o SISTEMA TMA DO CRIOULO GUINEENSE: SINT AXE E

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o SISTEMA
TMA DO CRIOULO
GUINEENSE: SINT AXE E SEMANTICA
Anelita de Lourdes Casquel
(Unb)
Uma lingua crioula poderia ser definida como aquela que surge da necessidade
de comunicacao entre dois povos, sendo urn 0 dominador e 0 outro dominado. Em urn
estligio anterior ao crioulo, temos 0 pidgin, que e uma lingua emergencial, lingua de
contato, reduzida em relacao
a sua
lingua base, com uma gramatica e urn vocabulano
minimos. Quando urn pidgin passa a ser lingua matema de uma comunidade, temos 0
crioulo, que se caracteriza, basicamente, por ser reduzida, simplificada, em relacao Ii
lingua-base, mas nao no mesmo grau que um pidgin, e par apresentar
mudancas
estruturais, as quais poderiamos chamar de categorias gramaticais herdadas, tambem
em relacao Ii lingua-base. (COUTO, 1987)
o estudo
de uma lingua crioula pode (e deve) ser ta~ interessante e enriquecedor
quanta 0 de qualquer outra lingua. No entanto, devido aos preconceitos em relacao ao
povo e as linguas africanas, muitos estudiosos, inclusive os proprios lingOistas, nao
consideram 0 crioulo como uma lingua plena, passivel de amplos estudos cientificos da
area humana.
Esse posicionamento reltete, claramente, a desvalorizaca.o da cultura africana e a
demasiada valorizacao da cultura branca ou europeia, que considera 0 crioulo, no caso 0
da Gulne-Blssau, como urn "portugues mal falado". Esse estigma tern sido tao dlfundldo
que grande parte dos guineenses, principalmente
os das ultimas geraQOes, acabam
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tendo preconceito em relacao a essa lingua. 0 que tern contribuido para urn crescente
processo de descrioulizacao.
Na tentativa de demonstrar, Iambem, que tal "pre-conceito" em relaeao ao crioulo
nao procede. farei uma exposieao de uma pamcularidade gramatical do crioulo da GuineBissau, qual seja 0 sistema TMA - tempo - modo - aspeclo, sob os pontos de vista
sintatico e semantico. Em primeiro lugar, darei as condicoes propostas por Bickerton
(1981)
para 0 estudo
do sistema
TMA dos crioulos
demonstrarei como e esse sistema no crioulo guineense,
em geral.
Posteriormente.
mostrando em que difere
daquele inicialmente proposto.
Em seu trabalho Creolizatjon. Linguistic Universals, Natural Semantax and The
amin.
0 crioulista Derek Bickerton nos propoe algumas caraclerfslicas
do sistema TMA
dos crioulos, as quais apresentarei em seguida:
a) a forma nao-marcada e 0 passadQ para os verbos de ac;ao e 0 ~
para os
verbos de estado.
b) 0 marcador do
an1eriQr
indica 0 mais-que-perfeito para verbos de aeao e 0 passado
simples para os verbos de estado.
c) 0 marcador do
iImaI
indica tempo irreal (unrealtime) - futuro condicional, sUbjuntivo
para todos os verbos,
d) 0 marcador do nAo-puncluaJ indica 0 aspeclo durativo ou iterativo para os verbos de
aCio. e
e indiferente a dislineao
presente I passado; esse marcador, normalmente, nao
pode co-ocorrer com verbos de estado.
e) todos os marcadores sao antepostos ao verbo.
f) todos os marcadores podem se combinar mas em uma ordem invariavel. qual seja: 1.
anterior 2. irrealis 3. nae-punctual.
g) 0 significado de anterior + irreal
e uma "condieao
irrealizada no passado".
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h) 0 significado de anterior + irreal + nao-punctual
13 uma "condi~o
irrealizada no
passado, de natureza nlio punctual", algo como: se somente X tivesse ido fazer Y ("if
only X would have gone on doing YO).
i) 0 significado de anterior + nlie-punctual 13 uma "a~o
durativa ou uma serie de acoes
nlio-durativas ocorrendo urn ou outro antes de algum outro evento discutido ou durante
urn periodo de tempo considerado como definitivamente fechado".
j) 0 significado de irrealis + nile-punctual
13 uma a~o
nlio-punctual
ocorrendo em urn
tempo irreal, isto 13, 0 futuro progressivo.
No sistema verbal do crioulo guineense podemos identificar quase todas essas
condicoes, com algumas excecoes, 0 que demonstrarei em seguida.
Como foi proposto por Bickerton, nesta lingua crioula tambem temos 0 nosso
Pi&liildQ como a forma nao-marcada, ou seja, para eles 0 que importa 13 0 momento em
que ocorre a a~o e nlio 0 momento em que se fala sobre ela, como ocorre nas linguas
de origem europeias. Assim, em uma sentenc;a como (1) temos a segulnte tradu~o:
(1) Lebri
Imn1a sedu.
A lebri acordou cedo.
A forma do verba - KORDA - nilo tern nenhuma f1exilo e qualquer altera~o
que
se queira fazer em relacao a tempo, modo ou aspecto devera ser feita com 0 use de uma
das particulas TMA.
Os marcadores para 0 anterior, Irreal e nlio-punctual sao os seguintes:
(1) Anterior
= ba (posposto
ao verba)
Ex.: I luma ba. 'Ele lumara '.
(2) Irrealis
= ba (anteposto
ao verba)
Ex.: I ba luma. 'Ele foi lumar '.
(3) Nao-punctual = ta (anteposto ao verbo).
Ex.: Ita fuma. 'Ele fuma '.
As ocorrelncias e combinayoes dessas partfculas poderiam ser as seguintes:
emoo
Aspecto
Modo
Anterior
Irrealis
Nao-ounctual
-
-
ifuma
+
+
-
-
+
ita fuma
+
+
-
I bsfuma ba
-
+
+
i ba ta fuma
+
-
+
ita fuma ba
+
+
+
i ba ta fuma ba
-
Exemolos
i fuma ba
i ba fuma
(A significayao dessas partiCulas e de suas varias combinayoes sac as mesmas
dadas por Bickerton nos itens 12,c,
11 e de g
an.
Tendo conhecimento, entao, de tal sistema do crioulo da Guine-Bissau e fazendo
uma analise das ocorrencias desse sistema, podemos perceber duas peculiaridades que
ele apresenta frente
a proposta
de Bickerton. Sao elas:
(1) A partfculo BA (+ anterior) posposta ao verbo.
(2) A presenca de uma quarta partfcula NA possivelmente como nao-punctual.
Segundo as condiyoes dadas, todos os marcadores aparecem antepostos
verba e em ordem invariavel (anterior-irrealis-nao-punctual).
explica a posposiyao da partfcula ba l+ant] ?
ao
Assim sendo, como se
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Bickerton caracteriza, ainda, 0 sistema TMA pela presen"a de 3 marcadores:um
para 0 tempo [± ant], um para 0 modo [± irrealis] e um para 0 aspecto [± nao -punctual].
Em rela"ao Ii segunda particularidade, como se explica, entao, 0 NA neste sistema?
Em COUTO (a sair), temos algumas possibilidades para esclarecer tais fatos. Em
(1), a posposi"ao da particula BA poderia ser explicada pela homonimia com a marca
irrealis. Em (2), a particula NA, pelo seu significado, tambem e nao-punctual, e indica
uma
a'Y8.o
nao terminada, uma a"ao que esta se dando do momento a que 0 falante se
reporta em diante.
Um estudo aprofundado desses fenomenos sera feito quando da elabora'Y8.0 de
minha disserta'Y8.o de mestrado,
estruturas do crioulo guineense,
na qual pretendo
a fim de vislumbrar
analisar,
detalhadamente,
as
algo que contribua para que
possamos conhecer melhor, e sempre mais, esta interessante lingua crioula da GuineBissau.
1. BICKERTON, Derek. "Creolization, Linguistic Universals, Natural Semantax and the
Brain". In : DAY, Richard R. (arg.). Issues in English Creoles. Heidelberg:
Julius Groos
Veriag. (sid).
2. COUTO, Hildo Hon6rio do. Unguas Crioulas e Similares. Estudos Leopoldenses, vol.
93, NQ. 97,1987, pp. 43-46.
4. SARAIVA, Jose Flavio Sombra. "A ambivalencia de uma cultura : 0 negro no Brasil,
em uma perspeetiva hist6rica". TexlQs de Hjst6ria, vol. 1, NQ. 1, UNB, 1993, pp. 32-48.
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