritarismo, arbítrio e preconceitos, e assume-se o pluralismo – tanto na sociedade quanto no exercício profissional – como modalidade necessária para a disputa da direção teórico-metodológica e éticopolítica; ii) a dimensão política do projeto: afirma-se a necessidade de equidade e justiça social, que deve ser entendida na direção da universalização do acesso aos programas e políticas sociais; defende-se a cidadania de forma ampliada, a partir da consolidação e garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Articulam-se ainda esses primeiros princípios à defesa do aprofundamento da democracia – vista a democratização enquanto socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida; iii) os aspectos do exercício da profissão: o projeto profissional indica um compromisso com a qualidade dos serviços prestados, o que requer competência técnica profissional e indica a necessidade de aprimoramento intelectual do assistente social. Por isso, um esforço continuado do conjunto profissional em construir uma formação acadêmica qualificada, alicerçada em concepções teórico-metodológicas críticas e aprofundadas, capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social. O projeto também destaca uma renovada relação sistemática com os usuários dos serviços desenvolvidos pelos assistentes sociais (cf. Netto, 1999). Essas são, sinteticamente, orientações que se apresentam como desafios no cotidiano do exercício profissional e na prática política, e estão presentes em todos os debates que tematizam o projeto profissional critico e comprometido. De acordo com Iamamoto: Os princípios constantes no Código de Ética são focos que vão iluminando os caminhos a serem trilhados, a partir de alguns compromissos fundamentais acordados e assumidos coletivamente pela categoria. Então ele não pode ser um documento que se “guarda na gaveta”: é necessário dar-lhe vida por meio dos sujeitos que, internalizando o seu conteúdo, expressam-no por ações que vão tecendo o novo projeto profissional no espaço ocupacional do cotidiano (1998, p. 78). Este panorama, esboçado em largos traços, fundamenta uma perspectiva cada vez mais difundida no meio profissional, que é construída tendo o trabalho profissional como uma forma efetiva de luta para transformação das relações sociais postas pela ordem burguesa. Mesmo 73 que não formulada e exposta nestes termos, esta é a mensagem que está contida, especificamente para o exercício profissional – porque é isso que nós somos, uma profissão –, no conjunto do projeto ético-político; e mais: tendemos a acreditar que é desta forma que ela vem sendo incorporada pelo conjunto dos assistentes sociais. 1. 4. 4. Temas conexos e desafios para o Serviço Social na cena contemporânea Sumariamos neste capítulo os grandes temas (democracia, questão social e política social) que consideramos de íntima relação com o Serviço Social, com a produção teórico-prática que vem sendo desenvolvida e com o projeto ético-político profissional. Tais temas, antes de ser uma sistematização necessária para o nosso debate da economia solidária, são eixos-chave que oxigenam a dinâmica política e prática do trabalho dos assistentes sociais e os colocam em aberta interação com as demandas sociais e institucionais das classes. Agora, retomaremos certas formulações já tangenciadas para indicar alguns dos problemas e desafios atuais do projeto político profissional que podem potencializar a relação emergente entre Serviço Social e economia solidária. Quando apresentamos uma resenha em torno da problemática da democracia, buscamos indicar perspectivas que dão a tônica de diversas práticas/entendimentos sobre ela. Não procuramos definir um conceito único porque, de fato, não conseguiríamos formulá-lo, visto o lastro que existe de polêmicas nesse debate, inclusive dentro de um mesmo campo. Mas é necessário lançar no debate algumas anotações que nos ajudam a pensar a democracia e sua radicalidade29 no Serviço Social. É de conhecimento popular que a palavra democracia vem do grego e significa governo do povo. Todavia, em sua evolução nas sociedades modernas, a democracia foi sendo utilizada para caracterizar uma perspectiva de liberdade dos indivíduos frente aos Estados absolutistas e sem espaço para o liberalismo. Esse ponto de partida se repõe até hoje, de modo que a temática da democracia sempre aparece numa clara polarização entre liberdade e ausência ou limite dela, ou seja, ditadura x democracia ou autoritarismo x democracia. Os primeiros ideólogos da burguesia realmente acreditavam que essa seria a forma necessária para liberar indivíduo e mercado de qualquer restrição. Mas, a evolução do capitalismo, principalmente na fase de constituição dos monopólios, pôs por terra essa ideologia universalizada. E ficou claro que conceitos como liberdade e igualdade no plano econômico e apenas formal (no plano jurídico), no ordenamento burguês, tornaram-se vazios, cada vez mais palavras ocas30. 29 30 Refiro-me a concepção de democracia que alicerça um dos princípios do Código de Ética Profissional de 1993, especialmente o entendimento de democracia enquanto socialização ampliada da riqueza socialmente. Pensamos que uma consequência desta concepção de democracia, em termos prático-políticos, foi a campanha promovida em 2009, pelo conjunto CFESS/CRESS's sobre a concentração de riqueza no país, sob o título “Depois que o rico come, é isso o que sobra para você”. Essa interpretação foi feita por Lukács em sua intervenção nos Encontros Internacionais de Genève, em 1946 (cf. Konder, 1980). 74 Esse esvaziamento gerou uma reação das forças sociais que se reivindicavam dos setores democráticos e passou a indicar a necessidade de superar a condição formal da liberdade e da igualdade, construindo estruturas sociais que possibilitassem o exercício real da democracia. O pensamento democrático passou a se insurgir, então, com crescente vigor, contra a mistificação liberal. Os democratas mais aguerridos – entre os quais se destacavam os socialistas – insistiam no fato de que não bastava proclamar abstratamente a igualdade dos cidadãos perante a lei: era preciso criar condições práticas, materiais, concretas, para assegurar aos homens uma vida decente e a efetiva possibilidade de serem livres (Konder, 1980: p. 12). Dessa forma, os democratas de toda cepa apostam no caminho democrático como forma de construir alternativas de participação dos indivíduos na dinâmica da sociedade e na construção de modalidades de controle democrático, e as revoluções burguesas, tão sedentas de democracia, geram modalidades as mais diversas de democracia que conhecemos no mundo moderno (a democracia bipartidária e lobista dos EUA, o mix nobreza e burguesia na democracia inglesa, ou ainda a forma mais clássica, a democracia francesa). A democracia que nasce com a ordem burguesa autonomiza conceitos de liberdade e igualdade em função da sua estrutura peculiar. Na ideologia burguesa, a democracia é tomada assepticamente: primeiro, não referencia o seu conteúdo, pois privilegia sua forma; segundo, não revela a necessidade da sua historicidade, dado que não pode ser confrontada com as prioridades econômicas. Note-se que a democracia, como resultado dos processos históricos, não pode ser descontextualizada da legalidade particular em que ela se desenvolve. É necessário analisar a formação das classes, as formas de apropriação do Estado pelas classes dominantes, sem dessa análise isolar as determinações universais que impactam a democracia mediante as exigências do ordenamento econômico. Ou seja, a análise das sociedades e seu processo de democratização está condicionado à apreensão da legalidade própria da formação sócio-econômica particular e sua interação íntima com os processos sócio-históricos que determinam a conformação das modalidades políticas resultantes dessa formação sócio-econômica. Esse trajeto teórico-metodológico para investigar a democracia é apanhado nos estudos de Lukács (2008), que indica precisamente o caráter histórico e determinado da democracia na sociedade capitalista e nos adverte contra o seu tratamento estático. Busco aqui tratar a democracia (ou melhor, a democratização, dado que, também neste caso segundo uma abordagem ontológica, trata-se sobretudo de um processo e não de uma situação estática) de um ponto de vista histórico, como concreta força política ordenadora daquela particular formação econômica cujo terreno ela nasce, opera, torna-se problemática e desaparece (2008: p. 85). 75 O pensamento liberal, já marcado pelo processo de decadência ideológica burguês, revertese em pensamento conservador e dedica-se a tratar do problema da democracia como uma expressão estática das virtudes da ordem burguesa. A realização da liberdade e da igualdade, que foram centrais na luta contra o feudalismo e contra o eclipse da razão (Horkheimer), tornam-se, dessa forma, carentes de factualidade sócio-econômica, pois a ampliação da liberdade e da igualdade esbarra no direito “natural” e ineliminável da propriedade privada próprio da democracia e cidadania burguesas. Os problemas que são postos para a democracia, e para os democratas, giram em torno do ordenamento estritamente político e das modalidades de gestão, ou seja, do procedimentalismo: o tamanho do Estado, considerações jurídicas acerca da cidadania e os direitos políticos, civis e sociais. Nesses termos, a interferência da democracia na base sócio-econômica não é limitada porque nasce limitada: é assim porque liberdade e igualdade nascem sob o signo de configurações históricas determinadas pela ordem burguesa e são a expressão contraditória da liberdade e igualdade possíveis no capitalismo, porque nelas assenta a legitimação da realização factual das relações de produção social dessa sociedade. A forma política clássica da moderna democracia burguesa, ou seja, a Revolução Francesa, nasceu e entrou em funcionamento acolhendo conscientemente, no plano intelectual, muitíssimo desse modelo. No plano socioeconômico, porém, encontra-se exatamente no polo oposto. Ao sublinhar esse caráter antitético, Marx destaca ao mesmo tempo que liberdade e igualdade, as expressões ideológicas centrais da essência da democratização moderna, podem decerto, precisamente no plano ideológico, assumir formas bastante diferenciadas; mas, no que se refere à essência socioeconômica, elas não só “são respeitadas no intercâmbio dos valores de troca, mas o intercâmbio dos valores de troca é a base produtiva real de toda igualdade e liberdade” (Lukács, 2008: p. 88). Há, sem dúvida, no processo de democratização, como nos indica o pensamento lukacsiano, possibilidades de ampliação ou restrição da democracia constituídas sempre em bases ideológicas; todavia, a realização dela não indica maior ou menor liberdade e igualdade, porque estas têm sua constituição precisa determinada pelo traço ontológico das relações de produção capitalistas, isto é: são realizadas como livre expressão dos vendedores e compradores privados de força de trabalho e, assim, do valor que importa nas trocas capitalistas. A “questão democrática”, nesse entendimento, está inscrita nos processos políticos e ideológicos da sociedade e, a partir de uma análise dialética, podemos dizer que ela é esvaziada do conteúdo central – o plano sócio-econômico – , sendo que seu conteúdo passa a ser determinado pela forma – modalidade de ordenamentos possíveis na ordem burguesa. Não há nessa indicação nenhum reducionismo na análise das conexões entre estrutura econômica e ordenamento político, mas apenas a indicação da primazia da primeira em relação à 76 segunda na constituição da vida social. Essa compreensão da democracia nos permite inferir o lugar que ela ocupa na sociedade burguesa - o que não quer dizer que dela está deduzido um processo evolutivo de constituição e ampliação da democracia, pelo contrário. A democracia e suas formas mais ampliadas somente são possíveis a partir da pressão real que as classes trabalhadoras e populares organizadas conseguem imprimir ao ordenamento político. Mas essa relação entre ampliação e restrição é uma problemática tão mediada, na qual incide um conjunto muito largo de multicausalidades, que nos parece importante destacar apenas que a ampliação extrema da democracia tensiona as bases de organização do próprio capitalismo e sua radicalização como prática política revolucionária aponta para a ruptura da ordem burguesa. No pensamento socialista revolucionário, “a questão da democracia aparece sempre diretamente relacionada não só com a liquidação do sistema capitalista como, com igual ênfase, com a transição socialista” (Netto, 1990; p. 79). Mas essa valorização da democracia tem que ser precisada, e não pode ser atribuído a ela um status estruturante da luta de superação do capitalismo, vale dizer: é importante afirmar sua funcionalidade para radicalizar as condições de luta das classes trabalhadoras, sem daí derivar um novo valor abstrato que se universaliza e se autonomiza do processo histórico. Pois a revolução proletária contemporânea está “ligada à possibilidade de consolidar a universalização do ordenamento democrático, para transformá-lo qualitativamente através de rupturas ao longo de um processo onde ele será, rigorosamente, superado” (Netto, ibid: p. 80, itálicos do original). Essa observação, efetivamente mediada, não condiciona ou ainda não afirma que da radicalização da democracia nascerá a ruptura com o sistema capitalista, ou se instaurará o processo revolucionário. Todavia, podemos inferir que a democratização da sociedade é o resultado do processo sóciohistórico no qual se contém, por um lado, a legitimação ideológica da sociedade burguesa, e, por outro, a pressão possível das classes trabalhadoras organizadas, o que pode gerar – estritamente como possibilidade – a renovação das práticas políticas e radicalização das lutas sociais de classe, sem com isso deduzirmos que a democracia é uma condição para a ruptura com a ordem sócioeconômica capitalista. Como a democracia deve ser apreendida como uma problemática em processo histórico, no caso brasileiro a dura realidade da brutal coerção exercida historicamente pelo Estado apropriado pelos interesses das classes dominantes tem sido sempre disfarçada e mistificada. A burguesia conservadora do país garantiu, por diversas vias, a passagem do estatuto colonial para o de pretensa autonomia nacional mediante um processo de industrialização que não operou as reformas fundamentais e necessárias ao ordenamento burguês “clássico”, o que determinou historicamente o alijamento das classes populares aos direitos da cidadania (burguesa). Nesse contexto, a questão da democratização no Brasil emprenha-se de conteúdos ainda mais civilizatórios e coloca muitos 77 constrangimentos às elites brasileiras31. No Brasil a “questão democrática” comporta um conjunto de demandas universais das camadas populares que são fundamentais para a emancipação política dos sujeitos sociais - todavia, inscritas precisamente na legalidade própria da formação sócioeconômica do país, pois mesmo a sua condição de capitalismo dependente não cancela as determinações universais do sistema capitalista. Essa pequena sinalização da questão da democracia na realidade nacional nos ajuda a situar porque democracia, justiça social, igualdade, direitos e cidadania adquiriram tamanha importância política no projeto ético-político profissional do Serviço Social e porque a sua defesa é importante para a melhoria das condições de vida e trabalho da população brasileira. Do ponto de vista do trabalho profissional, a condição restrita ou ampliada da cidadania e da democracia expressa-se, factualmente, na possibilidade de acesso a parcelas da riqueza social, na forma de serviços e políticas sociais, de modo que a administração da questão social no país adquira tonalidades mais democráticas. Assim, esses temas estão intimamente relacionados ao Serviço Social, ganhando materialidade nas práticas ídeo-políticas das vanguardas profissionais, mas profundamente tensionadas no exercício cotidiano dos assistentes sociais. Podemos retomar agora uma afirmação presente na nossa argumentação anterior: a dimensão ética e política que adquire o projeto ético-político profissional coloca para o Serviço Social o horizonte da possibilidade de ruptura com o capitalismo - todavia, enquanto categoria profissional politicamente organizada, essa potencialidade inscreve-se necessariamente na articulação e defesa das lutas das classes trabalhadores e proletárias organizadas. Enquanto determinado pela condição que nos é atribuída na divisão social e técnica do trabalho, o nosso exercício profissional comporta formas de trabalho democráticas, que lutam pela qualidade dos serviços sociais e que podem ampliar o acesso aos direitos sociais, mas a funcionalidade que esses adquirem socialmente independe da vontade dos sujeitos, o que nos inscreve precisamente no universo da administração da questão social no capitalismo. Não queremos, com esta afirmação, simplesmente remeter a uma análise já consolida no Serviço Social acerca das diferenças estruturais entre projetos societários e projetos profissionais – para a qual os primeiros comportam os projetos universalizantes das classes sociais fundamentais e os segundos elegem diretrizes e valores que legitimam a profissão socialmente e a vinculam aos projetos societários. Queremos apenas indicar que a defesa e construção do socialismo ou a “opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero” (CFESS – Código de Ética Profissional, 1993) é possível na dimensão das articulações e práticas políticas que o conjunto profissional organizado elege e desenvolve; porém, no exercício cotidiano das intervenções profissionais pode 31 O racismo e preconceitos de toda ordem (de classe, de gênero, de orientação sexual etc.) são traços das classes burguesas que se agregam numa constelação heterogênea de valores altamente elitistas. 78 ocorrer, no máximo, a explicitação da defesa de uma outra ordem societária de modo individual e/ou coletivo, sem com isso alterar a natureza e a funcionalidade que o trabalho profissional possui, pois o sujeito pode à partida atribuir um objetivo à sua prática, mas a funcionalidade dela é determinada por um conjunto de policausalidades que atuam no fenômeno sobre o qual ela incide. Ou seja, os sujeitos assistentes sociais poderiam até, no limite, serem todos revolucionários – tal não alteraria, em si, a natureza e os limites do seu trabalho profissional. Esta observação crucial, todavia carente de muitas mediações para sua explicitação, parecenos necessária para problematizarmos como a categoria profissional vem se apropriando deste princípio presente no Código de Ética – “opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero” – vista a impossibilidade dessa transformação social se posta exclusivamente no horizonte do exercício profissional. À partida, ainda que apenas apoiada na minha própria experiência profissional e política (que, obviamente, inclui minha análise da bibliografia profissional e minha participação em fóruns de debate da categoria), surge-me a seguinte hipótese: como a ação teórica e política dos sujeitos profissionais organizados não está conseguindo explicitar claramente a dimensão eminentemente ídeo-política da perspectiva de construção de uma nova ordem societária presente no projeto ético-político profissional (que só ganha prática concreta na ação coletiva e organizada da categoria profissional em condições históricas determinadas), tal perspectiva vem sendo incorporada pelo conjunto da categoria profissional como uma dimensão constituinte do que seria uma intervenção profissional crítica, comprometida e, por vezes, transformadora. Dito de outra forma: dada a carência de rigor com que vem sendo apropriada a natureza e a estrutura do Serviço Social e suas atuais funções sociais na dinâmica de administração da questão social própria do capitalismo contemporâneo, os componentes ídeo-políticos presentes no trabalho profissional vêm progressivamente se autonomizando das práticas dos assistentes sociais e estes desenvolvem, assim, um discurso progressista de si, do trabalho e da sociedade, mas reproduzem uma intervenção conservadora. O fenômeno aparece de modo límpido, por exemplo, quando se confunde a direção social crítica marxista que cauciona o projeto de formação profissional das Diretrizes Curriculares da ABEPSS com o resultado dessa formação, ou seja: não se formam marxistas ou revolucionários nas nossas graduações, mas assistentes sociais municiados de um arsenal teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo que pode, ou não, ter referências no marxismo. E qual a importância dessa consideração para a nossa tese? Os equívocos do exercício profissional, alicerçados na autonomização ídeo-política de princípios muito caros e disputados no Serviço Social, vem implicando o uso descontextualizado de conceitos teóricos tais como democracia, participação, cidadania, etc. e a adesão a práticas profissionais desreferenciadas das suas reais funções sociais. O uso indiscriminado desses conceitos me parece, do ponto de vista 79 teórico, um dos afluentes da emergente relação entre Serviço Social e economia solidária. Esta angulação é, decerto, um campo de polêmicas que estão para além, inclusive, do próprio Serviço Social – mas é deste lugar que se faz a nossa análise. Antes que nos acusem de estarmos presas na gaiola de ferro weberiana pela via do pessimismo, preferimos assumir a pretensão de padecer do rigor teórico necessário nas análises que se reivindicam legatárias do pensamento marxiano. 80 CAPÍTULO II ECONOMIA SOLIDÁRIA E CAPITALISTMO 81 O segundo Capítulo trata da Economia Solidária em face das manifestações do capitalismo contemporâneo, e, mais ainda, rastreia alguns dos seus fundamentos ídeo-políticos e teóricos, que vão dos socialistas utópicos ao socialismo de Singer (1998), e se dedica, particularmente, a investigar a economia solidária no Brasil e oferecendo ao leitor uma radiografia dos chamados “empreendimentos de economia solidária” que vem sendo desenvolvidos no país. Nesta parte da pesquisa identificamos o que é, no nosso entendimento, um movimento contraditório de ampliação, fragilização e pauperização das estratégias de trabalho dos segmentos populares inscritas no leque da economia solidária no Brasil. 2. 1. Características contemporâneas do capitalismo O capitalismo contemporâneo – e sua dinâmica de desenvolvimento nos países periféricos – foi, e continua sendo, objeto das mais diversas análises que tematizam, principalmente, a reestruturação do modo de produção capitalista após a crise mundial iniciada nos anos de 1970 e a inflexão neoliberal na década seguinte. Apesar desses elementos – reestruturação produtiva e neoliberalismo – serem aspectos relativamente renovados no ordenamento do capital, a separação entre o econômico e o político são formas aparentes, constantes e constitutivas da reprodução capitalista. Com efeito, é necessário afirmar, desde já, que a compreensão que baliza nossa tese remete a uma tentativa em analisar e captar alguns dos determinantes econômicos, políticos e sociais que caracterizam o capitalismo contemporâneo como uma totalidade e, nesse cenário, compreender como a economia solidária tem uma funcionalidade econômica, política e social ao sistema de produção e reprodução capitalista. Uma tentativa de caracterização do capitalismo contemporâneo nos leva a destacar, inicialmente, que vivenciamos um período de continuidades e renovações na dinâmica da ordem vigente. As continuidades referem-se inegavelmente ao constitutivo monopolista na estrutura organizativa dos capitais, com aprofundamento do imperialismo, o que para Netto e Braz “vale dizer, [que] o capitalismo contemporâneo constitui a terceira fase do estágio imperialista” (2006: 211, negrito dos autores). Ou seja, a fase imperialista, que se instaura no início do século XX, permanece inalterada no seu conteúdo monopolista, todavia repleto de mudanças que caracterizam as renovadas formas de expansão capitalista. 82 A onda longa expansiva32, que deu o verdadeiro suporte econômico ao desenvolvimento capitalista nos “anos dourados”, manteve o crescimento econômico atrelado a altas taxas de lucro e bons índices de emprego e melhoria das condições de vida de parcelas da classe trabalhadora nos países centrais assegurada, pelo Welfare State, apesar das enormes desigualdades sociais. Já em finais dos anos 1960, a onda longa expansiva dava sinais de esgotamento. A taxa de lucro do capital começava a cair em várias partes do mundo central 33, o que levou a uma redução real do crescimento econômico e da margem negociável de transferência da mais-valia para o fundo público e para os salários. De outro lado, para agudizar ainda mais a crise, contam-se as fortes pressões de segmentos de trabalhadores organizados34, que foram decisivos reivindicando aumentos salariais e questionando a organização da produção capitalista. O suposto “capitalismo democrático” dos países centrais começa a derruir e são postos à prova a base do consenso capitalista construído no período pelo pacto capital, trabalho e Estado – pacto no qual a socialdemocracia desempenhou papel político-ideológico central (Przeworski, 1991). A análise mandeliana das crises cíclicas capitalistas nos leva a afirmar que as recessões generalizadas de 1974/75 e 1980/82 não são nem resultado do acaso nem o produto de elementos exógenos à dinâmica capitalista (como a alta do preço do petróleo, ou a mudança do padrão-ouro como medida de conversibilidade para o comércio internacional). São essas – as recessões – parte constitutiva das crises capitalistas, como as que vêm sendo vivenciadas nos últimos 35 anos, que definem uma renovada onda longa recessiva, caracterizada pelo recuo do crescimento e pela ofensiva do capital nas alternativas às crises. A profundidade da crise mundial, que pôs fim ao “ciclo dourado” de crescimento econômico do segundo pós-guerra, determinou a intensidade e o impacto das diversas respostas - econômicas, políticas e sociais - que o capital monopolista operou sobre os países centrais e periféricos. O que, na nossa percepção, fortaleceu sobremaneira o capital frente às resistências sócio-históricas oferecidas pela classe trabalhadora e pelo movimento socialista. Produziu, assim, uma espécie de “tônico,” dando ao capitalismo uma imagem que, para muitos, mostra como inconteste a sua supremacia - o que levou rapidamente os apologistas burgueses a declararem o “fim da história”, por vias da liberdade plena do mercado e da vigência da democracia parlamentar representativa enquanto etapa final da evolução da humanidade. Esta, certamente, como uma projeção 32 33 34 Já referenciamos, no capítulo 1, a obra pertinente de Mandel (O capitalismo tardio) de que retiramos a concepção de “onda longa” (e que, como o próprio autor esclarece, tem raízes nos trabalhos de Leontiev). O conteúdo teórico desta concepção está suficientemente desenvolvido na obra do marxista belga (cf. Mandel, 1982: p. 75-102) de modo que não consideramos necessário retomar aqui as suas lúcidas considerações. Entre 1968 e 1973, a taxa de lucro começa a cair rapidamente: na Alemanha Ocidental de 16,3 para 14,2%, na GrãBretanha de 11,9 para 11,4%, nos Estados Unidos de 18,2 para 17,1%, no Japão de 26,2 para 20,3%, e na Itália de 14,2 para 11,1% (Netto e Braz, 2006: 213). São de destacar aqui as manifestações francesas de 1968 e as italianas de 1969. 83 mistificadora do real e da história, já recebeu inúmeras contestações teórico-políticas, mas sem dúvida a mais precisa foi a da própria realidade, fruto das ações de resistência das camadas sociais mais diversas e das crises que vêm assolando o mundo desde o final do século XX e início do século XXI, (1994-95, crise econômica e moratória do México; 1997-98, crises financeiras russa e asiática; 2001-02, quebra do sistema bancário argentino e, especialmente, a crise do final de 2008)35. O capital, tanto no centro como na periferia, inicia, já nos finais da década de setenta, uma estratégia política de ofensiva na busca de reverter o quadro que lhe era totalmente desfavorável. O primeiro alvo foi o movimento sindical, que passou a sofrer um ataque sistemático, na medida em que foi, e ainda é, atribuído às conquistas da classe trabalhadora a responsabilidade dos gastos públicos com as garantias sociais e as perdas de lucros com os aumentos salariais. Nos anos 1980, com os governos de Thatcher na Inglaterra e Reagan nos Estados Unidos, o capital constitui um aparato legal e político de controle dos movimentos sindicais, e instaura, nos planos econômicos e políticos, as bases para o seu contra-ataque. Importante destacar a grande repressão promovida por mistress Thatcher sobre os mineiros na Inglaterra, entre 1984-85, e por mister Reagan aos controladores de voo nos EUA, em 1981. No domínio dos circuitos produtivos, são introduzidas alterações que reconfiguram o padrão econômico e produtivo denominado rígido, que se consolidou nas décadas áureas de crescimento. Em substituição, instaura-se um modelo caracterizado pelos seus aspectos flexíveis. Flexibilidade esta que se aplica aos processos de trabalho, aos mercados de trabalho, aos produtos e aos padrões de consumo. A produção volta-se para atender demandas as mais diversificadas, e se alinha a uma diversificação agora própria da acumulação, que se caracteriza pelo “surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional” (Harvey, 1992: 140), cuja natureza corresponde ao momento presente das demandas do capital, marcado pela necessidade de elevar a acumulação do capital a partir da redução, cada vez mais imperativa, do tempo de realização das mercadorias. De acordo com Antunes, esse modelo é a tentativa de construção de uma nova fase de acumulação e repõe os elementos que constituem a dinâmica de expansão capitalista. Assim, na medida em que é uma forma própria do capitalismo, o ordenamento produtivo atual mantém três características que lhe são fundamentais: 1. direcionamento para o crescimento e acumulação de capital; 2. crescimento baseado na exploração do trabalho vivo; 3. o capitalismo, enquanto um 35 Referências mais detalhadas das crises capitalistas que se vêm sucedendo desde os anos 1990 encontram-se, entre outros, em Amin (2003), Harvey (2005) e Netto e Braz (2006). 84 sistema de regulação baseado na busca incessante de acumular capital, apresenta uma intrínseca dinâmica tecnológica e organizacional (Antunes, 1999). Na reestruturação produtiva, o essencial encontra-se na dinâmica, sem precedentes, de incorporação à produção de tecnologias de base microeletrônica e na desconcentração produtiva, que provoca uma reorganização territorial, em escala mundial, da produção dos monopólios. A partir do deslocamento, total ou parcial, de complexos produtivos – mediante contratação direta, via terceirização, via subcontratações, ou ainda trabalho autônomo domiciliar ou cooperativas de trabalho –, o capital consegue intensificar a exploração da força de trabalho e renova ainda mais o carácter desigual e combinado do desenvolvimento capitalista. A desconcentração produtiva caracteriza-se, ainda, neste mesmo entendimento, pelo deslocamento do emprego e das modalidades de trabalho formal - movimento que ocorre com o fechamento de postos de trabalho na indústria fabril central e abertura de novas frentes de trabalho nos chamados serviços. Essa alteração na gestão e contratação da força de trabalho aponta, para alguns autores, entre eles Offe (1995), que o setor de serviços seria supostamente esse novo espaço privilegiado de inserção dos trabalhadores, visto que, segundo o autor, o setor industrial estaria sendo comprimido a partir da substituição dos trabalhadores por máquinas e pela tecnologia. Isto, para Offe, resultaria em mudanças substantivas na centralidade do trabalho como regulador da dinâmica produtiva e do movimento da vida social. Ora, diferentemente do que afirma Offe (ibid), entendemos que os trabalhadores deslocados da empresa central e alocados nas suas concessionárias e subcontratadas – processo esse mediado por renovadas e diversificadas formas de pagamento da força de trabalho (por tempo de trabalho ou por peça) – estariam medularmente articulados ao processo de criação de mais-valia e interligados mediante processo de valorização do capital36.; O perfil industrial – a organização produtiva e a gestão das empresas – alterou-se profundamente. E a ofensiva capitalista avançou também nas orientações neoliberais que deram a tônica no processo de liberação econômica e sócio-política do capitalismo. Os governos de Reagan e Tatcher aprofundaram o processo de desregulamentação financeira, com a eliminação das restrições à mobilidade dos capitais, o fim do controle de preços e das restrições à criação de novos tipos de aplicações e investimentos no mercado financeiro. Já que as barreiras das regulações e dos agentes sócio-políticos vinham, e vêm, sendo 36 As subcontratadas, dessa forma, transferem para a “empresa mãe” parte do valor produzido em seus processos de trabalho. Mesmo ante a fragmentação, o trabalho seria ainda organizado de modo que a cooperação permanece como eixo vinculador do trabalhador coletivo e mediador dos diversos processos de trabalho. As pequenas e médias empresas seriam supostamente “prestadoras de serviços” às grandes produtoras, contratadas por tempo determinado, que por sua vez têm em seus quadros trabalhadores temporários, trabalhadores sem emprego regular, que são, principalmente, desprovidos de direitos trabalhistas (Cf. Neves, 2007). 85 gradativamente derrubadas, o capital monopolista encontra-se cada vez mais livre para operar – para além da exploração direta do trabalho - suas estratégias de reificação da vida social e de deslegitimação das lutas e das conquistas sociais. “Realmente, o capitalismo contemporâneo particulariza-se pelo fato de, nele, o capital estar destruindo as regulações que lhe foram impostas como resultado das lutas do movimento operário das camadas trabalhadoras” (Netto e Braz, ibid.: 225). A desmontagem dos sistemas de proteção social nos países centrais aponta, de modo emblemático, como o capital vem retirando sistematicamente os direitos sociais que são resultado das conquistas históricas. Direitos estes que são apresentados e reproduzidos para a sociedade como privilégios, ou ainda, como custos adicionais desnecessários para a contratação de trabalho, sobre a qual imporiam uma suposta carga de impostos adicionais que onera em muito o empresariado e desestimula o desenvolvimento – o que economistas brasileiros neoliberais denomiman de custo Brasil37. Entretanto, o neoliberalismo não é apenas uma estratégia com bases restritas na economia. Mesmo que as ideias que dão corpo às teses neoliberais sejam originárias do economista austríaco Friedrich Hayek38, e seu premiado livro O caminho da servidão (1944), a ideologia neoliberal é uma reação teórica e política que surge, inicialmente, como alternativa ao modelo de desenvolvimento centrado na intervenção do Estado, mas que veio se tornado um fenômeno ídeo-cultural em escala mundial. O seu caráter conservador é baseado na compreensão da sociedade como um grande mercado e, assim, como um meio para a realização criativa dos indivíduos, onde todas as formas de competição são estimuladas. Supõe-se, nesta perspectiva, uma ideia de liberdade e de progresso que só é realizável, para os neoliberais, na ação “livre” dos indivíduos por meio do mercado - assim, primeiro existe o indivíduo com seus interesses e carências e depois a sociedade. Desse 37 38 Para boa parte dos economistas da atualidade, o problema do trabalho no Brasil está atrelado ao seu alto custo social, o chamado “custo Brasil”. Esta grande vertente dos economistas acredita que a flexibilização do processo de trabalho, do mercado de trabalho e da legislação trabalhista é um elemento fundamental para alavancar o desenvolvimento econômico do país. De acordo com um dos grandes apologistas liberais, “no Brasil, o resultado da soma da Constituição, CLT e jurisprudência da Justiça do Trabalho gera uma enorme inflexibilidade para se negociar condições de trabalho (...). A grande vantagem da contratação coletiva – perdida com a inflexibilidade apontada – é exatamente a das partes acertarem livremente o que mais lhes interessa no momento em que negociam. A competição, o avanço veloz das inovações, a diversidade dos produtos e a globalização da economia estão impondo novas formas de contratação, desconcentração e remuneração da mão-de-obra. Cresce a necessidade do trabalho em tempo parcial; trabalho temporário; trabalho por projeto; teletrabalho etc. Assim como aumenta a necessidade de se fazer arranjos específicos, sob medida, em nível de empresa e de caráter conjuntural” (Pastore, 1995: p. 183-184). A importância de Friedrich August von Hayek (1899 Viena, Áustria - 1992 Freiburgo, Alemanha) no século XX é comparada, pelos economistas burgueses liberais, com o papel que Adam Smith desempenhou durante o Iluminismo, no séc. XVIII, com a defesa da liberdade do chamado poder criativo e da economia de mercado. A sua ideologia está bem patente nas suas obras mais famosas: The Road to Serfdom (1944),The Constitution of Liberty (1960) e The Fatal Concept: The Errors of Socialism (1989). Ao defender o capitalismo global, Hayek teve grande influência não apenas em vários economistas e filósofos proeminentes (K.R. Popper e Robert Nozick) como também em políticos de topo, tanto no ocidente (Ludwig Erhard/Alemanha ocidental, Margaret Tatcher/Inglaterra e Ronald Reagan/EUA) como do leste europeu (Vaclav Klaus/Républica Checa, Leszek Balcerovicz/Polónia e Mart Laar/ Estónia) (cf. Caldwell, 2004). 86 entendimento deriva uma concepção teórico-prática de homem, caracterizado, particularmente, como individualista e egoísta, pois funda-se no entendimento liberal da autodeterminação individual, no qual todos compartilham das mesmas oportunidades, sendo que apenas alguns conseguirão ascensão social ou melhorias de vida por via de uma competição justa. Essa concepção é também conhecida como teoria política do individualismo possessivo39. A ideologia neoliberal tem seu núcleo principal no ataque a qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciando tal limitação como uma ameaça letal à liberdade econômica e política. Assim, os neoliberais retomam a tese clássica40 de que o mercado é a única instituição que pode, e deve, apresentar soluções aos problemas sociais de natureza econômica, política ou cultural. O Estado torna-se o primeiro alvo dos ataques neoliberais, também reforçado pelo espaço aberto com a derrubada dos modelos do leste europeu e da crise dos modelos sociais-democratas de distribuição. O Estado social e interventor é qualificado como burocrático e inoperante e, segundo os neoliberais, limita a liberdade necessária para que capitais e mercados superem as crises. Para eles, o Estado deve ser reformado 41, possibilitando maior flexibilidade e movimento para a economia capitalista, principalmente a redefinição da alocação do fundo público. Apesar dessa demonização ideológica do Estado, os setores monopolistas se utilizam sistematicamente da intervenção estatal para viabilizar a economia capitalista. Um excelente exemplo disso foram as recentes intervenções do governo norte-americano, com o presidente Obama injetando monumentais recursos públicos para evitar o colapso do capitalismo. O pacote de estímulos à economia aprovado pelo Congresso americano em fevereiro de 2009 destinou 1 bilhão de dólares só para a geração, prevista, de 35 mil empregos, na tentativa de recuperação frente às 6 39 40 41 Em Macpherson encontramos uma análise profícua sobre o que o autor chama de unidade básica do pensamento político inglês dos séculos XVII e XIX, o “individualismo possessivo”. Segundo o autor, “é necessário que se possa postular que os indivíduos de que se compõe a sociedade se vêem, ou são capazes de se ver, como sendo iguais, sob algum aspecto fundamental, do que sob todos os aspectos em que são desiguais. Essa condição foi preenchida na sociedade pelo mercado possessivo original, desde seu surgimento como forma dominante no século XVII, até seu apogeu no século XIX, pela aparente inevitabilidade da subordinação de todas as leis do mercado” (1979: p. 284). Em Adam Smith, especialmente no seu livro A Riqueza das Nações (1776), desenvolve alguns formulações que se tornaram seminais para o pensamento liberal, por isso sua condição clássica. Para Smith, na livre concorrência os homens agem segundo sua liberdade e pensam exclusivamente na própria satisfação, e assim serão, involuntariamente, os motores do desenvolvimento social. "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse", diz Smith. É no inesperado resultado dessa luta competitiva por melhoramento próprio que "a mão invisível" regula a economia, e Smith afirma que a mútua competição ou concorrência força o preço dos produtos para baixo até seus níveis "naturais", que correspondem ao seu custo de produção. Ele quer demonstrar, ainda, que o mecanismo protetor, conversor do mal em bem, é a concorrência e a competição. O desejo apaixonado do homem para melhorar sua condição pelo melhoramento próprio em detrimento do outro - "um desejo que vem conosco do útero materno e nunca nos deixa até que vamos para a sepultura - é transformado em um agente beneficente social, dando nascimento a uma sociedade ordenada e progressista” (cf. Mauro, 1973). Observa-se, de acordo com Netto e Braz, que “pela primeira vez na história do capitalismo, a palavra reforma perdeu o seu sentido tradicional de conjunto de mudanças para ampliar direitos; a partir dos anos oitenta do século XX, sob o rótulo de reforma(s) o que vem sendo conduzido pelo grande capital é um gigantesco processo de contrareforma(s), destinado à supressão ou redução de direitos e garantias sociais” (2006: 227; grifos e negritos dos autores). 87 milhões de vagas que foram eliminadas em 18 meses de crise. A primeira etapa de recursos do Estado para salvar a economia americana foi de 700 bilhões de dólares para evitar que o sistema financeiro americano derruísse por completo, juntamente com a quebra de vários conglomerados financeiros, principalmente o gigante Lehman Brothers. Depois, liberaram-se mais 787 bilhões para diversos setores da economia, com destaque para o setor automobilístico, com o que o governo tornou-se um grande acionista, injetando diretamente 65 bilhões para salvar a General Motors e a Chrysler42(cf. Lethbridge, 2009). Ao contrário do que sustentam as teses neoliberais, o Estado continua, como se constata empiricamente, com seu papel central na criação e manutenção das condições necessárias à acumulação capitalista e, sobretudo, neste momento contemporâneo, financiando a pesquisa e as descobertas aplicadas ao desenvolvimento de diversas áreas como eletrônicos, mecânicos, nanotecnologia, ciências da vida e da informação (cf. Netto e Braz, 2006). Parece evidente concluir que o “Estado mínimo” proposto pelos neoliberais refere-se somente às ações estatais que correspondem às conquistas sociais do trabalho e a viabilização do conjunto de direitos sociais. Por outro lado, ao capital foram exponenciadas as condições de captura da renda mundial para além das fronteiras nacionais, através da financeirização da riqueza, da redução dos custos de contratação e manutenção da força de trabalho, da diminuição da proteção social e da transferência de ativos estatais para o setor privado, via privatizações. No dizer, muito preciso, de Netto (1993: p. 81), o Estado é apenas mínimo para o trabalho e máximo para o capital. Ainda é importante afirmar que o neoliberalismo exprime, a partir do papel renovado do Estado, o poder e a “hegemonia da finança”. Os analistas do processo de financeirização, especialmente Chesnais, identificam, há alguns anos, um regime de acumulação com dominância financeira, que resulta de um processo de desregulamentação e de liberalização empreendido pelos Estados nacionais sob o signo do neoliberalismo. Trata-se, assim, de uma nova forma de dominação social da finança43, fruto de uma intervenção sistemática do Estado. Considerar a alta brutal da taxa de juros ocorrida em 1979, o “golpe de 42 43 É facilmente perceptível que o socorro do governo americano veio para todos, inclusive para os que defendem a exclusividade do mercado na regulação econômica. Mesmo assim, a hipócrita mídia burguesa continua pregando as possíveis nefastas consequências das ações estatais neste momento de intervenção na crise. Ainda segundo Lethbridge, em matéria na revista Exame, “ Quem pediu Estado, está tendo Estado para valer. Até agora, o resultado desse tratamento de choque foi evitar que a economia americana mergulhasse num abismo. Numa frente, a dinheirama do Fed e a intervenção estatal estabilizaram o sistema financeiro. E, na outra, o pacote de estímulos amenizou o impacto da recessão. Segundo a agência de classificação de risco Moody's, os bilhões do governo salvaram 500.000 empregos até agora. Mas, ao intervir na economia, transferindo o risco do setor privado para o Estado, o governo americano pode criar as bases para a próxima crise” (Lethbridge, 2009: 37). A financeirização do capital é um núcleo fundamental para a investigação do capitalismo contemporâneo análises fecundas encontram-se em Chesnais (1996, 2003, 2005). 88 1979”, como o ato fundador da dominação da finança significa, necessariamente, atribuir ao Estado (ao Tesouro e ao Federal Reserve dos Estados Unidos) um papel central. Entre as transformações verificadas nas duas últimas décadas, Duménil-Lévy e Chesnais destacam, em diversos momentos, o papel motor do governo, principalmente dos Estados Unidos. Nenhuma das contribuições trata o Estado como um poder autônomo, situado acima das classes; muito pelo contrário (Duménil e Lévy, 2003: 94-95). Se os neoliberais insistem em que é necessário menos papel do Estado na dinâmica econômica capitalista, onde seriam então, para eles, necessárias as intervenções estatais? O impacto que a reestruturação capitalista dos últimos anos vem exercendo sobre a massa operária e o conjunto das camadas trabalhadoras reflete o surgimento de novas determinações que incidem sobre a questão social. E é, sem dúvidas, sobre o processo de pauperização que deve incidir, prioritariamente, a intervenção do Estado, de acordo com o receituário neoliberal. Nesse ponto da análise, faz-se importante destacar que todas as transformações implementadas pelo capital têm como objetivo principal reverter a queda da taxa de lucro e criar condições renovadas para a exploração da força de trabalho (cf. Teixeira, 1996). Dessa forma, são os trabalhadores que pagam diretamente pelas mudanças impostas para salvaguardar o capitalismo, “da redução salarial... à precarização do emprego” (Netto; Braz, ibid.: p. 218). Em resposta à crise pela qual vem passando, o capitalismo desencadeia estratégias de superação, particularmente na sua base produtiva. A dinâmica social do capital busca sempre, e muito mais nos momentos de crise, formas de intensificação do trabalho, aumento de produtividade, resultando na otimização da extração de mais-valia. A flexibilização, que é operada em diversos sentidos, impõe sério enfraquecimento ao trabalho. É perceptível a fragmentação na organização da produção, nos processos de trabalho, no mercado de trabalho e nos direitos regulamentados do trabalhador, que resulta, consequentemente, numa fragmentação da classe trabalhadora e dos seus processos de organização social. A reestruturação produtiva diminuiu, de modo relativo, a classe trabalhadora industrial no núcleo central produtor de mercadorias; e na medida que foi reduzindo os postos de trabalho internos à fábrica, incorporou novas modalidades de trabalho, como as cooperativas, o trabalho doméstico e as pequenas empresas terceirizadas, integrando-as intensamente à organização da produção capitalista. Este fato demarca a proliferação, ainda mais precária, de diversos segmentos trabalhadores nas bordas do complexo produtor central, o que no nosso entendimento explica como 89 trabalhadores, que foram “transferidos” do setor produtivo para o setor de serviços, continuam ligados ao circuito de valorização do capital44. E mais: o argumento de se flexibilizar45 para criar mais postos de trabalho é facilmente refutável à base de dados internacionais e nacionais – vejamos alguns dados referentes ao nosso país. Assim, podemos destacar, a partir dos dados do DIEESE/SEADE, que, durante a década de 1990, o auge de contratações flexíveis ocorreu em 199946 e de modo mais intenso nas regiões metropolitanas de São Paulo e de Porto Alegre. Na primeira, a contratação flexibilizada, que em 1989 representava 20,9% do total de postos de trabalho criados pelas empresas, passou em 1998 para 31,6%, atingindo 33,1% em 1999. Na região metropolitana de Porto Alegre, passou de 17,8%, em 1993, para 22,1%, em 1998 e 24,8% em 1999. Dentre as formas de contratação flexíveis, a mais praticada foi a contratação realizada diretamente pela empresa, com assalariamento e sem carteira assinada. A segunda forma de flexibilização a se generalizar foi a terceirização de serviços e a contratação do trabalhador por conta própria ou autônomo, que em 1998 era de 8,4% em São Paulo, passando para 14,5% em 1999. Todas essas modalidades contemporâneas de contratação do trabalho são formas renovadas de precarização das relações de trabalho e expressam a atual necessidade do capital, ou seja: o capital busca, para recompor suas taxas de lucro, formas cada vez mais “livres” de contratação, isto é, sem compromissos com os direitos sociais. As modernas formas de contratação (subcontratação, trabalho domiciliar, trabalho por tarefas, trabalho em tempo parcial etc.) da força de trabalho criam novas condições extremamente favoráveis para um maior domínio e controle do trabalho pelo capital. (...). Essa nova estruturação potencializa enormemente a exploração da mais-valia. Isso pode ser demonstrado quando se analisam as peculiaridades características de formas de pagamento da força de trabalho. Aliás, trata-se de uma reposição de formas antigas de pagamento que foram dominantes nos primórdios do capitalismo (Teixeira, 1996: p. 65). Assim, antigas formas de trabalho - trabalho artesanal, associativismo, cooperativismo, trabalho doméstico e familiar - aparecem como alternativas de trabalho para um número crescente de trabalhadores que não estão inseridos em relações formais de trabalho e aos 44 45 46 No marco deste debate, é útil o trabalho de Tavares (2004). De acordo com o DIEESE, por flexibilização “entende-se a contratação do trabalhador diretamente pela empresa, como assalariado sem carteira de trabalho assinada, ou via terceirização ou ainda como trabalhador autônomo” (DIEESE, 2001: p. 14). O aumento do número de contratos de trabalho temporário e jornadas flexíveis deve-se, especialmente, à regulamentação dessa modalidade de contratação, a partir da promulgação da Lei 9.601/98, que dispõe sobre o tema. 90 quais não se asseguram direitos trabalhistas. No Brasil, o processo de desregulamentação do trabalho tem suas particularidades, pois, a grande maioria dos pobres sempre careceu de empregos formais e com direitos trabalhistas assegurados – vale dizer: de empregos minimamente remunerados, que oferecem estabilidade, perspectivas de carreira, seguro-desemprego, seguro contra acidentes, enfermidades, velhice e morte, ou seja, o sentido universal do emprego típico das camadas trabalhadoras dos países centrais. No mercado de trabalho capitalista, a venda da mercadoria força de trabalho resulta de um contrato pelo qual o empregador compra a mercadoria de que necessita. Se há muito trabalho disponível, pronto para ser adquirido, o preço da mercadoria tende a cair – assim, os salários são comprimidos gerando mais pauperização e mais desemprego. E a ideologia neoliberal tenta estabelecer, com entusiasmo, o mercado como única forma de coordenação possível para regulação do emprego, e realiza, dessa forma, mais um ataque ao movimento sindical e ao conjunto do trabalho organizado. Mas, contraditoriamente, corresponde, por um lado, ao reconhecimento implícito do papel dos sindicatos operários como um obstáculo às pretensões do capital e, por outro, a que a escolha de alternativas leva sempre em conta a contradição fundamental entre capital e trabalho assalariado. Consequentemente, o resultado prático da visão liberal é a tentativa de reposição do exército industrial de reserva como variável de ajuste das relações salariais (Meneleu, 1996: 76-77; itálico do autor). O monumental crescimento do desemprego direto no capitalismo contemporâneo é um dos problemas mais evidentes da conjuntura atual. Muitos economistas tentam explicar este fenômeno como apenas o resultado “natural” do conjunto de ajustes que vêm sendo realizados mas, principalmente, como resultante da introdução de tecnologias poupadoras de força de trabalho. De fato, as incorporações tecnológicas respondem pela absorção cada vez maior de trabalho morto no processo produtivo - o que libera, realmente, quantitativos de trabalhadores de determinados processos no sistema de produção. Mas o desemprego é, na atualidade, resultado de determinações que vão desde as políticas fiscais das economias nacionais até a flexibilização das relações de trabalho. As políticas fiscais e monetárias têm em vista impedir que a economia se “aqueça” por demais, o que implica manter uma margem de sobre-oferta de força de trabalho. Nesse sentido, o desemprego também é um efeito funcional das políticas de estabilização (cf. Belluzzo e Almeida, 2002). Se essas são algumas determinações na dinâmica do desemprego, é preciso destacar que existe um grande fator que também regula esse processo, a luta de classes. “Só a grosso modo os 91 movimentos gerais de salários são exclusivamente regulados pelo movimento do exército industrial de reserva […]. Esses movimentos são regulados por outros fatores: a luta de classes, por exemplo” (Teixeira, 1995: 199). A ofensiva do capital sobre o trabalho, nos últimos anos, no Brasil, resultou numa fragilização do poder sindical, que se materializa em sindicatos e centrais sindicais atrelados ao governo, e vem transformando a política sindical na própria política de governo. Dessa forma, a resistência organizada dos trabalhadores é, substancialmente, neutralizada, e os limites que seriam possíveis de se estabelecer ao capital, na regulação do mercado de trabalho, vêm sendo sucessivamente destruídos. A realidade que se revela demonstra que a desigualdade, a pobreza e o desemprego têm raízes profundas e são expressivos no quadro do capitalismo contemporâneo, particularmente no Brasil. Pois, apesar dos estudos do IBGE, do IPEA e outros institutos estatísticos seguirem afirmando o crescimento da economia brasileira, a redução do desemprego e a diminuição da pobreza, as informações coletadas por estas mesmas agências revela o grave quadro da flexibilidade no mercado de trabalho, o contingente expressivo daqueles que trabalham por conta própria e, ainda, daqueles que não são empregáveis e compõem uma massa significativa da população pobre. Antes de apresentar alguns dados, é preciso dizer que a precarização do trabalho toma também a forma de relações “informais”, que não são modalidades novas 47. Porém, com a redução de empregos estáveis ou permanentes nas empresas, e da maior subcontratação de trabalhadores temporários, eventuais ou por conta própria – tudo isso agora legalizado, as pesquisas sobre emprego adotaram, além de novas metodologias, novas nomenclaturas para a análise do mercado de trabalho: aí estariam os ocupados e os desocupados em relação à população economicamente ativa – PEA. De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego – PME, do IBGE48, em relação à condição de atividade, os dados das seis regiões metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), em 2008, o número de pessoas em idade ativa era de 40.322.000 (mais de 40 milhões). Destas, apenas 23.221.000 (57,5%) pessoas (um pouco mais de 23 milhões de pessoas) eram consideradas economicamente ativas, PEA. Veja-se, 42,5% da população ativa não está compondo a PEA. Desta mesma PEA, apenas 52,5% encontravam-se ocupadas e 4,5% (1.853.000 pessoas) estavam desocupadas. O restante entravam-se em categorias diversas marginais 47 48 Para este tema consulte-se os estudos dos anos 1980 de Souza (1980). As informações sobre a PME, que agregamos à nossa pesquisa, são parte da publicação de um estudo sobre o mercado de trabalho brasileiro, no período de 2003 a 2008 realizado pelo IBGE (2009). 92 à condição de ocupados, ou seja, inseridos em alguma atividade de trabalho. Somando o número de desocupados e os considerados não economicamente ativos (17.101.000), temos um total de 18.954.000, quase 19 milhões de pessoas que estão sem trabalho, somente nessas 6 regiões metropolitanas brasileiras. O que esses números também apresentam, é que uma parte significativa da população vive sem uma renda mínima advinda de uma ocupação de trabalho e vive as diversas intempéries para prover sua sobrevivência. Com relação ao tamanho das empresas, denominadas na pesquisa de empreendimentos, os resultados mostraram que, no total das seis regiões, 58,9% dos trabalhadores estavam ocupados naquelas com 11 ou mais pessoas, 5,9% com 6 a 10 pessoas e 35,3% com 1 a 5 pessoas em 2008, tendo a Região Metropolitana de São Paulo 63,3% ocupados em empreendimentos com 1 ou mais pessoas e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro com 41,4% ocupados em empreendimentos com 1 a 5 pessoas. A primeira coisa que chama atenção é a grande quantidade de empresas de pequeno porte. Se relacionarmos essa informação à alta “taxa de mortalidade” das micro e pequenas empresas49, investigada e divulgada pelo SEBRAE, inferimos que parte importante dos trabalhos realizados nesses empreendimentos têm pouca durabilidade e continuação, refletindo grande insegurança na sua manutenção. Já o fato de São Paulo ter o maior número de empreendimentos com número de pessoas acima de 10 explica-se facilmente por esta ser a região com maior índice de industrialização, setor este que, em geral, requer um número maior de pessoas relacionadas ao processo de trabalho. Quando buscamos analisar os dados da flexibilização do mercado de trabalho no Brasil, nos últimos anos, os números revelam uma tendência à estabilização e incorporação permanente desse tipo de trabalho. Na tabela 1, a seguir, a evolução das pessoas ocupadas, segundo a posição na ocupação, pode ser acompanhada em uma série histórica, de 2003 a 200850. TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DAS PESSOAS OCUPADAS, SEGUNDO A POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO, NO TOTAL DAS REGIÕES METROPOLITANAS (Recife, Salvador, BH, RJ, SP e Poa) (em%) 2003 49 50 2004 2005 2006 2007 2008 Reguladas pela aprovação, em 2009, da Lei complementar 128/09, que integra a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. Com essa lei, os chamados empreendedores individuais podem formalizar empreendimentos por conta própria com receita bruta anual de até R$ 36 mil por ano, diretamente via internet, junto à Receita Federal e à Junta Comercial. Essa série histórica (2003-2008), escolhida pelo IBGE para realizar o estudo, não nos parece aleatória. Corresponde, para os mais atentos, ao período mensurável desde o início do governo Lula até véspera da crise mundial de finais de 2008. 93 Empregados com carteira assinada no setor privado Empregados sem carteira assinada no setor privado Conta Própria 39,7 39,3 40,3 41,4 42,4 44,1 15,5 15,9 15,6 14,8 13,9 13,4 20 20,3 19,4 19,1 19,4 18,8 Empregadores 5,5 5,3 5,2 5 4,8 4,7 Trabalhadores domésticos 7,6 7,8 8,2 8,2 8,2 7,7 Militares ou funcionários públicos estatutários Empregados com carteira assinada no setor público Empregados sem carteira assinada no setor público 7,4 7,3 7,3 7,4 7,3 7,6 1,9 1,8 1,8 1,8 1,8 1,7 1,5 1,5 1,4 1,5 1,5 1,4 FONTE: IBGE / PME, 2009 (elaboração de nossa responsabilidade). Podemos observar, nesta tabela, que os contratos flexíveis de trabalho, regulamentados no final dos anos de 1990, se consolidaram e representam no setor privado, em média, 14,85% da população ocupada, no período de 2003 a 2008. Se considerarmos somente o setor privado, os trabalhadores sem carteira assinada totalizam 23,31% do setor, em 2008. Cabe destaque ainda, em 2008, para os trabalhadores classificados como por conta própria, que representam 18,8% dos ocupados e 7,7% são de trabalhadores domésticos, dos quais muitos também não têm carteira de trabalho assinada. Como o que mais caracteriza as modalidades flexíveis de trabalho é a carência de direitos sociais, podemos inferir que boa parte das pessoas ocupadas nas grandes regiões metropolitanas do país – local onde, historicamente, é criado o maior número de empregos tipicamente estáveis – trabalham sem seguros de trabalho, previdência social e outras garantias mínimas. Em complemento às informações do trabalho no Brasil, a realidade daqueles que vivem em condições de pobreza51 também tem seu números alarmantes. De acordo com o IPEA, a pobreza está caindo nas seis regiões metropolitanas centrais por conta do crescimento da economia, do aumento do salário mínimo, dos programas sociais de transferência de renda do governo, como Bolsa-Família, e dos incentivos à agricultura familiar. Segundo o mesmo instituto, a taxa de pobreza52 nessas regiões passou de 42,5% em março de 2002, para 31,1% em junho de 2009 (IPEA, 2009). Os resultados dos programas de transferência de renda não podem ser ignorados, sobretudo porque a condição de miséria no país também é expressiva e é impactada positivamente por qualquer renda que essas famílias venham a ter acesso. Todavia, esse percentual de 31,1%, em termos absolutos, significa 14,5 milhões de pessoas em condição de pobreza só nos grandes centros 51 52 A concepção de pobreza presente na obra marxiana, especialmente n'O Capital (1867), nos oferece aspectos fundamentais para a análise das desigualdades sociais, particularmente os conceitos de pobreza absoluta e relativa. Entretanto, as informações disponíveis sobre a pobreza no Brasil nada têm a ver com a concepção marxiana (baseando-se, antes, em critérios bastante discutíveis de agências internacionais) e não temos aqui condições para recorrer à sua crítica mais profunda – elementos para esta crítica encontram-se em Salama (2002). Essa taxa é identificada pelo rendimento médio familiar per capita de até meio salário mínimo mensal. 94 urbanos. Adicionando-se a isto a realidade de milhares de pequenos municípios brasileiros, a realidade nos revela a magnitude da desigualdade social no país. Este breve excurso acerca do trabalho, do desemprego e da pobreza brasileiros nos remete a indagar: quais são as alternativas propostas pelo capital, pelo movimento sindical e pelo governo para enfrentar tais fenômenos? A resposta a este questionamento não é simples, mas dispomos de uma importante indicação: o fato do aumento do desemprego e da deterioração das relações contratuais de trabalho desequilibrarem a correlação de forças a favor do capital implica que as alternativas a esse quadro terão um impacto débil na realidade vivida por enormes contingentes populacionais e serão frequentemente funcionais às formas capitalistas vigentes. Já expusemos, anteriormente, como os neoliberais compreendem o crescimento do desemprego: é este o resultado natural do processo de ajuste econômico e do desenvolvimento tecnológico e, por isto, deve ter sua sorte decidida pelo mercado. Não é de estranhar, pois, que as soluções capitalistas propostas para o desemprego se limitem, em geral, a oferecer ao desempregado treinamento profissional e algum financiamento, para que ele possa começar até o seu próprio negócio. A tão divulgada qualificação é, sem dúvida, uma das mistificações clássicas de estratégia de combate ao desemprego, que é, por sua vez, insistentemente reclamada pelos empregadores, sem uma correspondente ênfase na geração de empregos. O aumento da qualificação não induz os capitais a ampliar a demanda por força de trabalho, pois esta depende basicamente do crescimento dos mercados em que as empresas vendem seus produtos. Se todos os trabalhadores desempregados incrementassem seu nível de qualificação, o único resultado seria uma concorrência mais intensa entre eles, com prováveis quedas dos salários pagos. A qualificação maior interessa ao trabalhador individual para obter uma vantagem na luta por emprego, mas só traria vantagens aos trabalhadores em conjunto se fosse possível negociar escalas de salários que remunerassem melhor os de mais qualificação, sem reduzir o ganho dos menos qualificados (Singer, 2001: 119-120). Totalmente em sintonia com as iniciativas para promover a flexibilização crescente no mercado de trabalho, o capital e o Estado tentam sempre transformar os desempregados em microempresários ou em trabalhadores autônomos. Mas estes têm pela frente os entraves do mercado e da sua dinâmica competitiva, do que resulta num grande número de insucessos. Essa estratégia de trabalho autônomo vem sendo cada vez mais requisitada, especialmente, porque os 95 custos iniciais desses trabalhos tendem a ser menores. Nessa onda de trabalho autônomo, os Empreendimentos de Economia Solidária - EES destacam-se pela sua diversidade: são cooperativas, associações, empresas de autogestão, clubes de trocas, entre outros. A participação dos EES na economia brasileira vem crescendo e têm ganho legitimação em duas frentes: por um lado, representam uma alternativa de ocupação para os trabalhadores desempregados e, por outro, as atividades de economia solidária são estimuladas como política de geração de renda e combate à pobreza. Esses argumentos referendam socialmente a Economia Solidária - ES, e lhe confere status privilegiado dentre as políticas de trabalho e geração de renda promovidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, nos últimos 7 anos. Há ainda, na produção teórica e política sobre os ESS, um forte apelo ideológico pois, para muitos, eles seriam uma alternativa para além do capitalismo. Paul Singer 53 é, de longe, o mais expressivo e significativo defensor da economia solidária como uma estratégia de combate ao desemprego, à pobreza, e, sobretudo, ao capitalismo. Para resolver o problema do desemprego é necessário oferecer à massa dos socialmente excluídos uma oportunidade real de se reinserir na economia por sua própria iniciativa. Esta oportunidade pode ser criada a partir de um novo setor econômico, formado por pequenas empresas e trabalhadores por conta própria, composto por ex-desempregados, que tenha um mercado protegido da competição externa para os seus produtos. Tal condição é indispensável porque os ex-desempregados, como se viu, necessitam de um período de aprendizagem para ganhar eficiência e angariar fregueses (Singer, 2001: 122; itálicos do autor). A economia solidária aparece, nessa perspectiva, como uma alternativa ao desemprego por suas características intrínsecas: autonomia, iniciativa própria, autogestão, cooperação... mas que têm relação com a necessidade reinserir socialmente, e romper a suposta exclusão que os não empregados vivenciam. Pressupõe, também, a criação de um mercado isolado e isento da ação do capitalismo. Por isso, na compreensão de Singer, os empreendimentos de economia solidária devem ser apoiados por vários agentes: o Estado, os trabalhadores e os capitalistas progressistas. Seria importante que a cooperativa de economia solidária contasse desde o início com apoio patrocínio do poder público municipal, dos sindicatos 53 Nascido em Viena (Áustria), em 1932, Paul Singer vive no Brasil desde os 8 anos de idade. Economista, foi membro fundador do Cebrap, secretário municipal de planejamento de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-92). É professor titular da FEA – USP e secretário nacional de economia solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Singer tem uma vasta publicação na área da economia, e coordenou a tradução e publicação d'O Capital, de Marx, para edição da Nova Cultural (1983-1984). 96 de trabalhadores, das entidades empresariais progressistas e dos movimentos populares. Esse patrocínio conferirá à cooperativa o prestígio necessário para atrair a adesão de um número grande de desempregados, sem o qual o novo setor não terá o vigor necessário para levantar vôo (sic). Além disso, o poder público será crucial para erguer instituições de ajuda à cooperativa, dentre as quais a mais importante será um “banco do povo” (Ibid: 123). Vê-se, assim, de acordo com o autor, que as atividades de economia solidária necessitam de grande suporte institucional, social e governamental para que possam, não somente existir, principalmente permanecer viáveis economicamente e independentes do mercado capitalista. A ideia de criar uma economia não capitalista pressupõe que as unidades de produção e trabalho dessa economia devam organizar-se em função delas mesmas, e não de um grande capital centralizador. Dessa forma, as modalidades solidárias inscritas no conjunto da economia solidária são criadas, na atualidade, como alternativas de trabalho e inclusão social para um contingente de pessoas que estão fora do mercado de trabalho. Antes, porém, de passarmos a uma análise mais particular da economia solidária no Brasil, resgataremos partes de um debate teórico e político dos supostos fundamentos que vinculam a proposta brasileira de economia solidária ao projeto socialista e anticapitalista. 2. 2. Fundamentos da economia solidária: dos socialistas utópicos a Paul Singer Para a maioria dos estudiosos e acadêmicos que se debruçam sobre o tema da economia solidária, é referência comum todos localizarem nos socialistas do século XIX, em especial os chamados socialistas utópicos, a origem ideo-política dos fundamentos teóricos da proposta de economia social. Saint Simon, Charles Fourier e Robert Owen são tradicionalmente conhecidos na história do pensamento socialista por suas idéias acerca de uma sociedade libertária e de organização social de base comunitária. As diferenças entre eles são muitas, mas os pontos que os congregam nos permitem agrupá-los num único denominador: o do socialismo utópico54. Quando se trata, porém, de situar estes pensadores do início do século XIX, a literatura que 54 Este termo é usado pela primeira vez, de acordo com Beer (1944), por Marx e Engels em 1848, por ocasião da redação do Manifesto do Partido Comunista. Todavia, a expressão usada originalmente no texto de 1848 era “socialismo crítico-utópico”. Este debate foi retomado por Engels, trinta anos mais tarde, no seu trabalho contra Dühring, no qual desenvolve uma análise mais apurada do socialismo utópico e dos seus autores. 97 analisa a história do socialismo55 localiza-os, em sua grande maioria, como precursores de uma tradição muito mais rica e significativa. Os historiadores não veem neles senão os elos de uma corrente que conduz inevitavelmente ao “socialismo científico”. Entretanto, o ressurgimento do utopismo no tempo contemporâneo mostra que esse segmento do socialismo não foi apenas um momento histórico do desenvolvimento das ideias socialistas, mas constitui uma corrente de pensamento que retoma forças a partir de contextos de crise e obscurecimento das lutas do proletariado. Nestes termos, não se trata, para nós, de resgatar as origens do pensamento socialista e, em particular, os socialistas utópicos, e apresentá-los como fundamentos histórico-políticos da economia solidária contemporânea, mas especialmente localizá-los como substrato de uma renovada onda utopista56 que se repõe na agenda das lutas sociais em seus momentos de retenção e de desorganização. A Inglaterra, em fins do século XVIII, a França e o resto Europa na primeira metade do século seguinte experimentaram alterações econômicas e sociais da maior importância. A grande revolução tecnológica que se realiza na época tem o efeito de provocar o desaparecimento dos antigos modos de vida, bem como uma migração em larga escala dos habitantes do campo para os centros industriais e urbanos. A burguesia é agora a detentora do poder econômico e político e, ao mesmo tempo, contraditoriamente, gesta as condições para a construção do proletariado industrial. Sob o choque brutal de tais mudanças, frente às sombras dos novos tempos, desaparece a era da desigualdade sob a servidão, e se sobrepõe a era da desigualdade social sob a exploração do trabalho assalariado. É nesse tempo histórico, de viradas, que as ideias políticas e sociais de SaintSimon, Fourier, Owen nascem e se propagam como contraponto econômico e social à sociedade capitalista que se desenvolvia. As preocupações morais, humanitárias ou metafísicas, fundamentais para os homens do século XVIII, dão lugar aos trabalhos e pesquisas voltadas para os problemas econômicos e sociais. 55 A palavra “socialismo” surge pela primeira vez em novembro de 1831, no jornal Le Semeur, e depois, em fevereiro de 1832, em Le Globe. Na França, o termo socialismo foi utilizado inicialmente para contrapor socialismo e individualismo. Na Inglaterra, por sua vez, a palavra torna-se corrente e serve para designar a doutrina associacionista de Robert Owen. Cf. Beer (1944). 56 Não é o objetivo do nosso texto tratar aqui do debate da utopia, apesar de este ser um dos vetores força que adjetiva e qualifica uma das correntes de socialismo por nós aqui estudada. O que não nos impede de apontar, sumariamente, que a noção de utopia comporta duas dimensões importantes: a crítica do existente e a proposição do que deveria ser, sendo que a formulação prescritiva domina o núcleo de uma concepção utópica. (Cf. Netto, 1987). 98 As interrogações dos autores que citamos partem inicialmente de questões sobre a miséria existente. Precisamente: como realizar a igualdade e a harmonia entre todos os homens? E para estas questões eles, entre outros, apresentam diversas respostas criativas e ousadas, entretanto carentes de domínio e conhecimento dos processos reais da sociedade que se colocava nascente. Neste contexto, são propostos modelos de sociedade que se gostaria de ver realizados no mundo novo. 2. 2. 1. Saint-Simon De modo cronológico, a primeira expressão do chamado socialismo utópico apareceu na França na época da Restauração57, antes mesmo que a palavra socialismo tivesse sido criada. Motivado pelas conseqüências iniciais do processo de industrialização do mundo, as ideias de um aristocrata, o Conde de Saint-Simon, constituíram as bases de um projeto com que o autor visava à contribuir para com “a classe mais desfavorecida”. No ano de 1802, ele publica a sua primeira obra, Carta de um habitante de Genebra a seus contemporâneos, na qual desenvolve a ideia de um governo mundial de sábios e artistas, celebrando um culto ao pé do mausoléu de Newton. Embora esta obra inicial não revele os passos que ele seguirá na sua trajetória intelectual, ela mostra a criatividade que está contida em várias proposições do autor. Todavia, as suas obras mais significativas são História do Homem (1810), Da organização da sociedade européia (1814), A parábola (1819), O sistema industrial (1823), Catecismo dos industriais (1823-1824) e O novo cristianismo (1825) (cf. Petitfils, 1977). O pensamento do Saint-Simon da maturidade sofre uma forte influência do progresso técnico e do desenvolvimento das ciências e da indústria. Saint-Simon tinha uma fé inabalável na ciência e no progresso humano. Achava que a “ciência das sociedades” deveria ser uma ciência positiva e chegou a propor, em 1814, uma “reorganização da sociedade européia”, inclusive com a constituição de um parlamento europeu. Apesar de sua visão idílica do mundo agrário, preconizava uma revolução industrial (Teixeira, 2002. p. 47). Para Saint-Simon, o progresso das ciências e das técnicas prepara o advento de um novo tipo 57 A Restauração é a designação dada ao período da história da França compreendido entre a queda do Primeiro Império Francês, a 6 de abril de 1814, e a Revolução de 1830. A Restauração francesa consistiu no regresso da França à soberania monárquica, limitada pela Carta de 1814, nos reinados de Louis XVIII e Charles X, irmãos de Louis XVI. Correspondeu a um período contra-revolucionário, em reação ao triunfo da Revolução Francesa, durante o qual a dinastia Bourbon foi restaurada no trono francês e se verificou uma aguda reação conservadora com o restabelecimento da Igreja Católica como um dos pilares do poder político. O período é em geral dividido em duas partes: 1º) a primeira restauração francesa (1814-1815), entre a expulsão de Napoleão Bonaparte e o seu regresso para o Governo dos Cem Dias; e 2º) a segunda restauração francesa (1815-1830), entre a abdicação definitiva de Napoleão e a Revolução de Julho de 1830 (cf. Maurois, 1950). 99 de sociedade, a sociedade industrial, cujos mecanismos já podem ser conhecidos graças à “ciência da sociedade”. Com essa admiração pela industrialização, não é mais aos sábios que Saint-Simon irá devotar o poder, mas aos industriais, palavra que, segundo Petitfils (1977), foi criada pelo próprio Saint-Simon. Entretanto, para ele, a classe industrial englobava tanto os patrões como os operários das indústrias e ainda estavam contidos nela os camponeses, os artesãos e os banqueiros. Para o pensador, todos os que estavam envolvidos direta ou indiretamente na produção de bens materiais faziam parte da classe dos industriais (ou produtores). Em contraposição a estes, estava a classe dos ociosos (os “zangões”), composta essencialmente pelos nobres e pelos militares, que não produziam nada. Esta divisão que Saint-Simon fazia da estrutura da sociedade pode ser, em parte, compreendida pelo encantamento que o desenvolvimento da indústria exercia sobre ele, mas, sobretudo, pela inexpressiva formação da classe operária e seu potencial revolucionário. O que, por sua vez, nos levaria a questionar a identificação que muitos estudiosos fazem do autor com o pensamento socialista, especialmente pela sua empolgação com o modelo produtivo nascente e, ainda, por ele não polarizar, em suas obras, o antagonismo da sociedade entre burgueses e proletários. Cole corrobora essa interpretação e afirma que Es muy posible que se objete que ni Fourier ni Saint-Simon pueden propiamente llamarse “socialistas” en el sentido en que en general se emplea ahora esta palabra: Saint-Simon porque, aunque exigía con fuerza una sociedad coletivamente planificada, nunca pensó que el socialismo implicase una lucha de clases entre patronos, capitalistas y obreros, sino que más bien consideraba estas dos clases, que reunía bajo el nombre de los industriales, por tener un interés común en contra de los ociosos, la clase rica, ociosa, representada en primer lugar por la nobleza y los militares (1975: p. 44). Podemos destacar que se encontra no conjunto teórico desenvolvido por Saint-Simon, com as devidas variações temporais, uma das idéias-força em que se assenta a economia solidária. De acordo com esta, é necessário a organização coletiva dos agentes produtivos (trabalhadores, patrões e Estado) para que a economia cresça e a sociedade seja desenvolvida com justiça, e todos, assim chamados produtores, tenham acesso à riqueza produzida coletivamente. Entretanto, é totalmente impossível pensar a história do desenvolvimento do socialismo sem considerar a influência seminal de Saint-Simon e outros como Fourier e Owen, porque, fossem eles socialistas ou não, é inquestionável que muitas ideias socialistas posteriores tiveram a nítida influência de suas formulações. 100 Nestes termos, as ideias políticas e sociais de Saint-Simon podem ser organizadas em três grandes grupos: a “ciência da história”, que trata dos processos e dos fins da humanidade; a “sociedade industrial”, que discute os meios do progresso e do desenvolvimento; e a “utopia simonista”, que formula uma concepção e proposta de mudança da ordem social. Façamos uma brevíssima síntese de seu pensamento: Ciência da História: Saint-Simon, no conjunto de sua obra, afirma sempre o progresso constante do humano. De olhos nos resultados da Revolução de 1789, que considerou como uma realização necessária para destruir as antigas instituições sociais - mesmo que para ele a revolução carecesse de um princípio unificador -, compreendeu que a história humana passava por um período de construção e desconstrução incanceláveis, considerando o progresso algo certo. Baseou-se neste entendimento para formular a sua “ciência da história”. Saint-Simon estaba seguro de que cada gran etapa constructiva en el desarrollo de la humanidade había llegado mucho más adelante que las anteriores. Su atención, como lade muchos filósofos de la história, se había fijado solamente en el mundo occidentel. (Cole, ibid: p. 47). Assim, a história ocupa no pensamento saint-simoniano um lugar privilegiado. Ele não considera a história como uma “biografia do poder”, mas sim uma ciência exata, que permite descobrir as etapas da evolução da humanidade e, como consequência, prever e criar o futuro. Assim, o autor atribui um sentido à história: a de um lento processo de industrialização, evidente através de fases alternadas de ordem e de crise (cf. Cole, 1975 e Buber, 1971). O que nos interessa, ao demarcar a compreensão de história de Saint-Simon é que, para ele, o progresso da humanidade é conduzido por forças que agem de modo inevitável, tornando assim o progresso uma constante que, naquele momento histórico deveria ser conduzido pelos industriais. E, para o autor, o desenvolvimento da indústria nascente na França o motor de uma transformação que levaria a uma estrutura renovada e melhorada da sociedade. Nesta perspectiva, a Revolução Francesa, “época ao mesmo tempo digna de horror e de pena”, não foi um acidente. Provocada por um movimento profundo, de caráter sócio-econômico, ela iniciou uma nova era, que conduziu à sociedade industrial. E Saint-Simon conclui: “A idade de ouro do gênero humano não passou, ela está por vir, está na perfeição da ordem social (Petitfils, ibid: p. 56). Sociedade Industrial: Para compreender o pensamento de Saint-Simon, é central analisar o seu conceito muito particular de indústria e de industrial, que é base deveras importante para todo o seu sistema. 101 Diferente do sentido que é hoje predominante, nele o termo “indústria” não indica exclusivamente a produção no chão de fábrica, ligada à mecanização, mas todas as formas de produção material: agrícola, artesanal, manufatureira e comercial. Seguindo este entendimento, os industriais não são exclusivamente os proprietários dos meios de produção, mas todos os que concorrem para o enriquecimento material do país. Assim, o agricultor, o artesão, o fabricante, o comerciante são industriais. Estes, por sua vez, fazem parte de um grupo ainda mais importante no universo analítico de Saint-Simon, que são os “produtores”. O grupo dos produtores ainda aglutina os sábios e os artistas que, pelos seus trabalhos, participam igualmente da ação produtiva. É bem verdade que existe uma diferença enorme na inserção social e entre os níveis de vida dos que compõe a classe dos produtores, mas isso, para Saint-Simon, não os impede de fazer parte do mesmo grupo social. Saint-Simon insiste constantemente en que la sociedad tiene que ser organizada para el bienestar de los pobres; pero desconfia profundamente del “gobierno del populacho”, que supone el gobierno de la ignorância sobre el del saber... Quería que gobernase el saber; insistia en que los guías naturales de los trabajadores pobres son los grandes industriales, sobre todo los banqueros, que proporcionan crédito a la industria. No le cabía duda de que los grandes industriales, ejerciendo el poder como dirigentes de la nueva sociedad, actuaríam como tutores de los pobres, difundiendo la capacidad de compra y mejorando de este modo el nível general de bienestar (Cole, ibid: p 49-50). Oposta aos produtores encontra-se a classe dos “ociosos”, detentores das terras, do capital e grande parte dos meios de produção, que vivem de suas rendas. Entre os “ociosos”, Saint-Simon coloca os aristocratas, os proprietários de terras, os militares, os sacerdotes e os legisladores. Assim, para ele, a oposição fundamental não se colocava entre patrões e operários, mas entre os que ele chamava de zangões (os ociosos) e as abelhas (os trabalhadores). Podemos afirmar que a visão do autor é marcada profundamente por sua época. A França, no início do século XIX, desconhecia o fenômeno da grande indústria e a divisão social que ela iria provocar imensamente. Nestes termos, o autor insiste na homogeneidade do bloco industrial: “A indústria é uma unidade. Todos os seus membros estão reunidos pelos interesses gerais da produção” (Cf. Saint-Simon, 2002). Nesta obra, Saint-Simon ainda ressalta que a classe dirigente prejudica a prosperidade da nação, ao privar os “produtores” do status legítimo que deveriam ter. Assim, o autor afirma que as instituições políticas são pouco importantes em comparação com a estrutura econômica. Entretanto, ao longo da produção intelectual do autor, este reconhece pouco a pouco que o proletariado constitui um grupo social com características próprias, e começa a 102 observar as tensões crescentes entre patrões e empregados, mas considera-as conflitos secundários. Em Du système industriel (1820-1822), Saint-Simon dá mais um passo em direção ao proletariado, admitindo que a harmonia não nascerá espontaneamente da sociedade industrial. E por fim, em Le nouveau christianisme (1825), na sua busca de compreender o proletariado, ele terminará confiando a este o futuro industrial (Cf. Petitfils, ibid). Utopia simonista: Como para Saint-Simon o sistema industrial é a forma acabada da sociedade futura, o cimento que une a construção dessa sociedade é a participação e a cooperação pacíficas. Assim, a tomada do poder, pela classe dos industriais, seria pacífica, em consequência da compreensão destes do seu papel e da sua missão. Há no autor um claro otimismo quanto à passividade da aristocracia nesse processo de constituição da sociedade industrial, e, sobretudo, uma excessiva confiança na razão, que é, para ele, necessariamente o fundamento dessas transformações. Buber corrobora nosso entendimento quando afirma que: “Encontramos em SaintSimon o otimismo racionalista dos grandes pensadores do século precedente, todos convencidos de que a verdade se imporia sozinha e seria suficiente para mobilizar as energias” (1971: p. 29). Nesse caminho, podemos afirmar que Saint-Simon é legatário e herdeiro do Iluminismo. Outro aspecto importante da utopia saint-simoniana encontra-se caracterizado pela supressão da esfera de poder na sociedade. As mudanças propostas por Saint-Simon não almejam apenas a substituição de uma classe por outra à frente da organização da sociedade – sai a aristocracia e entram os industriais. Ao contrário, essas mudanças implicariam no desaparecimento do próprio poder, pois, para o autor, a sociedade industrial marcará o fim das lutas sociais e o início de uma era de concórdia universal. “A política se torna a ciência das coisas, isto é, a que tem por objetivo a ordem das coisas mais favorável a todos os gêneros de produção” (Petitfils, ibid, p. 59). Assim, a ordem social se instauraria sob o signo do sistema industrial, no qual o mundo estaria voltado exclusivamente para a produção. Uma consequência dessa nova ordem de paz social, tornando-se causa e efeito da supressão do núcleo do poder na sociedade – e isto é central na elaboração saintsimoniana – é a redução ao mínimo do Estado, que acabaria por se dissolver na totalidade do corpo social. A formulação célebre de Saint-Simon: “a administração das coisas substituirá o governo dos homens” – aliás retomada por Marx e Engels -, crava, para o autor, o desaparecimento do Estado. A esfera da política, por sua vez, será constituída por uma “constituição industrial”. Os “conselhos da indústria” organizarão os diferentes ramos da produção e, ao invés do sistema legislativo clássico, Saint-Simon cria uma estrutura de três câmaras: a câmara de invenção, formada de engenheiros, artistas e escritores, que seria responsável pela redação dos projetos industriais; a câmara de exame, composta por matemáticos, fisiólogos e físicos, encarregados de examinar esses projetos; e finalmente a câmara de execução, na qual os chefes de empresa teriam o papel de 103 supervisionar a aplicação dos planos e programas (Cf. Petitfils, ibid). Na nossa compreensão, essa estrutura proposta por Saint-Simon para reger a dinâmica política da sociedade futura, apesar de baseada em conselhos, nada tem de democrática ou de popular, pois apenas substitui a antiga elite aristocrata “ociosa” por uma nova elite produtora, centrada nos industriais detentores dos meios de produção, nos técnicos detentores do conhecimento e nos banqueiros detentores do capital. Apesar de toda a sua convicção sobre a necessidade de uma “Ciência do Homem”, que substituiria a teologia e as metafísicas do “irreal”, no final de sua vida Saint-Simon não afirma mais a ciência como suficiente, por si mesma, para dar o impulso para a realização de uma grande obra fraterna e coletiva. Para o autor, falta uma mística capaz de pôr em movimento a roda da sociedade futura. Assim, ele cria uma “religião de amor” que tem por finalidade reunir a todos numa mesma fé criadora, desenvolvendo um novo cristianismo, adaptado à sua moral industrial. (Cf. Buber, ibid, Cole, ibid e Petitfils, ibid). Este é o tema de seu último trabalho, Le Nouveau Christianisme, que foi publicado logo após a sua morte, ocorrida a 19 de maio de 1825. 2. 2. 2. Charles Fourier Dentre todos os denominados de socialistas utópicos, Charles Fourier foi sem dúvida o que mais deve ser classificado como tal. Com um sistema impraticável, merecendo a qualificação de utópico, sua produção era povoada de fantasmas estranhos e insensatos que encantarão os surrealistas por sua incoerência e seu permanente apelo à loucura. É no mundo imaginário, totalmente diferente do nosso, que devemos mergulhar - um mundo “às direitas”, contraposto ao mundo “às avessas” da realidade (Cf. Cole, ibid) - para compreender e sistematizar o pensamento de Charles Fourier. Sua produção teórica é considerada confusa, com uma retórica pesada e cheia de neologismos. “Com exceção de umas poucas páginas vivas e agradáveis, suas obras são lidas com dificuldade, e suportam tranquilamente a podadura dos antologistas” (Petitfils, ibid: p.92). Suas publicações mais expressivas são: Traité de l'association domestique agricole (1822); sete anos depois publica Le nouveau monde industrial et sociétaire (1829) e, entre 1835 e 1836, lança La fausse industrie, morcelée, mensongère et l'antidote, l'industrie naturalle, combinée, attrayante, véridique, donnant quadruple production. A essa obra teórica somam-se diversos artigos publicados em Le Phalanstère e La Phalange e estudos não publicados em vida, notadamente o famoso livro do Nouveau monde amoureux, guardados por seus discípulos e só publicados, como livro, em 1967 (Cf. Petitfils, ibid). A partir de seus questionamentos sobre as consequências da Revolução Francesa, Fourier passa a defender, na França, a ideia de implantação de comunidades auto-dirigidas destinadas à 104 agricultura. Na visão de Fourier, a Revolução Francesa teve como preocupação básica as liberdades políticas, não trazendo alternativas coerentes e práticas para os problemas sociais das classes menos favorecidas, que continuaram sem conhecer o sentido da liberdade. Como alternativa, e tentativa de tirar da marginalidade esta significativa parcela da sociedade, Fourier sugeriu a criação daquelas comunidades auto-gestionadas, que denominou Falanstérios. Fourier idealiza uma sociedade constituída por fazendas coletivas agroindustriais - os falanstérios - nas quais todos desempenhariam papéis importantes com o objetivo do bem estar comum da comunidade. A divisão da riqueza se daria de acordo com a quantidade e qualidade do trabalho de cada indivíduo. Os falanstérios, além de pretender ser solução aos problemas sociais, buscavam também fazer do trabalho uma atividade atraente, e corrigir os erros das atividades agrícolas na França. Fourier defendia o fim das repressões e o tratamento igualitário como os fatores que levariam uma sociedade ao crescimento e desenvolvimento. As ideias de Fourier foram difundidas também nos Estados Unidos, onde se viram operacionalizadas após sua morte. Entre 1843 e 1853, foram criados em território norte-americano mais de 40 falanstérios. 2. 2. 3. Robert Owen Robert Owen nasceu em 1771, em Newtown, Montgomeryshire (País de Gales). Ele transformou-se em um dos mais importantes socialistas utópicos, mediante a criação de várias comunidades cooperativas industriais e mediante sua influência, nos anos de 1830, sobre o nascente movimento sindical inglês. A Inglaterra, nesse período, conhecia uma prosperidade econômica sem precedentes. A Revolução Industrial provocou grandes modificações na fabricação de tecidos, e o jovem Owen soube aproveitar-se de seus conhecimentos técnicos e comerciais para fazer fortuna. Criou em New Lanark, Lanarkshire (Escócia), uma fiação de algodão, na qual trabalhava mil e oitocentos operários, dos quais, mais ou menos, quinhentos eram crianças, e começou a pôr em prática suas ideias, que já vinham sendo desenvolvidas há alguns anos. Sua contribuição nasceu da própria experiência em sua fábrica de fios, onde observou que a maioria das pessoas trabalhava e vivia em péssimas condições de higiene e moradia. Assim, instaurou uma comunidade inspirada na cooperação: melhorou as casas, criou um armazém em que se podiam comprar mercadorias a preço módico, promoveu o estrito controle das bebidas alcoólicas reduzindo o vício e o crime e fundou a primeira escola maternal britânica (1816), o que seriam hoje as creches e pré-escolas. Montou uma fiação no centro da uma comunidade operária (1817), com 105 Jeremy Bentham (1748-1832) e o William Allen (1770-1843) e promoveu a organização de serviços comunitários de educação, saúde e assistência. A comunidade passou, então, a se autogerir. No lugar do dinheiro, circulavam vales correspondentes ao número de horas trabalhadas (Cf. Petitfils, ibid). Essas ações fizeram repercutir internacionalmente a sua reputação. De fato, rapidamente ele racionalizara a produção dos fios, aumentara a produtividade e os salários e reduzira a jornada de trabalho. Com justiça, foi considerado um reformador social e moral, combatendo o “alcoolismo”, o “roubo”, o “vício”, a “imoralidade” e conseguiu evitar que os seus empregados fossem explorados pelo comércio local, organizando diretamente a venda, a preços de atacado, de produtos alimentícios e vestuário. Assim, pregou a formação de cidades-cooperativas, ou comunidades autônomas de trabalhadores, como forma de amenizar a questão social. Defendeu a criação de uma sociedade auto-dirigida, que se organizaria através de colônias cooperativas objetivando, com isso, o fim permanente da propriedade privada dos meios de produção (Cf. Buber, ibid). Essas experiências foram o substrato suficiente para Owen desenvolver, ainda mais, suas ideias de reforma social. Assim, o que ele conseguiu fazer em uma só empresa, propôs para o governo, com sua estrutura, realizar em todo o país. Em 1815, Owen voltou-se para o Estado, para solicitar-lhe que contribuísse para a melhoria da sorte da classe operária. Seu projeto de lei sobre o trabalho das crianças só em 1819 foi aprovado pelo Parlamento, mas com tantas emendas que seu autor teve de renegá-lo. (...) Redigiu o seu Relatório à Comissão de Assistência aos Operários Pobres (1817), que era um plano completo de reorganização da sociedade sobre bases cooperativistas. Em lugar da assistência aos pobres que consumiria recursos enormes do Tesouro, o industrial filantropo preconizava a criação de aldeias de oitocentos a mil e duzentos habitantes, reagrupando os desempregados e dando-lhes tarefas agrícolas e industriais (Petitfils, ibid: p. 77). Outro ponto importante de seu pensamento eram as duras críticas que fazia à rígida separação entre a indústria e a vida nos campos. Para ele, a melhor forma de organização cooperativa era centrada em grandes colônias agrícolas, dotadas de “apêndices industriais”, que combinavam harmoniosamente os esforços solidários de seus membros, visto que o trabalhador deveria ser ao mesmo tempo camponês e operário. Entretanto, não há em Owen nenhuma exaltação idílica ao trabalho agrário, pois este era, entre todos os utópicos, o que conhecia melhor o desenvolvimento industrial e suas consequências. Segundo Teixeira: Em 1824 transferiu-se para os Estados Unidos, onde adquiriu terras e 106 fundou a colônia de New Harmony, para pôr em prática as suas idéias. Essa fase corresponde, na trajetória de Owen, ao que seus biógrafos denominam de “comunismo agrário”. Tal como os socialistas utópicos franceses, revela, nessa ocasião, nítida preferência pela agricultura. Seu objetivo, no entanto, era dissolver a grande indústria e retornar à velha indústria rural. As comunidades de Owen são assim nitidamente diferentes dos falanstérios de Fourier, não apenas por serem exclusivamente agrárias, mas principalmente porque eliminam a propriedade privada (ibid: p. 97-98). No período que esteve fora do país, as suas ideias propagaram-se muito na Grã-Bretanha e, em 1826, alguns trabalhadores e intelectuais, inspirados nelas, incentivam várias comunidades autogestionadas. Os admiradores de Owen, como Wiilliam Thompson, William Pare, Benjamin Warden, William Lovett e George Mudie, haviam estimulado, espontaneamente, a formação de sociedades cooperativas. Por falta de meios, estas acabaram no comércio a varejo e, pouco a pouco, capitalizando os lucros obtidos, formaram sociedades de produção (Buber, ibid: p. 32). Owen acolheu com desconfiança esse movimento independente de artesãos e pequenos comerciantes. Entretanto, depois de muito negar essa experiência, concordou em avaliar o movimento e começou a perceber que era um novo campo no qual se inseria: o do movimento sindical e trabalhista nascente. “Owen voltou-se então para o mundo sindical, na esperança de transformar os trade-unions que se constituíam espontaneamente na Grã-Bretanha em agrupamentos produtivos e auto-administrados, destinados a substituir o Estado” (Petitfils, ibid: p. 82). Em março de 1830, é fundado, por um oweniano irlandês, John Doherty(1798-1854), um órgão de ligação entre as diferentes profissões, o United Trades’ Cooperative Journal. Doherty também fundou, em julho do mesmo ano, em Manchester, o primeiro sindicato geral reunindo várias seções locais de ofício, a National Association of United Trades for the Protection of Labour, que após dois anos, em 1832, dividiu-se devido às divergências internas. Entretanto, devemos destacar a importância da criação dessa associação para a organização sindical na Inglaterra. Com essa estreita relação entre o owenismo e o movimento sindical, não foi surpresa a adesão às ideias de Owen do sindicato da construção, que agrupava arquitetos e operários. Em setembro de 1833, este sindicato transforma-se em Corporação Nacional dos Construtores e adotou 107 uma carta inspirada no owenismo. Nascia em Londres uma vasta confederação sindical oweniana, que tomou, pouco mais tarde, o nome de Grand National Consolidated Trades Union, e à qual se filiaram nada menos de quinhentos mil adeptos. A carta constitutiva do movimento precisava que o objetivo final era “estabelecer os direitos supremos de trabalho e da humanidade” e que, em seguida, os militantes deveriam ajudar-se mutuamente “com o objetivo de criar um novo estado de coisas”. Ao que parece o sindicato deveria converter os trabalhadores ao socialismo e, numa segunda etapa, transformar-se em Câmara das Profissões, que substituiria, espontânea e pacificamente, a Câmara dos Comuns (Petitfils, ibid: p. 83). Nessa formulação de Owen, a partir de Petitfils, fica evidente que ele rejeita claramente a revolução operária e desconhece as contradições da luta de classes. Segundo Cole (1975), seu pacifismo integral tinha origem na negação do livre arbítrio e especulava com o poder da razão. Os homens não eram responsáveis pelo seu destino, por que então pregar o ódio e a violência? A resposta de Owen a esta questão é límpida: “É preciso converter pacificamente esses ignorantes, fazendo com que descubram a verdadeira “ciência da sociedade”, o que não deixarão de fazer 'sob o efeito de uma influência moral irresistível'” (Owen apud Petitfils, ibid: p. 83). Todavia, é necessário demarcar que o encontro entre o owenismo e o movimento operário, que estava naquele momento em processo de formação, foi um conveniente acidente. O desenvolvimento do Estado inglês e suas parcas ações na esfera social – a miséria em que se encontrava então a população operária, a atitude exploradora das oligarquias detentoras do dinheiro e da burguesia existente – tornavam impossível essa “revolução pela razão” pretendida por Owen. A grande maioria das organizações operárias compreendeu logo o caráter ilusório e ineficaz dessa compreensão de “revolução” e partiu para outras alternativas na busca de melhores condições de trabalho e vida. A partir de 1836, Owen começa a redigir o que é considerado o seu mais importante trabalho: Livro do Novo Mundo Moral (1836-1845), que tipificava seu credo moral e pedagógico para o desenvolvimento do indivíduo e da humanidade. Tornou-se espírita e transformou em 1839 o seu partido - “Associação de Todas as Classes e Todas as Nações” - em uma seita que adotaria o nome de “Sociedade para a Comunidade Universal dos Adeptos da Religião Racional”. Morreu em sua cidade natal, em novembro de 1859, convencido de ter solucionado todas as dificuldades do mundo. Além dos autores discutidos anteriormente (os socialistas utópicos), é importante, para a 108 análise dos fundamentos históricos socialistas que vem sendo vinculados por diversos autores à economia solidária, discutir ainda, nos marcos deste ítem, a contribuição do revolucionário francês Proudhon, e sua a herança anárquico-socialista. 2. 2. 4. Pierre-Joseph Proudhon Filho de um tanoeiro e de uma cozinheira, Pierre-Joseph Proudhon nasceu em Besançon (França), em janeiro de 1809, e morreu em janeiro de 1865 aos 56 anos. Publica em 1839 a sua primeira obra conhecida, De la Célébration du Dimanche. Mas é o panfleto Qu’est-ce que la Proprieté? (1840) que o introduz no debate social e nas polêmicas sobre a sociedade - segundo Gurvitch, este é o texto “que o celebriza em todo o mundo” (1983, p. 10). Marx, por seu turno, na sua ácida crítica à Proudhon, na Miséria da Filosofia (1847), afirma: O senhor Proudhon tem a infelicidade de ser singularmente desconhecido na Europa. Na França, tem o direito de ser um mau economista, porque tem fama de ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser um mau filósofo, porque tem fama de ser um dos mais fortes economistas franceses (Marx, 1978: Prólogo). É evidente que este desconhecimento a que se refere Marx diz respeito ao conteúdo e à qualidade dos trabalhos de Proudhon - que não impediram a popularização das suas ideias e concepções gerais inclusive no movimento operário, no qual algumas tendências o reverenciaram por largas décadas E observe-se que esta duradoura influência de Proudhon constituiu-se a despeito das duras críticas que lhe foram dirigidas a partir de Marx e da tradição marxista – descontando-se, ainda, os confrontos ídeo-políticos que tiveram por locus a Primeira Internacional. Em O que é a propriedade?, encontra-se a famosa retomada proudhoniana da instituição propriedade: “a propriedade é um roubo”. Entretanto, o que está no seu horizonte com esta definição é o fato de que a propriedade torna possível a apropriação do trabalho de outros, apropriação essa que se dá por meio do juro - portanto, o seu objetivo não é o fim da propriedade, mas sim a abolição do juro capitalista (Cf. Teixeira, ibid). Fica ainda mais evidente que Proudhon não deseja o fim da propriedade capitalista quando conjugamos essa formulação à sua compreensão de moral e família. De acordo com Cole (1975), no pensamento de Proudhon o central não era a “associação”, mas sim a família. A sociedade, que para ele se distingue por completo do Estado e do governo, é essencialmente um agrupamento de famílias. Considerava a família como um grupo patriarcal formado sob a centralidade do homem, no qual o pai era a cabeça da família. E era, a unidade familiar, o ponto de apoio para a construção da solidariedade intra-familiar e na sociedade. Assim, ser contra a propriedade é um ataque frontal, segundo Proudhon, à manutenção da herança 109 como fios de solidariedade geracional entre as famílias. Utilizamos-nos de Cole para aprofundar essa argumentação: Muy unido a sus padres, estaba escandalizado por los ataques de algunos de los saint-simonianos contra las instituiciones del matrinonio y de la vida de família, y no menos por su proyeto de acabar com la herencia, la cual consideraba como íntimamente unida a la solidariedad del grupo familiar. Aunque en su expresíon más famosa define la propriedad como um “robo”, no era contrario a la propriedad misma, sino sólo a lo que consideraba sus perversiones bajo arreglos institucionales injustos (ibid: p. 206). Em 1844, Proudhon conhece Marx, em Paris. No início de 1847, Proudhon decide abandonar o seu modesto emprego em Lyon para se tornar jornalista em Paris. Já no processo da revolução, ele é eleito, em 8 de junho de 1848, deputado à Assembleia Nacional, tornando-se um representante do povo (Cf. Gurvitch, ibid). Participa ativamente da Revolução de 1848, no qual se coloca devotamente ao lado dos revolucionários. Em 31 de julho de 1848 faz um discurso feroz, enfrentando toda a Assembleia Nacional, discurso em que coloca, pela primeira vez, a oposição entre burguesia e proletariado: “A esperança de levar a cabo pacificamente (...) a abolição do proletariado é uma utopia. Sou do Partido do Trabalho contra o partido do Capital” (Proudhon apud Gurvitch, ibid: p. 12). Toda a sua atuação no período da revolução é reconhecida por vários autores, inclusive o próprio Marx que, em 1865, logo após a morte de Proudhon, escreve: A sua atitude na atitude na Assembléia Nacional só merece elogios [...]. Depois da insurreição de junho, foi um ato de grande coragem. Além disso, teve como feliz conseqüência o facto de Thiers, na sua resposta às propostas de Proudhon (publicada em forma de livro), revelar frágil pedestal sobre que se erguia o pilar intelectual da burguesia francesa (Marx apud Gurvitch, ibid: p. 12). Conforme os interesses desta tese, nos ocuparemos brevemente de algumas partes centrais do seu pensamento. Utopia em Proudhon: Proudhon é um autor que se afirma negando a utopia e a formulação de sistemas fechados sobre a sociedade. Tem, deveras, repugnância às utopias e às formulações absolutas da realidade58. Buber (1971), quando analisa essa característica de Proudhon, sustenta que ele, apesar de todas as suas incursões históricas, não era um pensador histórico, mas um crítico 58 Cumpre notar que Marx e Engels não situam Proudhon como um socialista utópico – de fato, no Manifesto do partido comunista, ele é referido como representante do “socialismo conservador ou burguês”. De qualquer modo, parece-nos absolutamente indispensável, nesta tese, este excurso sobre Proudhon, dada a sua indiscutível influência, em nosso entender, sobre as ideias da economia solidária. 110 social e nisso estava sua força e sua limitação. O autor ainda observa que, para Proudhon, “a compreensão dos erros contidos na realidade social constitui a premissa gnosiológica que o leva a encontrar o caminho” (id, p. 39) e que, de Hegel, Proudhon tomou apenas o formalismo, abandonando as formulações de tese e antítese. É importante destacar que apesar de Proudhon não querer voltar aos sistemas utópicos, e de se opor aos princípios centrais desses sistemas, continuou, não propositadamente, com a linha evolutiva iniciada por eles. O que mais amedrontava o socialista francês era a ideia de que pudesse, ele mesmo, adicionar um novo sistema aos anteriores (Cf. Buber, ibid; Cole, ibid; Gurvitch, ibid). “Não tenho nenhum sistema, não quero nenhum, rejeito terminantemente essa insinuação. O sistema da humanidade só será conhecido no final da humanidade (...). O que me importa é conhecer o caminho e, se me for possível, desbravá-lo” (Proudhon apud Buber, ibid, p. 38). Poder e Estado: O fio evolutivo que liga Proudhon aos sistemas utópicos comparece na seguinte exigência do autor, que ele apanha em Saint-Simon: um regime social baseado na economia e determinado pela sua organização. Mas, diferente de Saint-Simon, que partia da reforma do Estado, Proudhon parte da mudança da sociedade. Ao analisar esse debate, Buber escreve que, para Proudhon, “só se pode lograr uma verdadeira reforma na sociedade, partindo de uma modificação radical das relações entre a ordem social e a política” (1971: p. 41). Assim, não é mais o caso de substituir uma formação política por outra, mas de substituir essa constituição política imposta à sociedade por uma organização proveniente da própria sociedade. Nestes termos, Proudhon conclama à destruição de formas e instituições sociais, como o Estado, que obstaculizam o amplo desenvolvimento dos indivíduos e grupos sociais para o progresso social e econômico. “A causa primordial de todas as irregularidades que afligem a sociedade, da opressão dos cidadãos e da ruína das nações, reside na centralização excessiva e hierárquica dos poderes públicos (...). É preciso acabar o quanto antes com esse monstruoso parasitismo” (Proudhon apud Buber, ibid: p. 41). A nova organização social teria que surgir da relação entre os cidadãos e a estrutura econômica e se afirmaria na negação da política, do poder e do Estado. Mas Proudhon preconiza a manutenção de um sistema legislativo que garantiria as bases essenciais de seu sistema reformado de propriedade e de seu sistema de crédito sem juros. Consequentemente, no nosso entendimento, não concebia a aniquilação total do Estado, pois mantinha a necessidade de uma base legal e jurídica59 para a nova sociedade. “El Estado al que se oponía era el que llamaba Estado de la 'política' en oposición a la estructura constitucional requerida para proporcionar una base adecuada 59 Proudhon, em sua obra Da Justiça na Revolução e na Igreja (1858), formula um conceito particular: a “justiça recíproca”, baseada na relação entre desigualdade e justiça, pois, para ele, trabalhos desiguais merecem retribuições desiguais, isto baseado no princípio da “justiça recíproca”. 111 a la organización del trabajo” (Cole, 1975: p. 213). Restringir o Estado – essa ordem estranha à sociedade – ao exercício exclusivo das funções que a própria sociedade não possa desenvolver é uma das ideias-força do pensamento de Proudhon. Pois, para ele, deve-se transferir para as mãos da própria “sociedade trabalhadora”, que criará os seus próprios órgãos, a direção dos negócios,. “A delimitação da função do Estado é questão de vida ou morte para a liberdade, tanto coletiva como individual” (Proudhon apud Gurvitch, 1983). Federalismo, mutualismo e socialismo: No curso da evolução do pensamento de Proudhon, o individualismo – a despeito de algumas defesas em favor de uma propriedade individual e de um indivíduo em “dependência orgânica” – retrocede e dá lugar a uma concepção em que as relações de tensão e os conflitos entre o indivíduo e a totalidade se equilibram através do grupo. São as relações em comunidade, ou associação, que parametram uma nova ordem social. Dessa forma, afirma Buber, “seu anticentralismo se converte cada vez mais em comunalismo e federalismo” (1971: p. 42). Em 1860, Proudhon escreve: “A grande centralização deve desaparecer, substituída por instituições federalistas e por costumes comunais”. Buber chama a atenção: nesta formulação proudhoniana estão presentes elementos de mudança e conservação em face da ordem social atual. “É notável, aqui, a combinação que ele faz das ‘instituições’ que pretende criar e das formas de comunidade, ‘os costumes’ que devem ser conservados” (ibid: p. 42). O sistema federativo60 é para Proudhon a síntese entre a sociedade como um todo e as mais variadas associações. “O sistema federativo é para ele a realização dos equilíbrios que procurava entre a unidade da sociedade global e a multiplicidade dos agrupamentos particulares, entre os grupos e os indivíduos, entre a autoridade e a liberdade” (Gurvitch, 1983: p. 54). Mas, para o Proudhon, o verdadeiro problema para o federalismo não é o político, ou seja, a nova organização de tomada de decisão política da sociedade, mas o econômico, pois o direito econômico é a base do direito federativo e de toda ordem política. As dificuldades encontradas na organização econômica da federação se fundam em duas questões centrais: se o trabalho, por si mesmo, pode financiar as empresas como atualmente o faz o capital, e se a propriedade e a direção das empresas podem ser coletivizadas. A solução apontada por Proudhon é o mutualismo em sua forma madura. Existe mutualidade, reciprocidade, quando numa indústria todos os trabalhadores, ao invés de trabalharem para um empresário que lhes paga, ficando com o seu produto, trabalham uns para os outros, fabricando um produto comum, cujos lucros dividem entre si. Estendamos, agora, o princípio da mutualidade que une o trabalho de cada grupo às associações 60 De acordo com Gurvitch, Proudhon não é um federalista no verdadeiro sentido da palavra, mas confederalista. A diferença reside em que, na confederação, há a eliminação do poder central e sua substituição pelos poderes particulares dos agrupamentos sociais. (Cf. Gurvitch, 1983). 112 de trabalho concebidas como unidades, e teremos criado uma forma de civilização que, de qualquer ponto de vista, político, econômico ou estético, se distinguirá totalmente das civilizações anteriores (Proudhon apud Buber, 1971: p. 44). Dessa concepção, Proudhon extrai a seguinte máxima: “Todos associados e todos livres”. Mas, para que isso possa acontecer, é preciso que a associação não seja imposta - pelo contrário, “os homens só devem associar-se às cooperativas de trabalhadores como rebanhos de produção quando as exigências da produção, o barateamento dos produtos, as necessidades de consumo e a segurança dos próprios produtores o requeiram” (Proudhon apud Buber, ibid: p. 44). Após estas considerações sobre as concepções que fundamentaram algumas das mais importantes formulações iniciais do socialismo moderno, podemos destacar alguns temas que sempre estiveram no centro das preocupações destes autores: a sociedade libertária, o ideal comunitário, a associação ou autogestão, a aspiração a uma nova espiritualidade e a criação de uma nova ordem social. É importante destacar que estas são até hoje – aliadas a outros temas, que só se puseram no cenário nos últimos anos, como a preservação do ambiente e as preocupações climáticas – questões centrais que norteiam as organizações socialistas e diversos grupos com preocupações humanistas. Este é, portanto, o fio condutor que liga algumas organizações sociais, intelectuais e militantes da cena contemporânea aos pensadores libertários, utópicos ou não, dos séculos XVIII e XIX. Tais ligações podem ser verificadas, em um leque muito amplo e diversificado, nas publicações sobre a chamada economia solidária ou economia social. Dessa forma, passaremos a analisar a economia solidária e as razões por que autores como Paul Singer reivindicam esta como herdeira das propostas socialistas modernas. 2. 3. Ideias fundamentais da economia solidária O estudo da perspectiva hegemônica hoje na noção de economia solidária nos remete a debater, essencialmente, com um dos pioneiros na atualidade sobre o tema - o economista Paul Singer. Ele é reconhecido como o maior intelectual inspirador e elaborador dessa proposta sócioeconômica de alternativa para o Brasil nos dias correntes. Tal primazia e influência resultaram na criação, a partir de 2003, início do governo Lula, da Secretaria Nacional de Economia Solidária SENAES, da qual Singer é o titular. De acordo com Singer (2000), as cooperativas são partes de um projeto de organização sócio-econômica – ou, ainda, da economia solidária -, orientada por princípios opostos aos do 113 laissez-faire61, visto que propõe, em lugar da livre concorrência, a associação; em lugar da autoregulação dos mercados, a sua limitação mediante a estruturação de relações econômicas solidárias entre produtores e consumidores. Conforme Singer, a economia solidária, de um modo em geral, está alicerçada em três pressupostos – fundamentos – necessários para operar nos marcos de uma organização solidária: a regulação econômica, a participação nos lucros e a gestão do trabalho. Partindo desses três pressupostos, Singer (2000) argumenta que, no processo econômico capitalista, nos termos liberais, a regulação da economia é regida pela livre concorrência no mercado mediada, pelo movimento da competitividade62, gerando por sua vez “ganhadores” que acumulam mais vantagens e “perdedores” que acumulam mais desvantagens para as competições futuras - o que produz um montante de desigualdade crescente. Em contraposição a essa forma de organização econômica, Singer propõe: Para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir (2002: p. 09). Nestes termos, a solidariedade na economia só pode ser realizada mediante organização de supostos iguais, que se vinculam entre si através da associação, em contraposição ao contrato entre desiguais, isto é, patrões e trabalhadores. Segundo o autor, é dessa maneira que a igualdade se manifesta como pressuposto da solidariedade, pois o capitalismo, como modo de produção desigual, funda-se no direito à propriedade privada aplicada ao capital e à liberdade individual, enquanto que, nas cooperativas, os trabalhadores proprietários organizam-se como “outro modo de produção” 63, tendo seus princípios baseados na propriedade coletiva ou associada do capital e também na liberdade individual. Dessa forma, é produzida uma classe de trabalhadores que são possuidores de capital, tendo como resultado “natural”64 a solidariedade e a igualdade na economia. O segundo fundamento da economia solidária seria a igual repartição dos ganhos do lucro da 61 O laissez faire, componente central da formulação teórica do liberalismo clássico de Adam Smith e David Ricardo, fundamenta a posição econômica do “livre mercado”. 62 Cabe ressaltar que a economia capitalista atual não é competitiva na maior parte dos seus mercados, sendo dominada por oligopólios. A livre concorrência, segundo o autor, expressar-se-ia de modo efetivo no comércio e no setor de serviços (Cf. Singer, 2000). 63 Termo utilizado por Singer (2000) na argumentação de que a economia solidária e as cooperativas de trabalho formariam, conjuntamente, um outro modo de produção, diferenciado do modo de produção capitalista. 64 Esse entendimento obscurece as construções sócio-históricas da relação capital e trabalho, e, por conseguinte, naturaliza e eterniza processos que são fundamentalmente resultantes sociais. 114 produção. Em uma empresa capitalista, os trabalhadores recebem salários referentes ao pagamento da venda da sua força de trabalho, sendo eles desiguais e sujeitos a uma variação determinada pela oferta e demanda de força de trabalho e pelo tipo de trabalho, de acordo com o mercado. Na empresa solidária, segundo Singer (2000), os sócios não recebem salários, mas retiradas, que variam conforme a receita obtida. Estes decidem coletivamente, em assembleia, se as retiradas devem ser iguais ou diferenciadas para cada sócio. Há também a repartição do excedente anual que é referente às sobras de ganhos, que na sua maior parte deve ser posta em fundos de investimentos da empresa solidária - o resto é distribuído aos associados por algum critério decidido pela maioria, podendo ser por igual, pelo tamanho da retirada etc. O terceiro fundamento refere-se à gestão e organização do trabalho, que, para o autor, seria talvez a principal diferença entre a economia capitalista e a economia solidária. Nas empresas capitalistas, o modelo utilizado de administração é o da hetero-gestão, operado mediante uma distribuição funcional e hierárquica, na qual as informações sobre o processo de trabalho, provenientes dos trabalhadores na base da produção, seguem para os supervisores e chefes, enquanto que as decisões e ordens são geradas nos cargos superiores e se aplicam na base. O autor entende que na economia solidária se pratica a gestão democrática do trabalho, a partir da autogestão dos trabalhadores que, por sua vez, decidem o funcionamento da empresa em assembleias de associados. Entretanto, isso só ocorre em empresas pequenas, pois tudo pode ser discutido na assembléia; em grandes associações ou empresas, são escolhidos delegados representantes de setores ou departamentos, que se reúnem para deliberar em nome de todos. Nas palavras do autor: Em empresas solidárias de grandes dimensões, estabelecem hierarquias de coordenadores, encarregados ou gestores, cujo funcionamento é o oposto do de suas congêneres capitalistas. As ordens e instruções devem fluir de baixo para cima e as demandas e informações de cima para baixo. (...) A autoridade maior é a assembléia de todos os sócios, que deve adotar as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis intermediários e altos da administração” (Singer, 2002: p. 18). Partindo dessa compreensão, a autogestão se apresentaria como o grande diferencial democrático e participativo no processo de gerência e gestão da empresa solidária, que demarcaria, segundo Singer (2002), um potencial essencialmente revolucionário e questionador do modo de produção capitalista. Para a análise que se pretende realizar, devemos destacar também a discussão empreendida 115 por Singer (2000, 2001 e 2002) sobre as cooperativas e a alternativa não-capitalista, posto que, para o autor, as cooperativas contemporâneas têm berço na doutrina socialista do século XIX e continuam alimentando o germe da alternativa socialista nos tempos atuais. Portanto, o autor entende as cooperativas como um modo de produção e distribuição que é reatualizado temporalmente a partir da necessidade de inserção dos trabalhadores na economia e na busca de postos de trabalho, em contraposição ao modo de produção capitalista. A economia solidária, de acordo com o autor, resgata a unidade do processo de produção, onde os trabalhadores seriam os proprietários dos meios de produção, que utilizam para a realização do trabalho, e desenvolveriam a socialização destes meios a partir do “trabalho em associação”. Disto resultaria uma síntese entre o modo de produção simples de mercadoria e o capitalismo em seu estágio atual. Nestes termos, para iluminar a compreensão que está posta na atualidade sobre as cooperativas, o autor sustenta a importância da auto-organização do trabalho como alternativa de superação do capitalismo e como uma marca predominantemente socialista. Para Singer, A economia solidária e as cooperativas surgem como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo (...). A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de mercadorias) com o princípio da socialização destes meios (do capitalismo). (...) O modo solidário de produção e distribuição parece à primeira vista um híbrido entre o capitalismo e a pequena produção de mercadorias. Mas, na realidade, ele constitui uma síntese que supera ambos (Singer, 2000: p. 13; destaque do autor). Para o autor, essa possibilidade de superação se expressa na materialização de princípios distintos e opostos aos da economia capitalista, sendo estes praticados, por exemplo, em uma cooperativa de produção - tais como: “posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa; repartição da receita líquida entre os cooperadores” (Singer, ibid: p.13). Com essa lógica organizacional e de funcionamento, as experiências auto-gestionadas concretizariam formas reais de organização do trabalho nãocapitalista, orientadas por princípios do legado socialista e de auto-organização dos trabalhadores. Essa perspectiva alimenta-se da afirmação de que, “para compreender a lógica da economia solidária, é fundamental considerar a crítica operária e socialista ao capitalismo” (Singer, ibid: p. 14), pois são nestas bases que se assenta o estímulo ao desenvolvimento das cooperativas e da associação do trabalho. Segundo Singer (2000), as experiências de organização das cooperativas e empresas 116 autogestionárias não são uma criação ideal de alguns intelectuais que pensam modelos de organização da economia e da sociedade, mas formas materializadas de luta da classe operária desde o advento das contradições capitalistas como substrato para a luta de classes. Conforme Singer, os primeiros teóricos e as experiências iniciais da economia social (embora Singer tome esta expressão como sinônimo de economia solidária, é a esta que ele se refere na maioria dos seus textos) aparecem no início do século XIX, em reação à brutalidade da revolução industrial. Diante do pensamento liberal, o socialismo utópico de Saint-Simon esboça a visão de um sistema industrial cujo objetivo seria buscar o melhor bem-estar possível às classes trabalhadoras unidas em associações de cidadãos, com a redistribuição equitativa das riquezas posta como competência do Estado. À mesma época, Fourier inventaria o falanstério, onde a repartição dos bens se dá segundo o trabalho entregue, o capital empregado e o talento, a partir da autogestão. Owen requisita o apoio do Estado para organizar colônias (cooperativas agrícolas e comunidades cooperativas urbanas), destacando a cooperação e os circuitos fechados produtivos como forma de construção social. Proudhon, como crítico radical da propriedade privada, será o precursor de um sistema de círculos de ajuda mútua, no qual o dinheiro é substituído por "certificados de circulação", e no quais as sociedades trocam serviços; no entanto, recusa qualquer intervenção do Estado e afirma que depende da sociedade a administração da economia, a partir do mutualismo e do federalismo. Mesmo com o desenvolvimento das ideias e perspectivas políticas de vários autores socialistas do século XIX - os utópicos -, o diferencial da economia solidária na atualidade, segundo Singer, se expressa com a luta organizada dos trabalhadores e o desenvolvimento de experiências ao longo da história do movimento operário, buscando reatualizar as possibilidades de superação do capitalismo. Nestes termos, Singer destaca a primeira cooperativa moderna formada na Inglaterra, em 1844, pelos 28 tecelões de Rochdale, em Manchester. A organização criada estabeleceu uma carta de princípios que, segundo o autor, até hoje inspira o cooperativismo e sua legislação em nível mundial. Assim, Singer afirma a importância de experiências que apontaram, já naquele momento histórico, uma alternativa de organização ao sistema capitalista. Portanto, para ele (ibid), o que fortalece hoje a organização da economia solidária seria o seu processo contínuo de movimento articulado às lutas dos trabalhadores contra o capitalismo. Pensa Singer que a economia solidária não poderia preceder o capitalismo industrial, “mas o acompanha como uma sombra, em toda sua evolução” (ibid: p. 14). Singer (ibid) afirma ainda que, na luta travada entre capital e trabalho, a principal crítica do movimento operário e socialista ao capitalismo é a ditadura do capital na empresa, o poder ilimitado que o direito de propriedade proporciona ao dono dos meios de produção e, por conseguinte, seus 117 efeitos fora da empresa – a crescente desigualdade social. Segundo o autor, uma classe aumenta sua riqueza através da acumulação de capital e a outra, por sua vez, ganha apenas o necessário para a reprodução de sua força de trabalho. Esta relação ainda resulta, na produção em larga escala, numa gama de trabalhadores excedentes – desempregados. A ditadura do capital na empresa faz com que : a) qualquer trabalhador deve obediência irrestrita às ordens emanadas do dono ou de quem age em seu nome; b) todo fruto do trabalho coletivo seja propriedade do capitalista, em cujo benefício todos os esforços devem ser envidados; c) o trabalhador só faça jus ao salário previsto contratualmente e seus direitos legais. (...) Dada a tendência estrutural do capitalismo de desempregar, excluir e empobrecer parte da classe trabalhadora, a sociedade tende a se polarizar entre uma elite endinheirada e uma massa de pobres que dependem da venda de sua força de trabalho para ganhar a vida mas não encontram quem a compre, ao salário modal vigente (Singer, ibid: p. 14). Esta citação do autor evidencia aspectos centrais do sistema capitalista, que, entretanto, não devem – em nosso entender - ser tomados na sua generalidade ou destacadas das suas determinações históricas. Para a correta compreensão do modo de produção e reprodução do capital é fundamental não só a contextualização histórica, mas, sobretudo, a particularização do momento predominante do desenvolvimento capitalista. Assim, entendemos que os empreendimentos de economia solidária, mesmo orientados por princípios e por pressupostos diferentes aos das empresas claramente capitalistas, devem ser analisados no contexto atual de reestruturação do capital. As mudanças decorrentes deste processo redefinem papeis e funções do trabalho e do capital e colocam grande parte das organizações auto-gestionárias em contado direto com os ciclos de valorização do capital, ainda que embaladas na panaceia contemporânea que reifica o trabalho cooperado, a autogestão e o empreendedorismo. Um dos principais desafios para aqueles que analisam a economia solidária no Brasil é sua definição conceitual e a delimitação de um conjunto de atributos e práticas que a caracterizem porque tudo que relaciona uma atividade com fins econômicos a supostos princípios ou benefícios na esfera social vem sendo classificado como economia solidária. Diante dessa imprecisão, de forma, de conteúdo e de conceito sobre o tema, dialoguemos novamente com Singer. Há, para o autor, uma indiscutível afinidade entre as classes trabalhadoras e os princípios que regem a economia solidária. Nos termos de Singer: “Nem todos os trabalhadores rejeitam o capitalismo, mas a maioria deles o faz e por isso, quando se associa para produzir, comprar ou vender ou consumir, o faz sob formas solidárias” (2000: p. 15). Sumariando a formulação de Singer, 118 a construção da economia solidária tem sido, em muitos países e ao longo de muitas gerações, uma das principais formas de luta contra o capitalismo, ao lado da ação de sindicatos e partidos por direitos políticos e sociais. Considerando a economia solidária o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito – organizadas sob a forma de autogestão, de acordo com Singer (2000, 2001 e 2002), e segundo o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES/SENAES (Brasil, 2004), os principais atributos da economia solidária são: a) Cooperação: materializada na existência de interesses e objetivos comuns, na união dos esforços e capacidades, na propriedade coletiva de bens, na partilha dos resultados e na responsabilidade solidária sobre os possíveis ônus. Envolve diversos tipos de organização coletiva: empresas autogestionárias ou recuperadas (assumida por trabalhadores); associações comunitárias de produção; redes de produção, comercialização e consumo; grupos informais produtivos de segmentos específicos (mulheres, jovens etc.); clubes de trocas etc. Na maioria dos casos, essas organizações coletivas agregam um conjunto grande de atividades individuais e familiares. b) Autogestão: os participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses etc. Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação. c) Dimensão econômica: é uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais. d) Solidariedade: o caráter de solidariedade nos empreendimentos é expresso em diferentes dimensões: na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; nas relações que se estabelecem com o meio ambiente, expressando o compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos processos de desenvolvimento sustentável de base territorial, regional e nacional; nas relações com os outros movimentos sociais e populares de caráter emancipatório; na preocupação com o bem estar dos trabalhadores e consumidores e no respeito aos direitos dos trabalhadores. e) Participação: é outra base de motivação da conjugação de sujeitos para o trabalho, 119 desenvolvendo um processo educacional de formação e organização de uma nova cultura política. Envolve um conjunto de elementos de natureza pedagógica, relacionados aos interesses e objetivos dos grupos envolvidos. No nosso entendimento, todo o conjunto de proposições da economia solidária – embasado nos atributos que acabamos de sumariar - está encharcado de problemas centrais de natureza política. Por isso, passamos a analisar alguns pontos problemáticos dessas formulações, já anunciando que nossa concepção teórica colide frontalmente com seus pressupostos. A concepção dominante sobre a economia solidária, que é marcada pela produção teórica de Singer (em diversos títulos), expressa um claro conteúdo eclético e polimorfo – influenciada nitidamente por ideias socialistas utópicas, socialistas marxistas, anarquistas, social-democratas e reformistas em geral. A diversidade que compõe o conjunto das atividades da economia solidária é proporcionalmente difícil de se caracterizar. Essas questões, se fossem de ordem exclusivamente intelectiva, não seriam um problema. Entretanto, como tal concepção é elaborada para fundamentar supostas práticas sociais não-capitalistas (e, por vezes, pretensas alternativas de luta anticapitalista), carece de uma formulação saturada de determinações da realidade social. Para nós, neste trato de Singer à economia solidária – centrado no trabalho e no trabalhador está contido um modo superficial de analisar os processos históricos e contemporâneos de transformação da sociedade capitalista, em particular a reestruturação da esfera produtiva, as relações de trabalho e a ofensiva do capital. São, assim, isolados determinantes históricos e políticos fundamentais, que envolvem a participação de outros sujeitos centrais na esfera de organização da sociedade – em especial, o Estado e o capital – , fragmentando a realidade social, que só pode ser pretensamente conhecida na medida em que nos defrontamos com ela como uma totalidade. Isto é facilmente perceptível quando identificamos, na formulação de diversos autores, em especial de Singer (2001), a articulação da economia solidária à necessidade contemporânea de combate ao desemprego. Aqui, é considerada apenas a epiderme do fenômeno da reestruturação produtiva, que é o desemprego. Não são identificados outros fatores que aí estão envolvidos – como a contrareforma do Estado e seu postulado neoliberal e, sobretudo, as necessidades do capital no estágio atual de desenvolvimento capitalista. À base das considerações analíticas sobre o capitalismo contemporâneo, desenvolvidas no início deste capítulo, podemos afirmar que o atual padrão de acumulação põe em movimento um renovado processo de organização do trabalho, cuja finalidade essencial é a intensificação das condições de exploração da força de trabalho, principalmente nos contextos de crise. Tal processo, no que diz respeito à produção de valor, vem incorporando modalidades de trabalho que 120 aparentemente seriam formas autônomas e independentes de trabalho. São estas formas, sobretudo, que vêm sendo absorvidas pela esfera da economia solidária. Queremos afirmar, assim, que o conteúdo efetivo das formulações da economia solidária paira apenas na aparência de fenômenos próprios da reestruturação capitalista e da dinâmica reificada da vida social. O que, por outro lado, expressa que tais fenômenos estão se processando e têm suas bases na existência real, impondo-nos a busca por um rigor analítico, à luz da crítica radical e ontológica do sistema capitalista - e não limitarmos somente às “construções ideais” que se autonomizam frente à realidade. É com a clara consciência disto que enumeraremos, brevemente, algumas das debilidades da concepção de economia solidária. a) Sua origem. Apesar de temas como autogestão, auto-organização dos trabalhadores, sociedade de produtores livres, justiça social, entre outros, estarem vinculados historicamente às origens do socialismo moderno do século XIX, o conceito de economia solidária é cunhado na atualidade, nas duas últimas décadas do século XX, sob a marca da solidariedade indiferenciada transclassista, resultante dos processos de “desresponsabilização do Estado” (contra-reforma do Estado) e das transformações do capitalismo e das estratégias do capital no domínio de seu controle sobre o trabalho. b) Sua composição. A primeira pergunta seria: quais os grupos, entidades, segmentos e também quais as práticas econômicas e sociais que compõem efetivamente a economia solidária? A marca da sua origem aponta que, no Brasil, sua caracterização é a mais diversa possível: desde os moradores de uma comunidade popular que criam uma cooperativa de serviços de limpeza até patrões e trabalhadores de uma fábrica à beira da falência que se associam e dirigem-na de modo “autogestionário”. Destacamos, assim, que se tal proposta se vincula ao projeto emancipatório em alternativa ao capitalismo, como ampara em seu conteúdo formas de associação tão diferentes e com conteúdos tão díspares, congregando, em suposto consenso de interesses, parcelas da classe capitalista e trabalhadora. A economia solidária aglutina também, no mesmo bojo, organizações formais e informais, de representação de trabalhadores ou patronal, associações de interesses sociais, econômicos e políticos, indivíduos comuns, e experiências ligadas ao poder estatal. c) Seu conteúdo. O conceito de economia solidária, como vem sendo difundido e trabalhado pelos teóricos em geral, e pelos diversos segmentos da sociedade civil, obscurece, ainda mais, a contradição fundamental das relações sociais no capitalismo. As classes sociais fundamentais, a partir do referencial solidário, desreferenciam o conteúdo central da exploração, qual seja: produção coletiva e apropriação privada da riqueza. Assim, o enfoque central da economia solidária destinase a discutir a gestão do trabalho, a regulação econômica, ignorando mediações fundamentais do 121 modo de produção capitalista, particularmente do seu estágio atual de desenvolvimento. Tais debilidades apresentam um componente inegavelmente mistificador das relações que mediam o capital, enquanto força social em busca de se expandir, e o trabalho, enquanto componente medular do processo de valorização. Ressaltamos também que este conceito se reveste, na atualidade, muito mais da condição de constructo ideal que não esclarece em essência as relações de trabalho, de produção e de organização do trabalho. Transversal ao debate do trabalho, há um outro núcleo-força que torna a economia solidária muito atraente, principalmente para diversos setores progressistas e de esquerda (sem prejuízo da compatibilidade desse núcleo-força com o ideário liberal e neoliberal). No seio das várias elaborações teóricas sobre o tema, como também na de Singer, existe um conjunto de conceitos que são considerados atributos importantíssimos da economia solidária e que já foram anunciados por nós anteriormente. Os conceitos são: autogestão, cooperação, desenvolvimento econômico, participação, democracia, mutualismo e solidariedade. Esses são conceitos que, em sua maioria, foram extraídos das ideias do movimento socialista do século XIX, e que, mais tarde, na passagem do século XIX e início do século XX, foram incorporados por liberais reciclados e pela socialdemocracia europeia, na medida em que foram resignificados e reformados. Os atuais agentes econômicos e políticos da economia solidária defendem sua existência como alternativa aos problemas gerados pelo que a OIT (2005) denomina de “impactos sociais da globalização” e a situam vinculada a um projeto societário de superação capitalista. Se é legítimo extrair das formulações de Singer – e acreditamos que o seja, especialmente considerando as notações contidas em Singer (2000) – a tese segundo a qual a auto-organização dos trabalhadores, presente nas cooperativas, é um legado socialista de luta operária contra o modo de produção capitalista, julgamos que ela pode ser tergiversada e manipulada de forma a tornar-se extremamente funcional ao atual desenvolvimento capitalista. De fato, na medida em que o trabalhador acreditar que exerce uma atividade sem comando externo, exclusivamente para atender às suas necessidades, pode-se construir uma nova mistificação que obscurece a relação entre o trabalhador e o produto do trabalho. A partir daquela tese, pode-se pulverizar os sujeitos e levar a que estes não reconheçam mais as características que os identificam como trabalhadores ou, ainda, pode-se levá-los a se identificarem com o capital, já que seriam supostamente seus próprios patrões - aqui se alterariam relações centrais, como a identidade com o trabalho, que sempre foi importante para construir e consolidar a solidariedade de classe. Esta tese de Singer (2000) – a economia solidária e as cooperativas nascem das teorias socialistas e operárias do século XIX – legitima a construção de experiências alternativas ao 122 capitalismo na luta de classes do tempo presente. Entretanto, pensamos ser fundamental resgatar o papel dos partidos de massa na vanguarda da luta de classes, e na luta por trabalho, ultrapassando a ações apenas corporativas, e garantindo um horizonte de luta universalizante. Ao invés de estimular a criação de cooperativas que, na grande maioria, não conseguem sobreviver sem transitar pelos mecanismos de mercado e, muitas vezes, são elas unidades de produção contratadas diretamente pelo grande capital, devemos questionar qual o papel que elas têm no momento atual capitalista. Desse modo, o nosso entendimento se contrapõe ao do autor, visto que, para nós, o que vem desenvolvendo a organização de cooperativas, e empreendimentos de economia solidária são as funções que estes estão exercendo no processo de produção capitalista e na minimização dos impactos do desemprego e da pobreza. Tais funções adquirem novas roupagens porque ainda aliadas a um forte apelo ideológico, supostamente socialista, que por sua vez expressa a construção mistificada de estratégias de acumulação capitalista. Para nós, entender a economia solidária e as várias atividades que se desenvolvem no Brasil sob esse selo, ou seja, como forma de luta anticapitalista, é menosprezar e desconhecer a dinâmica própria do capitalismo, o que, por sua vez, leva também a ignorar a tendência imanente do capitalismo de revolucionar constantemente o trabalho e as modalidades produtivas. A luta de classes assume novas formas, posto que as forças sociais em disputa recompõem-se em bases renovadas. O momento atual do capitalismo - o neoliberalismo, a financeirização da economia mundial, a reestruturação produtiva e as modalidades de trabalho dela resultantes - demanda uma leitura precisa das formas de organização da sociedade burguesa consolidada e madura. Tal análise busca desvendar o real movimento da luta de classes, as saídas encontradas pelo capital para superar suas crises orgânicas e as estratégias utilizadas para instrumentalizar, subsumir e mercantilizar quaisquer formas alternativas de realização do trabalho dentro do sistema capitalista contemporâneo. 2. 4. A economia solidária no Brasil No Brasil dos dias atuais, considerados o quadro político, as mudanças no mundo do trabalho e as estratégias do capital na sociedade brasileira contemporânea, a economia solidária vem ganhando atenções e polarizando muito do debate acerca das estratégias de combate ao desemprego, geração de emprego e renda, e, sobretudo, das ações políticas de combate à chamada “vulnerabilidade social”. A economia solidária compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, empresas autogestionárias, redes de 123 cooperação, complexos cooperativos, entre outros, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças, trocas, comércio e consumo - batizadas todas, nos últimos anos, pela SENAES de “empreendimentos de economia solidária” – EES. A amplitude de temas, experiências e ações que cerca esse amálgama denominado de economia solidária possibilita, na mesma medida, uma diversidade de debates, análises e proposições sobre e para a economia solidária. Existe hoje um número muito amplo e muito diferenciado – se considerarmos as vinculações teóricas e políticas – de autores 65, estudiosos, profissionais, grupos, organizações e partidos que vêm produzindo intelectualmente e criando atividades que desenvolvem a economia solidária. E ainda devemos destacar a inserção do Estado brasileiro neste quadro, como formulador de políticas e indutor de ações de interesse deste segmento. O debate sobre a economia solidária surge amplamente mobilizado por diversos segmentos da sociedade civil, e recentemente pelo Estado, com uma variedade de objetivos e interesses. Esse setor vem se desenvolvendo no Brasil desde os últimos anos do século passado, enquanto um tipo de resposta de parte da sociedade civil às mudanças nas relações de trabalho, ao desemprego, e à ampliação da pobreza. É importante assinalar que já na década de 1990 se observa o surgimento, e a multiplicação, de organizações e entidades que apoiam, assessoram, agregam, articulam e fomentam todo tipo de empreendimento associativo e cooperativo. Em 1991, são promovidas assessorias sindicais e populares que deram suporte aos trabalhadores para que estes assumissem algumas empresas falidas ou entrassem em parceria no capital de investimentos de outras empresas com dificuldades de se manter no mercado; passados três anos, várias instituições autogestionárias criaram (1994) a Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária – ANTEAG. Outro agente de grande participação no desenvolvimento prático e ideopolítico da economia solidária – com a criação de cooperativas e associações de trabalhadores – foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, que, através da luta dos trabalhadores do campo, ocuparam terras e assentaram milhares de famílias. Para desenvolver economicamente a produção agrícola familiar e comercial, foram organizadas diversas cooperativas e capacitados vários técnicos em cooperativismo. O meio acadêmico também se mobiliza em torno da discussão da economia solidária e cria, 65 Como dissemos, a produção no campo da economia solidária é muito ampla, mas podemos sinalizar algumas das mais importantes no âmbito acadêmico: Arrouyo e Schuch (2006), Gaiger (2004), Rech (2000), Singer e Souza (2000) e Singer (1998, 2000, 2001 e 2002). A repercussão deste debate é tal que já propiciou uma análise comparativa França/Brasil (Filho e Laville, 2004); e não se esqueça os trabalhos de abrangência internacional patrocinados pelo influente sociológico português Boaventura Santos (2002). 124 em 1990, a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – Rede Universitária de ITCPs, que tem como objetivo assessorar camadas pobres da população na formação, capacitação e inserção de cooperativas de diversos ramos no mercado de trabalho. Estas ITCPs estão articuladas entre si formando uma rede, integrada à UNITRABALHO – fundação voltada à assessoria e estudos do movimento operário no Brasil –, hoje Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Mundo do Trabalho. Também são diversas as entidades sociais responsáveis pela difusão da economia solidária, em destaque a Cáritas (órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB), a Federação das Cooperativas de Trabalho – FETRABALHO e a Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educação – FASE, no Rio de Janeiro. Os sindicatos, até meados da década de 1990, adotavam uma postura de resistência a este tipo de atividade, por entender que ficariam enfraquecidos. Mas esta resistência foi progressivamente quebrada e a maioria deles já apoiam abertamente os EES. Hoje, vários sindicatos se empenham na formação e articulação de grupos visando à criação de cooperativas habitacionais, de trabalho ou de serviços. Dentre as entidades do movimento sindical, destaque-se a Unisol, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e a Agência de Desenvolvimento Solidário – ADS, da Central Única dos Trabalhadores – CUT. Atualmente, a economia solidária faz parte da agenda do Estado através da implantação de políticas governamentais (municipais, estaduais e nacional) voltadas ao seu desenvolvimento. O governo federal criou em 2003, como já indicamos, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES. No mesmo ano, também foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária e a Rede de Gestores Públicos de Economia Solidária. A SENAES tem, entre seus objetivos, favorecer o desenvolvimento e divulgação da economia solidária. O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento (criado em 2003 e implantado a partir de 2004, consta no do Plano Plurianual 2004-2007 e 2008-2011 do Governo Federal) realizou um amplo mapeamento da economia solidária no Brasil, na tentativa de catalogar todos os EES e as Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento. Com base nesse mapeamento foi constituído o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES, composto por uma base nacional e por bases locais de informações, que proporcionam visibilidade à economia solidária e oferecem subsídios nos processos de formulação de políticas públicas. Não é nosso objetivo fazer uma análise e avaliação do programa do governo federal para a economia solidária. Todavia, sendo o Estado, em todas as suas instâncias, historicamente o maior empregador dos assistentes sociais, parece-nos importante identificar quais são as particularidades dessa política pública que estão impactando as demandas profissionais para o Serviço Social e quais 125 são os vetores dessa política que vêm estreitando a relação entre o Serviço Social e a economia solidária. Por isto, buscamos traçar eixos centrais que caracterizam a política pública de economia solidária, a partir do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento do MTE/SENAES. O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento marcou a introdução de políticas públicas especificas para a economia solidária em âmbito nacional, em um contexto de novas ofensivas do capital, exigindo respostas do Estado cada vez mais flexíveis no campo do trabalho e da pobreza. Novas realidades do mundo do trabalho demandam do poder público respostas para relações de trabalho distintas do emprego assalariado. Foi neste contexto, e a partir das demandas do próprio movimento da economia solidária, que o Governo Federal, por meio de seu Ministério do Trabalho e Emprego, assumiu o desafio de implementar políticas que estendam ações de inclusão, proteção e fomento aos trabalhadores/as que participam das demais formas de organização do mundo do trabalho entre elas, as iniciativas de economia solidária. Ao constituírem um modo de produção alternativo ao capitalismo, onde os próprios trabalhadores/as assumem coletivamente a gestão de seus empreendimentos econômicos, as iniciativas de economia solidária vêm apontando para soluções mais definitivas à falta de trabalho e renda. E foi para apoiar o seu fortalecimento e expansão que se construiu o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento (MTE/SENAES, 2008; negritos nosso). Em 2004, as ações de economia solidária, sob responsabilidade da SENAES/MTE, passaram a contar com orçamento próprio, a partir da inclusão do programa no Plano Pluri-Anual – PPA do governo federal. O programa incorpora demandas da sociedade civil e iniciativas do governo para economia solidária e são definidas ações e prioridades articuladas à plataforma do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES e às resoluções da I Conferência Nacional de Economia Solidária – CONAES (2006) e do Conselho Nacional de Economia Solidária – CNES. Na proposta do PPA 2008-2011, o programa incorporou, de modo mais definido, várias linhas de ação, com destaque para: • • • • • a organização da comercialização dos produtos e serviços da economia solidária; a formação e assistência técnica aos empreendimentos econômicos solidários e suas redes de cooperação; o fomento às finanças solidárias, sob a forma de bancos comunitários e fundos rotativos solidários; a elaboração de conhecimentos e tecnologias sociais apropriadas à economia solidária; e a elaboração de um marco jurídico que, segundo o programa, regulamentará o direito ao 126 trabalho associado. Mas a principal linha de ação é a estruturação de uma política pública voltada à economia solidária, com o estímulo à institucionalização de políticas nas três esferas; a formação de formadores/as e gestores públicos; a construção de uma estratégia de desenvolvimento local tendo a economia solidária como eixo, a partir da atuação de uma rede de agentes de desenvolvimento solidário espalhados pelo Brasil; e o mapeamento da economia solidária, para ampliar e atualizar a base do Sistema de Informações em Economia Solidária – SIES. As diretrizes dessa política capilarizam-se em outros setores do governo, como os ministérios da Educação, Saúde, Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário, e ainda no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, que também vêm desenvolvendo ações no campo da economia solidária. Por exemplo, o BNDES criou uma linha de financiamento permanente para entidades de assessoria aos EES e para a recuperação de empresas falidas que venham a ser administradas pelos próprios trabalhadores. Na condição de política pública, a economia solidária gera uma demanda diversificada nas áreas de financiamento; gestão de políticas; gestão de negócios; capacitação técnica; comércio e logística; pesquisa e metodologias sociais de cooperação, associação e autogestão; desenvolvimento local e assessoria jurídica, contábil e administrativa. Tais demandas vêm se ramificando nas práticas profissionais e já constituem eixos específicos de formação e qualificação - e isso também acontece no Serviço Social (cf. CFESS, 2005). Afirmamos anteriormente que a economia solidária é muito heterogênea e conta com a participação de diversos agentes na sua promoção. Mas qual é a realidade da economia solidária no Brasil? E possível mensurar, agrupar, determinar a origem e a inserção econômica desses empreendimentos? Mesmo considerando que esta é uma tarefa que equaliza atividades sociais e econômicas com vinculações e relações sociais muito distintas, esboçamos, a partir das fontes disponíveis, uma radiografia da economia solidária brasileira. A economia solidária – ES no Brasil, a partir de dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES (base de dados até o ano de 2007) do Ministério de Trabalho e Emprego, é formada de 21.859 “empreendimentos”, dos quais, cerca de 49%, foram criados somente de 2001 a 2007. E reúne um total de 1.687.496 participantes - destes, 37% são mulheres e 63% homens. Mais de 1 milhão e meio de pessoas participa de atividades de economia solidária no país, número em significativo crescimento, e nos possibilita afirmar que a ES tem hoje uma representatividade consistente, a partir do número de envolvidos. Mas onde estão localizados os 127 EES? Podemos ver, na tabela 02, que 43,5% deles atuam no nordeste brasileiro, e apenas 10,1% encontram-se na região centro-oeste. TABELA 02 – Quantidade segundo região, até 2007 REGIÃO QUANTIDADE Norte 2656 Nordeste 9498 Sudeste 3912 Sul 3583 Centro-Oeste 2210 TOTAL 21859 (%) 12,1 43,5 17,9 16,4 10,1 100 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. Uma informação que nos chama atenção nessa tabela é que a região sudeste, que apresenta a maior densidade populacional do país, a maior taxa de industrialização e é responsável por mais de 50% do produto interno bruto/PIB nacional, tem apenas 17,9% dos EES e envolve apenas 3912 pessoas. Significa dizer que, mesmo em significativo crescimento, os EES têm baixíssimo impacto na composição da riqueza e na atividade econômica nacional (quase o mesmo vale para a situação da região sul). De outro lado, norte, nordeste e centro-oeste, as regiões mais pobres, concentram juntas 65,7% de toda a atividade de economia solidária, o que indica a concentração dos empreendimentos em regiões predominantemente pauperizadas. O modo de organização predominante é o sistema de associação, com 51,8%, seguido por grupos informais, 36, 5%. Apenas 9,7% do empreendimentos organizam-se em cooperativas, conforme a tabela 03. TABELA 03 - Forma de organização FORMAS DE ORGANIZAÇÃO QUANTIDADE Grupo informal 7978 Associação 11326 Cooperativa 2115 Sociedade mercantil por cotas de 54 responsabilidade limitada Sociedade mercantil em nome coletivo 56 Sociedade mercantil de capital e indústria 192 Outra 138 TOTAL 21859 (%) 36,5 51,8 9,7 0,2 0,3 0,9 0,6 100 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. Note-se que as formas de organização predominantes (associação e grupo informal) não esclarecem absolutamente nada sobre esses EES. As associações e grupos informais podem ser os mais diversos e com vinculações as mais distintas. E ratifica a nossa percepção analítica inicial sobre como é difícil definir o conjunto das atividades de economia solidária. Vemos ainda que as sociedades mercantis, 1,8% juntas, são também consideradas modalidades de organização de 128 economia solidária, o que implica, como já antes anunciado, que empresas com nítidas diretrizes capitalistas fazem parte do leque da economia solidária. De acordo com a tabela 04, a seguir, 30,9% afirmaram que a motivação para a criação do EES foi este ser uma alternativa ao desemprego, sendo esta a maior motivação; a possibilidade da atividade associativa gerar maiores ganhos ficou em segundo lugar, indicada por 15,3%; apenas 7,2% dos informantes apontaram o fato de serem donos do seu próprio negócio como sua maior motivação. TABELA 04 - O que motivou a criação dos empreendimentos MOTIVOS QUANTIDADE 1. Uma alternativa ao desemprego 6.746 2. Obtenção de maiores ganhos em um empreendimento associativo 3.339 3. Uma fonte complementar de renda para os(as) associados(as) 3.060 5. Condição exigida para ter acesso a financiamentos e outros apoios 2870 4. Desenvolvimento de uma atividade onde todos são donos 1.571 8. Desenvolvimento comunitário de capacidades e potencialidades 1128 9. Alternativa organizativa e de qualificação 961 7. Motivação social, filantrópica ou religiosa 864 6. Recuperação por trabalhadores de empresa privada que faliu 89 10. Outro. Qual? 772 Não respondeu. 459 TOTAL 21859 (%) 30,9 15,3 14 13,1 7,2 5,2 4,4 3,9 0,4 3,5 2,1 100 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. O maior motivo que vem justificando a expansão dos EES's é, como se indicou, o desemprego. Mas se, por um lado, esta é a justificativa dos governos, das organizações patronais e dos sindicatos, as informações colhidas podem revelar – e este é o nosso entendimento - que já está enraizada também, na visão dos próprios “empreendedores”, a noção de que são necessárias formas alternativas de trabalho, vista a carência de empregos estáveis, formais e com garantias trabalhistas. Se somarmos esses aos 14% que dizem ser a atividade de economia solidária uma fonte complementar de renda para os associados, é flagrante o descontentamento e as dificuldades econômicas pelo qual vem passando os trabalhadores na sua inserção, ou não, no mercado de trabalho. Isso se traduz também quando observamos as áreas de atuação dos EES's (tabela 01, anexo), posto que 48,3% deles atuam exclusivamente na zona rural, 34,6% em zona urbana e 17,1% tem atuação tanto na rural como urbana. Essa maioria de atividades de economia solidária no meio rural poderia talvez explicar-se pelo crescimento no país do setor agroexportador (o agrobusiness). Entretanto, quando analisamos as atividades econômicas que mais aparecem nos EES's (tabela 02, anexo), verificamos que a maioria são atividades de serviços ligadas à agricultura, no cultivo de lavouras temporárias, hortaliças, legumes e outros produtos da horticultura. Apenas 1253 “empreendimentos”, cerca de 5,7%, afirmaram cultivar cereais para grãos. A fabricação de artefatos a partir de tecidos, madeira, palha, cortiça e material trançado – itens conhecidos popularmente como artesanato - também é uma das maiores atividades econômicas desenvolvidas. Explica, no 129 nosso entendimento, a baixa viabilidade econômica deles. A dificuldade de manter-se e conseguir uma arrecadação mínima mensal é outro desafio dos EES's. O faturamento médio mensal dessas atividades vem mostrando o nível de pobreza a que estão submetidos. A maioria dos EES's (quase um terço deles) têm faturamento mensal igual a zero (R$ 0,00), cerca de 29,9% (cf. infra, tabela 5) - o que nos parece ou escandaloso ou enganador. Dito de outra forma: ou podemos entender dessa informação que quase 1/3 (um terço) das atividades de economia solidária no país vivem um grau de exploração tremenda, na qual mesmo os envolvidos que estão trabalhando não são pagos pela sua força de trabalho; ou esses EES, mesmo constituídos, não têm nenhuma inserção no mercado, e não são, portanto, alternativa de renda e de solidariedade econômica. Vejamos os dados da tabela 05. TABELA 05 – Faturamento médio mensal dos EES FAIXA DE FATURAMENTO Nº DE EES Até R$ 1.000,00 3.628 de R$ 1.001,00 a R$ 5.000,00 5.412 de R$ 5.001,00 a R$ 10.000,00 2.031 de R$ 10.001,00 a R$ 50.000,00 2.789 de R$ 50.001,00 a R$ 100.000,00 522 Mais de R$ 100.000,00 723 Faturamento mensal igual a R$ 0,00 6533 Não declararam faturamento 221 TOTAL 21859 (%) 16,6 24,7 9,3 12,8 2,4 3,3 29,9 1 100 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. Dos 68,9% que declararam ter algum faturamento mensal, cerca de 9.040 (nove mil e quarenta) “empreendimentos”, a grande maioria, 59,9%, chegam a faturar, no máximo, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais. A pergunta que nos instiga é: quando for retirado do faturamento as parcelas destinadas aos custos com matérias-prima, instrumentos e infra-estrutura e outros, o que resta para a repartição mensal entre os associados? O acesso à renda, nesses “empreendimentos”, pode ser considerado uma forma insignificante de distribuição de renda por via do trabalho, por isso comparável apenas com a condição de desemprego. Os problemas da inserção no mercado, da viabilidade econômica e da renda para as atividades de economia solidária não podem ser atribuídos, como fazem geralmente os economistas, aos elementos internos do mercado – dinâmica de oferta e procura, qualificação do trabalho e dos produtos, instabilidade dos preços etc. No capitalismo dos monopólios, não é a ação do capitalista individual, e neste caso do grupo solidário, que determina seu desempenho econômico. As empresas monopolistas controlam a amplitude da economia mundial e, em particular, do comércio mundial. As atividades econômicas que têm rentabilidade real ou são incorporadas ou são destruídas pelos grandes conglomerados. 130 Na particularidade brasileira, uma das grandes dificuldades encontradas pelos EES's reside na comercialização de produtos e de serviços. Mais da metade dos grupos, 61,3%, têm essa dificuldade (tabela 03, anexo) e constituem-se, neles mesmos, os vínculos para oferta dos produtos e serviços. Mais da metade vende, diretamente ao consumidor, seus produtos e serviços (tabela 04, anexo). Apenas 88, cerca de 0,4% “empreendimentos”, dos 21.859 pesquisados, afirmaram que têm na troca com outras atividades solidárias sua principal forma de circulação. Essa realidade repõe, de fato como ela é, a realidade da economia solidária e sua relação com o mercado capitalista constituído. Umas das grandes premissas da economia solidária é a constituição, entre suas atividades, de uma rede autônoma de produção, circulação e consumo solidário. Seria por esse mecanismo que as cooperativas, associações e diversos outros grupos poderiam se organizar e constituir uma suposta economia diferente da forma hegemônica. O que nos informam os números é a expressão concreta da incapacidade de qualquer outro modo de produção coexistir com o capitalismo, sem ser por ele destruído ou refuncionalizado - dessa forma, deixa de ser outra economia para ser uma variação da mesma. E ainda cai por terra a perspectiva do socialismo possível (Nove,1989; Amim e Houtart 2003; Santos, 2005), que muitos militantes da economia solidária e de movimentos chamados alteromundistas defendem. Quando se trata de investigar no mundo atual locais, culturas, sociabilidades ou formas de produção social nas quais o capitalismo ainda não incide ou domina, são poucos os exemplos que podemos encontrar – mas elas existem. Por exemplo, algumas comunidades isoladas em partes específicas do mundo, ou regiões paupérrimas, nas quais o capitalismo chegou apenas como manifestação ideo-cultural e não o capital como relação social. Contudo, essa constatação nos impede de afirmar que o capitalismo não é a forma social predominante, e muito menos, que coexistam, ainda hoje, modos de produção, com algum impacto econômico, diferentes do hegemônico. A economia solidária, como já mencionamos, envolve um conjunto de grupos sociais, os mais distintos, que vêm investindo e apoiando os EES's. Assim, pudemos observar que 72,67% dos “empreendimentos” tiveram algum tipo de apoio, assessoria ou capacitação para criação e desenvolvimento do grupo (tabela 05, anexo). E, neste ponto, o Estado – através dos mais diversos agentes governamentais – foi o maior incentivador, colaborando diretamente, de alguma forma, com 8.915 EES. Mas também ONG's, grupos comunitários, entidades patronais, sindicatos, organizações religiosas e redes universitárias são responsáveis por apoiar a economia solidária, conforme a tabela 06, a seguir. Essa realidade exprime a heterogeneidade do que é a economia solidária e suas entidades colaboradoras. TABELA 06 – Quem forneceu o apoio aos ESS's? (múltipla escolha) 131 ENTIDADES QUE FORNECERAM APOIO Órgãos governamentais. ONGs, OSCIPs, Igrejas, associações e conselhos comunitários, etc. Sistema “S” (Sebrae, Sescoop, etc). Movimento Sindical (Central, Sindicato, Federação). Outra. Universidades, incubadoras, Unitrabalho. Cooperativas de técnicos(as). TOTAL 8.915 5.097 4.466 2.534 1.559 1.201 663 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. Ao longo dos nossos estudos sobre a economia solidária, sempre nos pareceu evidente que a construção dessa suposta outra economia (cf Singer, 2009) tem um núcleo de força que está ligado a valores de natureza ideológica e natureza prática. Formas teóricas e políticas - tais como: participação, democracia, coletividade, cooperação - seriam o diferencial desse modo de se fazer economia. E este, por sua vez, teria grande impacto nas organizações da sociedade com claras inspirações de esquerda. No nosso entendimento, isso seria responsável pela boa receptividade que a economia solidária tem nesses ambientes. Os dados da pesquisa da SENAES apontam que os EES's são formas constituídas diferenciadas de gestão e administração do “empreendimento”. A maioria informou que cotidianamente os “sócios” participam das decisões e têm acesso à prestação de contas de modo coletivo, em assembleia. Mas ainda há aqueles – pouquíssimos – em que não existe participação dos sócios nas decisões. Podemos verificar todas as modalidades de participação na tabela 07 seguinte. TABELA 07 - Quais as formas de participação dos sócios nas decisões (múltipla escolha) FORMAS DE PARTICIPAÇÃO TOTAL Participação nas decisões cotidianas do empreendimento 14.555 Prestação de contas aos sócios em assembleia geral/ reunião do coletivo de sócios 13.111 Eleição da diretoria em assembleia geral/ reunião do coletivo de sócios 13.051 Acesso aos registros e informações do empreendimento 12.847 Decisão sobre destino das sobras e fundos em assembleia geral/ reunião do coletivo de sócios 10.529 Plano de trabalho definido em assembleia geral/ reunião do coletivo de sócios 9.029 Contratações e remunerações definidas em assembleia geral/ reunião do coletivo de sócios 2.881 Não existe 440 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. Essas características das atividades de economia solidária, dentre outras, revelam aspectos da sua proposta política. A participação, a organização democrática e a socialização dos ganhos (inclusive das perdas) representam uma possibilidade de ser diferente das empresas capitalistas regulares. Todavia, são modalidades de gestão e distribuição que não rompem, apenas requalificam, as formas elásticas da organização capitalista. A partir dessas diretrizes, a proposta política da economia solidária se retroalimenta, ainda, na sua relação com os movimentos sociais e populares. 132 A maioria dos EES's, algo em torno de 57,7%, afirmam que têm relação ou participam de movimentos sociais e movimentos populares (tabela 06, anexo). E quais são as vinculações e origens desses movimentos? Dos “empreendimentos” que disseram ter alguma relação com movimentos, a maioria deles relaciona-se com o movimento comunitário, cerca de 6.074. O segundo mais indicado é o movimento sindical, 5.680, e o terceiro o movimento de luta pela terra e agricultura familiar, 4.646, conforme tabela 08, a seguir. TABELA 08 – Que tipo de movimento social e popular os EES tem relação (múltipla escolha) TIPOS DE MOVIMENTO TOTAL Movimento comunitário 6.074 Movimento sindical urbano ou rural 5.680 Movimento de luta pela terra e agricultura familiar 4.646 Movimento ambientalista 2.812 Movimento de luta por moradia 1.667 Religioso ou pastoral 1.350 Movimento pela igualdade racial 997 Mulheres / gênero 970 Outro movimento. Qual? 954 Movimento de ameaçados ou atingidos por barragens 421 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. Ser a relação com esses movimentos sociais (comunitário, sindical rural e luta pela terra) a de maior expressão dentre os EES é perfeitamente explicável quando consideramos que a maioria deles desenvolvem suas atividades em localidades rurais. A diretriz política progressista e democrática que percebemos nesse núcleo dos EES, se por um lado demonstra os elementos que encantam e seduzem os defensores da economia solidária, por outro funciona como um manto que encobre e autonomiza a economia solidária do contexto real que determina as relações sociais, políticas e econômicas na sociedade capitalista. É desenvolvido um processo típico de reificação (Lukács, 1975), no qual os supostos tributos sociais da economia solidária justificariam a carência, que ela contém, de formas de trabalho seguras e acesso quantitativo à renda - o que pode ser denominado, no nosso entendimento, modalidades de trabalho pobre destinadas a pobres. É flagrante a condição destituída de direitos sociais e garantias derivadas do trabalho nos EES. A partir dos dados da tabela 13, vemos que mais da metade (cerca de 56%) das organizações de trabalho solidário não têm nenhum benefício, garantias e direitos para os seus membros. E dentre aquelas que afirmam ter algum benefício, o mais indicado (13,8 %) é a “qualificação social e profissional”66, sendo esta uma das formas clássicas do capitalismo lidar com a questão do desemprego. Apenas 2,8% têm descanso semanal remunerado, 2,4% têm férias remuneradas e 2,2% recebem gratificação natalina, o popular 13º salário. Segue abaixo a tabela 09, 66 Sobre a denominada qualificação social, não conseguimos nenhuma informação, junto à pesquisa, que explicasse do que se trata. 133 com a explicitação desses dados. TABELA 09 - Quais os benefícios, garantias e direitos para sócios que trabalham nos empreendimentos BENEFÍCIOS, GARANTIAS E DIREITOS TOTAL (%) Não existem 12.230 56 Qualificação social e profissional 3.015 13,8 Equipamentos de segurança 1.091 5 Descanso semanal remunerado 615 2,8 Férias remuneradas 535 2,4 Gratificação natalina 480 2,2 Comissão de prevenção de acidentes no trabalho 219 1 Outro 844 3,9 Não informaram 2830 12,9 TOTAL 21859 100 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. As condições de trabalho nos EES são, sem nenhuma dúvida, expressão característica da onda de flexibilização imposta pelo capitalismo contemporâneo. E revelam a degradação do trabalho pela qual vem passando essas modalidades de trabalho. Os direitos do trabalho sofrem ataques constantes, e os “empreendimentos de economia solidária” são expressão disso. O resultado imediato é a precarização do emprego formal e o incentivo ao auto-emprego e a informalidade. A sociedade é impregnada de estímulos culturais e reificados que fundam uma cultura do emprego por conta própria – sejam estas experiências as mais diversas: uma pequena empresa, a informalidade ou cooperativas. Tal cultura está fortemente ligada à crítica neoliberal da suposta tutela do Estado protecionista, que, segundo Hayek (1990), cria e estimula os indivíduos ao Caminho da Servidão. A tendência individualista de saídas alternativas à redução do emprego formal e as estratégias capitalistas de saída da crise põem demandas renovadas ao Estado no que tange ao combate à pobreza e estratégias de geração de renda. A radiografia da economia solidária no Brasil, que traçamos aqui, nos permitiu debruçar intimamente sobre as particularidades que compõem esse fenômeno social que vem se destacando no cenário do país nas duas últimas décadas. Este fenômeno está relacionado a um sistemático deslocamento político-social do Estado brasileiro nesse período, afastando-o dos anseios democráticos e sociais que resultaram na constituição de 1988. Operando as orientações do programa de contra-reformas neoliberais, para atender aos propósitos do capital monopolista, a ação do Estado – que incide sobre o trabalho, o emprego e a seguridade social - é fundamentalmente marcada pela desregulamentação dos direitos do trabalho (Lei do Contrato Temporário de Trabalho e sobre a Jornada de Trabalho Flexível - Lei 9.601 de 21/01/98) E conta, ainda, com o ataque sistemático aos direitos gerados pela inserção no trabalho 134 (previdência social), que pode ser verificado nas Reformas da Previdência de 1998, 2002 e 2003. Esse panorama de mudanças encontra-se especialmente atualizado no protagonismo do Estado enquanto garantidor de transferência de renda para o capital, o que marca uma nova inflexão na atuação do Estado no contexto das crescentes informalização e precarização do trabalho no Brasil. Neste sentido, localizamos na criação, desde o início do primeiro governo Lula (2003), da Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES um importante marco que esclarece a agenda do trabalho e geração de renda do Estado brasileiro, com enfoque complementar na economia solidária, bem como dos impactos da inserção subordinada do país na lógica atual da acumulação capitalista. Assim, se ao longo dos anos 1970 e 1980 as estratégias brasileiras de estímulo ao trabalho centravam-se no investimento voltado à criação de postos de emprego formal, na década de 1990, com o crescimento das experiências de economia solidária, e muito mais nos últimos 10 anos, as estratégias estatais para o trabalho incorporam também atividades diversas ao emprego formal, especialmente atividades de trabalho em economia solidária, que são fortemente marcadas pela informalidade e a precarização. Verificamos, pois, que, ao contrário das políticas de estímulo a criação de emprego formal, através das ações de qualificação, seguro desemprego transitório e estímulos ao crescimento econômico, a política pública de economia solidária investe em segmentos informais, contribuindo para que este seja um traço marcante da atuação do Estado brasileiro sobre as demandas de trabalho reivindicadas pelas camadas populares. O que denominamos anteriormente de proposta política da economia solidária é o diferencial que a qualifica e a aproxima a vários grupos sociais, organizações, partidos, sindicatos, movimentos sociais de marca democrática e alguns de esquerda. Desses, exemplo o Serviço Social (como prática profissional), vem tendo uma recepção ideo-política e prática de trabalho e pesquisa na área da economia solidária. Essa relação – Serviço Social e economia solidária -, como ela se traduz, onde ela pode ser identificada, o que a alimenta e, sobretudo, quais as implicações políticas e profissionais dela para o Serviço Social serão temas da análise do próximo capítulo. 135 CAPÍTULO III SERVIÇO SOCIAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA 136 Neste Capítulo, dedicamo-nos a investigar, especialmente, como o Serviço Social vem recepcionando a economia solidária, e como este relacionamento comparece no conjunto da sua produção teórica. Apresentamos, nesta epata, uma significativa sistematização de quais trabalhos teóricos sobre esta temática vem sendo produzidos nos circuitos do Serviço Social, tanto acadêmicos quanto das intervenções profissionais, e mapeamos as tendências que estão contidas nela. Assim, proporcionamos uma análise dessas tendências indicando, particularmente, as perspectivas de defesa e crítica da economia solidária em face do sistema capitalista. 3.1 A recepção da economia solidária no Serviço Social Está consolidada, na bibliografia crítica que estuda o Serviço Social e seu surgimento enquanto prática institucionalizada, a relação estreita entre Serviço Social e questão social – e, neste acervo analítico, constituiu um marco a sua caracterização como profissão no processo de reprodução das relações sociais, inserida, pois, na divisão social e técnica do trabalho na sociedade capitalista. Assim posto, o Serviço Social tem algumas particularidades no seu exercício profissional. A mais destacadas delas é, sem dúvidas, a execução de políticas públicas no enfrentamento das expressões da questão social: o Serviço Social é a profissão que mais vem atuando, histórica e sistematicamente, com as políticas sociais e, mais recentemente, não apenas como um profissional executor na ponta delas – vem atuando também na sua elaboração, gestão e avaliação. Constata-se que desde a sua origem o Serviço Social mantém uma privilegiada relação com as formas históricas de integração e inserção das classes trabalhadoras na lógica de dominação burguesa, seja pela construção de consensos via políticas sociais, seja pela ação sócio-educativa de disciplinamento e controle do trabalho via estratégias de participação social e, ainda, de desenvolvimento de comunidade. Sua emersão como profissão se deu na idade do capitalismo monopolista, momento de organização do Estado e das legislações sociais segundo os princípios de regulação social liberal e consolidação das práticas profissionais de trato às multicausais manifestações da questão social (cf. Iamamoto e Carvalho, 1994; Netto, 1992 e 1994; Montaño, 2000 e 2002). No período “clássico” do capitalismo monopolista, situado aproximadamente entre 1890 e 1940 (Mandel, 1982), as contradições econômicas e sociais foram substanciais e a economia burguesa buscou saídas para manter o seu ciclo de acumulação. A principal característica dessa fase do capitalismo monopolista é o acréscimo dos lucros capitalistas através do controle dos mercados. 137 O Estado é utilizado como mecanismo de intervenção extra-econômica, cuja função é assegurar os grandes lucros e desempenhar funções econômicas como investimentos em setores menos rentáveis e em empresas com dificuldade de crescimento ou em crise; repassar para aos monopólios os complexos construídos com fundos públicos, além de outros fatores que os fortalecem em detrimento dos custeios do Estado. O Estado passa a ter como principal objetivo garantir as condições necessárias à acumulação e valorização do capital monopolista. Em relação às contradições sociais oriundas da relação capital e trabalho, o Estado se responsabiliza por controlar e manter a força de trabalho e por conviver com níveis aceitáveis de organização de luta classista. Na análise de Netto (1992), o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria as condições para que o Estado, por ele capturado, busque legitimação política por meio do jogo democrático, tornando-se permeável a algumas demandas das classes trabalhadoras, fazendo incidir nele alguns de seus interesses e suas reivindicações imediatas. Assim, as expressões da questão social – que, como vimos, passa a ser objeto de intervenção sistemática do Estado, através das políticas sociais – são tratadas de forma fragmentada e parcializada. Enquanto intervenção do Estado burguês no capitalismo monopolista, a política social deve constituir-se necessariamente em políticas sociais: as sequelas da “questão social” são recordadas como problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de escolas, a incapacidade física etc.) e assim enfrentadas (Netto, 1994: p. 28). O Serviço Social emerge como profissão neste contexto e consolida seu espaço sócioocupacional na idade do capitalismo monopolista. De modo preciso, Netto (1994) nos indica que é somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam as condições históricosociais para que, na divisão social e técnica do trabalho, constitua-se um espaço em que possam existir práticas profissionais como as do assistente social. “A profissionalização do Serviço Social não se relaciona decisivamente à ‘evolução da ajuda’, à ‘racionalização da filantropia’ nem à ‘organização da caridade’; vincula-se à dinâmica da ordem monopólica”67. Portanto, é na consolidação da sociedade burguesa madura que surge o Serviço Social, requisitado pelas demandas postas pelas modalidades de intervenção do Estado burguês sobre as refrações da questão social, por meios das políticas sociais. É nesta processualidade histórico-social que se põe o mercado de trabalho para o assistente social, e este passa a ter a sua ação profissional reconhecida “como um dos agentes executores das políticas sociais” (Netto, 1992). A profissão adquire concretude 67 Concordamos com o pensamento de Netto na investigação da relação da gênese do Serviço Social com a questão social: “Em nossa perspectiva, a apreensão da particularidade da gênese histórico-social da profissão nem de longe se esgota na referência à ‘questão social’ tomada abstratamente; está hipotecada ao concreto tratamento desta num momento muito específico do processo da sociedade burguesa constituída, aquela do trânsito à idade do monopólio, isto é, as conexões genéticas do Serviço Social profissional não entretecem com a ‘questão social’, mas com suas peculiaridades no âmbito da sociedade burguesa fundada na organização monopólica.” (1994: p. 14; itálicos do original). 138 histórica nos marcos da expansão do capitalismo monopolista, exercitando o seu fazer profissional sobre as sequelas da questão social. No Brasil, o Serviço Social emerge na década de 1930, a partir da ação particular de setores da burguesia que mantinham estreitos laços com a Igreja Católica. A institucionalização e a legitimação do Serviço Social na particularidade brasileira devem ser compreendidas como mais um recurso mobilizado pelo Estado e pelo empresariado, com apoio da Igreja, na perspectiva do enfrentamento da questão social enquanto resultado do desenvolvimento periférico e dependente do capitalismo brasileiro. Apesar do pensamento social da Igreja católica ser a primeira fundamentação que norteou a formação dos primeiros assistentes sociais entre nós, com destaque para a influência europeia franco-belga, Iamamotto (1995) destaca que o surgimento do Serviço Social brasileiro não pode ser entendido como mera importação de modelos e ideias, pois suas origens estão profundamente relacionadas com o complexo quadro histórico que caracterizava o país. Na realidade brasileira, a acumulação capitalista passava das atividades agrárias destinadas à exportação para o desenvolvimento de um parque industrial nacional que renovava a vinculação da economia periférica ao mercado mundial68, centrando-se no amadurecimento do mercado de trabalho nacional. O processo revolucionário em curso no Brasil desde a segunda metade da década de 1920 vinha exigindo uma rápida recomposição do quadro político, social e econômico. A repressão policial, peculiar da Primeira República, através da qual fracassara o plano da burguesia em conter avanço do movimento operário, necessitava de mecanismos mais sólidos para enfrentar as contradições sociais. As exigências da reprodução social de parcelas crescentes de trabalhadores aliadas às necessidades de compatibilizar politicamente questões que favoreceriam a industrialização e a acumulação colocaram para o Estado a necessidade de desenvolver ações assistenciais como estratégias de regulação e controle dos processos econômicos e sociais. Através da criação e desenvolvimento de instituições assistenciais estatais, especialmente na década de 1940, o Estado passa a intervir no processo de reprodução das relações sociais, assumindo o papel de regulador dessas relações, visto que tanto viabilizava diretamente a acumulação capitalista como ainda atendia algumas demandas sociais das classes trabalhadoras. Dessa forma, a intervenção profissional junto às manifestações pluricausais da questão social ganha concretude histórica e, na particularidade brasileira, também assume lugar relevante na execução das políticas sociais desenvolvidas pelo Estado e, a partir desse momento, tem agora seu desenvolvimento relacionado com a complexidade da dinâmica estatal e o processo de institucionalização da profissão por via da operacionalização das políticas sociais. Na particularidade brasileira, o Estado impulsiona, gradativamente, a profissionalização do assistente social focada em ações normativas e assistenciais marcadas por forte paternalismo e 68 Para uma análise qualificada desse período da economia brasileira, cf. a obra de Tavares (1975). 139 repressão sob a máscara de um Estado humanitário e benemerente, característico da história da organização da sociedade brasileira. O assistente social se inscreve, dessa forma, em uma relação de assalariamento e integra o mercado de trabalho como um dos profissionais reconhecidos pela sua habilitação para trabalhar com as políticas sociais, com a organização social, com os processos disciplinadores e sócio-educativos da sociedade e, sobretudo, com o atendimento das mais diversas sequelas da questão social, o que lhe confere legitimidade social e reconhecimento formal como um profissional liberal69, mesmo que o caráter não-liberal seja, de fato, a forma predominante do exercício profissional dos assistentes sociais. É importante destacar dessa análise que o Serviço Social, enquanto profissão, tem sua base sócio-ocupacional e seu mercado de trabalho estritamente determinados pelas demandas das classes dominantes e populares seja por via do Estado, através das políticas sociais, seja pela ação privada de sujeitos organizados da sociedade civil. Dessa forma, os espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais sofrem determinações específicas – tanto de expansão, de contração ou de alteração – a partir das necessidades do capital em viabilizar a acumulação, como também das forças sociais populares que tentam imprimir o selo de suas demandas na prestação de bens e serviços sociais. Isto posto, é preciso indicar que, na atualidade, o espaço sócio-ocupacional criado pelas política sociais públicas continua sendo, no Brasil, o campo de maior inserção dos assistentes sociais, se, neste aspecto, há perfeita continuidade entre o passado e o presente, há, todavia, que assinalar uma profunda modificação no significado das políticas sociais (cf. o capítulo 1 desta tese), e uma ampliação de outros espaços resultado dos determinantes históricos contemporâneos. As mudanças e expansões na base ocupacional dos assistentes sociais na atualidade são derivadas da totalidade histórica na qual se movem as formas assumidas pelo capital no processo de revitalização da acumulação no cenário de crise, particularmente sob a hegemonia do capital financeiro e da rala resistência popular na perda de direitos. As terapias prescritas pelos estrategistas do capital para reduzir os impactos das crises cíclicas no organismo capitalista sustentam-se no aprofundamento da exploração do trabalho e destruição dos direitos com ampliação da extração de trabalho excedente, expansão do monopólio da propriedade territorial e radicalização liberal do mercado como órgão regulador supremo das relações sociais. O traço que caracterizará essas alterações, com impactos diretos para a profissão é, nitidamente, a alteração no trato da questão social, com destacado aprofundamento da privatização e mercantilização do atendimento das necessidades sociais das camadas trabalhadoras (inseridas ou não no mercado de trabalho). O fracionamento desse atendimento institui status diferenciados, no qual os que podem pagar têm acesso, supostamente, a serviços sociais mais amplos e mais qualificados, ficando para os pobres as 69 O Ministério do Trabalho, através da portaria nº 35 de 19/04/1949, reconhece legalmente a profissão de Serviço Social como profissão liberal. 140 ações sociais públicas e privadas focalizadas e restritivas. Dessa forma, o espaço sócio-ocupacional não pode ser apreendido apenas a partir das demandas sociais historicamente consolidadas na profissão, sendo importante perceber que mesmo naqueles campos de trabalho nos quais incidem a ação profissional a largo prazo é necessário apreender com distanciamento crítico as novas demandas que neles se põem e em novos espaços ocupacionais. O significado do trabalho do assistente social nas distintas inserções sócioocupacionais particulariza e dinamiza a nossa prática, especialmente porque as atribuições e competências que são requeridas adquirem funções e impactos distintos no atendimento das necessidades sociais. O assistente social, enquanto trabalhador assalariado, sofre muitos dos constrangimentos que vêm sendo impostos ao conjunto dos trabalhadores, como o desemprego, a pauperização e a necessidade de vender a sua força de trabalho para manter sua condição de vida - o que não permite, evidentemente, muita seletividade na escolha do trabalho. Para caracterizar e analisar melhor essa inserção profissional dos assistentes sociais, podemos destacar – dentre as mais diversas e criativas possibilidades de trabalho, dada a nossa base de formação generalista e de profissão legalmente liberal – que a esfera estatal e pública continua a ser o maior empregador dos assistentes sociais: cerca de 78,16% dos profissionais atuam em âmbito municipal (49,97%), estadual (24%) e federal (13,19%)70. O segundo maior empregador são as empresas capitalistas, nomeadas na pesquisa como instituições privadas lucrativas, com 13,19%, e em terceiro, com cerca de 6,81%, estão as organizações privadas não lucrativas, as fundações empresariais e as organizações das classes subalternas que, na pesquisa, são chamadas de terceiro setor (entidades filantrópicas, organizações não-governamentais, associações, cooperativas, dentre outras). Esses dados nos permitem afirmar que os assistentes sociais são, na sua grande maioria, trabalhadores do setor público estatal e atuam substancialmente com a prestação de serviços sociais públicos na elaboração, gestão, execução e avaliação das políticas sociais. Dessa forma, as contingências que afetam a estas têm impactos no trabalho profissional. E os serviços sociais prestados pelas entidades da sociedade civil também ganham novas determinidades, principalmente ligadas à mistificação que é própria do mal chamado do terceiro setor71. Postas a criação e a expansão da Política Nacional de Economia Solidária, via 70 71 Os dados que foram utilizados nessa caracterização são parte da pesquisa promovida pelo conjunto CFESS/CRESS “Assistentes Sociais no Brasil: elementos para o estudo do perfil profissional” publicada em 2005, realizada por docentes da Universidade Federal de Alagoas. Os dados são de 2004 e as informações foram recolhidas junto aos assistentes sociais inscritos e com registro ativo nos CRESS's, que à época totalizavam cerca de 61.151 (cf. CFESS, 2005). Esse número sofreu grande alteração, pois dados fornecidos pelo CFESS no evento nacional dos “30 anos do Congresso da Virada” (São Paulo, outubro de 2009) indicam mais de 85.000 profissionais ativos, tornando o Brasil, na atualidade, o segundo maior contingente profissional de assistentes sociais mundial, superado apenas pelos EUA. A pesquisa realizada por Montaño (2002) enfrenta teoricamente essa importante armadilha ideológica do pensamento neoliberal que tenta substituir o conceito de sociedade civil como campo das lutas de classe pela noção abstrata de um suposto “terceiro setor”, que seria alternativo ao primeiros e ao segundo setores, respectivamente, o Estado e o mercado. 141 SENAES/MTE, parece legítimo inferir que este é, sem dúvidas, um espaço privilegiado para inserção profissional dos assistentes sociais, através das assessorias na criação, apoio ao desenvolvimento e execução de serviços juntos aos empreendimentos de economia solidária, que vêm sendo desenvolvidos pelas diversas esferas estatais, segundo diretriz do programa voltada para o desenvolvimento local a partir de atividades de baixa impacto comercial. Vale também acrescentar, naquela inferência, a participação dos assistentes sociais nos empreendimentos solidários, sejam estes promovidos pelas ações dos trabalhadores, como, por exemplo, a Agência de Desenvolvimento Solidário – ADS da CUT (que conta com assistentes sociais e outros profissionais nos programas de capacitação solidária para criação de trabalho e geração de renda com recursos do FAT), sejam pelas ações das fundações empresariais, como o Instituto Ethos (que apoia a criação de cooperativas de trabalho que atuam na extração de produtos típicos da floresta amazônica e são transformados em cosméticos e comercializados pela empresa Natura). A análise dos espaços sócio-ocupacionais do Serviço Social mostra que a atividade profissional não tem se configurado como profissão autônoma no exercício de suas atividades, já que não dispõe do controle das condições materiais, organizacionais e técnicas para o desempenho do trabalho. As demandas que se lhe dirigem são próprias das necessidades dos interesses das classes sociais, traduzidas pela correlação de forças possíveis no enfrentamento da questão social na sociedade capitalista. No entanto, isso não significa dizer que a profissão não disponha de relativa autonomia, em especial a possibilidade de apresentar propostas de intervenção a partir de seus conhecimentos técnicos e da sua orientação ético-política. (cf. Iamamoto, 1998). Mas é importante assinalar que são exatamente as condições – concretas, historicamente determinadas - que possibilitam ao Serviço Social demarcar as possibilidades do projeto profissional, apontando seus limites e suas especificidades no interior do processo de reprodução social das condições de vida e trabalho das classes trabalhadoras e pauperizadas. Neste mesmo processo, os projetos profissionais assumem as particularidades, por um lado, decorrentes das demandas que lhe são impostas, e por outro, decorrentes das respostas formuladas pelos profissionais a tais demandas, que podem estar em sintonia com as propostas ídeo-políticas e teórico-metodológicas construídas na organização política da categoria em suas várias vertentes. Ou seja, a inserção profissional e suas possibilidades de intervenção têm um componente teórico, ideológico e político que pode estar exposto ou não aos profissionais, mas vincula sua prática a um determinado sistema de reprodução das relações sociais, por via da administração das manifestações da questão social, produzindo maior ou menor bem-estar e melhoria nas condições de vida e trabalho dos segmentos subalternos. Esses elementos de natureza ídeo-política e teórico-metodológica que constituem as práticas sociais, especialmente as atividades profissionais, parecem-nos ser de grande valia para explicar por 142 que, articuladas às mudanças nos espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais, as atividades de economia solidária e seu congêneres ideológicos (o voluntariado social, as ações de responsabilidade social privadas, dentre outras) têm grande recepção no Serviço Social, tanto nos seus segmentos profissionais, como nos circuitos acadêmicos e de pesquisa. Mas como o foco da nossa pesquisa é a economia solidária, nos ateremos à incidência desta no Serviço Social. Ou, de modo mais preciso, como o Serviço Social vem recepcionando e absorvendo o debate teóricoprático da economia solidária e quais vetores ídeo-políticos são fortalecidos ou enfraquecidos no Serviço Social a partir dessa relação. Com todo o dinamismo que a economia solidária vem apresentando nos últimos anos (cf. o capítulo precedente desta tese), hoje a sua discussão atravessa não apenas as entidades específicas criadas para sua organização, como o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, mas de modo significativo os ambientes do Serviço Social brasileiro. Mais do que isso, já há nos congressos profissionais e encontros de pesquisa um interesse documentado, por parte dos assistentes sociais, sobre o debate da economia solidária. Existem teses, ensaios, artigos, e projetos de pesquisa que tematizam a economia solidária no Serviço Social. Essa produção vem caracterizando uma tendência emergente no interior da profissão e vem ampliando cada vez mais as elaborações sobre o tema, tanto no corpo profissional ligado à prática profissional, quanto nos profissionais vinculados à academia. Como afirmamos mais acima, o crescimento desse debate e a preocupação com o desenvolvimento de atividades de economia social, não está ocorrendo somente no Serviço Social. Diversos segmentos da sociedade civil e o Estado vêm desenvolvendo ações no âmbito da economia solidária. Esse setor, como já vimos, vem se ampliando no Brasil, tentando se constituir como resposta às mudanças nas relações de trabalho, às necessidades de trabalho, ao desemprego, ao aumento da indevidamente chamada “exclusão social” e, para alguns, uma resposta anticapitalista. Dessa forma, sua relação com o Serviço Social tem se caracterizado tanto enquanto campo de trabalho, como campo de articulação ideo-político - e essa relação anuncia uma grande receptividade das ideias e formulações teórico-práticas da economia solidária. Para identificar essa recepção nos ambientes do Serviço Social, realizamos uma pesquisa sistemática na produção teórica do Serviço Social, na qual buscamos: a) quantificar e tipificar o debate e as análises que vêm ocorrendo no interior da profissão sobre a economia solidária e um conjunto de temas que lhe são próprios; b) qualificar essa produção e identificar quais aspectos teóricos e políticos a fundamentam. O Serviço Social brasileiro, no que se refere à sua produção teórica, tem alguns instrumentos especiais de divulgação e debates que podem ser divididos em dois campos. No primeiro, de caráter profissional, podemos destacar os trabalhos produzidos por ocasião dos Congressos Brasileiros de 143 Assistentes Sociais – CBAS's, que mobilizam os profissionais em geral; a revista Inscrita, publicada semestralmente pelo CFESS desde 1997 e que tem o papel de socializar e fortalecer debates teóricos e políticos junto ao conjunto profissional, bem como outras publicações específicas (jornais, coletâneas de textos, documentos) do conjunto CFESS/CRESS's. E um segundo, de caráter acadêmico – referimo-nos aqui, prioritária mas não exclusivamente, às várias atividades de pesquisa vinculadas, principalmente, aos programas de pós-graduação da área, cuja produção é sobretudo apresentada nos Encontros Nacionais de Pesquisadores em Serviço Social – ENPESS's, nos periódicos dos programas de pós-graduação, na revista Serviço Social e Sociedade72 e, especialmente, na produção de teses e dissertações que se transformam, muitas vezes, em livros de referência da nossa produção teórica. Essa divisão inicial é importante, pois nos permite aferir quais produções teóricas são resultado das elaborações dos assistentes sociais advindas diretamente do exercício profissional e quais são fruto de pesquisa ou análises teóricas acadêmicas sobre temas que, inclusive, incidem no trabalho profissional, mas não o têm como primeiro objetivo. Escolhemos para a nossa pesquisa, do universo anteriormente apresentado, a produção teórica do Serviço Social do período de 1998 a 2009, considerando que a partir dessa data são identificadas as primeiras elaborações sobre a temática pesquisada na profissão, publicada nos anais dos últimos três CBAS (2001, 2004 e 2007) 73, de caráter profissional, a produção dos dois últimos ENPESS (2006 e 2008)74, os periódicos de maior expressão e sistematicidade da área de 1998 a 2009 (Serviço Social e Sociedade – editora Cortez; revistas Katalysis – UFSC, Ser Social – UnB, Praia Vermelha – UFRJ, Em Pauta – UERJ e Serviço Social e Realidade – UNESP/Franca) e as teses e dissertações produzidas nos programas de pós-graduação da área do Serviço Social (1998 2008)75. Conforme os dados que levantamos, na produção teórica do Serviço Social sobre a economia solidária e temas correlatos foram identificados 62 trabalhos nos CBAS's, 41 pesquisas nos ENPESS's, 35 artigos nas revistas e ainda 25 trabalhos, entre teses e dissertações, em 13 PPG's. Observe-se abaixo o tipo de produção, em quais eventos, seus respectivos trabalhos e o período pesquisado. Quadro 01 – Produção teórica do Serviço Social sobre a economia solidária e temas correlatos 72 73 74 75 Serviço Social e Sociedade, apesar de ser uma revista comercial produzida pela editora Cortez (São Paulo), está consolidada historicamente como importante periódico de divulgação profissional do Serviço Social e de debates acadêmicos da área e ainda colabora com a divulgação da organização política da categoria. Neste ano será realizado o 13º CBAS em Brasília, no período de 31 de julho a 05 de agosto de 2010. As propostas de trabalho para apresentação e debate no evento ainda não estão disponíveis. O reduzido número de ENPESS’s pesquisado explica-se na medida em que os materiais apresentados nos eventos de 2002 e 2004, quando apresentam materiais referidos à economia solidária, fazem-no considerando tão somente uma aproximação muito aleatória ao tema. As informações sobre teses e dissertações foram consultadas a partir do Banco de Teses da CAPES, que é alimentado sob a responsabilidade dos Programas de Pós-graduação, o que nos parece conferir certa confiabilidade aos dados, visto que todas as informações dos PPG's são exigidas como parte do processo sistemático de avaliação coordenado pela CAPES. Cabe destacar ainda que os dados da produção referentes ao ano de 2009 ainda não estão disponíveis na base de dados consultada, o que determinou 2008 como o ano teto passível de consulta. 144 TIPO DE PRODUÇÃO QUANTIDADE DE EVENTOS 1. Congressos profissionais TOTAL DE TRABALHOS PERÍODO ANALISADO 10º CBAS - 26 3 CBAS 62 11º CBAS - 19 2001 a 2007 12º CBAS - 17 2. Encontros de pesquisa 2 ENPESS 41 10º ENPESS - 19 2006 e 2008 11º ENPESS - 22 3. Periódicos 6 Revistas da área 35 1998 a 2009 4. Teses e dissertações 13 Programas de pósgraduação76 25 1998 a 2008 Fonte: pesquisa direta, 2010. Este mapeamento geral nos mostrou que há uma ampla e significativa produção teórica sobre a temática pesquisada nos circuitos, os mais diversos, do Serviço Social, e corroborou uma das observações que motivaram inicialmente o nosso interesse por esse estudo: o fato de que o universo profissional vem recepcionando o debate sobre a economia solidária e as temáticas intimamente relacionadas a ela não apenas no trabalho, ou seja, no exercício profissional dos assistentes sociais, mas, e substancialmente, nos espaços dedicados ao debate e análise teórica e política do Serviço Social. Mas esses dados gerais só servem para avaliar e identificar a existência real dessa incidência; passemos agora a uma análise dos conteúdos dessa produção a partir do tipo de produção e conceitos teóricos e expressões relevantes. a) Congressos Profissionais O primeiro conjunto de produções teóricas analisadas é de caráter profissional e foi recolhido no universo dos últimos CBAS que correspondem ao período da pesquisa. O 10º CBAS, realizado em 2001 no Rio de Janeiro/RJ, contou com a apresentação de 784 trabalhos no total, entre comunicações orais e posteres divididos em 15 sessões temáticas, dos quais foram identificados 26 trabalhos (16 comunicações orais e 10 posteres) que analisam a economia solidária e/ou modalidades práticas e teóricas inscritas no seu amplo e polimorfo universo. A leitura e classificação dos trabalhos nos permitiu diagnosticar uma vasta formulação de conceitos presentes nos trabalhos, com filiações teóricas distintas, como é próprio das ciências sociais, e a partir da análise desses conceitos, inscritos no contexto de cada produção, identificamos algumas categorias analíticas, a partir do nosso referencial teórico-metodológico, que são, relativamente, transversais ao conjunto dos trabalhos. São essas categorias: Estado, questão social, pobreza, desigualdade social, trabalho, produção de renda, solidariedade, autogestão, cooperativismo, democracia, 76 A informação disponível no Banco de Teses da CAPES indica que, dos 24 Programas de Pós-Graduação existentes na área de Serviço Social na atualidade, 13 deles têm alguma produção sobre a temática pesquisada. 145 política social e cidadania. O Quadro 02, a seguir, sistematiza os trabalhos analisados do 10º CBAS. Quadro 02 – 10º CBAS, Rio de Janeiro, 2001 – Total: 26 trabalhos. TÍTULO CÓDIGO77 CONCEITOS CENTRAIS Auto-organização dos conselhos tutelares: estabelecimento de uma nova ou antiga ordem? PO 016 - 1 Auto-organização, paradigma da complexidade. “Rede de solidariedade com agentes multiplicadores associações: a prática do Serviço Social na saúde”. e PO 053 - 2 Solidariedade, associação, desenvolvimento social e capacitação. Crescendo e aprendendo a gerar renda com qualidade de vida. CO 191 - 3 Exclusão/Inclusão social, cooperativas, economia solidária, cidadania, qualificação, qualidade de vida. O processo participativo na implantação do projeto de reciclagem CO 227 - 4 de resíduos sólidos – Santa Bárbara d'Oeste/SP Organização comunitária, participação popular, associação, geração de emprego e renda, educação ambiental. As novas articulações do associativismo comunitário frente aos PO 091 - 5 novos contornos da pobreza urbana na região metropolitana do Rio de Janeiro. Associativismo, novo padrão de pobreza urbana, capital econômico, capital escolar, democracia, revolução político-pedagógico, desemprego, exclusão social. Empreendedorismo social e Serviço Social: novas dimensões e CO 334 - 6 perspectivas na formação e prática profissional para o enfrentamento dos problemas sociais do século XXI. Empreendedorismo social, terceiro setor, intervenção profissional, novas demandas profissionais, liberdade humana, mercado de trabalho, cidadania e democracia. Intervenção do Serviço Social no projeto sementes do amanhã – PO 147 - 7 um relato experiência profissional com famílias catadoras do aterro sanitário de Aurá – 1999/2000. Desemprego, geração de renda, melhoria da qualidade de vida, cidadania, exclusão social, organização política, participação democrática. Cooperativismo popular: estratégia de sobrevivência e uma nova CO 483 - 8 cultura do trabalho. Cooperativismo, autogestão, exclusão social, alternativa de trabalho, cidadania, democracia, iniciativas econômicas populares e trabalho profissional. Um olhar por dentro dos grupos de geração de trabalho e renda. CO 484 - 9 Promoção e integração ao mercado de trabalho, vulnerabilidade social, acepção narrativa, empreendimentos sociais, cidadania. Cooperativa popular: um processo em construção. CO 488 - 10 Racionalidade econômica, desigualdade e exclusão social, desemprego, precarização do trabalho, cooperação econômica e equidade social. Os trabalhadores do lixão de Iguaba Grande/RJ: saúde, trabalho e CO 495 - 11 ambiente em questão. Exclusão social, cidadania regulada, estruturas produtivas não tipicamente capitalistas, trabalho e saúde. Organização e relações de trabalho na cooperativa de calçados de CO 500 - 12 Canindé-Ceará. Cooperativismo, indústrias solidárias, industrialização regional, flexibilização do trabalho e flexibilização dos direitos do trabalho. O cooperativismo popular enquanto alternativa de trabalho e CO 511 - 13 renda. Mundo do trabalho, desemprego, precarização do trabalho, alternativas de trabalho e renda, cooperativismo, gestão e participação cooperativa. Cooperativismo e cooperativas de trabalho no âmbito das CO 512 - 14 políticas públicas de geração de trabalho e renda: concepção e prática. Solidariedade, associativismo, cooperativismo, cooperação, legislação, desenvolvimento econômico, geração de trabalho e renda. Vítimas do trabalho: rompendo a exclusão e construindo o novo CO 516 - 15 sujeito político. Desemprego, associação, formação política, participação, exclusão do trabalho capitalista e solidariedade dos trabalhadores. 77 O código presente nos quadros da pesquisa indica a referência para localização dos trabalhos, atribuídos pela comissão científica responsável pela organização dos trabalhos. No Quadro 02 deve ser lido: CO – comunicação oral, PO – poster. 146 Catadores de caranguejo: a trajetória de um grupo em busca de PO 174 - 16 uma melhor qualidade de vida. Participação, associação, preservação do meio ambiente, desemprego e melhoria das condições de vida. Panelas de barro: arte capixaba, atividade produtiva e fonte de PO 175 - 17 renda para uma associação. Associação, participação, gestão compartilhada, pequenas unidades produtivas, geração de renda, artesanato. Cooperativismo: uma estratégia de organização popular. Desemprego, alternativa de produção não capitalista, geração de emprego e renda, cooperativismo, liberdade, pluralidade e democracia. PO 180 - 18 A configuração do setor informal da economia, na região PO 189 - 19 metropolitana do Rio de Janeiro, sob o prima dos empreendimentos informais. Economia informal, exploração do trabalho, trabalhador/proprietário, empreendedorismo, unidades econômicas por conta própria. Programa resgatando a cidadania no município de São José do CO 528 - 20 Rio Preto – SP. Geração de renda, solidariedade, cidadania, cooperativa e combate a desigualdade social. O trabalho das mulheres e projetos de geração de emprego e CO 531 - 21 renda na área rural: autonomia ou dependência? Desigualdade de gênero, geração de emprego e renda, autonomia das mulheres, qualificação e interação no espaço público. Gestando uma economia solidária? Empreendimentos de geração CO 556 - 22 de trabalho e renda no Oeste catarinense. Geração de trabalho e renda, cooperativas, empreendimentos autogestionários, economia solidária, exclusão do trabalho, assentamentos de reforma agrária, sustentabilidade. Fórum Intermunicipal de Economia Popular Solidária. Economia popular solidária, geração de trabalho e renda, construção coletiva, políticas públicas, alternativa resistência ao capitalismo, solidariedade e justiça social. PO 194 - 23 Participação e gestão comunitária dos recursos hídricos no semi- CO 580 - 24 árido nordestino. Desenvolvimento tecnológico, autosustentabilidade, participação, organização comunitária, associação e trabalho do assistente social. Assentamentos em movimento: a organização do trabalho CO 585 - 25 coletivo como continuidade na história de luta pela terra. Assentamento rural, sujeitos sociais, luta pela terra, cooperativismo, trabalho coletivo e socialização do trabalho. Cultura e organização social em comunidades ribeirinhas. Ação comunitária, extensão universitária, organização coletiva, políticas sociais públicas, pobreza, exclusão social e cidadania. PO 199 - 26 Quadro 02 – 10º CBAS, Rio de Janeiro, 2001 – Total: 26 trabalhos. Fonte: Pesquisa direta nos Anais do 10º CBAS, CFESS, 2001. No 11º CBAS, realizado em 2004 em Fortaleza/CE, foram apresentados 1.169 trabalhos, entre comunicações orais e posteres divididos em 17 sessões temáticas. Dentre esses, 19 trabalhos tinham como discussão a economia solidária e/ou temas correlatos, sendo 16 comunicações orais e 3 posteres. As categorias analíticas que serviram de referencial teórico-metodológico são as mesmas em todo o trabalho de pesquisa, já anunciadas anteriormente (questão social, pobreza, desigualdade social, trabalho, produção de renda, solidariedade, autogestão, cooperativismo, democracia, política social e cidadania). A seguir, o Quadro 03 sistemático referente ao 11º CBAS, com todos os trabalhos identificados e os respectivos conceitos centrais do texto. Quadro 03 – 11º CBAS, Fortaleza, 2004 – Total: 19 trabalhos. 147 TÍTULO CÓDIGO CONCEITOS CENTRAIS A Construção da Cidadania no município de São Carlos/SP através Eixo 06 CO - Cidadania, inserção social, cultural, econômica das ações sócio-educativas com famílias de baixa renda. 1 e política, geração de renda. Formas de Sobrevivência e Auto-Sustento da População Migrante e Eixo 04 PO Moradora de Rua na Contemporaneidade 2 Auto-sustento, população migrante e de rua, desemprego, qualificação profissional e solidariedade. A particularidade da agricultura familiar no assentamento São Eixo 08 CO - Assentamento rural, economia familiar, Roque. 3 pluriatividade e trabalho por conta própria. “Reforma Agrária Solidária”: reflexões acerca do acesso a terra no Eixo 08 PO ceará. 4 Reforma agrária, desenvolvimento econômico e social sustentável, solidariedade e política social. A autonomia como fator de desenvolvimento no cooperativismo de Eixo 11 CO - Trabalho cooperativo, autonomia, associação, trabalho. 5 trabalho e participação. A economia solidária e a geração de trabalho e renda: algumas Eixo 11 CO - Desemprego, flexibilização do trabalho, reflexões. 6 exclusão do trabalho, economia solidária, geração de trabalho e renda, políticas sociais e trabalho do assistente social. A experiência do banco popular de Ipatinga-MG: uma proposta de Eixo 11 CO - Empreendedorismo, desemprego, auto-gestão, enfrentamento ao desemprego? 7 cooperativas, micro-crédito. A reinvenção da economia social como campo de alternativas de Eixo 11 CO - Economia social, cooperativas, associações, ocupação e renda na união-européia, vista a partir de Portugal. 8 alternativas de ocupação e renda, capitalismo e proteção social pública. As paneleiras de barro: um exemplo de organização econômica Eixo 11 CO - Associação, gestão comercial, economia popular na cidade de Vitória-ES. 9 popular, sustentabilidade e cultura capixaba. Cooperando e reciclando: uma estratégia de inserção de famílias do Eixo 11 CO - Desigualdade e exclusão social, desemprego, PETI em experiências de ocupação e renda. 10 cooperação econômica, reciclagem e equidade social. Coopercriativa: uma experiência de economia popular e autogestão. Eixo 11 CO - Cooperativa, economia popular, autogestão, 11 inclusão/exclusão social e cidadania. Economia Popular Solidária: rumos de uma alternativa as Eixo 11 CO - Economia popular solidária, nova transformações no mundo do trabalho e da questão social. 12 racionalidade econômica, solidariedade, desenvolvimento sustentável, alternativa ao mundo do trabalho e à questão social. Economia Solidária e cooperativismo popular: experiências da Eixo 11 CO - Economia solidária, alternativa capitalista, incubadora tecnológica de cooperativas populares da UFJF. 13 autogestão, solidariedade, democracia, autonomia, participação, exclusão do mercado de trabalho. Economia Solidária: uma alternativa que aponta caminhos no Eixo 11 CO - Ocupabilidade e geração de renda, economia Brasil. 14 solidária, desenvolvimento econômico-social e inclusão social. O recurso e o discurso da Solidariedade e do Voluntariado na Eixo 11 CO - Política pública de trabalho, qualificação, programática da qualificação de jovens. 15 solidariedade, voluntariado, exclusão social e cidadania participativa. O retorno ao empreendedorismo econômico solidário na sociedade Eixo 11 CO - Empreendedorismo, desemprego, brasileira atual. 16 flexibilização do trabalho, população de baixa renda e economia solidária. O Serviço Social na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Eixo 11 CO - Extensão universitária, alternativas de trabalho Populares – ITCP/FURB. 17 e renda, economia solidária, assessoria e capacitação, trabalho profissional, autogestão e autonomia. Os pequenos empreendimentos econômicas como proposta Eixo 11 CO - Economia solidária, cooperativismo, políticas alternativa par o desemprego no Brasil. 18 públicas de geração de emprego e renda, mercado de trabalho e desemprego. Serviço Social, Cooperativismo e Economia Solidária: novas Eixo 11 PO perspectivas; 19 Projeto ético-político, cooperativismo, economia solidária e popular, resposta popular e exclusão sócio-econômica e política. Quadro 03 – 11º CBAS, Fortaleza, 2004 – Total: 19 trabalhos. Fonte: Pesquisa direta nos Anais do 11º CBAS, CFESS, 2004. O último congresso analisado foi o 12º CBAS, realizado em Foz do Iguaçu/PR, no ano de 148 2007. Este evento contou com a apresentação de 835 trabalhos no total, entre comunicações orais e posteres divididos em 13 sessões temáticas, dentre os quais foram identificados 17 trabalhos pertinentes à nossa pesquisa (13 comunicações orais e 4 pôsteres). A análise das comunicações está sistematicamente organizada na exposição do Quadro 04, a seguir. Quadro 04 – 12º CBAS, Foz do Iguaçu, 2007 – Total: 17 trabalhos. TÍTULO CÓDIGO78 CONCEITOS CENTRAIS Enfrentamento e redução da pobreza: a experiência do projeto de combate à pobreza rural do estado de Sergipe Eixo: QSTED CO – 1 Pobreza, participação, meio rural, desenvolvimento regional e cidadania O Apelo ao sentimento de Solidariedade como estratégia de Eixo: QSTED Enfrentamento da Questão Social nos governos FHC e Lula CO – 2 Solidariedade, questão social, neoliberalismo e política social. O cooperativismo como perspectiva de geração de trabalho e Eixo: QSTED renda em belém: entre a teoria e a prática CO – 3 Cooperativismo, êxito econômico, alternativa de geração de renda, trabalho coletivo, políticas públicas e desenvolvimento local. Os desafios nas novas relações de trabalho introduzidas pela Eixo: QSTED economia solidária CO – 4 Economia solidária, associativismo, terceiro setor, informalidade e desproteção social. Empreendedorismo social e Serviço Social – da teoria à prática, Eixo: QSTED do sonho a realidade: a proposta do modelo casulo sócio- CO – 5 tecnológico Empreendedorismo social, prática profissional, Serviço Social, pobreza e empoderamento, desenvolvimento integrado e sustentável e democratização e auto-organização social. Trabalho informal como demanda aos profissionais do Serviço Eixo: QSTED Social CO – 6 Trabalho informal, garantia de direitos, Serviço Social, questão social, economia popular solidária, associativismo, resistência de classe, alternativa de trabalho. Espaço Sócio-Ocupacional do Assistente Social: A Economia Eixo: Popular Solidária como Alternativa de Trabalho e Renda. RTESOAS CO – 7 Economia popular solidária, trabalho, questão social, alternativa de trabalho e renda, trabalho profissional e interesses das classes populares. Empreendedorismo e Empregabilidade: construções ideológicas Eixo: DIAJV presentes nas políticas de geração de emprego e renda para a CO – 8 juventude na atualidade. Empreendedorismo, empregabilidade, juventude, trabalho e inclusão geracional. A “Empresa de uma pessoa só”: Relação de trabalho ou relação Eixo: QSTED comercial? CO – 9 Autonomia, empreendedorismo, trabalho informa, trabalho assalariado e sociedade burguesa. O custo social do trabalho na informalidade Eixo: QSTED CO – 10 Trabalho, informalidade, custo social, flexibilização e exclusão social. A Inclusão Produtiva na Política de Assistência Social Eixo: QSTED CO – 11 Economia solidária, inclusão produtiva, microcrédito e assistência social e trabalho profissional. O empreendedorismo como alternativa ao desemprego: um estudo Eixo: QSTED crítico do Banco Popular de Ipatinga-MG CO – 12 Trabalho, empreendedorismo, desemprego, responsabilização individual e banco popular. Economia solidária em projetos de responsabilidade social Eixo: empresarial: novo espaço de atuação para o assistente social RTESOAS PO – 13 Economia solidária, responsabilidade social empresarial, trabalho profissional e democracia e inclusão social. 78 O Código utilizado no Quadro 04 foi criado a partir dos eixos temáticos do congresso, e devem ser assim lidos: Eixo: QSTED - Questão Social, Trabalho, Estado e Democracia, Eixo: RTESOAS - Relações de Trabalho e Espaços Sócio-Ocupacionais do Assistente Social, Eixo: DIAJV - Direitos da Infância, Adolescência, Juventude e Velhice e Eixo: QUAMA - Questão urbana, agrária, e meio ambiente. 149 Responsabilidade social empresarial: parceria interinstitucional Eixo: trilhando caminhos para a sustentabilidade social RTESOAS PO – 14 Responsabilidade social, sustentabilidade social, parceria institucional, política social e práticas sociais sustentáveis. Uma análise da política de geração de renda voltada para Eixo: QUAMA Desemprego, trabalho, política de emprego e agricultura familiar: o Programa CDLAF em Ipatinga/MG CO – 15 renda, agricultura familiar. Compreendendo as relações entre os catadores e empresas de Eixo: QSTED reciclagem da cadeia produtiva de transformação dos resíduos PO – 16 sólidos no município de Chapecó Trabalho, cadeia produtiva, reciclagem e melhoria das condições de vida e trabalho. Desvelando os catadores de lixo a luz das transformações Eixo: QSTED capitalistas PO – 17 Informalidade, catadores de lixo, Serviço Social, políticas públicas, trabalho e autoestima. Quadro 04 – 12º CBAS, Foz do Iguaçu, 2007 – 17 trabalhos. Fonte: Pesquisa direta nos Anais do 12º CBAS, CFESS, 2007. b) Encontros de Pesquisa O segundo conjunto de produções teóricas analisadas são de caráter acadêmico, e foram colhidas no universo dos dois últimos ENPESS. Para os trabalhos sistematizados dos encontros de pesquisadores, foi dedicado o mesmo trato teórico-metodológico utilizado nos textos dos congressos profissionais. O 10º ENPESS, realizado em 2006 no Recife/PE, contou com a apresentação de 745 trabalhos no total, entre comunicações orais, pôsteres e mesas coordenadas de Grupos e/ou Redes de pesquisa, divididos em 04 sessões temáticas, dos quais foram identificados 19 trabalhos (12 comunicações orais, 03 posteres e 04 mesas coordenadas) que realizavam reflexões sobre a temática do nosso estudo. O Quadro 05, a seguir, sistematiza os trabalhos analisados do 10º ENPESS. Quadro 05 – 10º ENPESS, Recife, 2006 – Total: 15 trabalhos e 04 grupos de pesquisa. TÍTULO CÓDIGO CONCEITOS CENTRAIS Aproximações ao Debate Sobre o Cooperativismo na Atualidade Eixo 03 CO - Cooperativismo, trabalho e organização sócio1 política. Capitalismo Contemporâneo: as cooperativas sob o comando do Eixo 03 CO - Capitalismo, cooperativas, trabalho, capital 2 flexibilização e exploração. A Questão da Solidariedade na Atual Reestruturação das Relações Eixo 03 CO - Solidariedade, reestruturação capitalista, Capital X Trabalho: cooperativismo e filantropia como elementos 3 cooperativismo e classes sociais. Economia Solidária em Pernambuco: em busca dos fundamentos. Eixo 03 CO - Economia solidária, autogestão, democracia, 4 participação e inclusão social. O Trabalho Voluntário na Órbita da Responsabilidade Social Eixo 03 CO - Trabalho voluntário, exploração, controle e Empresarial: estratégia de exploração e controle da força de 5 responsabilidade social empresarial. trabalho Organização da Produção pesqueira na Amazônia: subsídios para Eixo 03 CO - Produção pesqueira, organização social, implantação de empreendimentos comunitários em Tabatinga-AM 6 trabalho e políticas públicas. O Serviço Social no Campo do Trabalho e o Discurso da Eixo 03 CO - Responsabilidade social, trabalho, Serviço Responsabilidade Social 7 Social, inclusão social. O Desenvolvimento e as Questões sobre a Economia Solidária Eixo 03 CO - Economia solidária, racionalidade capitalista, como Alternativa à Racionalidade do Capitalismo 8 alternativa capitalista, gestão democrática, participação e solidariedade. Sociabilidade do Trabalho em Economia Solidária: limites de sua Eixo 03 CO - Economia solidária, trabalho, autonomia, autonomia 9 geração de trabalho e renda. Associativismo e Terceiro Setor em Juiz de Fora: ideologias e Eixo 3 CO intervenções na política de assistência e no espaço conselhista. 10 Associativismo, terceiro setor, política social e ideologia. 150 Organização da produção pesqueira na Amazônia: subsídios para a Eixo 3 CO implantação de empreendimentos comunitários em Tabatinga-AM. 11 Produção pesqueira, associação, alternativa de trabalho e renda, desenvolvimento regional. Serviço Social e Economia Popular Solidária. Economia solidária, participação, democracia, novos sujeitos sociais, autogestão e trabalho profissional. Eixo 03 PO 12 Catadores e seletores de material reciclável: sobrevivente da Eixo 03 PO exploração capitalista ou militantes na busca por uma 13 transformação societária? Catadores de lixo, auto-organização, cooperação, exploração capitalista e transformação societária. Os Sistemas Cooperativistas Brasileiro e Alemão: aspectos Eixo 03 PO comparativos. 14 Cooperativismo, associação internacional, organização dos trabalhadores e alternativa capitalista. A cooperação informal nas Associações de Pequenos Produtores da Oficina de IC Cooperativismo, associação, produção Agrovila do MST, no assentamento de Restinga – SP. CO - 15 agrícola, assentamento, inclusão social e resistência social. GRUPO DE AVALIAÇÃO E ESTUDO DA POBREZA E DE POLÍTICAS DIRECIONADAS À POBREZA – GAEPP: a pobreza e a avaliação de políticas e programas sociais como foco de construção de conhecimento (UFMA) Grupo/Rede Linha de pesquisa: Políticas Públicas de de Pesquisa geração de emprego e renda com foco na Mesas coord. economia solidária. - 01 GRUPO DE ESTUDO, PESQUISA E DEBATE SOBRE SERVIÇO Grupo/Rede SOCIAL E MOVIMENTO SOCIAL – GSERMS (UFMA) de Pesquisa Mesas coord. - 02 NÚCLEO DE ESTUDO DO TRABALHO – NET (UCSal) Linha de pesquisa: Função histórica, tendências atuais e perspectivas do Serviço Social no âmbito do movimento social na luta de enfrentamento da questão social. (com projeto de pesquisa sobre economia solidária) Grupo/Rede Linha de pesquisa: Economia dos Setores de Pesquisa Populares Mesas coord. - 03 PROGRAMA DE ESTUDOS DO TRABALHO E REPRODUÇÃO Grupo/Rede Linha de pesquisa: trabalho e economia SOCIAL - PETRES (UERJ) de Pesquisa solidária e popular Mesas coord. - 04 Quadro 05 – 10º ENPESS, Recife, 2006 – Total: 15 trabalhos e 04 grupos de pesquisa. Fonte: Pesquisa direta nos Anais do 10º ENPESS, ABEPSS, 2006. No 11º ENPESS, realizado em 2008 em São Luís/MA, foram apresentados 852 trabalhos, entre comunicações orais, pôsteres e mesas coordenadas de Grupos e/ou Redes de pesquisa, divididos em 04 eixos temáticas gerais. Dentre esses, 22 trabalhos foram selecionadas para a nossa pesquisa (18 comunicações orais, 03 pôsteres e 01 mesa coordenada). A seguir, o Quadro 06 sistemático referente ao 11º ENPESS, com todos os trabalhos identificados e os respectivos conceitos centrais identificados nos textos. Quadro 06 – 11º ENPESS, São Luís, 2008 – Total: 22 trabalhos. TÍTULO CÓDIGO79 CONCEITOS CENTRAIS Avaliação dos impactos socioeconômicos dos Empreendimentos Solidários em Pernambuco. 79 Eixo QST CO - 1 Empreendimento econômico solidário, avaliação, impactos, economia local e resistência O Código utilizado no Quadro 06 foi criado a partir dos eixos temáticos do congresso, e devem ser assim lidos: Eixo: QST - Questão Social e Trabalho e Eixo: PS - Política Social. 151 A responsabilidade social empresarial e o trabalho voluntário: Eixo QST estratégia de captura da subjetividade do trabalhador CO - 2 Responsabilidade social empresarial, trabalho voluntário, solidariedade, tempo livre e subjetividade Economia Solidária e Serviço Social: análise de uma relação Eixo QST crescente CO - 3 Economia solidária, trabalho, Serviço Social. Economia Solidária no contexto neoliberal: caracterização das Eixo QST experiências no estado do maranhão. CO - 4 Economia solidária, alternativa de desenvolvimento, mercado de trabalho e alternativa não capitalista Trabalho precário e questão social em uma experiência de desenvolvimento local no nordeste Eixo QST CO - 5 Desenvolvimento local, precarização, empreendedorismo, questão social e proteção social “Vida é Trabalho” cooperativismo, trabalho e desemprego. Eixo QST CO - 6 Trabalho, desemprego, cooperativismo, associação, geração de renda e melhoria de vida Políticas Sociais e Tecnologias desenvolvimento sustentável regional Sociais: estratégia de Eixo PS CO - 7 Política social, desenvolvimento sustentável, empreendedorismo social, cooperativismo e renda Sindicatos, partidos, cooperativas: os instrumentos de lutas dos Eixo QST proletários sob a análise do marxismo CO - 8 Pensamento marxista, sindicatos, partidos, cooperativas e lutas proletárias O cooperativismo na perspectiva da economia solidária: Eixo QST evidências locais a partir da COOPAL CO - 9 Cooperativismo, Economia Solidária, Agricultura Familiar, Solidariedade e globalização Do casulo à borboleta: relações de gênero na economia popular Eixo QST solidária, uma realidade possível? CO - 10 Relações de gênero, economia popular solidária, desenvolvimento solidário e sustentável O gênero como questão para a economia solidária: aspectos Eixo QST revelados pelo estudo de caso acerca da relação entre o CO - 11 movimento feminista e a economia solidária na Paraíba Gênero, feminismo, trabalho e economia solidária Impactos da política municipal de geração de trabalho e renda no Eixo QST enfrentamento da pobreza entre mulheres em Campina Grande – CO - 12 PB Gênero, mulher, pobreza, trabalho, políticas públicas, geração de trabalho e renda e alternativas de trabalho. Perfil da economia solidária na cidade do Rio de Janeiro Eixo QST CO - 13 Economia Solidária, Cooperativismo Popular e Trabalho da Eixo QST CO - 14 Trabalho, Cooperativismo, economia solidária, desemprego e resposta segura de trabalho Perfil social dos Coopergramacho trabalhadores catadores de lixo O empreendedorismo do Banco Popular de Ipatinga – alternativa Eixo QST de enfrentamento ao desemprego? CO - 15 Empreendedorismo, política de emprego e renda, banco popular, solidariedade e crédito popular Serviço Social e movimento social no Brasil: um estudo sobre o Eixo QST movimento dos catadores de materiais recicláveis em Jardim CO - 16 Gramacho – Duque de Caxias (RJ) Serviço Social, Movimento Social, Catadores de Materiais Recicláveis, cooperativas, associação e direitos de cidadania O trabalho informal em Fortaleza: a falácia da autonomia e Eixo QST proteção social CO - 17 Trabalho informal, autonomia, proteção social, empreendedorismo e geração de renda Catadores da sobrevivência: estudo do trabalho e das relações de Eixo QST PIC trabalho entre catadores de materiais recicláveis de rua no CO - 18 município de Bom Jesus do Itabapoana – RJ em 2008. Cooperativa, associação, direitos do trabalho, catadores de material reciclável e alternativa de trabalho. Programa de economia solidária e o Serviço Social Economia popular solidária, Serviço Social, alternativas de geração de trabalho e renda, exclusão do mercado de trabalho, participação e inclusão social Eixo QST PO - 19 Assentamento rural Nova Esperança em Olho D’água do Casado Eixo QST (AL): a pesca artesanal e a sustentabilidade da atividade da PO - 20 piscicultura em tanques-rede. Meio-ambiente, pesca artesanal, trabalho, produção local, associação e comercialização 152 O trabalho em domicílio e a flexibilização da produção Eixo QST PO 21 Trabalho Associativista na região metropolitana de Belém e ré- Grupos de inserção ao trabalho Pesquisa e Mesas coord. 22 Precarização do trabalho, trabalho em domicílio, trabalhador-empresário, empreendedorismo e exploração Trabalho associativista, re-inserção ao trabalho, geração de renda, desemprego e direitos do trabalho Quadro 06 – 11º ENPESS, São Luís, 2008 – Total: 22 trabalhos. Fonte: Pesquisa direta nos Anais do 11º ENPESS, ABEPSS, 2008. c) Periódicos O terceiro conjunto de produções teóricas analisadas é de caráter acadêmico, e foi selecionado do universo total de 06 Revistas acadêmicas de Programas de Pós-Graduação da área de Serviço Social, bem conceituados e de relevância no contexto nacional e/ou regional, e dessas, 01 revista é de empresa privada (Serviço Social e Sociedade). No mapeamento realizado, foi identificado um total de 35 artigos, assim distribuídos: Serviço Social e Sociedade – 10 artigos, dos quais 04 são resultado de pesquisa e 06 são ensaio teórico; Revista Katalysis – 16 artigos80, dos quais 03 são resultado de pesquisa e 13 são ensaio teórico, Ser Social – 06 artigos, desses 05 são resultado de pesquisa e 01 é ensaio teórico, Serviço Social e Realidade – 02 artigos, 01 sendo resultado de pesquisa e o outro ensaio teórico. Nas revistas Praia Vermelha e Em Pauta não foram identificados artigos na área da pesquisa, apesar de muitos textos desses periódicos subsidiarem a análise da economia solidária no capitalismo contemporâneo. O Quadro 07, a seguir, sistematiza os artigos analisados, destacando autor, título, caráter do artigo e em qual periódico foi localizado. Quadro 07 – Produção do Serviço Social nos Periódicos, 1998 a 2009 – Total: 35 artigos. AUTOR TÍTULO DO ARTIGO CARÁTER PERIÓDICO DO ARTIGO Maria da Glória Gohn O novo associativismo e o Terceiro Setor Ensaio teórico Serviço Social e Sociedade n. 58 - 1998 Rute Gusmão A ideologia da Solidariedade Ensaio teórico Serviço Social e Sociedade n. 62 - 2000 Jaqueline Oliveira Silva Políticas públicas municipais de trabalho e renda na perspectiva da economia solidária Ensaio teórico Serviço Social e Sociedade n. 69 - 2002 Elenaldo Celso Teixeira O papel político das associações Ensaio teórico Serviço Social e Sociedade n. 72 - 2002 João Bosco Hora Góis, Responsabilidade social empresarial e Aline de Oliveira Santos solidariedade: uma análise dos discursos dos e Isis Santos Costa seus autores Resultado de pesquisa. Serviço Social e Sociedade n. 78 - 2004 Maria Del Carmem Cortizo e Adriana Lucinda de Oliveira A economia solidária como espaço de politização Ensaio teórico Serviço Social e Sociedade n. 80 - 2004 Rosangela Nair de Carvalho Barbosa O cooperativismo, ocupação e renda em Portugal Resultado de pesquisa Serviço Social e Sociedade n. 80 - 2004 Raquel de Souza Gonçalves Catadores de materiais recicláveis: trabalhadores fundamentais na cadeia de reciclagem do país Resultado de pesquisa Serviço Social e Sociedade n. 82 - 2005 80 A revista Katalysis editou em 2008 o seu volume n º. 11, com a temática “Economia Solidária e Autogestão”, com um total de 12 artigos sobre o assunto. 153 Rafael Mahfoud Marcoccia O princípio da subsidiariedade e a participação popular Ensaio teórico Serviço Social e Sociedade n. 86 - 2006 Carla Bronzo Ladeira Caneiro Políticas locais de inclusão social, autonomia e empoderamento: reflexões exploratórias Resultado de pesquisa Serviço Social e Sociedade n. 89 - 2007 Maria Ester Menegasso Responsabilidade social das empresas: um desafio para o Serviço Social Ensaio teórico Revista Katalysis n. 05 - 2001 Maria Ester Menegasso e Associações de base comunitária de geração de Valdir Valadão trabalho e renda: a questão da gestão Resultado de pesquisa Revista Katalysis n. 06 - 2003 Luiz Inácio Germany Gaiger A economia solidária e o valor das relações sociais vinculantes Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Jean Louis Laville Do século 19 ao século 21: permanência e transformações da solidariedade em economia Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Vera Herweg Westphal Diferentes matizes da idéia de solidariedade Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Daniela Neves de Sousa Reestruturação capitalista e trabalho: notas críticas acerca da economia solidária Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Joaquim Manuel Croca Caeiro Economia social: conceitos, fundamentos e tipologia Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 João Cláudio Tupinambá Cooperação econômica versus competitividade Arroyo social Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Julio Jiménez Escobar e Alfonso Carlos Morales Gutiérrez Terceiro setor e univocidade conceitual: necessidade e elementos configuradores Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Noëlle M. P. Lechat e Eronita da Silva Barcelos Autogestão: desafios políticos e metodológicos na incubação de empreendimentos econômicos solidários Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Henrique André Ramos Wellen Contribuição à crítica da ‘economia solidária’ Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Maria Eugênia Monteiro Ação coletiva no âmbito da economia solidária Castanheira e José e da autogestão Roberto Pereira Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Maurício Sardá de Faria, Do fetichismo da organização e da tecnologia Renato Dagnino e ao mimetismo tecnológico: os labirintos das Henrique Tahan Novaes fábricas recuperadas Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Alicia Ferreira Gonçalves Resultado de pesquisa Revista Katalysis, V. 11 n. 01 2008 Ensaio teórico Revista Katalysis, V. 12 n. 01 2009 Experiências em economia solidária e seus múltiplos sentidos Marcelo Kunrath Silva e Solidariedade assimétrica: capital social, Gerson de Lima Oliveira hierarquia e êxito em um empreendimento de "economia solidária" Mari Aparecida Bortoli Catadores de materiais recicláveis: a construção Resultado de de novos sujeitos políticos pesquisa Revista Katalysis, V. 12 n. 01 2009 Christiane Girard Ferreira Nunes Economia Solidária em tempos sombrios Ser Social n. 5 - 1999 Ensaio teórico Sandra Mara Rommel de Cooperando na geração de trabalho e cidadania: Resultado de Almeida a construção da cidadania de mulheres pesquisa trabalhadoras em cooperativas da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do RJ Ser Social n. 5 - 1999 Ademar Bertucci Economia Solidária: uma estratégia de Resultado de sobrevivência, forma de resistência ou caminho pesquisa para nova cultura do trabalho? Ser Social n. 13 - 2003 João Samuel de Araújo O cooperativismo como instrumento produtor e Resultado de distribuidor de riquezas no mundo do trabalho: pesquisa relato de experiências. Ser Social n.13 - 2003 Heloísa Maria Mello Manso Desafios à geração de trabalho e renda em grupos comunitários de base local Resultado de pesquisa Ser Social n. 19 - 2006 Pricila Maia de Andrade A economia solidária é feminina? A Política Nacional de Economia Solidária sob o olhar de gênero Resultado de pesquisa Ser Social V. 10, n. 23 - 2008 154 Elizabeth Regina Negri Barbosa As práticas sociais das organizações da sociedade civil: reflexões Graziella Aparecida Pequenos produtores e a cooperação informal Garcia de Lima e Raquel na Agrovila II do Assentamento “17 de abril”, Santos Sant'ana Restinga/SP Ensaio teórico Serviço Social e Realidade V. 16, n. 01 - 2007 Resultado de pesquisa Serviço Social e Realidade V. 16, n. 01 - 2007 Quadro 07 – Produção do Serviço Social nos Periódicos, 1998 a 2009 – Total: 35 artigos. Fonte: pesquisa direta, 2010. d) Teses e Dissertações O quarto e último grupo de produções teóricas estudadas são as teses e dissertações produzidas nos marcos dos Programas de Pós-Graduação da área de Serviço Social, coletadas a partir do Banco de Teses da CAPES, do período de 1998 a 2008. Neste conjunto, foram identificados 25 trabalhos que pesquisaram e analisaram temas relacionados ao universo da economia solidária. Deles, 07 são teses, resultados de cursos de doutoramento, e 18 são dissertações, fruto dos mestrados. Essa produção foi localizada em 13 PPG's de diversas universidades e regiões do país, assim distribuida: 05 na PUC-SP, 05 na PUC-RS, 03 na UFSC, 02 na UEL, 02 na PUC – RJ, e as demais (UFPB, UERJ, UFRJ, UFF, UnB, UFJF, UFPA e UCPel) com 01 trabalho cada. É correto afirmar, ainda, que há uma produção significativa das temáticas correlatas à economia solidária, 11 trabalhos, cerca de 44%, que foram realizadas na região sul do Brasil. A seguir, sistematizamos o Quadro 08 com as informações sobre o autor, o título, o nível do curso, o PPG e ano do trabalho e as palavras chaves indicadas pelos próprios autores nos resumos e catalogação das obras. Quadro 08 – Produção do Serviço Social nas Teses e Dissertações, 1998 a 2008 – Total: 25 trabalhos. AUTOR(A) TÍTULO NÍVEL DO PROGRAMA PALAVRAS CURSO /ANO CHAVES Dalila Maria Pedrini Entre laços e nós. Associativismo Doutorado autogestão - identidade coletiva a empresa de produção socializada - EAPS Brusque - Santa Catarina Serviço Social / Pontifícia Autogestão; Universidade Católica e São associativismo; Paulo – PUC-SP (1998) identidade coletiva Roberta Justina da Costa Os usuários dos programas de proteção social: entre os frágeis e inexistentes direitos sociais e as ações solidárias Mestrado Serviço Social / Universidade Federal da Paraíba – UFPB (2001) Programas de proteção; direitos sociais e organização solidária Cristina Aguiar Barreto Economia popular solidária: alternativas às transformações no mundo do trabalho Mestrado Serviço Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2002) Economia; trabalho e solidarismo Ivan Freire Fonseca. "Capacitação Solidária: uma análise Mestrado crítica da perspectiva de empregabilidade e empreendedorismo" Serviço Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ (2003) Empregabilidade; Empreendedorismo e Formação Profissional Jane Cláudia Jardim Pedó Economia Popular Solidária: Rumos de uma alternativa às transformações do mundo do trabalho e da questão social Mestrado Serviço Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2003) Economia Popular; trabalho; questão social e solidariedade Luciana Francisco de Abreu Ronconi Gestão Social e Economia Solidária: desafios para o Serviço Social Mestrado Serviço Social / Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Serviço Social, economia solidária e gestão social 155 (2003) Adriana Lucinda O processo de empoderamento de de Oliveira mulheres trabalhadoras em empreendimentos de economia solidária Mestrado Serviço Social / Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2004) Rosângela Nair de Carvalho Barbosa A Economia Solidária como Política Pública: uma tendência de geração de renda e ressignificação do trabalho no Brasil. Doutorado Serviço Social / Pontifícia Economia Solidária; Universidade Católica e São cooperativismo e Paulo – PUC-SP (2005) trabalho Sandra Regina Nishimuara Economia Solidária: a trajetória dos grupos de geração de renda em Londrina Mestrado Serviço Social e Política Social/ Universidade Estadual de Londrina – UEL (2005) Economia solidária, exclusão social; trabalho e renda Soraya Gama de “Uma aproximação à experiência Ataíde autogestionária na cidade de Vitória-ES: um novo padrão de integração social ou uma forma de gerir a pobreza?” Mestrado Serviço Social / Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ (2005) Trabalho; geração de renda e autogestão Maria Tereza Cândido Gomes de Menezes Doutorado Serviço Social / Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (2006) Economia solidária; crítica marxista e políticas sociais. Mestrado Serviço Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2006) Cooperativismo e economia popular solidária. Economia Solidária: os elementos para uma crítica marxista Caroline Goerck Processo de Trabalho na Economia Popular Solidária: uma forma diferenciada de organização do trabalho coletivo Empoderamento; gênero; economia solidária Josiane Bortoluzzi. Experiências associativas de trabalho em Mestrado Chapecó: resistência ao desemprego ou produção social alternativa? Serviço Social / Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2006) Desemprego; geração de trabalho e renda; associativismo e alternativa social Helenara Silveira Fagundes Voluntariado e Solidariedade: da caridade ao direito Doutorado Serviço Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2006) Voluntariado; solidariedade e políticas sociais. Liliane Moser Geração de Trabalho, Renda e Inclusão Social: Vivências de Trabalhadores em Empreendimentos Econômicos Solidários - Chapecó/SC Doutorado Serviço Social / Pontifícia Geração de Trabalho Universidade Católica e São e renda; inclusão Paulo – PUC-SP (2006) social e economia solidária Soledad Bech Limites e Possibilidades da Economia Mestrado Gaivizzo. Solidária no Contexto das Transformações do Mundo do Trabalho: a experiência da incubadora de cooperativas populares da Universidade Católica de Pelotas Serviço Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2006) Incubadoras de Cooperativas Populares e economia solidária Elizete Alvarenga Pereira Política Social / Universidade Federal Fluminense – UFF (2007) Gênero; mulheres; economia solidária e movimentos sociais Metendo a mão na massa: uma experiência de economia solidária em Imbariê Mestrado Leile Silvia Cooperativismo e trabalho: A experiência Mestrado Cândido Teixeira da cooperativa de reciclagem de lixo (COOPREC) Serviço Social / Pontifícia Cooperativismo; Universidade Católica e São trabalho e Paulo – PUC-SP (2007) desemprego Maria da Conceição Almeida Vanconcelos Além da geração de trabalho e renda: economia solidária e participação de cooperados/associado em Sergipe Serviço Social / Pontifícia Economia solidária; Universidade Católica de participação e São Paulo – PUC-SP (2007) empreendimentos econômicos Priscila Maia de Andrade A economia solidária é feminina? Análise Mestrado da Política Nacional de Economia Solidária sob a perspectiva de gênero Doutorado Política Social/ Universidade de Brasília – UnB (2007) Gênero; políticas públicas e economia solidária Sílvia Maria de Saúde Mental e Trabalho: a Mestrado Oliveira Mendes transversalidade das políticas e o caso de Juiz de Fora Serviço Social / Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF (2007) Saúde mental; trabalho e economia solidária Andreia de Souza Bezerra Serviço Social / Universidade Federal do Desenvolvimento local, agricultura Das Reivindicações Sindicais à Organização Sócio-Produtiva no Mestrado 156 Município de Moju-Pará Cláudia Solange Estudo das possibilidades jurídicas para Hegeto Prochet. formalização dos empreendimentos do Programa de Economia Solidária de Londrina Silvia Neves Salazar Mestrado Trabalho e educação nas práticas de Doutorado economia solidária: uma sociabilidade na perspectiva emancipatória? Rúben Dário Autogestão das cooperativas de Lucas Navarrete habitação e interesse social: os modelos solidários como alternativa de produção de moradia e desenvolvimento local Mestrado Pará – UFPA (2008) familiar, cooperação e associativismo Serviço Social e Política Social/ Universidade Estadual de Londrina – UEL (2008) Cooperativismo; geração de trabalho e renda e economia solidária Serviço Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ (2008) Economia solidária; trabalho; educação e classes subalternas Política Social/ Universidade Católica de Pelotas – UCPel (2008) Autogestão; cooperativas e habitação Quadro 08 – Produção do Serviço Social nas Teses e Dissertações, 1998 a 2008 – Total: 25 trabalhos. Fonte: Pesquisa direta no Banco de Teses da CAPES, 2009. Toda essa extensa apresentação dos dados iniciais coletados na pesquisa possibilitou-nos quantificar e tipificar o debate e as análises que vêm ocorrendo no interior da profissão sobre a economia solidária, bem como um conjunto de temas que lhe são próprios, nos mais diversos instrumentos de debate teórico e ídeo-político do Serviço Social. Nessa primeira fase da nossa análise construímos, o que nos parece bem importante, uma radiografia da produção teórica que vem sendo acalentada, debatida, aprofunda, e expandida nos últimos 12 anos, e consolida, no nosso entendimento, uma ampla recepção, nos ambientes profissionais e acadêmicos do Serviço Social, da economia solidária e das modalidades teóricas e práticas que caracterizam os polimorfos empreendimentos solidários e o universo teórico e político que está na base ideológica da economia solidária. 3.2. O universo teórico e político comum ao Serviço Social e à Economia Solidária A economia solidária, que surgiu no interior dos movimentos sociais a partir de um conjunto de iniciativas espontâneas, e que hoje vêm sendo apoiadas e subsidiadas pelas políticas públicas do governo Lula e pela ação direta de diversos sujeitos envolvidos, constitui-se como uma “corrente” heterogênea de propostas e experiências concretas que requisitam vários profissionais, militantes e trabalhadores para execução, divulgação, capacitação e mobilização desse segmento. No desenvolvimento dos empreendimentos de economia solidária, surgem tentativas de teorizá-la não apenas como um conjunto de atividades emergentes destinadas a amenizar os efeitos de problemas sociais, de gerar trabalho e renda, mas como embrião de uma forma de organização social alternativa ao capitalismo. Para fundamentar essas diversas concepções, os sujeitos se apropriam das mais diversas tradições teórico-metodológicas e políticas operando, no nosso entendimento, um verdadeiro ecletismo teórico e uma mistificação ídeo-política, produzindo um universo analítico problemático sobre a economia solidária que é, evidentemente, resultado da 157 compreensão, anteriormente existente, sobre a sociedade, o Estado, o sistema capitalista e as relações sociais que derivam desse ordem social e determinam as formas de intervenção na vida social. Entre os autores que se destacam como intérpretes desse heterogêneo campo, e que destacamos na análise que realizamos sobre a economia solidária, Paul Singer diferencia-se pela tentativa de teorizar a economia solidária com base em alguns conceitos da teoria social marxista, concebendo-a, especialmente, como uma forma social alternativa ao capitalismo sob a compreensão, propriamente marxista, de um suposto novo modo de produção. Entretanto, esta compreensão é apenas uma das formulações que coexistem entre as mais diversas, e por vezes colidentes, interpretações que partem de diferentes referenciais teóricos e políticos desse fenômeno social. Quando buscamos analisar a recepção que a economia solidária goza no debate teórico e político do Serviço Social, identificamos que a heterogeneidade que caracteriza a própria economia solidária está presente, em grande medida, nas interpretações e reflexões que foram identificadas no interior do debate profissional. Assim, nesta etapa da pesquisa, buscamos qualificar a produção teórica do Serviço Social sobre a economia solidária e o conjunto de temas que a circundam, bem como identificar quais aspectos teóricos e políticos fundamentam essa produção. Para analisar o universo problemático comum à economia solidária e ao Serviço Social, tratamos de buscar, dentre os diversos conceitos e categorias presentes nos trabalhos investigados, aqueles que, enquanto categorias centrais de análise, nos permitissem dialogar com essa produção, mostrando as diferenças teóricas existentes e o significado que elas adquirem em relação à defesa, ou não, das propostas ídeo-políticas e práticas da economia solidária. A partir do referencial teóricometodológico que orienta o nosso estudo – a teoria social marxista –, elegemos algumas categorias analíticas que são, relativamente, transversais ao conjunto dos trabalhos e que serviram de baliza teórica para a avaliação do conjunto de concepções e, possivelmente, práticas profissionais que são por elas fortalecidas e o que elas alimentam no Serviço Social. São essas categorias: questão social, pobreza, desigualdade social, trabalho, Estado, produção de renda, solidariedade, autogestão, cooperativismo, democracia, política social e cidadania. Para efeitos de exposição dos aspectos teóricos e políticos analisados, dividimos a produção em três grandes tendências que conseguem agrupar a diversidade dos conteúdos, dos temas, das posições teóricas e do nível de aprofundamento dos trabalhos, construídas em face da posição que assumem sobre a economia solidária frente à defesa da ordem burguesa, e que doravante denominamos de: a) tendência de defesa aberta da economia solidária e da ordem capitalista; b) tendência de defesa direta da economia solidária e indireta da positividade burguesa; c) tendência à crítica da economia solidária. A produção que consultamos direta e exaustivamente é aquela 158 configurada no material classificado anteriormente por nós como artigos e ensaios publicados nos periódicos e elaborações apresentadas nos CBAS e nos ENPESS; nem todas as teses e dissertações arroladas puderam ser examinadas81. Temos consciência de que a não exploração de teses e dissertações relativiza a validez dos resultados a que chegamos – mas esta limitação foi, para nós, insuperável. Cumpre notar, a esta altura, que a partir de teses acadêmicas, foram publicados dois títulos, sob a forma de livros, que são extremamente expressivos da reflexão mais madura sobre a economia solidária que se processo no Serviço Social. Trata-se dos trabalhos de Menezes (2007) e Barbosa (2007) que, bem diferenciadamente, inserem-se na terceira das tendências que enunciamos há pouco. O ensaio de Menezes, explicitamente inspirado na teoria social de Marx, opera uma crítica teórica e ídeo-política radical da economia solidária, e algumas das suas contribuições estão incorporadas à nossa tese. Já o estudo de Barbosa, centrando-se na economia social como política pública, procura avaliar sua incidência nas ações governamentais voltadas para a geração de renda e postos de trabalho, concluindo pela sua baixa eficácia. É preciso explicitar, ainda, que o estudo dos trabalhos selecionados nesta etapa da pesquisa nos revelou que a heterogeneidade teórica dessa produção implica não somente no ecletismo teórico e político proveniente da adoção de referenciais teóricos distintos; indica-nos também que essa diversidade é parte constitutiva dos aspectos polimorfos que caracterizam a economia solidária, e isto contribui, decisivamente, na amplitude e no conteúdo da produção teórica do Serviço Social sobre as atividades que se encontram no leque dos empreendimentos solidários. a) Tendência de defesa aberta da economia solidária e da ordem capitalista. A primeira tendência que nos dedicamos a analisar comporta, no seu interior, um conjunto de produções que indicam, de partida, referências teóricas distintas, mas que, na nossa análise, oferecem o mesmo ponto de chegada: a defesa aberta da economia solidária, colaborando, diretamente, para a reafirmação da positividade burguesa. Quando se necessita analisar um conjunto muito diverso de produções, como é o caso, a estratégia de agrupar e buscar captar tendências predominantes mostra-se uma solução satisfatória para nossos objetivos. Todavia, é importante destacar que, nesta tendência, podemos encontrar algumas variações à linha predominante, a partir da presença de algum debate ou autor que não indica uma relação linear entre economia solidária e afirmação da ordem vigente - mas é, sobretudo, essa apologia o traço distintivo e unificador dos trabalhos. 81 Quando recolhíamos todo o material (revistas, teses e dissertações, anais e cd's de encontros e congressos) que seria base para a pesquisa sobre a recepção da economia solidária no Serviço Social, pareceu impossível, no tempo que dispúnhamos, conseguir cópias de todas as dissertações e teses pertinentes à pesquisa. Por isto, como nos foram acessível apenas os resumos elaborados pelos autores, não se viabilizou uma análise do conteúdo dessas produções, o que nos permitiu somente apresentar as suas palavras-chave. 159 Essa tendência parte, segundo a representativa formulação de Silva (2002), de uma compreensão do mundo contemporâneo enquanto uma sociedade marcada por profundas alterações sócio-culturais, no qual convivem “no campo produtivo e cultural elementos de pós-modernidade”; a partir desses elementos, emerge uma nova forma de organização produtiva, calcada em matrizes de autopromoção e auto-sustentação, no que seria, passa essa tendência, uma relocalização do mundo do trabalho e uma potencialização das novas “pautas de consumo emergentes na sociedade pós-moderna”. Na mesma medida em que a sociedade é entendida a partir de elementos caracterizados como pós-modernos, a percepção sobre o conjunto das relações sociais apresenta o privilegiamento e a sacralização das ações da sociedade civil em contraposição ao Estado, que aparece como autoritário, centralizador, mas representante dos interesses de todos os segmentos sociais, fruto do que seria uma crise do Estado de Bem-Estar Social - esta autora não tem dúvidas de existe um consenso (bibliográfico) quanto à existência de uma crise do Estado de Bem-Estar Social, seja quanto à impossibilidade de suprimento das necessidades sociais por parte do Estado, seja pelo fato de ter ao longo da história substituído os laços de solidariedade social, ou simplesmente pela impossibilidade de sustentação financeira de sua estrutura, que, nas experiências históricas, tem sido realizada com bases em impostos ou desapropriações (casos da social-democracia europeia e do socialismo real) (Silva, 2002: p. 122). Para esta tendência, o Estado aparece como instituição social que, a partir da sua intervenção sistemática, enfraquece a chamada “rede social de solidariedade” que atua na direção de suprir algumas debilidades sob o que seria um processo de exclusão social proveniente do desenvolvimento capitalista. No entanto, na ótica desta tendência, o Estado permanece mantendo centralidade como gerador de propostas que dão sustentação à vida humana e estimulador de movimentos criadores de novos atores sociais. O surgimento de renovados movimentos sociais na cena política, aliada à chamada crise do mundo do trabalho, serve para que esta tendência sustente que a pós-modernidade, a redefinição das relações capitalistas e o novo formato do Estado apontem para a inexistência de um sujeito revolucionário, ou classe social, responsável e capaz de mover uma polarização apta a produzir uma transformação social para além do capitalismo. O processo de complexificação da realidade traz à tona vários sujeitos, locais, grupos com potencialidades para gestar e construir relações democráticas, participativas, equânimes, autônomas, que atuam nos processos de transformação social, pois não há um sujeito ou lugar responsável por ela. (Cortizo e Oliveira, 2004: p. 83). A compreensão de que os diversos movimentos sociais e sujeitos políticos da atualidade têm papel e potencialidade transformadora da ordem social aparece, sistematicamente, articulada ao entendimento de que o proletariado não é o sujeito histórico capaz, a partir das condições objetivas 160 que existem na dinâmica contraditória do capitalismo, de promover uma real ruptura com o sistema de exploração da ordem burguesa. E dessa afirmação infere-se que o papel do Estado na atualidade passa por fortalecer os diversos e colidentes segmentos sociais da sociedade civil, especialmente, as camadas mais “vulnerabilizadas”. Se, para essa tendência, o trabalho não é mais a atividade central que articula os sujeitos sociais e constitui o elemento de solidariedade, surgem propostas alternativas que se propõem como modalidades de geração de renda, necessárias para combater a exclusão social. O crescimento de amplos contingentes populacionais excluídos do emprego e a vulnerabilidade das relações de trabalho em nossos dias desafia-nos a inserir o tema no contexto geral de alternativas à pobreza na perspectiva do state in society, compreendendo que o Estado é permeável e influenciado pela sociedade à medida que se constitui em uma de suas partes (Silva, ibid: p. 125). Mas, se, por um lado, essa tendência torna positivas as alternativas à chamada crise do trabalho, propondo e incentivando modalidades de geração de renda, por outro a economia solidária se destaca do conjunto dessas alternativas e se afirma como a melhor alternativa, pois sua efetivação e multiplicação proporciona o crescimento, na sociedade, de valores supostamente colidentes com a sociabilidade inaugurada pelo projeto moderno: a economia solidária desenvolveria, de modo transversal, novos valores que sustentam a constituição de uma nova cultura pós-moderna. Ao proporcionar desenvolvimento social, ela contribui na ampliação da cidadania, no fortalecimento dos indivíduos, através do empowerment, e alimenta valores tais como: democracia, autodeterminação, solidariedade e participação - e este é o traço marcante dessa tendência. As iniciativas de economia solidária são espaço de exercício da democracia, da participação, da efetivação e expansão de direitos, de vivência da cooperação e solidariedade, de empoderamento, de politização. […] esses conceitos explicitam a ideia de processo, ou seja, o empoderamento é fruto de uma trajetória onde interagem, vivenciam, trocam divergem vários sujeitos. Consiste em uma lógica envolvente, inclusiva, reflexiva, onde ninguém se empodera sozinho. É sempre uma dinâmica de ganha-ganha, onde os envolvidos, cada um em seu ritmo, crescem, refletem, encontram sua irreverência, sua autovalorização (Cortizo e Oliveira, ibid: p. 83-84). Esta tendência considera que a economia solidária pode ser responsável pelo desenvolvimento de uma chamada “nova ética”, alicerçada em valores que, supostamente, destoam dos valores predominantes da competição, da mercantilização e da não-solidariedade. A questão social aparece apenas como a expressão da pobreza, da vulnerabilidade social e das carências 161 materiais, furto da “imoralidade” e da “injustiça” do capitalismo, que deve ser resolvida por vias da afirmação da diversidade pós-moderna, em oposição aos projetos totalizadores da modernidade (socialismo centralizado e liberalismo). Para isso, a economia solidária é uma forma de corrigir distorções do capitalismo e construir a outra sociedade possível, colocando a economia na esfera que ela deveria ocupar - meio de acesso a bens e serviços. As iniciativas de economia solidária integram o esforço da politização, da democratização das relações, principalmente por recolocar a economia no seu lugar de meio, contrapondo a supremacia e a centralidade que a categoria econômica ganhou no sistema capitalista. O desafio centra-se em articular os processos de transformação econômica com as esferas culturais, sociais, políticas históricas e ideológicas. Os processos de emancipação, de empoderamento, de politização, articulam essas dimensões de forma interdependente. O acesso a trabalho e renda na perspectiva da economia solidária é um exemplo. Os trabalhadores acessam o sustento, a dignidade. Contudo, a construção coletiva do trabalho, a participação, os processos de educação continuada, o envolvimento e o desvelamento das questões sociais potencializam os sujeitos no exercício da cidadania concomitantemente. (Cortizo e Oliveira, ibid: p. 89). Nesta tendência comparece um processo que é marcado pelo deslocamento da economia enquanto a esfera primária da vida social e lhe é atribuído apenas o papel de meio para o fortalecimento dos indivíduos, visto que, para os trabalhadores da economia solidária, o principal entrave seria a subalternidade, saindo de uma posição de meros executores, de “simples obedientes”, para a condição de gestores, responsáveis por todo o processo de execução das atividades do trabalho, construindo-se na diversidade, buscando elaborar consensos na coletividade, sem hierarquias, “sem patrão”. A defesa aberta da economia solidária passa, necessariamente, pela negação da economia capitalista mais pela moralização e julgamento ético e pela sua suposta estrutura de poder, que mutila os sujeitos, do que pela análise da estrutura objetiva de produção e das relações sociais que dela derivam, pois ela reproduziria, nessa perspectiva, valores indesejáveis e negativos, que podem ser superados pela economia solidária e pelo fortalecimento dos sujeitos, da diversidade indiferenciada e dos indivíduos de modo claramente abstrato. b) Tendência de defesa direta da economia solidária e indireta da positividade burguesa. Diversa da primeira, a segunda tendência, apesar da maioria dos textos que a representam conter uma apologia a economia solidária, expressa, no nosso entendimento, uma defesa indireta da ordem social vigente, posto que afirma a economia solidária como atividades fundadas em modalidades de organização de trabalho que são colidentes com o sistema capitalista, subestimando 162 a capacidade que o capital tem de incorporar, ao processo de acumulação, modalidades aparentemente à margem da produção central capitalista. Esta perspectiva, em sua esmagadora maioria das suas expressões, situa a sociedade contemporânea a partir dos processos de reestruturação produtiva pelo quais vem passando o capitalismo, indicando que essas mudanças têm resultados significativos nas manifestações da questão social e particularizam o desemprego, a concentração de renda e a exclusão, identificandoos como resultado ampliado dessa reestruturação. Note-se que há, nesta perspectiva, uma clara referência ao processo de trabalho e à organização produtiva capitalistas como processos que, na atualidade, ao sofrerem alterações, remetem, necessariamente, à busca de modalidades de trabalho e renda que enfrentariam esses problemas sociais. Dessa forma, o papel dos sujeitos políticos, dos movimentos sociais, das entidades de assessoria e do Estado vai ganhando nova conformação, pois a criação dos empreendimentos solidários resulta da ação organizada dos indivíduos que, a partir das suas necessidades, se mobilizam e assumem a responsabilidade pela sua sobrevivência. “Estas alternativas de geração de trabalho e renda originam-se da própria população excluída, visando a superação do desemprego e da exclusão social, resultantes da lógica da reprodução capitalista” (CBAS, 2007: Eixo: RTESOAS CO – 7). A grande diferença que demarca esta segunda tendência da primeira, já exposta, reside, dessa forma, na defesa da economia solidária como forma de trabalho que, mesmo nos marcos do capitalismo, independe da organização capitalista. E, para isto, essa tendência, apesar de indicar a importância para os empreendimentos solidários de valores que se constroem alternativamente ao capitalismo, elabora uma crítica não moral e ética dessa sociedade, mas centra-se na crítica às formas de trabalho predominantes e aponta a economia solidária como alternativa a elas. Fazem parte destes empreendimentos as experiências de geração de trabalho e renda protagonizados pelas classes populares, que possuem na solidariedade o meio norteador de suas ações. Estes empreendimentos são formados com pouco ou nenhum recurso financeiro e possuem como “capital” a força de trabalho dos seus integrantes, objetivando gerar condições de satisfação das necessidades básicas e da melhoria da qualidade de vida dos participantes […]. Entende-se que o mercado formal de trabalho diminuiu a sua demanda por mão-de-obra, devido às diversas transformações que afetaram o mundo do trabalho e, que é preciso encontrar formas de gerar trabalho e renda. (CBAS, 2004: Eixo 11 CO – 14). Os séculos XX e XXI são palco de inúmeras transformações no mundo do trabalho, com suas respectivas implicações sociais e econômicas, 163 decorrentes de um processo histórico. Neste contexto, experiências populares e solidárias podem ser compreendidas como alternativas de geração de trabalho e renda, diante das novas manifestações da questão social. (ENPESS, 2006: Eixo 03 CO - 3) As produções que compõem essa tendência também apontam para uma análise do Estado que, ao considerar a crise do mundo do trabalho e a reestruturação produtiva, entende que o Estado é atingido nesse processo de reestruturação e tem, a partir das políticas neoliberais, sofrido um processo claro de encolhimento, sendo fundamental para combater a exclusão, o desemprego e as desigualdades que os segmentos autônomos da sociedade se organizem. Assim, a economia solidária tem o papel de colaborar com uma nova cultura democrática, solidária e participativa que não passa necessariamente pelo Estado, mas que necessita de determinados apoios, especialmente para as camadas populares, para gerar essa autonomia em face da precarização do mercado de trabalho. Paralelo à Reestruturação Produtiva, em decorrência da reforma do Estado, ocorre o processo de minimização das ações no campo social, deslocando-se para a sociedade civil a responsabilização por estas ações, através do apelo à solidariedade. Entretanto, considerada a insuficiência da trama de solidariedade para dar conta de amplas parcelas da população sob processo de exclusão, o Estado permanece gerando propostas, visando à sustentação dos indivíduos sociais, principalmente através das políticas que estabelecem os mínimos sociais (ENPESS, 2008: Eixo QST CO – 4). As iniciativas de Economia Popular Solidária partem principalmente dos próprios trabalhadores excluídos do mercado formal de trabalho. Entretanto, torna-se importante mencionar que as políticas governamentais podem oferecer o apoio e a assessoria necessários para que estas organizações econômicas populares possam construir a sua autogestão. (CBAS, 2007: Eixo: RTESOAS CO – 7) É importante destacar que, nesta tendência, a participação mínima do Estado atua, principalmente, na promoção de políticas sociais pontuais e que ele deve, também por isso, estimular a criação de empreendimentos solidários e apoiá-los, pois eles são, por um lado, as formas de geração de renda que podem se constituir em alternativas de trabalho e, por outro, são modalidades de trabalho que necessitam de assessoria e suporte do Estado, transformando-se em política pública. Nesta tendência, verificamos, então, a relação mais aproximativa, e em alguns textos analisados podemos dizer que até orgânicas, entre Serviço Social e economia solidária, visto que esta seria um espaço sócio-ocupacional importante para a profissão e para fortalecer aspectos 164 democráticos e solidários nas novas relações de trabalho solidárias. Este trabalho visa propiciar a formação e a capacitação, possibilitando a implementação de iniciativas produtivas economicamente viáveis, pautadas na gestão participativa e na construção de relações sociais solidárias. Portanto, a proposta desse estudo é criar alternativas de geração de trabalho e renda concreta que possibilite o trabalho, a autogestão e a cidadania, a fim de enfrentarem o desemprego, a precarização e as diversas formas de exclusão social (CBAS, 2004: Eixo 08 PO – 4; grifos nosso). Os empreendimentos de Economia Popular Solidária estão situados dentro do contexto das novas demandas e espaços ocupacionais dos assistentes sociais. Sabe-se que o objeto de trabalho profissional do Serviço Social se dá nas manifestações da questão social e nas relações sociais que expressam injustiças, exclusão e falta de acesso aos direitos. Desta forma, a Economia Popular Solidária torna-se um espaço privilegiado para a ação profissional comprometida com os interesses e necessidades das classes populares. O Assistente Social chamado a intervir profissionalmente em uma organização econômica popular solidária, precisa ter na intencionalidade de sua ação a busca pelo fortalecimento das experiências e o comprometimento com a autonomia destes trabalhadores (CBAS, 2004: Eixo 11 CO – 17). Esta segunda tendência, que denominamos de defesa direta da economia solidária e indireta da ordem burguesa, apresenta uma proposta de economia solidária que nos permite reconhecer bons resultados e boas iniciativas que são desenvolvidas, em especial aquelas que se destinam à criação de condições reais de subsistência para uma grande maioria da população que está em situação de desemprego e na miséria; nestas modalidades, vê-se a importância desses empreendimentos solidários. Todavia, ao conferirem a essas experiências atributos econômicos e políticos que, de partida, estaria deslocados da acumulação capitalista, desenvolvem para a economia solidária, e evidentemente para as relações de produção e reprodução da ordem burguesa, uma atualizada mistificação das potencialidades e da funcionalidade que a economia solidária, e os empreendimentos solidários, vêm assumindo no processo de manutenção da ordem vigente. Na sua essencialidade, há uma apologia indireta82 da ordem burguesa, pois a crítica que esta tendência promove às relações precarizadas de trabalho e à desigualdade social própria deste sistema não atinge os fundamentos das modalidades contemporâneas de fragmentação do trabalho e, muito menos, a reestruturação capitalista que é fruto da crise do capital. Em outras palavras, a defesa da economia solidária, apesar de se organizar em contraposição ao processo de trabalho e exclusão 82 Para o esclarecimento da fundamental noção de apologia indireta do capitalismo, cf. Lukács (1968a). 165 capitalistas, é feita sem por em xeque o modo como a ordem burguesa vem atualizando suas formas de absorver, ideologicamente e realmente, alternativas de trabalho e subsumi-los aos seus interesses. c) Tendência à crítica da economia solidária. A terceira e última tendência identificada na análise da produção teórica do Serviço Social sobre a economia solidária é uma tendência residual, na qual poucos trabalhos podem ser identificados. Mas, apesar de ser quantitativamente a menor (e comparativamente muito menor), dispõe, a nosso juízo, da melhor qualificação visto que consegue fundamentar sua crítica aos aspectos centrais do desenvolvimento do capitalismo na atualidade. Nesta tendência, a economia solidária é identificada como mais um dos fenômenos ídeopolíticos apropriados pelo capitalismo para submeter as experiências desse campo aos seus propósitos de valorização e reificação. A solidariedade é retomada como estratégia ideológica e intensificada nos marcos das saídas neoliberais hegemônicas em todo o mundo à crise estrutural do capital, vinculada aos projetos distintos das classes sociais, ou seja, é funcional ao movimento de recomposição econômica, política e social do capital em crise, isto é, solidariedade entre classes (ENPESS, 2006: Eixo 03 CO - 3) O capitalismo contemporâneo, para esta terceira tendência, é marcado pela crise em sua onda longa de estagnação, o que impõe uma reorganização estrutural das formas objetivas de produção, com a incorporação de novos padrões e modelos de produção, sob a tônica renovada do capitalismo dos monopólios. Essa reestruturação capitalista define novas funções para o Estado e desenvolve-se ideologicamente sob a ofensiva do neoliberalismo. Nesta tendência, há uma tentativa de interpretação da economia solidária à luz dessa reestruturação ídeo-política capitalista, para, assim, situá-la como resultado, para atender funcionalmente os interesses atuais da ordem burguesa, da apropriação de experiências desenvolvidas inicialmente pelos movimentos sociais e meios populares. O complexo de reestruturação produtiva, a partir da flexibilização e desconcentração da produção, utiliza-se cada vez mais da terceirização e da subcontratação para transferir para as pequenas empresas – e no nosso estudo em particular para as cooperativas – a produção de mercadorias ou de produtos semielaborados. Assim, sob o ímpeto do trabalho autônomo, que faz do trabalhador seu próprio patrão, a organização do trabalho é levada a limites sempre mais elásticos, por que os trabalhadores são submetidos a um regime de auto-exploração sob o ideal do trabalho autônomo. Combinando isto ao debate próprio das cooperativas e da “economia solidária”, esta assume contornos ainda mais mistificados e 166 mistificadores (ENPESS, 2006: Eixo 03 CO – 2). Outro vetor que aparece nesta tendência é o de situar a economia solidária no seio da ampliação das ações do chamado terceiro setor, combinadas ao conjunto de medidas da ofensiva neoliberal para enfraquecer o Estado e deslocar as disputas que deveriam ser travadas na arena da sociedade civil. Dessa forma, aparece o chamado terceiro setor como alternativa no trato ao conjunto de problemas sociais advindos dessa apartação do Estado. O ponto de congruência que aparece aqui, entre terceiro setor e economia solidária, é o fortalecimento autônomo de formas e de sujeitos para tratar e resolver suas necessidades no campo externo ao Estado e ao mercado capitalista. Tal perspectiva é criticada por esta terceira tendência, que indica que a economia solidária, a partir das novas determinações que incidem sobre a questão social e as modalidades de intervenção que o Estado (apropriado quase integralmente pelos interesses do grande capital), representa um deslocamento das funções sociais que Estado assumiu junto às classes subalternas no período do chamado keynesianismo/fordismo devido aos interesses do capitalismo monopolista em face da acumulação, e, ainda, como resultado das lutas que foram empreendidas pelos trabalhadores no período. Nesta discussão apontam-se tendências referentes a reatualização do cooperativismo e da filantropia enquanto elementos integrados às estratégias de afirmação da responsabilidade social na reconfiguração do atual padrão de produção e trabalho e da reprodução da força-de-trabalho, assim como da negação da responsabilidade estatal em relação ao direito à proteção social e garantias trabalhistas, na sociedade brasileira (ENPESS, 2006: Eixo 03 CO – 3). Para a tendência à crítica da economia solidária, essas novas funções que são atribuídas ao Estado têm impacto nas políticas públicas, em especial as políticas sociais que são direcionadas ao atendimento dos setores populacionais mais pauperizados, enquanto que a solidariedade, o voluntariado, a economia solidária, e outras ações, são estimuladas para complementar essas políticas seletivas e focalizadas, sendo que alimentam, centralmente, o protagonismo de segmentos sociais como alternativas de autogestão e autodeterminação frente à crise. E esse é um ponto diretamente criticado por esta tendência. O trabalho voluntário representa, assim, um mecanismo significativo na materialização da chamada responsabilidade social compartilhada entre indivíduos e organizações da sociedade e o Estado, nos atendimentos sociais e controle sobre a pobreza. É intensificado no âmbito das políticas públicas enquanto mediação de participação, co-responsabilidade ou contrapartida do usuário, através de ações sociais direcionadas para o atendimento de necessidades de segmentos mais vulnerabilizados da 167 sociedade, como são exemplares as ações e estratégias de participação dos usuários implementadas pelo Programa Fome Zero, que tendem a reatualizar a filantropia e o voluntariado como formas históricas de “ajuda” aos pobres (ENPESS, 2006: Eixo 03 CO – 3) No campo do trabalho, esta tendência identifica a economia solidária como resposta da contra-ofensiva do capital às suas necessidades para alterar as formas de vinculação da força de trabalho aos fios da produção capitalista e, em particular, atualizar antigas formas de pagamento da força de trabalho sempre funcionais à maior intensificação do trabalho. A proliferação de cooperativas na sociedade brasileira, a partir dos anos 1990, com ênfase para as cooperativas de trabalho, em resposta às necessidades das empresas de subutilizar a força-de-trabalho fora do contrato formal de trabalho via sub-contratação, ao mesmo tempo em que contribuem para a informalização das relações de trabalho, como um mecanismo de redução dos custos da produção, centrada na superexploração do trabalhador (ENPESS, 2008: Eixo QST CO – 8). É importante destacar que, nesta tendência, a crítica que é feita a economia solidária não inviabiliza reconhecer, nos empreendimentos solidários, a sua condição de estratégia de sobrevivência, no qual os indivíduos que se encontram, rigorosamente, na superpopulação relativa para o capital desenvolvem ações para suprir suas necessidades básicas e de reprodução. O cooperativismo inscreve-se no quadro das contradições existentes nessas ações, como principal alternativa de trabalho para a força de trabalho disponível egressa dos processos de capacitação, frente a um mercado de trabalho sem condições de absorvê-la (ENPESS, 2006: Eixo 03 CO – 3). Esta tendência à crítica da economia solidária, apesar dos poucos textos que a compõem no nosso estudo, parece-nos ser a que tem buscado caucionar suas análises em um conjunto de tendências do desenvolvimento capitalista contemporâneo, e realiza, no nosso entendimento, uma boa análise ao contextualizar a economia solidária como mais uma das formas funcionais ao processo de acumulação e mistificação próprios do sistema do capital, sem perder os elementos da contradição desse fenômeno, vista a positividade que ela assume para aqueles que a vivenciam. Assim, a contribuição desta tendência parece-nos ser imprescindível para uma análise consequente e comprometida com o mundo do trabalho não somente da crítica da economia solidária, mas também para uma crítica profícua e mobilizadora da ordem burguesa. No conjunto dos trabalhos relacionados à economia solidária que examinamos, independentemente da sua diferencialidade e da sua inserção nas três vertentes que consideramos, há, porém, um elemento comum: a reivindicação da relação do Serviço Social com a economia solidária como compatível com o – e, no limite, como consequência necessária dos princípios do – 168 projeto ético-político profissional. Um fragmento de uma dentre as várias comunicações sobre o tema é extremamente emblemática da receptividade do Serviço Social à economia solidária, hipotecando aquela relação à recorrência ao projeto ético-político profissional: As instituições de apoio às organizações da economia solidária tem sido fundamentais na consolidação dessas experiências; muitas lutam por democratização, garantia e ampliação dos direitos sociais e por caminhos alternativos na área da produção. (...) Os profissionais de Serviço Social, à luz do projeto ético-político da profissão, podem tornar-se imprescindíveis na organização, gestão e no desenvolvimento das organizações de economia solidária (CBAS, 2004: Eixo 11 CO – 6; sublinhados nossos). Esta relação construída entre os valores e práticas progressistas que estão contidos no projeto ético-político da profissão e o núcleo que é reivindicado pelas experiências solidárias (participação, democratização, autogestão, autonomia e fortalecimento dos sujeitos) é uma articulação possível, na medida que o projeto profissional, enquanto diretriz da prática profissional, fundamenta-se em valores essenciais para a defesa dos direitos e aponta uma clara posição em defesa das classes subalternas. Entretanto, o nível da afirmação de princípio de valores não se identifica nem se expressa, direta e necessariamente, no nível das práticas profissionais – a autonomia relativa do exercício profissional, o próprio pluralismo do universo profissional, a diversidade dos horizontes ídeo-políticos dos assistentes sociais possibilita que, na ação profissional, pautas progressistas sejam apropriadas pelos conservadorismo e neoconservadorismo que alimentam a ordem social vigente. Na nossa análise, aproximamo-nos da conclusão segundo a qual o universo teórico e político comum e dominante entre Serviço Social e economia solidária está sobretudo vinculado ao conservadorismo e neoconservadorismo cujos lastros não eliminados ainda têm forte peso na categoria profissional. Assim, o Serviço Social, neste relacionamento com a economia solidária, introjeta e reproduz modalidades ideológicas do sistema do capital, construindo com a economia solidária um universo comum problemático que potencializa, não o fortalecimentos dos princípios e valores contidos no projeto profissional crítico, mas a relativização e o alargamento das suas fronteiras práticas, o que permite intervenções profissionais as mais diversas e, inclusive, de filiações teóricas colidentes, malgrado reivindicarem sua pertinência ao nosso projeto ético-político profissional – e tais filiações, a nosso ver, marcam claramente as duas primeiras tendências mapeadas na nossa pesquisa. 169 3. 3. Conservadorismo, anticapitalismo romântico e Serviço Social O tratamento histórico-crítico que o Serviço Social vem realizando sobre o pensamento conservador, ao longo dos últimos 30 anos, indica a dinamicidade e a atualidade com que esse incide na produção ídeo-política e teórica do Serviço Social e nos aspectos práticos que fundamentam um característico sincretismo profissional (Netto, 1992; Iamamoto, 1995; Escorsim, 1997). Se, por um lado, a preocupação com a crítica ao conservadorismo na profissão possibilitou a apropriação e a consolidação de um referencial teórico vinculado ao marxismo, por outro é somente quando o pensamento conservador começa a ser questionado, e de certa forma deslocado no campo profissional na sua dimensão ideo-política, que o Serviço Social brasileiro tem condições de pensarse de modo referenciado historicamente, captando o conjunto das determinações do desenvolvimento do capitalismo que incidem sobre a sua origem, institucionalização e consolidação. Uma análise crítica e histórica do Serviço Social demanda, para além da explicitação ideopolítica do conservadorismo profissional, sobretudo, a crítica dos seus fundamentos teóricos. E nessa perspectiva Escorsim (1997) aponta que o Movimento de Reconceituação na América Latina, e particularmente seu trato no Brasil, deu início à denúncia ídeo-política do tradicionalismo profissional, criando as condições para que fosse realizada, a parir de um complexo conjunto de fatores, a crítica dos seus fundamentos teóricos. É esta crítica que encontramos apresentada, no caso do Serviço Social brasileiro, pela primeira vez, na pesquisa de Iamamoto […] e é nessa crítica que vamos encontrar, também pela primeira vez, uma referência que, transcendendo as indicações anteriores da literatura reconceituada acerca do positivismo, tornar-se-ia, a partir de então, obrigatória na análise do Serviço Social: a referência às suas genéticas vinculações com o pensamento conservador (Escorsim, 1997: p. 21-22; itálicos do original). A relação entre o Serviço Social e o pensamento conservador tornou-se um passo importante para as análises críticas da profissão, e, sobretudo, uma precondição delas. Todavia, difundiu-se no meio profissional que “um Serviço Social crítico é função de uma inteira ruptura com o pensamento conservador” (Escorsim, ibid: p. 30); assim, como afirma a autora, aquela relação “está posta como um dado” na atualidade (ibid: p. 29), carecendo de investigações que busquem particularizar as modalidades e expressões atuais do pensamento conservador e das práticas que alimentam o conservadorismo. Por isto, apresentamos a seguir sintéticas formulações sobre o pensamento conservador e algumas análises e críticas a ele dedicadas. 170 a) O pensamento conservador O pensamento conservador é, sem dúvida, um componente histórico e teórico central que acompanha a conformação da hegemonia burguesa desde a afirmação do seu conteúdo revolucionário, particularmente o período que segue os eventos revolucionários desde 1789. Esta noção, no nosso entendimento, inscreve o pensamento conservador num lastro que tem referências históricas precisas e temporalidade determinável, mesmo que estas determinações sejam um desafio para aqueles que buscam estudar o conservadorismo. O pensamento conservador “é uma expressão cultural (obviamente complexa e diferenciada) particular de um tempo e um espaço sócio-históricos muito precisos: o tempo e o espaço da configuração da sociedade burguesa” (Escorsim, 1997: 43) e que deve ser entendida a partir de uma rica totalidade de determinações que movimentam tensões e transformações em todos os aspectos sociais. É, especialmente, o processo geral da revolução burguesa – no período, aproximadamente, entre os séculos XVI e XVIII – e particularmente a revolução política (a Revolução Gloriosa inglesa de 1688 e a Revolução Francesa de 1789) finalizada com a consolidação, já em processo, da hegemonia econômica da burguesia, que marca o surgimento do pensamento conservador. De modo inconteste, o político e pensador inglês do século XVIII, Edmund Burke é considerado o fundador do conservadorismo clássico, em virtude, especialmente, das suas formulações teóricas produzidas como ataque feroz aos revolucionários franceses, suas ideias e ao processo da própria Revolução Francesa de 1789. Ele é considerado o primeiro crítico da Revolução Francesa e suas formulações apresentam os componentes claros do conservadorismo em face do projeto moderno incrustado nos anseios da Revolução Francesa. Na obra seminal do pensamento conservador 83, Burke discute as ideias fundamentais que alimentaram o movimento revolucionário, tais como a questão da igualdade, dos direitos do homem e da soberania popular. Denuncia o que chama de perigos da democracia abstrata, questiona o racionalismo do movimento que destrói a velha ordem e deslegitima os valores tradicionais. Em oposição, Burke exalta a virtuosa constituição inglesa que conseguiu absorver o novo na ordem já tradicional, destaca o espírito da continuidade, da hierarquia social e da propriedade e da consagração religiosa da autoridade secular. No conjunto desses aspectos residem os fundamentos conservadores do pensamento de Burke (cf. Kinzo in Weffort, 1999). Neste destaque dos principais aspectos do pensamento conservador de Burke, fica evidente que não há, por parte do autor, uma crítica ao capitalismo ou ao processo de dominação econômica da burguesia, mas a alguns elementos que compõem o projeto moderno que emerge com a ascensão política da burguesia. 83 Burke inicia, a partir do processo deflagrado pela Revolução Francesa, uma verdadeira cruzada contra esse acontecimento histórico sem precedentes. Sua hostilidade à Revolução, que causara entusiasmo entre os ingleses, inspirou-lhe a produção de sua mais importante obra: Reflexões sobre a revolução em França, publicada em 1790. (cf. Weffort, 1999). 171 O que Burke repudia vigorosamente não é o desenvolvimento do capitalismo como tal, mas: 1º) a forma da ação política e 2º) a destruição das instituições sociais consagradas pela tradição. A forma da ação política repudiada por Burke é a da revolução burguesa que mobiliza massas. A instauração de novas instituições segundo uma racionalidade antitradicionalista (que incorpora o jusnaturalismo) é rechaçada por Burke. Ou seja: dois dos componentes da cultura moderna é que são renegados pelo autor das Reflexões (Escorsim, 1997: 49; destaques do original). O pensamento conservador clássico de Burke comporta uma tensão que aparece, nitidamente, na sua recusa aos traços sócio-culturais resultante das transformações impostas pelo processo de desenvolvimento da moderna sociedade burguesa, sem recusar as novas modalidades de relações de produção e exploração que se hegemonizam nesse movimento. Dessa forma, “o alvo de Burke é a Ilustração […] [ele] quer a continuidade do desenvolvimento capitalista sem a ruptura com as instituições sociais pré-capitalistas (o privilégio da família, as corporações, o protagonismo público temporal da Igreja, a hierarquia social cristalizada, etc.)” (Escorsim, ibid: p. 50). Devemos anotar, ainda, o desprezo que o autor demonstra pela Revolução, posto que a considera responsável pela ruptura com valores e instituições tradicionais, por isso perigosa e desnecessária. Nos termos de Escorsim, “sinteticamente, poder-se-ia afirmar que Burke deseja o capitalismo sem a modernidade” (ibid: p. 50). Para combater os valores centrais da Ilustração 84, o conservadorismo, na sua gênese, explicitou os seus fundamentos, que permaneceriam basicamente inalterados ao longo de mais de um século. É após o período de 1848, marcado pelos processos intensamente revolucionários protagonizados pelos trabalhadores e a consequente reação burguesa a este movimento, que o pensamento conservador sofre um giro, alterando o seu significado sócio-político, mas sem modificar o seu papel normativo e prescritivo. 84 A Ilustração - a grosso modo - pode ser tomada como o período se inicia com o Renascimento e encontra seu clímax na segunda metade do século XVIII. Tem sua demarcação, sobretudo, pela influência do pensamento revolucionário de Copérnico, Galileu e Bacon na física e na astronomia, fundantes da filosofia moderna, e sua caracterização posta pelo século das Luzes na França com Voltaire, Diderot, etc. Em outros termos, o movimento dos ilustrados expressa, no plano das ideias, a constituição, ainda no marco do Ancien Régime, da conquista da hegemonia cultural pela burguesia revolucionária. Dessa forma, o descobrimento da América, a circunavegação da África e do globo, o acesso às Índias Orientais e aos mercados chineses, o comércio com as colônias e a expansão das trocas e das mercadorias revelavam cada vez mais a limitação própria das forças propulsoras da sociedade continuarem aprisionadas à compreensão de mundo feudal. Rouanet (1987) – cujo pensamento é claramente influenciado por Habermas – chama-nos atenção para um fato importante, e que aqui incorporamos: exis tem diferenças entre o Iluminismo e a Ilustração. Para este autor, o Iluminismo designa uma tendência intelectual, não limitada a qualquer época específica, que combate o mito e o poder a partir da razão (de argumentos racionais). Ou seja, diz respeito a um projeto sócio-cultural que atravessa vários processos históricos e inaugura um grande projeto racionalista que está presente desde a Pólis Grega e que perpassa de maneira trans-histórica o longo processo de constituição da sociedade ocidental. A Ilustração, por sua vez, atualizaria o projeto iluminista, mas este projeto não começou com aquela, nem se extingue no século XVIII. Pensada, conforme sinalizado anteriormente, como expressão cultural hegemônica da burguesia em seu processo revolucionário, a Ilustração seria como que um capítulo, um episódio do projeto iluminista. 172 No século XVIII, o projeto da modernidade toma corpo e seu eixo articulador racionalista ganha hegemonia – à razão é atribuído um caráter emancipador, donde o conhecimento racional, pautado na ciência, possibilitaria ao homem o controle tanto da natureza como do processo social. Este sentido progressista, próprio do capitalismo em ascensão, passou a ser amplamente questionado entre 1830-1848. Tal período assinala o acirramento das contradições do mundo burguês, pois são o próprio desenvolvimento do capitalismo e a consolidação da dominação burguesa que engendram as forças organizativas do movimento operário, emergentes neste momento de crise. Marx é categórico neste entendimento quando afirma, n’ O Dezoito Brumário de Napoleão Bonaparte, que “a burguesia tinha a exata noção do fato de que todas as armas que forjara contra o feudalismo voltavam seu gume contra ela, que todos os meios de cultura que criara rebelavam-se contra sua própria civilização, que os deuses que a inventaram a tinham abandonado” (1976, p.255). Mais ainda, a contradição como elemento posto em movimento na civilização moderna está expressa em toda a sua amplitude, uma vez que é do seio do desenvolvimento e amadurecimento burguês que nasce a classe que pode levar à sua ruína. Nas palavras de Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, “a burguesia não só forjou as armas que trazem a morte de si própria, como também criou os homens que irão empunhar armas: a classe trabalhadora moderna” (1998, p.19). O antagonismo que se estabelece – ao longo da evolução da sociedade burguesa – entre progresso e reação, no marco de 1848, ganha um novo aspecto: “as tendências que até então tomavam a cena de forma extremamente progressista, passam a subordinar-se a um movimento que inverte todos os fatores de progresso que obviamente continuam a existir, ao transformá-los em fonte do aumento cada vez maior da alienação humana” (Coutinho, 1972). Desse modo, explicita-se no plano social e político uma inversão que tem sua gênese no surgimento antagônico das classes que outrora formavam o Terceiro Estado, na derrubada do Ancien Régime. Enquanto, no primeiro momento – a revolução para a tomada do poder –, a burguesia representava objetivamente os interesses da totalidade do povo, voltada que estava ao combate à reação absolutista-feudal, agora o proletariado surge na história como uma classe autônoma, capaz de resolver, em sentido progressista, as novas contradições geradas pelo próprio capitalismo triunfante. Compreendemos que, para conservar-se na condição de classe dominante, a burguesia nega os traços progressistas constitutivos da vida moderna ao tornar-se uma classe conservadora, interessada na perpetuação e na justificação do existente: a burguesia estreita cada vez mais a margem para uma apreensão objetiva e global da realidade. Resta-lhe, pois, amesquinhar o modelo de racionalidade pelo qual alcançou suas finalidades, fazendo com que neste momento liberdade e autonomia apareçam sob forma inteiramente nova. São as relações de troca que passam a expressar 173 a liberdade dos indivíduos, submetendo, assim, todos os homens e seus interesses, desejos e paixões aos interesses específicos da classe burguesa. Dessa forma, as peculiaridades que inauguram a modernidade são negadas no próprio processo de modernização. Logo, neste estágio, o interesse burguês implica em abandonar, em primeiro lugar, a categoria da razão. Esta assertiva está posta no pensamento Marx e claramente explicitada nas considerações de Lukács, quando este analisa que, enquanto a burguesia permaneceu como classe revolucionária, a pesquisa e o conhecimento puderam se desenvolver sem serem embaraçados pelos limites dos interesses burgueses. Esta liberdade posta ao pensamento é colocada em xeque com a conversão conservadora da burguesia após 1848 – inicia-se o que Lukács designou como o processo da decadência ideológica, que surge já quando a burguesia tinha conquistado poder político na França e Inglaterra. A partir de então, a luta de classes assumiu, na teoria e na prática, formas cada vez mais explícitas e ameaçadoras. Ela fez soar o sino fúnebre da economia científica burguesa. Já não se tratava de saber se este ou aquele teorema era ou não verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo, subversivo ou não. No lugar da pesquisa desinteressada entrou a espadacharia mercenária, no lugar da pesquisa científica imparcial entrou a má consciência e a má intenção da apologética (Marx, 1983: p. 17). Nesse entendimento, quando se torna um discurso apologético ao capitalismo, o pensamento burguês passa a ocultar as condições de existência dos diversos grupos sociais sob este modo de produção, impossibilitando a reprodução ideal das mesmas. Assim, para Lukács, a evolução do pensamento filosófico burguês pode ser pensada a partir de três estágios. O primeiro vai até 1848, quando se desenvolve a filosofia burguesa clássica; então, no processo revolucionário contra a sociedade feudal, o pensamento filosófico da época era uma forma aberta para a elaboração de um saber verdadeiro, científico. Neste estágio, com a burguesia encarnando os ideais de progresso de toda a sociedade, os seus pensadores sustentavam a plena cognoscibilidade do mundo e mantinham uma grande independência face às exigências ideológicas de sua própria classe, uma vez que estavam impelidos pelas próprias necessidades históricas. Logo, esta independência confere-lhe a possibilidade de uma crítica muito séria: a crítica que vem do interior, porque se funda sobre a grande missão histórica da burguesia, e a situação do filósofo é tal que o autoriza a tomar a posição mais nítida, mais decidida e mais corajosa. E, enfim, por não ser esta coragem somente uma virtude individual, mas sim, função precisamente desta relação com sua classe, o filósofo se sente com direito de criticar de maneira mais radical o menor desvio da missão histórica, em nome dessa própria missão (Lukács, 1968: p. 32). 174 Por isso, a Hegel é debitado o grande mérito de sintetizar este momento ascendente do pensamento burguês, uma vez que sua ontologia dialética do ser social liga a ação humana à legalidade objetiva que dela decorre às suas raízes econômicas. A partir de 1848, com a entrada autônoma do proletariado – em plano histórico-universal – na arena política, a burguesia substitui os valores universais da sociedade pelos seus mesquinhos interesses particulares. Inicia-se, então, para Lukács o segundo estágio evolutivo do pensamento burguês que se estende até à emergência do imperialismo: o período da decadência ideológica claramente marcado por uma fuga da realidade, com a explicita intencionalidade promover a defesa da ordem burguesa. Para o autor, Essa liquidação de todas as tentativas anteriormente realizadas pelos mais notáveis ideólogos burgueses, no sentido de compreender as verdadeiras forçar motrizes da sociedade, sem temor das contradições que pudessem ser esclarecidas; essa fuga num pseudo-história construída a bel prazer, interpretada superficialmente, deformada em sentido subjetivista e místico, é a tendência geral da decadência ideológica (1968: p. 52). Por outro lado, a ruptura que se processa nesta quadra histórica não diz respeito à totalidade do pensamento anterior, mas sim com a tradição progressista e revolucionária que constitui a essência desse pensamento. Dessa forma, a dissolução do pensamento hegeliano, como um importante depositário desta trajetória, representa não apenas o abandono do progresso – uma vez que é na filosofia clássica alemã que se elabora o mais alto conhecimento filosófico próprio do mundo burguês –, mas também a necessária decadência e empobrecimento daqueles pensadores que depois de Hegel deixam de lado, alguns mais outros menos, sobretudo a maioria, inteiramente o seu conceito de razão. Nessa perspectiva, tomamos a observação de Coutinho (1972), segundo a qual a dissolução da filosofia de Hegel segue duas orientações: uma de esquerda: que se manifesta como desenvolvimento superior do núcleo racional do pensamento hegeliano, uma vez que se volta para o método hegeliano e não ao seu sistema; e outra de direita: que implica num abandono que representa objetivamente uma regressão. Neste núcleo – e esta tendência não é arbitrária, pois encontra apoio no próprio pensamento de Hegel – fortalece-se uma leitura que sanciona o real porque este está conforme a razão e resgata os elementos conservadores contidos nesse pensamento. Esta última perspectiva está claramente refletida, no plano da teoria do conhecimento, no agnosticismo (manifesto no positivismo e no neokantismo) que derrui a crença no poder da razão de conhecer a essência verdadeira do mundo e da realidade, levando a reflexão a abandonar as grandes temáticas sócio-históricas. O terceiro estágio, do qual nos fala Lukács, diz respeito à entrada do capitalismo na sua era imperialista, ou seja, naquele que é o momento estrutural que agudiza suas contradições. Nesse 175 patamar, o capitalismo assume um perfil significativamente novo em face da sua lógica concorrencial, uma vez que, como bem sumariado por Netto, os preços das mercadorias (e serviços) produzidas pelos monopólios tendem a crescer progressivamente; as taxas de lucro tendem a ser mais altas nos setores monopolizados; (...) o investimento se concentra nos setores de maior concorrência, uma vez que a inversão nos monopólios torna-se progressivamente mais difícil (logo, a taxa de lucro que determina a opção do investimento se reduz); cresce a tendência a economizar trabalho vivo, com a introdução de novas tecnologias (1992: p.17). Inicia-se um processo renovado de reprodução ideológica da burguesia com o imperialismo, que culmina com as elaborações teóricas próprias do irracionalismo moderno, que não são, por agora, objeto da nossa análise. O que importa assinalar dessa análise lukacsiana é que a grande reacomodação política e ideológica pelo qual passa o pensamento burguês, explicitando os fundamentos apologéticos e da decadência, inspira uma fratura que repercutirá em uma nova relação entre o pensamento conservador e o pensamento burguês. A metamorfose que se opera nessas duas vertentes intelectuais – o pensamento conservador e o pensamento burguês - aproxima o conservadorismo antiburguês, característico da reação de Burke aos processos revolucionários na França em 1789, ao conservadorismo antiproletário que vem se desenvolvendo no seio do pensamento burguês pós-1848. Mas qual seria, inicialmente, o ponto de contato entre eles? É, precisamente, a recusa veemente à revolução. Assim, o pensamento conservador, na sua diversidade, desloca-se da posição originária reacionária de recusa às expressões culturais da burguesia e se massifica, após essa passagem, enquanto umas das expressões ideológicas da burguesia contra as lutas revolucionárias do proletariado. Em outras palavras, “se, originalmente, o pensamento conservador é, como vimos, restaurador e antiburguês, na reviravolta referida por Lukács este caráter se transforma: o que tende a se desenvolver no seu interior, mais que aqueles dois traços, é o seu eixo contra-revolucionário” (Escorsim, ibid: p. 57; negritos da autora). A mudança que é operada no conjunto do pensamento conservador altera, substantivamente, sua função sócio-política: ele deixa de ser uma manifestação ídeo-política contra a burguesia, tornando-se funcional no ataque desta ao novo sujeito revolucionário, o proletariado. Dessa forma, o pensamento conservador concentra suas forças para combater e repudiar qualquer revolução e reatualiza o seu núcleo-força, já que “o pensamento conservador passa a se definir explicitamente como contra-revolucionário” (Escorsim, ibdi: p. 58). Entretanto, a funcionalidade que o conservadorismo assume vai implicar em alterações, inclusive, na sua estrutura interna, pois os traços ideológicos constitutivos da sua estrutura de pensamento serão recombinados e, para isso, 176 subordinados ao positivismo, produzindo uma articulação científico-social85. O resultado dessa articulação é o positivismo cientificista da segunda metade do século XIX, cujas bases fundam as modernas ciências sociais (consideradas por Lukács um importante componente da cultura burguesa do período da decadência). O pensamento conservador volta-se, nesses termos, para a construção de um conjunto de conhecimentos que buscam controlar e regular a dinâmica da vida social – mesmo que pelo caminho de reformas limitadas à ordem burguesa – e, dessa forma, neutralizar a premente ameaça da revolução proletária. Desse processo nasce, no conjunto das ciências sociais, a sociologia, que é manifestação própria do conservadorismo pós1848 e alimenta a veia da especialização que colide frontalmente com a perspectiva de totalidade, necessária para analisar e se contrapor teórico e politicamente à ordem burguesa (cf. Netto, 1981). O fato da ciências sociais burguesas não consigam superar uma mesquinha especialização é uma verdade, mas as razões não são as apontadas. Não residem na vastidão da amplitude do saber humano, mas no modo e na direção de desenvolvimento das ciências sociais modernas. A decadência da ideologia burguesa operou nelas uma tão intensa modificação, que não se podem mais relacionar entre si, e o estudo de uma não serve mais para promover a compreensão da outra. A especialização mesquinha tornou-se o método das ciências sociais” (Lukács apud Netto, 1981: p. 122). O nascimento da sociologia, como disciplina independente e o desenvolvimento da sua razão miserável (Coutinho, 1972), fez com que o tratamento do problema da sociedade deixasse de lado a sua base econômica e apartasse a relação orgânica existente entre as questões sociais e as questões econômicas, constituindo, a partir dessa suposta independência de esferas, o ponto de partida metodológico da sociologia. E como grande representante do conservadorismo produzido nesse período, e particularmente sob a marca do cientificismo, Durkheim conjuga a formulação de um método que ele denomina de adequado para investigar a sociedade, com a elaboração de um sistema social que busca combater os vetores teóricos e políticos dos fenômenos da crise e da revolução sociais. Escorsim chama atenção para o fato de, na obra de Durhkeim, “encontramos a mais clara e consciente abordagem para encontrar alternativas à crise e à revolução numa ótica de integração social que recupera os valores básicos do conservadorismo” (ibid: p. 62; negrito do original). Para Durkheim, são necessárias reformas sociais para enfrentar o problema das questões sociais, que supõem, previamente, uma reforma moral: a socialização dos indivíduos tem destaque nas elaborações do autor, que defende a educação como forma de disciplinar o organismo social. E 85 Ao tratar dessa alteração que sofre o pensamento conservador no pós-1848, Escorsim indica também que, “alinhando-se agora na defesa da ordem burguesa contra a ameaça revolucionário-socialista, ele [o pensamento conservador] tende tanto a estruturar-se como filosofia social quanto como conhecimento científico-social [...]” (ibid: p. 60). 177 aliada à sociologia, compõem as propostas fundamentais para superar a crise social e moral da sociedade moderna. O pensamento conservador de Durkheim objetiva, por um lado, a construção de uma moralidade que seja capaz de se impor e, consequentemente, ser absorvida pelos indivíduos para a construção harmônica da ordem social vigente. Dessa forma, o pensamento conservador vai revelando sua funcionalidade orgânica à ordem burguesa e expõe, de modo mais desenvolvido, suas novas armas em defesa das relações sociais existentes. Apresentando as regras do seu método sociológico86, Durkheim mesmo destaca o caráter conservador da sua sociologia, visto que afirma a imutabilidade da natureza social. Nas palavras do autor: Nosso método, […], nada tem de revolucionário. Num certo sentido, é até essencialmente conservador, pois considera os fatos sociais como coisas cuja natureza, ainda que dócil e maleável, não é modificável à vontade. Bem mais perigosa é a doutrina que vê neles apenas o produto de combinações mentais, que um simples artifício dialético pode, num instante, subverter de cima a baixo!(Durkheim, 1995: XIII). No movimento para desvendar melhor o pensamento conservador de Durkheim, Löwy destaca que é o método positivista durkheimiano que permite legitimar, de modo contínuo, devido seus argumentos científico-naturais, a ordem burguesa. Este conservadorismo fundamental, que perpassa a toda proposta metodológica de Durkheim, pode ser conciliado “tanto com o 'racionalismo individualista' como com o 'autoritarismo', tanto com o liberalismo como com o tradicionalismo, ou ainda com uma combinação sui generis dos dois (que é provavelmente a característica central do pensamento político de Durkheim)” (Löwy, 2007: p. 30; destaques do original). Assim, o conservadorismo durkheimiano infirma, contundentemente, a possibilidade da transformação social substantiva, na medida que reclama a necessidade de estabilidade social frente aos tropeços das crises a partir da integração social e da certeza da invariabilidade das leis sociais. O traço marcante, indubitavelmente, é a função social que o conservadorismo assume: este conservadorismo tipifica exemplarmente a maturação plena do pensamento conservado refuncionalizado – isto é, sem colisões essenciais com a ordem burguesa. Estamos bem distanciados do apelo restaurador original do conservadorismo e do confessionalismo de De Bonald; o que é elementar, agora, é a negação de qualquer possibilidade revolucionária (Escorsim, ibid: p. 64). b) Anticapitalismo romântico e conservadorismo 86 É publicada em 1895 a obra de Durkheim As regras do método sociológico, na qual ele expõe o seu método que orienta, de modo decisivo, a disciplina que estava se formando, a sociologia. Seu ponto de partida, anunciado nesse texto, considera que, para o estudo da sociedade, “os fatos sociais devem ser tratados como coisas” e determina um conjunto de regras necessárias para a apreensão imparcial dos fatos sociais. 178 Em total sincronia com o processo da decadência ideológica burguesa, Lukács analisa, a partir da realidade alemã de finais do século XIX e início do século XX, o romantismo e identifica um problema central da ideologia e da literatura que passam por ele e o articula, renovadamente, ao conservadorismo. Compreendendo que o romantismo é, também, um estilo de pensamento que desenvolve uma defesa, mesmo que não aberta, do capitalismo, buscamos identificar sua importância e incidência na dinâmica ídeo-política. O romantismo é, sem dúvidas, um dos conceitos mais difíceis de se definir na cultura moderna, pois quanto a ele existem inúmeras controvérsias. A multiplicidade de interpretações dificulta seu estudo, especialmente nas ciências sociais. Se buscarmos uma definição nos manuais de literatura é possível defini-lo, genericamente, como uma escola literária que apareceu nos finais do século XVIII na Alemanha, França e Inglaterra, é suplantada, na segunda metade do século XIX, pelo naturalismo (cf. Manguel, 1997). A própria literatura aponta o surgimento de um chamado neoromantismo (fins do século XIX e inícios do XX), o que mostra uma constante tendência reativa, característica do romantismo. Não é o caso de tentar buscar várias definições do que é o romantismo nos ramos especializados do conhecimento. No nosso entendimento teóricometodológico, existe uma sistematização já elaborada por alguns marxistas, nos quais podemos encontrar boas e seguras, mas nem todas em consonância, análises para entender o que é o romantismo. O romantismo, na perspectiva de Michael Löwy (1938), representa um tipo de pensamento que constitui uma “visão de mundo” que interpreta, mobiliza e projeta elementos ídeo-culturais que atuam na crítica ou na conformação ao capitalismo. Na análise do autor, o romantismo é uma forma cultural que se manifesta em vários terrenos e em vários níveis da atividade cultural e que critica a civilização industrial burguesa em nome de certos valores culturais, sociais, religiosos, morais, estéticos, do passado pré-capitalista e de certas formas sociais reais ou imaginárias do passado. Para estudar o romantismo, Löwy elabora uma espécie de “tipo ideal”, aos moldes da proposta metodológica weberiana, e reúne uma diversidade de pensadores e perspectivas de pensamento em grupos, formando uma tipologia do romantismo, que vai desde o romantismo reacionário, passando pelo conservador, entre outros, até o que ele chama de romantismo revolucionário (cf. Löwy e Sayre, 1995). Nesta ótica, o autor afirma que “o romantismo é por essência anticapitalista” (ibid: p. 30) e direciona suas críticas ao modo de vida da moderna sociedade capitalista. Esmiuçando essa concepção, Löwy observará que a visão romântica é apenas uma modalidade de crítica do mundo moderno, “cuja especificidade é desenvolver esta crítica do ponto de vista de um sistema de valores – em referência a um ideal – do passado” (ibid: p. 49). Esse entendimento implica, para o autor, a necessidade de se distinguir a crítica romântica ao capitalismo das outras formas de anticapitalismo. 179 Para isso, Löwy busca precisar quais são os aspectos da cultura moderna que são enfrentados pela crítica romântica, aspectos que reproduzimos no seguinte esquema87: • o desencantamento do mundo (a que responde com o reencantamento da natureza e com os mitos); • a quantificação e a mecanização do mundo (a que responde com o culto do orgânico, do natural); • a abstração racionalista (a que responde com a valorização das premonições, intuições e formas de irracionalismo); • a dissolução dos vínculos sociais (a que responde com a valorização da comunidade). Esses são os elementos que o romantismo repudia, e, para eles, aponta alternativas. Mas se esses são importantes aspectos do pensamento romântico identificados por Löwy e que o qualificam como pensamento anticapitalista - e isto é inteiramente verdadeiro -, esses mesmos aspectos, na medida que são uma crítica a apenas alguns elementos culturais da modernidade, são apropriados e servem para justificar elementos de conservação da ordem burguesa. Dito de outra forma: “tudo aquilo que repugna à sensibilidade romântica são os traços da modernidade contra os quais se estruturou o conservadorismo clássico” (Escorsim, ibid: p. 218). Assim, mesmo considerando fundamental para o entendimento do romantismo e sua caracterização a análise cuidadosa e meticulosa de Löwy, que enfatiza principalmente seu conteúdo anticapitalista que busca rupturas revolucionárias com a ordem burguesa, há que observar que o estudioso subestima os componentes fundamentalmente conservadores e que oferecem substrato ídeo-político e cultural à construção de uma crítica inócua à ordem vigente. De modo divergente à compreensão de Löwy, e obviamente anterior a ele, o grande marxista húngaro György Lukács (1885), estudando o mesmo fenômeno ídeo-cultural, o romantismo, cunhou a expressão anticapitalismo romântico, por entender que o romantismo é uma reação ao capitalismo e que vem se deslocando cada vez mais politicamente para a direita, encontrando-se imerso fundamentalmente na problemática conservadora. Na sua análise sobre o desenvolvimento do capitalismo na Alemanha, Lukács demonstra como a evolução da sociologia alemã é marcada por um amplo processo de mistificação subjetivista. Ele destaca que a obra seminal de Tönnies – Comunidade e Sociedade (1887) inaugura a antítese entre “comunidade” e “sociedade”, que irá formar a base da nascente sociologia alemã. A “antítese entre a sociedade primitiva sem classes e o capitalismo nascido no curso da evolução político-social” (Lukács, 1981: p. 140), elaborada por Tönnies, introduzirá uma nova forma de pensar a sociedade, de modo que atualizará diretrizes anteriores do velho romantismo. Nesta linha, Lukács revela que a polarização construída entre comunidade e sociedade só será 87 O esquema que utilizamos foi organizado por Escorsim na sua investigação sobre os aspectos do conservadorismo presentes no romantismo de Michael Löwy. (cf. id. ibid: p. 218). 180 possível devido a uma re-elaboração ideológica própria do período da decadência que comparece no pensamento do autor. Tudo isso [a sociologia de Tönnies], naturalmente, com uma radical revisão das ideias fundamentais contidas nas fontes. Em primeiro lugar, desaparece qualquer economia concreta, ainda que de modo menos radical que nos posteriores sociólogos alemães. Em segundo, as formações sociais concretamente históricas são volatilizadas e convertidas em “essencialidades” meta-históricas. Em terceiro, no lugar da base econômica objetiva da sociedade, surge também aqui um princípio subjetivo: a vontade. Em quarto, a objetividade econômicosocial é substituída por um anticapitalismo romântico (Lukács, ibid: p. 140). A “sociedade” aparece, nessa perspectiva, sendo ela o próprio capitalismo maduro visto à luz do anticapitalismo romântico, sem nenhuma nostalgia de antigas condições sócio-econômicas feudais, agora alicerçada numa visão mais liberal. Esta perspectiva formará “a base para uma crítica da civilização capitalista, embora sublinhando ao mesmo tempo a inevitabilidade e a fatalidade do capitalismo” (Lukács, ibid: p. 140). No outro polo, Lukács indica que o entendimento de “comunidade” vai determinar o caráter dessa crítica ao capitalismo. “Trata-se da oposição entre o que é morto e mecânico, ou seja, a 'sociedade', e o que é orgânico, ou seja, a 'comunidade'” (ibid: p. 140). O anticapitalismo romântico, apesar de conter no seu núcleo uma reação romântica ao capitalismo, não produz uma crítica que revele as contradições fundamentais próprias das relações de produção e reprodução capitalistas; ao contrário, desenvolve uma apreciação mistificadora, reforçando elementos culturais e políticos conservadores que estão subordinados e/ou subsumidos à ideologia e à reificação da ordem burguesa. Um dos elementos característicos do anticapitalismo romântico pode ser encontrado em inúmeras elaborações teóricas como, por exemplo, a falsa oposição entre Cultura e Civilização. Lukács nos apresenta essa polarização e revela o seu conteúdo: Formulada conceptualmente, a antítese entre Kultur e Zivilisation assume a seguinte forma, objetivamente falsa e enganosa: a Zivilisation, ou seja, a evolução técnico-econômica, é favorecida pelo capitalismo e progride continuamente; mas seu processo de afirmação é, em medida crescente, prejudicial à Kultur (arte, filosofia, vida interior do homem); a oposição entre ambas se acentua cada vez mais, até determinar uma tensão trágica e sustentável. Pode-se ver aqui como o dado real do desenvolvimento capitalista, já registrado por Marx, é deformado em sentido subjetivista e irracionalista, de modo a conduzir a um anticapitalismo romântico (ibid: p. 141; itálicos do original). 181 O tratamento da sociedade em oposições aparentemente antagônicas alimenta o anticapitalismo romântico na sua funcionalidade, pois a crítica à base econômica da civilização capitalista é promovida deduzindo dela os chamados desvios dos valores sócio-culturais, que promovem uma cultura de indivíduos desajustados e não orgânicos socialmente. Elimina-se a objetividade na apreensão da realidade da vida social sob o domínio do capital, dando lugar a uma vulgata subjetivista de interpretação e percepção da ordem vigente. E eventuais tendências mais “rebeldes” do anticapitalismo romântico podem ser, a partir dessa falsa polarização, canalizadas para uma crítica inócua da cultura. Dessa forma, Cultura e Civilização, quando bem entendidas, não podem ser conceitos antitéticos, pois são determinações da totalidade social da qual a primeira é a expressão que, contendo todas as atividades humanas, revela o grau do processo pelo qual o homem consegue ir afastando cada vez mais as barreiras naturais da sua constituição e a segunda indica um estágio temporal que se realiza após a superação histórica da barbárie (cf. Lukács, 1981). É evidente que o surpreendente contraste entre o rápido desenvolvimento das forças materiais de produção e os processos de decadência cultural e de empobrecimento material (em particular, o fenômeno contemporâneo da pobreza) que se manifestam na sociedade levou, e continua levando, inúmeros pensadores e intelectuais a fragmentar o campo unitário da civilização humana, opondo elementos que são, para aqueles, desenvolvidos no capitalismo (a exploração, a mecanização, a destruição ecológica) a outros componentes sócio-políticos e culturais (a comunidade, a participação, a democracia, a solidariedade, o retorno à terra) que estariam postos em perigo por aqueles primeiros elementos, supostamente próprios do sistema capitalista. Está na base dessa falsa oposição um dado que pressupõe uma generalização a-histórica da formação sóciofuncional desses conceitos. Ou seja, a polarização, que está de partida deslocada historicamente – mesmo que sejam desenvolvidos análises que remetam à própria evolução da humanidade (por exemplo: o caso da democracia, que invariavelmente se remete à Grécia clássica num tom sempre nostálgico) – não consegue, por essa indução antitética, apreender as tendências objetivas e as particularidades que operam naquela sociedade historicamente determinada. Dessa forma, a imediata e subjetiva análise do desenvolvimento do capitalismo, porque se coloca inicialmente questões falsas, remete a elaboração de também igualmente falsas e desistoricizadas soluções. No caso da reação anticapitalista romântica a solução, em geral, indica uma exaltação de valores culturais conservadores em face do progresso e da modernidade da ordem burguesa. Lukács nos indica, todavia, que quanto mais se aprofunda a decadência ídeo-cultural da burguesia e seus apologistas (como a influência crescente da filosofia da vida de Nietzsche na sociologia e nas ciências sociais como um todo) promovem uma aproximação dessas falsidades às tendências retrógradas da época, mais se aprofunda e “energicamente se verifica um retorno ao passado, tanto mais ahistórica se transforma a problemática da questão” (1981: p. 144). 182 A evolução dessa polarização, que transforma os resultados da industrialização urbana e do capitalismo em aspectos moralmente negativos e reivindica valores culturais desconectados das suas reais funções na ordem burguesa, alimenta uma tendência que se renova constantemente: a polarização abstrata que a filosofia e outras ciências sociais formam entre ter e ser, valorizando uma suposta essência do indivíduo em contraposição à aparência material das coisas. E a dialética imanente do desenvolvimento ideológico no após-guerra implica, como consequência necessária, que a atitude de condenação se estenda cada vez mais também à Kultur, quer Kultur e Zivilisation sejam igualmente repudiadas em nome da “alma” (Klages), da “existência autêntica” (Heidegger), etc (Lukács, ibid: p. 144; destaques do original). Essa existência autêntica, que passa pela necessária valorização do indivíduo, ocorre “numa estrutura eterna que se desloca acima da história e implica em um contínuo contraste com a estrutura social” (ibid: p. 144) e desenvolve, sucessivamente, oposições e polarizações nas quais o lado positivo indica sempre uma reação à ordem social vigente, mesmo que tal reação advogue soluções inscritas na estrutura sócio-econômica capitalista. O que conduz a reação romântica a uma crítica abstrata e funcional, também por isso conservadora. Ao resgatar essa estrutura na evolução ideológica burguesa, Lukács afirma que “não somente família e contrato (direito abstrato) são apresentados como termos opostos, mas também as oposições entre mulher e homem, juventude e velhice, povo e pessoas cultas, refletem a oposição entre comunidade e sociedade. Surge assim todo um sistema de conceitos abstratamente inflados e opostos entre si” (ibid: p. 144). Na trilha desta argumentação, podemos indicar também a contemporânea polarização que é feita entre uma economia solidária e uma economia capitalista, de modo que a solidariedade aparece como constitutivo diferencial que positiva essa organização econômica, mesmo que ela esteja completamente inscrita nos processos sócio-culturais do atual desenvolvimento ídeo-econômico do capitalismo. A solidariedade (ou a participação, a democracia, a relação do homem com a natureza) não é, em si, uma definição que possa se eximir da devida historicização, e que seja, também ela, resultado das tendências objetivas e condições subjetivas que operam na processualidade da totalidade social. Por isso, deduzir uma suposta existência autônoma da economia solidária em face da base ídeo-política e econômica do capital parece-nos expressão de uma reação tipicamente anticapitalista romântica. “Essa anti-histórica e arbitrária extensão de conceitos que, em sua origem, foram extraídos de análises concretas de formações sociais concretas, não só esvazia o significado dos mesmos, […] mas acentua o seu caráter de anticapitalismo romântico” (Lukács: ibid: p. 144). De acordo com Lukács, no campo das ideologias burguesas, o período da decadência comporta não só uma apologia simples e direta do capitalismo (como é o caso de A. Ure, na economia), mas ainda uma apologia indireta, de matriz romântica e/ou irracionalista (como é o caso de Max Weber e sua sociologia). O autor observa, sobre essa apologia indireta, própria do 183 romantismo: “a partir da crítica romântica do capitalismo, desenvolve-se uma apologética mais complicada e pretensiosa, mas não menos mentirosa e eclética, da sociedade burguesa: sua apologia indireta, sua defesa a partir de seus 'lados maus'” (Lukács, 1968: p. 55). A reação anticapitalista romântica, se, por um lado opera uma crítica da ordem capitalista, por outro, desenvolve uma real apologia que, nos termos lukacsianos, indiretamente alimenta os valores culturais, morais, religiosos e estéticos de conservação da ordem burguesa. Se o antigo anticapitalismo romântico teve ímpetos reacionários em fase do capitalismo, na atualidade é o conservadorismo, de diversas fontes, que predomina e dinamiza seu núcleo central. Como se constata, o pensamento conservador e o anticapitalismo romântico foram, na sua gênese, legatários de críticas que denunciavam, o primeiro, a chamada “degradação” da ordem social, o segundo parte das desigualdades que nasciam com a revolucionária ascensão política da burguesia e o desenvolvimento da industrialização. Resultante do processo de decadência ideológica, os dois (pensamento conservador e anticapitalismo romântico) sofrem um giro que altera seu significado, fortalecendo no seu núcleo o vetor-força conservantista e tornando-os, sistematicamente, funcionais ao capitalismo. c) Conservadorismo e Serviço Social A compreensão do Serviço Social e das respostas que os assistentes sociais desenvolvem às demandas profissionais frente às requisições, cada vez mais atualizadas, das manifestações da questão social no capitalismo dos monopólios, implica situar algumas marcas que acompanham historicamente a profissão, e que conferem traços peculiares ao exercício profissional: o conservadorismo e as modalidades de pensamento que o alimentam no Serviço Social. Se é verdade que não é possível analisar o Serviço Social e seu desenvolvimento histórico sem confrontá-lo com as suas genéticas vinculações com o pensamento conservador, não é verdadeiro que a introdução e evolução de uma perspectiva crítica vinculada ao marxismo no debate teórico do Serviço Social exorcize por completo o pensamento conservador do seu interior, ou mesmo cancele os elementos conservadores que se encontram na medula da intervenção profissional. Isto posto, buscamos, na nossa pesquisa, resgatar algumas indicações que revelam a atualidade do conservadorismo nos ambientes profissionais. O estatuto profissional do Serviço Social, a partir das análises de Netto, é investigado sob uma dupla determinação: as demandas postas socialmente à profissão e as reservas de forças teóricas e prático-sociais acumuladas pela profissão, capazes ou não de responder a essas demandas externas. A tese defendida pelo autor é a de que da natureza sócio-profissional do Serviço Social, posta a carência de um referencial teórico crítico-dialético, emerge um exercício profissional medularmente sincrético (1992: p.88). Em suas palavras, 184 O sincretismo nos parece ser o fio condutor da afirmação e do desenvolvimento do Serviço Social como profissão seu núcleo organizativo e sua norma de atuação. Expressa-se em todas as manifestações da prática profissional e revela-se em todas as intervenções do agente profissional como tal. O sincretismo foi um princípio constitutivo do Serviço Social (ibid: p. 88; grifos nossos). Para o autor, essa estrutura sincrética da profissão tem três fundamentos objetivos: 1) na essência mesmo do seu universo problemático original, ou seja, a “questão social” que se apresentou como núcleo de demandas histórico-sociais; 2) o horizonte de seu exercício profissional, leia-se o cotidiano; e, 3) a sua modalidade específica de intervenção, centrada na manipulação das variáveis empíricas. As demandas que estruturam a requisição profissional advêm, de acordo com Netto, da multiplicidade problemática engendrada pela questão social, enquanto complexo de problemas e mazelas intrínsecos à ordem burguesa consolidada e madura - mais expressamente, quando o ingresso no estágio imperialista leva a questão social a se refratar para além do campo imediato de antagonismos que a materializava, ou seja, o universo fabril. Tratou-se mesmo de um movimento correlato, visto que, na medida em que se realiza a expansão monopólica do capital, mais aumenta a expansão das problemáticas relacionadas à questão social. Neste momento específico, em que as refrações da questão social são amplificadas e espraiadas em toda a tessitura social, torna-se possível que seja recortada como um setor legítimo para a intervenção profissional. É o Estado, que refuncionalizado88 pela classe burguesa, passa a responder de maneira mais significativa às amplificações das problemáticas relacionadas à questão social e, ao fazê-lo, manipula as referidas respostas pela via da fragmentação. Por meio das políticas sociais se opera de maneira extensiva o enfrentamento da questão social, tomada a partir de sua fenomenalidade e tornada problemas isolados passíveis de tratamento pelas “especializações” da divisão social do trabalho, como é o caso do Serviço Social. Para os profissionais, dada essa mecânica estabelecida no jogo institucional, aparece uma ineliminável heterogeneidade de situações, que são formalmente homogeneizados pelos procedimentos burocrático-administrativos que realizam no âmbito institucional. Nestes termos, a problemática que demanda a intervenção operativa do assistente social se apresenta, em si mesma, como um conjunto sincrético; a sua fenomenalidade é o sincretismo – deixando na sombra a estrutura 88 Significa mesmo dizer que um componente, mesmo amplo, de legitimação é plenamente suportável pelo Estado burguês no capitalismo monopolista; e não apenas suportável como necessário para que ele possa desempenhar sua funcionalidade econômica. Netto assim se expressa: demandas econômico-sociais e políticas imediatas de largas categorias de trabalhadores e da população podem ser contempladas pelo Estado burguês no capitalismo monopolista não significa que seja a sua inclinação “natural”, nem que ocorra “normalmente” – o objetivo dos superlucros é a pedra de toque dos monopólios e do sistema de poder político de que eles se valem; entretanto, respostas positivas a demandas das classes subalternas podem ser oferecidas na medida exata em que elas mesmas podem ser refuncionalizadas para os interesses diretos e/ou indireto da maximização dos lucros (1992: p. 25). 185 profunda daquela que é a categoria ontológica central da própria realidade social, a totalidade89 (ibid: p.91). O segundo elemento do sincretismo aparece associado a essa heterogeneidade aludida, mas não pode ser tomado unilateralmente, porque, como o próprio autor destaca, essa problemática comparece para uma gama de outras profissões. Por isso, ganha relevo o horizonte em que se exerce a atividade profissional do assistente social, ou seja, as objetivações humanas relativas à esfera do cotidiano. Aqui, objetivamente, estamos no campo da análise fundamentalmente lukacsiana sobre esta esfera, mas derivada para pensar a prática profissional. Esta esfera – o cotidiano – tomada corretamente, no nosso entendimento, é demonstrada como insuprimível da vida em sociedade, o que não significa que seja a-histórico, mas que é o locus onde a reprodução do gênero humano se encontra velada, pois, a superficialidade extensiva é uma de suas determinações fundamentais. Nesse locus tem-se uma gama de fenômenos que comparecem em cada situação precisa, mas não se estabelece uma relação que os vincule (Cf. Netto e Carvalho, 1996). Ao mesmo tempo, determinado historicamente, o cotidiano assume uma funcionalidade específica na sociedade burguesa, na medida em que, com a complexificação do capitalismo, a reificação típica a essa ordem tem se universalizado por meio da forma mercadoria e encharcado todas as esferas da vida dos homens e mulheres. Pelo cotidiano, essa entronização dá-se de forma quase invisível. Em outras palavras, trata-se mesmo do processo pelo qual, na imediaticidade da vida social, universalizam-se os processos de alienação que estão implicados na mercadoria, processos que passam a dominar a totalidade das relações de produção e reprodução90 (Cf. Netto, 1981a). Logo, o cotidiano, enquanto locus do fazer profissional, coloca para a intervenção profissional os mesmos condutos da cotidianidade, o que significa que, em sendo a heterogeneidade ontológica do cotidiano o espaço do encaminhamento técnico e ideológico, ele não favorece processos de suspensão ou operações de homogeneização. E, dessa forma, a profissão adquire, aí, uma funcionalidade na medida em que organiza esses componentes heterogêneos, manipulando-os planejadamente “e ressituando-os no âmbito desta mesma estrutura do cotidiano” (Netto e Carvalho, 1996: p. 92). Assim, a modalidade específica de intervenção do Serviço Social, ou seja, a manipulação de 89 90 Vê-se que aqui o autor introduz no debate profissional – agora com um campo mais amplo de determinações na medida em que está analisando a natureza da profissão e sua forma de realização – a questão da totalidade, tal como a conceitualizou Lukács. (Cf. Netto, 1992: p.91). Para Netto, “na idade avançada do monopólio, a organização capitalista da vida social preenche todos os espaços e permeia todos os interstícios da existência individual: a manipulação desborda a esfera da produção, domina a circulação e o consumo e articula uma indução comportamental que penetra a totalidade da existência dos agentes sociais particulares – é o inteiro cotidiano dos indivíduos que se torna administrado, um difuso terrorismo psicosocial se destila de todos os poros da vida e se instila em todas as manifestações anímicas e todas as instâncias que outrora o indivíduo podia reservar-se como áreas de autonomia (a constelação familiar, a organização doméstica, a fruição estética, o erotismo, a criação dos imaginários, etc.) convertem-se em limbos programáveis” (Netto, 1981a, p.81-82). 186 variáveis empíricas de um contexto determinado, casa-se perfeitamente com o aparente sincretismo que recobre os fenômenos derivados da problemática da questão social. Essa intervenção social, assim posta e compreendida, só pode demandar um tipo de conhecimento que seja ele mesmo instrumentalizável. Em outras palavras, o que essa intervenção manipuladora reclama “são paradigmas explicativos aptos a permitirem um direcionamento de processos sociais tomados segmentarmente” (Netto, 1992: p. 94). Assim, do sincretismo derivado do espaço sócio-ocupacional temos um sincretismo que se estende para o âmbito ídeo-teórico 91. Está, pois, aberto o flanco para o referencial teórico-cultural que funda as ciências sociais particulares, com seu pragmatismo e empirismo, caucionado na lógica formal-abstrata que interdita a possibilidade de os homens se reconhecerem como sujeitos históricos pela via das teorias sociais - retroalimentando o conservadorismo. Netto situa, de modo extremamente apropriado, o debate da decadência ideológica da burguesia e o limite das “ciências sociais” que se põem nesse lastro como o espelho da cisão das relações sociais em objetos segmentados tal e como a divisão social do trabalho. Com base nessas referências, o autor postula a determinação entre o sincretismo e a prática profissional indiferenciada no Serviço Social. Na ausência de uma concepção teórico-social matrizada no pensamento crítico-dialético, Netto verifica que a profissionalização altera de modo significativo a inserção sócio-ocupacional do assistente social, mas fere muito pouco a forma da estrutura da prática profissional interventiva em relação com a prática filantrópica. Ou seja, mesmo a profissionalização tendo criado um ator novo, cuja prática é articulada por um sistema de saber e vinculada a uma rede institucional, a intervenção desse profissional não se altera. Nesse sentido, para o autor, a estrutura da prática interventiva – no tocante à sua operacionalidade – reveste-se de uma aparência indiferenciada, que é similar às suas protoformas. Isso se explica por dois elementos fundamentais e que se processam no movimento mesmo da realidade, ou seja, extrapolam a prática profissional, quais sejam: “as condições para a intervenção sobre os fenômenos sociais na sociedade burguesa consolidada e madura e a funcionalidade de seu Estado no confronto com as refrações da 'questão social'” (Netto, ibid: p. 84). No primeiro ponto, trata-se de dar ênfase ao movimento da sociedade burguesa que aparece como imediaticidade e positividade. Esse elemento opera um brutal obscurecimento dos problemas de fundo que são colocados pelo movimento social real. Nesse sentido, no plano intelectual e técnico, não se superam as regularidades epidérmicas da ordem burguesa. Em outras palavras, no plano da articulação teórica, ultrapassa o senso comum com uma formulação sistemática, entretanto sem desbordar o seu terreno; no plano da intervenção, clarifica nexos causais e identifica variáveis prioritárias para a manipulação técnica, desde que a ação que sobre elas vier a incidir 91 Não trabalharemos aqui o “sincretismo cientifico” e o “sincretismo ideológico” abordados pelo autor –concentrarnos-emos no debate da prática indiferenciada, pois ai localizamos o nó que alimenta a relação Serviço Social e conservadorismo. 187 não vulnerabilize a lógica medular da reprodução das relações sociais (Netto, ibid: p. 97-98). No segundo ponto, o caráter mesmo de que se revestem as políticas sociais sob o aparato do Estado burguês, cuja intervenção tende a ressituar sobre bases mais ampliadas as refrações da questão social, mas nunca pode promover a sua eversão. Nesse sentido, sendo o desempenho profissional indissociável das políticas sociais, ou seja, nas condições dadas pelos parâmetros que balizam a sua operacionalização, “o máximo que se obtém com seu desempenho profissional é uma racionalização de recursos esforços dirigidos para o enfrentamento das refrações da 'questão social'” (id, ibid: p. 99). Dessa forma, os limites apontados pelo autor não são endógenos nem pertinentes apenas ao exercício do Serviço Social92. Mas aparece como sendo endógeno à profissão, na medida em que a sua funcionalidade sócio-profissional é demarcada pelo tratamento das refrações da questão social. Nesses termos, a “especificidade profissional converte-se em incógnita para os assistentes sociais: a profissionalização permanece um circuito ideal que não se traduz operacionalmente” (id, ibid: p. 100). A mais nítida consequência dessa peculiaridade operatória, ou seja, do sincretismo práticooperatório, é justamente a aparente intervenção indiferenciada do assistente social, e a aparente polivalência. É próprio da prática que se toma sincreticamente não somente a sua translação e aplicação a todo e qualquer campo e/ou âmbito, reiterando procedimentos formalizados abstratamente e revelando a sua indiferenciação operatória. Combinando senso comum, bom senso e conhecimentos extraídos segundo prioridades estabelecidas por via da inferência teórica ou de vontade burocrático-administrativa; legitimando a intervenção com um discurso que mescla valorações das mais diferentes espécies, objetivos políticos e conceitos teóricos; recorrendo a procedimentos técnicos e a operações ditadas por expedientes conjunturais; apelando a recursos institucionais e a reservas emergenciais e episódicas – realizada e pensada a partir desta estrutura heteróclita, a prática sincrética põe a aparente polivalência. Esta não resulta senão do sincretismo prático-profissional: nutre-se dele e o expressa em todas as suas manifestações (Netto, ibid: p.101-102). Postas essas questões localizamos aqui, no entendimento postulado da prática indiferenciada e no sincretismo, aquele que seria o nó problemático a que nos referimos anteriormente, particularmente a relação com a herança conservadora da profissão. Na divisão social e técnica do trabalho, é fundante da profissão a demanda pela reprodução das relações capitalistas de produção, ou seja, o Serviço Social nasce com um mandato vinculado, organicamente, às modalidades ídeo92 O autor destaca aqui esse universo como pertinente a todas aquelas profissões que estão envolvidas nas políticas sociais. 188 políticas e sócio-econômicas da positividade da ordem burguesa. A crítica ao pensamento conservador e a algumas formas de conservadorismo profissional (especialmente aquele vinculado ao positivismo e àquelas expressões da moral religiosa e da moral psicologizante), que vem sendo realizada nos últimos trintas anos pela matriz teórico-metodológica vinculada ao marxismo, abriu grande espaço para se formular novas análises e novas práticas profissionais; todavia, não eliminou o conservadorismo do campo profissional, porque esse é um dos cimentos que propicia tessitura à ordem burguesa, como é constitutivo na prática profissional sincrética e indiferenciada. O Serviço Social como instituição componente da organização da sociedade não pode fugir a essa realidade. Iamamoto e Carvalho indicam claramente esta tensão: Como as classes sociais fundamentais e suas personagens só existem em relação, pela mútua mediação entre elas, a atuação do Assistente Social é necessariamente polarizada pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante. Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão. […] A partir dessa compreensão é que se pode estabelecer uma estratégia profissional e política para fortalecer as metas do capital ou do trabalho, mas não se pode excluí-las do contexto da prática profissional (1994: p. 75). De acordo com a autora, essa polarização é o que viabiliza, por exemplo, a possibilidade das estratégias profissionais colocarem-se no horizonte dos interesses das classes trabalhadoras, mas sem eliminar, do significado e da efetividade da prática profissional, o conteúdo conservantista dos interesses das classes dominantes. Nestes termos, as respostas que são elaboradas no Serviço Social, independente da vontade e intenção dos sujeitos profissionais, têm seu resultado intimamente encharcado de conservadorismo: seu significado sócio-funcional, anteriormente discutido nesta tese, remete à positivação do sistema sócio-cultural capitalista. Assim, concordamos inteiramente com Netto (1992) quando afirma que enquanto a demanda que sustenta o Serviço Social existir, o conservadorismo estará presente na profissão, sempre atualizando-se para responder adequadamente às requisições que se apresentam; daí as formas neoconservadoras contemporâneas, que já foram devidamente analisadas (por exemplo, em Santos, 2007) e não iremos reiteradas-las aqui. Os problemas que são colocados na atualidade pela crise capitalista contemporânea, especialmente os derivadas da exponenciação da questão social e da aparente ausência (acentuada pela dissolução do “socialismo real”) de qualquer alternativa fora dos marcos da ordem burguesa, vêm revelando renovadas causalidades que incidem sobre o pensamento conservador e jogam mais água no seu moinho. Se não reivindicarmos uma reflexão fundamentada na teoria social embasada 189 numa perspectiva de totalidade, e isso é obviamente uma esfera do combate à ideologia burguesa, caímos, invariavelmente, ou numa reação anticapitalista romântica que realiza uma apologia indireta e funcional ao sistema capitalista, ou na defesa aberta da ordem social vigente, por meio da razão miserável ou do irracionalismo - e dessas duas alternativas, inscritas na positividade burguesa, o conservadorismo é um traço comum. 190 CONSIDERAÇÕES FINAIS 191 Ao término desta tese, pudemos visualizar, de fato, o risco que corremos desde o início da nossa pesquisa, se considerarmos que buscamos analisar um processo em pleno desenvolvimento no Serviço Social, cujas influências e tendências na sociedade estão em aberta circulação. Considero que existem elementos suficientes para apresentar comprovada uma primeira hipótese que sustentou animou a pesquisa: a de que há uma grande recepção, no interior do Serviço Social, do conjunto ídeo-político e prático que caracteriza o movimento de economia solidária no Brasil. Uma economia solidária cravada de concepções heterogêneas, de experiências e inserções diversificadas, de sujeitos com posições sociais distintas, mas que, particularmente, cresceu e vem se consolidando a partir das mudanças regressivas impostas ao trabalho no curso da atual ofensiva do capital. Remetendo-nos ao movimento da exposição da nossa investigação, consideramos também que outra de nossas hipóteses bastante fundamentada: a economia solidária não é uma alternativa econômica anticapitalista. No bojo das grandes alterações que matizam as manifestações da questão social, e atravessam o mundo contemporâneo, surge, com todas as suas contradições, um tratamento ao trabalho, ao desemprego e à pobreza, que aponta para um processo de recomposição da ideologia burguesa com suporte no que seria uma cultura da solidariedade (Mota, 1995). Este ambiente social se manifesta de formas as mais diferenciadas, mas, sobretudo, no que nos interessa, introduz no campo do trabalho largas mistificações com interesse em fragilizar a organização dos trabalhadores, e ainda, arrefecer as suas resistências. É neste caldo que a economia solidária está inscrita; assim, a sua inviabilidade como alternativa anticapitalista traduz-se de duas formas: no terreno ídeo-político, é produzida uma “narrativa lírica” que não se sustenta, pois a sua origem, se inscrita nas modalidades cooperativas e autogestionárias do campo socialista, revela um deslocamento para o seu inverso, já que expressa, na atualidade, uma solidariedade que não reflete uma identidade junto às classes trabalhadoras, mas uma solidariedade indiferenciada, trans-classista e que termina por apagar qualquer rastro das contradições que incidem nos interesses diametralmente diferenciados dos capitalistas e dos trabalhadores. Por isso, a economia solidária abriga, no seu interior, organizações de naturezas jurídicas e institucionais muito diferentes, e, especialmente, de posição de classe opostas, de modo que o trabalho é autonomizado e tratado apenas sob os aspectos da gestão e da regulação econômica. Assim, a economia solidária contribui para obscurecer em essência as relações de trabalho, de produção e de organização do trabalho em que está inserida (cooperativa, associação etc), particularmente modalidades de contratação da força de trabalho desprovidas de direitos trabalhistas e subsumidas às atuais exigências da produção capitalista. O chamado “empreendedor”, no campo da economia solidária, tem que empreender a si mesmo, visto que se processa, neste 192 ponto, uma brutal ideologização da condição de trabalhador, objetivando que este passe a identificar-se com o capital. O resgate de proposições inscritas no caldo diversificado da tradição socialista (solidariedade, cooperação, autogestão, mutualismo, utopia, trabalho autônomo etc) é feito sem saturá-lo de diversas determinações, principalmente, sócio-históricas, produzindo um constructo político encharcado de anticapitalismo romântico. No terreno do factual, os empreendimentos de economia solidária revelaram-se atividades de baixíssimo impacto econômico, pondo radicalmente por terra todas as análises e defesas da economia solidária enquanto uma modalidade de geração de renda, dado o fato absurdo de que praticamente 1/3 (um terço) dos empreendimentos de economia solidária existentes no país não conseguirem, mês a mês, qualquer faturamento - isto demonstra, indubitavelmente, que não existe nenhum movimento econômico alternativo sendo desenvolvido no interior da economia solidária e que esta tentativa em afirmar que uma outra economia é possível nos marcos do capitalismo não vem conseguindo passar de simples ocupação organizativa para parcelas, cada vez maiores, da superpopulação relativa, com nítidas funções reificadas. A nosso ver, esta economia solidária é absorvida pelo Serviço Social com todas essas determinações problemáticas e vem comparecendo em âmbitos muito diversos do circuito profissional. No campo da sua produção teórica sobre a economia solidária, e as atividades ligadas a ela – que é o universo particular desta tese – identificamos três tendências (1- tendência de defesa aberta da economia solidária e da ordem capitalista; 2- tendência de defesa direta da economia solidária e indireta da positividade burguesa; 3- tendência à crítica da economia solidária) que são responsáveis pela difusão do conjunto de perspectivas heterogêneas da economia solidária e uma crítica a ela, no debate profissional. A primeira, ao defender a economia solidária, atrela-a às necessidades de desenvolvimento de uma etérea sociedade civil no terreno de uma propositadamente falsa sociedade pós-moderna. A segunda preocupa-se com as mudanças reais das relações de trabalho e aponta a economia solidária como a melhor alternativa para combater o desemprego, a pobreza e gerar renda, a despeito das funções ídeo-políticas e econômicas que ela ocupa no atual processo de acumulação e na ofensiva neoliberal ao trabalho. Por último, a tendência à crítica da economia solidária atenta para o fato de que esta é apenas a forma imediata, prenhe de ideologia burguesa, de fenômenos próprios da reificação e da reestruturação capitalistas. Assim, a nossa análise do conjunto da produção teórica do Serviço Social sobre a economia solidária permite-nos diagnosticar a predominância de um entendimento, ainda que com elementos residuais de crítica, que a considera como alternativa possível e necessária para o enfrentamento das atualizadas manifestações da questão social, especialmente o recurso teórico e político a concepções não rigorosas e ahistóricas de democracia, solidariedade, participação, autogestão e, note-se, de economia, para se contrapor ao sistema capitalista, reivindicando, inclusive, a filiação orgânica dos 193 fundamentos da economia solidária ao projeto ético-político profissional. Fica evidente a centralidade que é conferida, na maior parte da produção teórica do Serviço Social, aos aspectos contraditórios e mistificados contidos no universo ídeo-político e prático da economia solidária. Desta forma, o enfrentamento que é produzido na teoria e, possivelmente, na prática do Serviço Social junto ao movimento e atividades solidárias, inscreve-se, precisamente, nas funções de administração da questão social e das relações sociais capitalistas na ordem vigente, pois a economia solidária expressa uma das modalidades atualizadas de conservadorismo e anticapitalismo romântico que interagem, perfeitamente, com as formas de conservadorismo presentes no terreno da teoria, da política e da prática do Serviço Social. Apesar do anticapitalismo romântico conter no seu núcleo uma reação ao capitalismo, não produz uma crítica que revele os fundamentos da ordem burguesa; ao contrário, desenvolve uma apreciação mistificadora, reforçando valores culturais, econômicos, sociais e políticos conservadores que estão subordinados à ideologia própria do sistema capitalista. Apesar da consolidação de uma determinada direção social estratégica no Serviço Social – o marxismo – , esta não cancela, nem a heterogeneidade teórica e política existente no conjunto profissional, nem generaliza seus componentes ídeo-políticos à categoria profissional (Netto, 1996). O que permite, objetivamente, que setores profissionais vinculem-se ao conservadorismo já existente e promovam uma crítica, na perspectiva do anticapitalismo romântico, que não colide com os modelos de intervenção profissional determinados a operar a integração social dos segmentos trabalhadores. Nesta linha conclusiva, o universo teórico e político comum e dominante entre Serviço Social e economia solidária está também vinculado ao conservadorismo e ao neoconservadorismo cujos lastros não eliminados ainda têm forte peso na profissão. O Serviço Social, neste relacionamento com a economia solidária, incorpora modalidades ideológicas que fortalecem um certo setor que, ao operar sua crítica à ordem social e implementar intervenções profissionais, realiza uma apologia indireta à ordem burguesa e uma proposição anticapitalista romântica, como, por exemplo, a defesa da democracia e do chamado controle social como mecanismo imprescindível da ruptura com a ordem social do capital, ou ainda, a defesa da cooperação e da solidariedade abstratas enquanto valores incompatíveis com o capitalismo. Todavia, não podemos afirmar que a existência da perspectiva que valoriza a economia solidária no Serviço Social cancela a necessidade, política e profissional, de exercer trabalhos junto a ela, e de mobilizar, legitimamente, estratégias de sobrevivência que acolham as diversas camadas trabalhadoras desempregas e pauperizadas. Apesar de identificarmos essa interseção problemática teórica e política entre Serviço Social e economia solidária, não consideramos que o projeto ético-político profissional, tal como é integralmente formulado, possa sustentar a perspectiva de solidariedade transclassista, a democracia como mero procedimento de gestão e a economia que aliena seus 194 determinantes de classe, como a fazem as correntes políticas e práticas que hegemonizam a economia solidária. Aqui, uma das contribuições que podemos trazer com a nossa tese é, provavelmente, apontar que, contraditoriamente, a economia solidária reflete o momento não de resistência e alternativa de luta dos trabalhadores, mas, ao invés disso, o momento da crise e da desesperança pelo qual vem passando a classe trabalhadora a partir da reação neoliberal, e assim, vem se agarrando a propostas de trabalho fora dos circuitos formais e de “salvação” da dominância da economia do capital. Há mesmo autores que sugerem, a partir de uma perspectiva crítica, que “a difusão da 'economia solidária' pode ser interpretada como um sintoma do recesso momentâneo da consciência de classe do proletariado” (Germer, 2006: p. 202). Após as pesquisas realizadas e alguns debates aqui apontados, entendemos que este é um caminho fecundo de interpretação da economia solidária em face da classe trabalhadora. Ao nos confrontarmos, agora, com o todo que representa esta tese, e “desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica [pretensa – acréscimo nosso/D.N.] totalidade de determinações e de relações diversas” (Marx, 1978a: p. 116), deparamo-nos com algumas eventuais descobertas que enriqueceram e ampliaram nossas formulações iniciais, e consideramos que podemos oferecer contribuições para entender a economia solidária e o próprio Serviço Social. Mas este processo indicou também, com efeito prospectivo, o caráter inconcluso desta tese: se, por um lado, o conjunto de relações entre Serviço Social e economia solidária desenvolvidas nesta pesquisa mostrou-se de caráter necessariamente introdutório, por outro lado essas mesmas relações indicaram novas problemáticas de investigação e ajudaram a pontuar alguns caminhos importantes e necessários para se aprofundar e aglutinar novas determinações ao conhecimento da economia solidária, do Serviço Social e da dinâmica contemporânea da ordem social vigente. E este caráter inconcluso pode ser explicado por duas razões: ou porque existiram temáticas que não foi possível enfrentar nos marcos específicos desta tesa, ou porque tais problemas puseram-se somente durante e após a pesquisa. Importa-nos dizer, ainda, que identificar tais lacunas, no nosso entendimento, não invalida ou enfraquece as análises que realizamos nesta investigação. Assim, podemos sugerir, a seguir, algumas pistas – e é apenas isso o que elas são – para novas investigações que enriqueceriam o conhecimento sobre o fenômeno da economia solidária, o debate teórico e prático da profissão e a crítica ao sistema capitalista. As práticas de economia solidária no Brasil, assim como de algumas outras partes do mundo, têm no Fórum Social Mundial - FSM um grande espaço de confluência, que concorre para a tentativa de superação do isolamento em que se encontram, de fato, muitas atividades solidárias e, ainda, o FSM tem sido um espaço de articulação ídeo-política do movimento. Desde o primeiro FSM (2001), a economia solidária comparece como um dos eixos centrais das atividades desse 195 evento anual e, por isto, o FSM tornou-se, nos últimos dez anos, um dos mais importantes instrumentos políticos dinamizadores da economia solidária brasileira - inclusive, foi através desta articulação que se criou o Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES (2003), cujas plenárias nacionais anuais realizam-se no FSM. Neste mesmo ano, o governo Lula anunciou, também no FSM, a criação da SENAES/MTE e o nome do seu titular. No ano corrente (2010), patrocinado pelo FSM, foram realizados o 1º Fórum Social de Economia Solidária e a 1ª Feira Mundial de Economia Solidária, em Santa Maria/RS, uma semana antes da realização do 10º FSM, em Porto Alegre/RS. Como o FSM vem servindo de referência para um campo amplo da esquerda mundial, e sua ação política vem se refletindo nos mais diversos segmentos sociais, a categoria profissional, a partir da adesão política de vários profissionais ao FSM, inclusive das nossas direções 93, pode também sofrer influências das diretrizes ídeo-políticas e teóricas que o constituem e, através desta relação, aderir a várias propositivas que estão nele contidos, especialmente a perspectiva de economia solidária tal como ela vem sendo formulada. Seria este (o FSM), no nosso entendimento, um dos fios que proporciona, também, uma relação entre a economia solidária e o Serviço Social - mas como isto vem ocorrendo, por que meios, e quais as implicações para o Serviço Social são respostas a serem buscadas mediante outras pesquisas. Uma outra pista de investigação que nos parece muito importante, e que não exploramos na nossa tese, é o tratamento da problemática da economia solidária no campo profissional enfrentada através da análise do neoconservadorismo, que se desenvolve a partir dos falsos postulados “pósmodernos”, decorrentes, substantivamente, das atuais transformações societárias. Observe-se que nos foi possível apenas mapear, no interior da primeira tendência (defesa aberta da economia solidária e da ordem capitalista), uma fundamentação e recurso às formulações no campo teórico da pós-modernidade, sem avançar na análise, no Serviço Social, de tais tendências e relacioná-las, particularmente, ao campo ídeo-político comum com a economia solidária. Assim, fica o indicativo da necessidade de investigações que se detenham nestas preocupações. Indicamos também a importância de se realizar pesquisas sobre as práticas e intervenções do Serviço Social junto às mais diversas modalidades de economia solidária, no campo da política pública deste segmento, sobre as assessorias e atividades de apoio que vêm sendo desenvolvidas pelos assistentes sociais - especialmente porque não há materiais suficientes que nos informem e analisem estes trabalhos profissionais particulares. Ao fim deste percurso investigativo, que constitui um momento da nossa vida acadêmica, julgamos ter consciência dos limites da tese aqui apresentada – decerto, limites que serão mais precisados e melhor definidos com uma eventual crítica dos que a ela tiverem acesso. Porque sabemos que o conhecimento é sempre uma produção coletiva, não temos a vã pretensão da auto93 No ano de 2009, o CFESS participou ativamente do 9º FSM e, ainda, organizou uma atividade de debate no evento (cf. www.cfess.org.br). 196 suficiência intelectual. Mas, igualmente, temos consciência da importância que está contido em todo esforço subjetivamente honesto e objetivamente rigoroso de contribuir individualmente para a discussão pública e coletiva da qual pode resultar um conhecimento verdadeiro e útil – e porque foi assim que nos dedicamos a esta tese, sentimo-nos gratificadas ao chegar a seu termo, sempre provisório e retificável. 197 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABEPSS. Revista Temporalis. n. 03. Brasília: ABEPSS, 2001. ABRAMIDES, Maria Beatriz. e CABRAL, Maria do Socorro. A organização política do Serviço Social e o papel CENEAS/ANAS na virada do Serviço Social brasileiro. CFESS (org.). 30 anos do Congresso da Virada. Brasília: CFESS, 2009. ALMEIDA, Sandra Mara Rommel de. Cooperando na geração de trabalho e cidadania: a construção da cidadania de mulheres trabalhadoras em cooperativas da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do RJ. Revista Ser Social. Brasília: UNB, n. 5, 1999. AMIM, Samir. Más allá del capitalismo senil. 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TABELA 02 - As 50 atividades econômicas que mais aparecem nos ESS: POSIÇÃO DESCRIÇÃO TOTAL 1ª atividades de serviços relacionados com a agricultura 3.066 2ª cultivo de outros produtos de lavoura temporária 1.722 3ª fabricação de artefatos têxteis a partir de tecidos - exceto vestuário 1.401 4ª cultivo de cereais para grãos 1.253 5ª cultivo de hortaliças, legumes e outros produtos da horticultura 907 6ª criação de outros animais 853 7ª produção mista: lavoura e pecuária 830 fabricação de artefatos diversos de madeira, palha, cortiça e material 8ª 710 trançado - exceto moveis 9ª fabricação de farinha de mandioca e derivados 686 confecção de peças do vestuário - exceto roupas intimas, blusas, camisas e 10ª 622 semelhantes 11ª fabricação de produtos diversos 583 12ª cultivo de outros produtos de lavoura permanente 531 13ª reciclagem de sucatas não-metálicas 520 14ª fabricação de produtos de padaria, confeitaria e pastelaria 512 15ª fabricação de outros artefatos têxteis, incluindo tecelagem 489 16ª fabricação de outros produtos alimentícios 464 atividades de serviços relacionados com a pecuária - exceto atividades 17ª 431 veterinárias comércio varejista de outros produtos alimentícios não especificados 18ª 429 anteriormente e de produtos do fumo 19ª criação de bovinos 424 20ª pesca e serviços relacionados 380 21ª fabricação de acessórios do vestuário 360 22ª preparação do leite 332 23ª fabricação de artefatos de cordoaria 302 24ª fabricação de artigos de tecido de uso doméstico, incluindo tecelagem 284 25ª criação de aves 275 26ª outras atividades associativas, não especificadas anteriormente 271 27ª comércio atacadista de leite e produtos do leite 271 28ª confecção de roupas intimas, blusas, camisas e semelhantes 255 29ª outros tipos de comércio varejista 254 30ª cultivo de cana-de-açúcar 252 31ª fabricação de artefatos de tapeçaria 210 209 32ª 33ª 34ª 35ª reciclagem de sucatas metálicas 198 acabamento em fios, tecidos e artigos têxteis, por terceiros 187 atividades de teatro, música e outras atividades artísticas e literárias 184 criação de ovinos 179 fabricação de malas, bolsas, valises e outros artefatos para viagem, de 36ª 173 qualquer material 37ª cultivo de café 169 38ª outras atividades de serviços pessoais, não especificadas anteriormente 164 39ª confecção de roupas profissionais 161 40ª processamento, preservação e produção de conservas de frutas 161 41ª fabricação de sabões, sabonetes e detergentes sintéticos 157 42ª outros serviços de alimentação 156 43ª beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz 156 44ª transporte rodoviário de passageiros, regular, urbano 155 45ª cultivo de frutas cítricas 152 46ª fabricação de produtos do laticínio 151 47ª beneficiamento, moagem e preparação de outros produtos de origem vegetal 150 outras atividades auxiliares da intermediação financeira, não especificadas 48ª 149 anteriormente 49ª comércio varejista de outros produtos não especificados anteriormente 149 50ª fabricação de outros artigos têxteis - exceto vestuário 141 QUANTIDADE DE EMPREENDIMENTOS QUANTIDADE DE QUESTÕES MARCADAS 15.403 1 4.674 2 1.737 3 TABELA 03 - Os ESS têm encontrado alguma dificuldade na comercialização de produtos e/ou serviços? RESPOSTAS TOTAL (%) Sim 13.392 61,3 Não 6.243 28,5 Não se aplica 2224 10,2 TOTAL 21859 100 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. TABELA 04 - Formas de comercialização dos produtos e/ou serviços dos empreendimentos DESCRIÇÃO DAS FORMAS ORDEM 1 ORDEM 2 ORDEM 3 TOTAL Venda direta ao consumidor 12.533 2.524 235 15.292 Venda a revendedores/atacadistas 4.974 3.874 273 9.121 Venda a órgão governamental 432 721 541 1.694 Troca com outros empreendimentos solidários 88 456 317 861 Venda a outros empreendimentos de ES 189 431 411 1.031 Outra. Qual? 679 617 242 1.538 Não se aplica 182 5 16 203 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. 210 TABELA 05 - Os empreendimentos tiveram acesso a algum tipo de apoio, assessoria, assistência ou capacitação? RESPOSTAS TOTAL Sim 15.886 Não 5.973 TOTAL 21.859 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. TABELA 06 - Os empreendimentos têm alguma relação ou participam de movimentos sociais e populares? RESPOSTAS TOTAL Sim 12.613 Não 9.246 TOTAL 21.859 FONTE: SIES – SENAES/MTE, 2009. 211