Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ Guildas tróficas em aves de sub-bosque na região Norte Fluminense Viviane Alves de Andrade1 & Augusto Piratelli2 1. Bolsista do PIBIC-CNPq/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Biologia Animal; 2. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Biologia Animal, BR 465 Km 7, Seropédica, RJ. Palavras-chave: Birds, Trophic guilds, Florest fragments. exemplo, o verificado por ALEIXO & VIELLIARD (1995) para Platyrinchus mystaceus, recentemente extinta da Mata de Santa Genebra, estado de São Paulo. São vários os efeitos da fragmentação sobre as comunidades de aves. Um destes efeitos seria a assimetria flutuante, termo que refere-se às diferenças em caracteres como asa e tarso, que deveriam ser bilateralmente simétricos mas que podem ser afetados pelo stress epigenético durante seu desenvolvimento em função da redução dos hábitats (ANCIÃES & MARINI, 2000). Para se avaliar o estado de degradação de um ambiente, podem ser utilizados os indicadores ecológicos, como por exemplo as guildas tróficas, que indicam o grau de descaracterização de um ambiente e da comunidade de aves (WILLIS, 1979). ROOT (1967), definiu o conceito de guilda como sendo um grupo que explora a mesma classe de recursos do ambiente de modo semelhante. WILLIS (1979) classificou as aves que amostrou em guildas conforme o hábito alimentar, o tamanho da espécie e extratos da vegetação onde forrageiam. Em um sentido mais restrito, uma guilda seria um grupo de espécies que se alimentam do mesmo recurso alimentar em proporções semelhantes (SIMBERLOFF & DAYAN, 1991). MARINI (2001) observou em área de cerrado, que os menores fragmentos apresentaram um menor número de espécies, porém sem alterações nas guildas tróficas, exceto os granívoros, que aumentaram conforme a redução no tamanho do fragmento. Também, espécies mais dependentes de mata tendem a desaparecer nos menores fragmentos. Esse trabalho procurou determinar a avifauna de sub-bosque em fragmentos florestais na região de Campos dos Goytacazes/RJ determinando a dieta básica das espécies amostradas e suas guildas tróficas. Abstract Trophic guilds were studied in birds on large sugar cane plantations in the region of Campos dos Goytacazes, Northern Rio de Janeiro State, Brazil, through captures with mist nets and observations along transects from October 2000 to June 2001. In 130 net-hours and 50 hours of observation, 44 species were recorded, which sampled eight trophic guilds (omnivores, insectivores, frugivores, carnivores, nectar eaters, carrion eaters, fish eaters and seed eaters), prevailing insectivores (31%) and omnivores (20%). Those species were also joined in more specific guilds, as edge omnivores or frugivores, edge insectivores, edge seedeaters. The results can reflect the degradation of that area, since most sampled species had low level of specialization. Introdução A fragmentação de habitats é uma conseqüência direta do processo de exploração e devastação de um ambiente, e pode ter como efeito direto o esvaziamento genético e aumento do efeito de borda e efeitos indiretos como alterações de um ou mais níveis tróficos (Munn e Terborgh apud MALDONADO-COELHO & MARINI, 2000). Áreas como a Mata Atlântica do Rio de Janeiro, possuem remanescentes que estão em pequenas áreas de difícil ampliação por estarem cercadas de agricultura e pastagens (PIRATELLI,1999). Quando os fragmentos estão muito distantes ou totalmente isolados, há uma diminuição no fluxo gênico das populações; consequentemente a variabilidade genética cai e há também uma redução de fenótipos. Isso prejudica a capacidade de adaptação de espécies às mudanças ambientais, como por 217 v. 11, n. 2, p. 217-220, 2001 Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ Material e Métodos Piscívoros 5% Carnívoros 16% O estudo foi realizado na Usina Santa Cruz, na região de Campos dos Goytacazes (RJ), (21º45’S, 41º19’O) em quatro fragmentos florestais. Os fragmentos situavam-se em meio à extensas plantações de cana e aparentavam avançado estado de degradação. As coletas se iniciaram em outubro de 2000 e estenderam-se até junho de 2001. Foram efetuadas quatro coletas em cada um dos quatro fragmentos, no período de outubro de 2000 a janeiro de 2001, totalizando aproximadamente 114 horas-rede e 40 horas de observação. No período de fevereiro a junho, foram feitas duas coletas (fragmento 1: 10 horas-rede; fragmento 3: cinco horas-rede), totalizando 10 horas de observação. As capturas foram efetuadas utilizando-se redes ornitológicas (mist-nets), abertas ao alvorecer e fechadas por volta das 17:00 horas. Também foram efetuados registros visuais e auditivos nos canaviais próximos a cada fragmento, com o auxílio de binóculo e mini gravador. Os indivíduos capturados, após identificados foram marcados com anéis de alumínio cedidos pelo CEMAVE, tendo sido obtidos seus dados morfométricos. Caso defecassem, suas fezes eram recolhidas em potes de filmes fotográficos, sendo triadas em laboratório sob lupa. Os métodos utilizados para a determinação das guildas foram: coleta e análise de fezes, observações no campo e referências bibliográficas (WILLIS, 1979 & SICK, 1997). Detritívoros 5% Frugívoros 7% Nectarí voros 5% Granívoros 11% Insetívoros 31% Onívoros 20% Figura 1. Guildas tróficas encontradas na região de Campos dos Goytacazes. Os insetívoros e onívoros estiveram mais bem representados em todos os fragmentos. O fragmento 4, aparentemente o mais degradado é onde se observou a presença de menor número de guildas (tabela 1). Tabela 1. Número de espécies por guildas tróficas na região de Campos dos Goytacazes (RJ), nos quatro fragmentos amostrados (F1, F2, F3 e F4). Guildas F1 F2 F3 0 1 3 1 5 1 2 0 13 0 0 2 0 7 0 3 0 12 Resultados e Discussão Carnívoros 1 Detritívoros 1 Frugívoros 2 Granívoros 0 Insetívoros 3 Nectarívoros 1 Onívoros 3 Piscívoros 0 Total 11 ________________ Foram registradas 44 espécies (23 famílias), observadas, ouvidas e/ou capturadas. Houve um pequeno número de capturas (23) e somente uma recaptura. Dentre as espécies capturadas encontrase Rhyncocyclus olivaceus, popularmente conhecido na região como canarinho da cana, que está na lista de espécies ameaçadas de extinção no estado do Rio de Janeiro com status de vulnerável (ALVES et al., 2000). Foram encontrados representantes de oito guildas tróficas, havendo predomínio de insetívoros e onívoros (figura 1). 1 F4 Canavial e áreas abertas 3 2 0 2 1 0 0 4 4 4 1 0 2 1 0 2 11 15 total 6 4 8 5 23 3 11 2 1 62 Algumas espécies foram encontradas em mais de um local estudado; daí a soma de espécies ser igual a sessenta e dois nesta tabela. 218 Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ Segundo ALMEIDA (1982), a predominância de hábito alimentar insetívoro sugere um ambiente mais alterado. SILVA (1986) relata que animais com dieta bem variada se beneficiam em locais com grande perturbação ambiental. As espécies puderam também ser subdivididas dentro destas guildas conforme WILLIS (1979), encontrando-se a situação apresentada na tabela 2. Predominaram nos registros, espécies insetívoras de bordas ou áreas abertas (17%), granívoros de bordas e áreas abertas (14%) e onívoros e frugívoros de áreas abertas (11%). MOTTA JUNIOR (1990) relata que em altos índices de perturbação ambiental, existe uma tendência cada vez maior das aves onívoras e, possivelmente insetívoras menos especializadas, aumentarem sua representatividade, sucedendo o contrário no caso de frugívoros e insetívoros mais ou menos especializados. Os resultados deste trabalho parecem confirmar este fato, já que a maior parte das guildas específicas foram compostas por espécies de borda ou áreas abertas, e com pouca ou nenhuma especialização quanto a sua dieta, espelhando as condições de degradação ambiental da área em questão. Tabela 2. Espécies amostradas na região de Campos dos Goytacazes (RJ) por hábitos alimentares (conforme WILLIS, 1979) e sua respectiva proporção. G uildas Carnívoros diurnos (11%) Carnívoros noturnos (6%) Consumidores de artrópodos de chão de sub-bosque (6% ) Consumidores de carniç a (6%) Frugívoros de chão (2% ) Frugívoros de dossel (2% ) G ranívoros de borda ou áreas abertas (14% ) Insetívoros aéreos (2% ) Insetívoros de bambu ou cipós (2% ) Insetívoros de borda ou áreas abertas (17% ) Insetívoros de sub-bosque (6%) Insetívoros de troncos e brotos (2% ) Nectarívoros (6% ) O nívoros de sub-bosque (7%) G uildas O nívoros de sub-bosque (7%) O nívoros ou frugívoros de borda ou áreas abertas (11%) Piscívoros (6%) 219 Espécies Carac ara plancus Cariama c ristata Herptotheres cachinnans M ivalgo chimachima Rupornis magnirostris Speotyto cunicularia Tyto alba Aramides cajanea Porz ana albicollis Cathartes aura Coragyps atratus Crypturellus tataupa Amazona amaz onica Estrilda astrild Columba cayennensis Columbina minuta Columbina talpac oti Sporophila caerulensis Volatinia jacarina Notiochelidon cyanoleuca M yiornis auricularis Crotophaga ani Hydropsalis brasiliana Hylophilus poicilotis M yiarchus tyrannulus Nyctidromus albicollis Serpophaga subcristata Troglodytes aedon Tyrannus melancholicus Panchyramphus polychopterus Rhyncocyclus olivaceus Picumnus c irratus Amazilia fimbriata Thalurania glaucopis Camptostoma obsoletum Espécies Euphonia chlorotica M anacus manacus Colaptes campestris Elaenia flavogaster Pitangus sulphuratus Tachyphonus coronatus Tangara c ayana Casmerodius albus Egretta thula v. 11, n. 2, p. 217-220, 2001 Anais da XI Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ ANCIÃES, M. e MARINI, M.A. The effects of fragmentation on fluctuating asymmetry in passerine birds of Brazilian tropical forests. Journal of Applied Ecology 37:1013-1028, 2000. Conclusões Os fragmentos onde foram realizadas as coletas encontram-se muito alterados, com tamanho reduzido o que diminui a sua capacidade de suporte, permitindo principalmente a existência de espécies menos exigente ecologicamente. Mesmo neste estado de alteração descrito, os fragmentos ainda suportam espécies de relevante interesse ecológico, como Amazona amazonica, que utiliza a área como dormitório ou possivelmente como área de reprodução. Por isso, faz-se necessária a manutenção destes fragmentos, e até mesmo a sua recuperação. MALDONADO-COELHO, M. e MARINI, M.A. Effects of forest fragment size and successional stage on mixed-species bird flocks in southeastern Brazil. Condor 102, 585-594, 2000. MARINI, M.A. Annual patterns of molt and reproductive activity of passerines in south-central Brazil. Condor 103, 767-775, 2001. MOTTA JÚNIOR, J.C. Estrutura trófica e composição das avifaunas de três habitats terrestres na região central do estado de São Paulo. Ararajuba 1: 65-71, 1990. Agradecimentos e Auxílio Financeiro Aos colegas do Campus Dr. Leonel Miranda da UFRRJ e à Usina Santa Cruz, pelo apoio logístico, ao Dr. Mauri Lima, Ana Beatriz Bacelar e Carlos Eduardo S. Garske, pelo auxílio nas coletas e ao CNPq, pela bolsa de iniciação científica. Auxílio Financeiro: CNPq. PIRATELLI, A.J. Comunidades de aves de subbosque na região leste de Mato Grosso do Sul. Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 1999. ROOT, R.B. The niche exploitation patterns of the blue-gray gnatcatcher. Ecological Monographs 37: 317-350, 1967. Referências Bibliográficas SICK, H. Ornitologia Brasileira. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, p.112, 1997. ALEIXO, A. e VIELLIARD, J.M.E. Composição e dinâmica da avifauna da Mata de Santa Genebra, Campinas, SP. Revta. bras. Zool. 12 (3): 493-511, 1995. SILVA, J.M.C. Estrutura trófica e distribuição ecológica da avifauna de uma floresta de terra firme na Serra dos Carajás, estado do Pará in: Congresso Brasileiro de Zoologia, Resumos... Cuiabá, p. 189, 1986. ALMEIDA, A.F. Análise das categorias de nichos tróficos das aves em matas ciliares em Anhembi, Estado de São Paulo. Silvic. SP; São Paulo 15(3): 1787-1795, 1982. SIMBERLOFF, D. e DAYAN, T. The guild concept and the structure of ecological communites. Ann. Rev. Ecol. Syst. 22: 115-143,1991. ALVES, M.A.S.; PACHECO, J.F.; GONZAGA, L.A.P; CAVALCANTI, R.B.; RAPOSO, M.A., YAMASHIDA, C.; MACIEL, N.C. e CASTANHEIRA, M. Aves cap. 9 in: BERGALLO, H.G; ROCHA, C.F.D.; ALVES, M.A.S.; VAN SLUYS, M. A Fauna Ameaçada de Extinção no Estado do Rio de Janeiro. UERJ, Rio de Janeiro. p. 113-124, 2000. WILLIS, E.O. The Composition of avian communities in remanescent woodlots in southern Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia, São Paulo, 33 (1): 1-25,1979. 220