construcoes de contraste na fala e na escrita de natal - cchla

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CONSTRUÇÕES DE CONTRASTE NA FALA E NA ESCRITA DE NATAL
Paulo Henrique Duque
Vanilton Pereira da Silva
Departamento de Letras – UFRN
Resumo:
O artigo aqui desenvolvido apresenta os resultados parciais obtidos através de um
projeto de pesquisa – PROPESQ – mais amplo que investiga alguns mecanismos
funcionais de usos da língua, dando ênfase à construção de contraste. Em vista disso,
esclarecemos que, oportunamente, outros aspectos relevantes serão acrescentados ao
projeto, dando a ele uma feição mais completa e satisfatória. No corpus analisado, 20
textos retirados de colunas publicadas em diversos jornais do RN, foram identificadas,
elencadas e classificadas diversas construções contrastivas que, para fins didáticos, são
apresentadas sob a forma de relações entre “X” e “Y” através de notações formais. Toda
a pesquisa está sendo formatada sob a perspectiva da Gramática de Construções e os
resultados preliminares fortalecem a hipótese de que a maneira como as construções
gramaticais se estruturam cria espaços mentais que podem evidenciar os mais diversos
padrões contrastivos. Esse fato é importante porque denota que quem dá ao texto um
padrão contrastivo específico não são as palavras isoladamente, mas o modo como elas
estão configuradas no interior da construção gramatical. E a perspectiva construcional
se coaduna com esse entendimento, uma vez que nos fornece ferramentas de atribuição
de significado sobre o mundo, pautadas em redes de construções linguísticas.
Palavras-chave: Construções contrastivas; Gramática de Construções; Gêneros
Jornalísticos; significação.
1. Introdução
As construções regulares e fortemente produtivas da língua, às vezes
fornecem o esqueleto sintático para construções especiais que
incorporam traços semânticos e pragmáticos específicos, às vezes,
definidos muito estritamente. FILLMORE e KAY, 1995:50.
Ao propor uma investigação acerca dos mecanismos de constraste
empregados em textos, falados e escritos, coletados de jornais de circulação na grande
Natal, partimos da organização das amostras dos fragmentos textuais para, em seguida,
realizar o levantamento das ocorrências e posterior análise. É importante esclarecer que
esses procedimentos prévios visam possibilitar a identificação dos elementos
linguísticos e extralinguísticos diretamente envolvidos nos processos de construção de
contraste.
Além disso, consideramos que a pesquisa em desenvolvimento se justifica
na medida em que propõe uma abordagem para a lida com os mecanismos de
construção de sentido (o de contraste, no caso específico) em produções concretizadas
no seio da interação social, em contraponto com as abordagens exclusivamente formais
[Digite texto]
utilizadas largamente no ensino de Leitura e Produção de Textos em voga no cenário
acadêmico atual. Desse modo, trabalhos que enfoquem esse viés trarão benefícios aos
processos de ensino-aprendizagem, contribuindo para o aprimoramento das práticas de
compreensão de textos. E isso, certamente, repercutirá na discussão acerca da
relevância dos tópicos constantes dos componentes curriculares de nossa Língua
Materna.
A seguir, com o objetivo de facilitar a compreensão do escopo teórico
espraiado no decorrer da pesquisa, exibiremos alguns fragmentos textuais e suas
respectivas notações formais. Chamaremos o primeiro termo de “X” e o segundo de
“Y”. Faz-se necessário evidenciar também que apesar encontrarmos vários fragmentos
para cada classificação, optamos por utilizar apenas um de cada. Vejamos abaixo, para
fins didáticos, dois exemplos distintos de construções contrastivas:
XeY
As datas comemorativas estão tão comerciais que, às vezes, a gente lembra do presente
e esquece do abraço. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2)
X, mas não Y
Os indignados estão no meio da sociedade. São muitos milhões a menos que os
conformados. Puxarão a carroça da oposição, mas não com força suficiente para mudar
a estrutura da pirâmide, em cuja base transita uma população que parece satisfeita em
obedecer às ordens do comandante. (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 5)
Após identificar e classificar didaticamente as construções gramaticais
contrastivas encontradas, selecionamos uma ocorrência de cada tipo no intuito de
ilustrarmos as hipóteses apresentadas no desenvolvimento do trabalho e facilitarmos o
entendimento das explanações teóricas subsequentes. É importante esclarecer também
que este estudo tem um enfoque qualitativo, e não quantitativo.
Além disso, destacamos que não objetivamos apenas identificar as
construções de contraste recorrentes no corpus, mas também verificar de que forma se
relacionam entre si, de onde se originam e de que maneira se revestem de
prototipicidade. Tudo isso sob a perspectiva da Gramática de Construções (Doravante
GC) 1.
Acreditamos que o modo como as construções gramaticais se estruturam
cria espaços mentais que podem denotar os mais diversos padrões contrastivos. Esse
fato é relevante, pois denota que quem dá ao texto o sentido de contraste não são as
palavras isoladamente, mas o modo como elas se configuram no interior da construção
gramatical. E a perspectiva construcional se coaduna com esse entendimento, uma vez
que nos fornece ferramentas de atribuição de significado sobre o mundo, pautadas em
1
Abordagem linguística que concebe a gramática a partir de duas premissas básicas: a indistinção entre
léxico e sintaxe; e a concepção de signo linguístico como vetor bipolar indissociável, pareando forma e
condições de construção de sentido que são sempre pragmático-semânticos. Desse modo, a gramática é
concebida como uma grande rede de construções.
[Digite texto]
redes de construções linguísticas2. O que vai de encontro às abordagens essencialistas e
imanentes.
A partir dos dados coletados, verificamos que as relações antonímicas, por
exemplo, são caracterizadas no interior da construção de contraste, por meio da
formação de subconstruções. Nesse sentido, o caráter antonímico atribuído a
determinados vocábulos não lhes seria intrínseco, mas o produto de arranjos que
funcionam como uma espécie de fôrma geratriz de significados. Apesar de
reconhecermos que a frequência de token3 contribui para a crença de que a antonímia
seja um traço inerente às palavras; acreditamos que os pares antonímicos se configuram
e se tornam cristalizados a partir da recorrência com que aparecem nas construções, e
não pelo fato de terem uma essência antonímica própria.
Destarte, a oposição semântica notada entre vocábulos específicos seria
obtida por meio dos constructos gramaticais contrastivos. Logo, o sentido não emergiria
da palavra em si mesma, mas dos esquemas gramaticais elaborados. E seria a
recorrência de certos vocábulos em determinadas construções que faria germinar os
pares prototípicos de antônimos. Ou seja, os pares contrastivos surgiriam e seriam
moldados pela(s) e na(s) construções.
É óbvio, no entanto, que, no transcorrer da história, algumas palavras são
utilizadas com tanta frequência em certas construções que acabam adquirindo um
revestimento semântico „estável‟ e, aparentemente, inerente a elas. É o caso dos
vocábulos „preto‟ e „branco‟, que, de imediato, denotam oposição independentemente
do constructo gramatical que venham a compor.
Os constructos gramaticais não se restringem aos aspectos linguísticos, mas
são norteados cognitiva – porque a linguagem constitui-se de construções “virtuais”
criadas pelo cérebro – e culturalmente – porque as relações intersubjetivas exercem
papel fundamental no processo de elaboração linguística. Daí entendermos ser
indubitável o papel visceral dos aspectos linguísticos, culturais e cognitivos na
elaboração das construções gramaticais que alicerçam a constituição semântica dos
vocábulos.
Uma evidência desse fato está no grau de variabilidade apresentado por
certos itens lexicais que podem pertencer a campos semânticos diversos de acordo com
entorno sociocultural em que forem evocados. Por exemplo, enquanto no Brasil os
vocábulos “cachorro”, “escorpião” e “gafanhoto” não têm nenhuma relação direta com
“culinária”, na China se referem a pratos apreciadíssimos. E isso acontece em virtude do
escopo cultural específico em que estão inseridos.
Outra questão relevante pode ser ilustrada pela seguinte pergunta: por que
certas estruturas linguísticas se repetem com maior frequência em dadas comunidades
de falantes, vindo a cristalizar-se? Justamente porque estão mais próximas das
2
Aristóteles, por exemplo, defendia a ideia de que os objetos seriam identificados e nomeados no
mundo a partir de seus traços intrínsecos e imanentes (essencialismo). Dessa forma, as coisas mundanas
possuiriam uma essência própria que, ao ser captada pelo homem, dava a este o poder de nomeá-las
segundo seus aspectos idiossincráticos.
3
A terminologia token frequency é geralmente empregada para denotar a ocorrência de cada item
lexical em determinado corpus (a freqüência de um item específico dentro da fala de um determinado
indivíduo, por exemplo), enquanto o termo type frequency é usado para designar a freqüência de
determinado padrão na língua (o plural em s, por exemplo).
[Digite texto]
experiências corporais desses falantes. Nossas experiências de movimento e
manipulação de objetos criam um conjunto de esquemas mentais que se estruturam e se
propagam desde nossa infância até o fim de nossas vidas. Esses esquemas processam e
cristalizam estruturas diversas (sensório-motoras, simbólicas, etc.) que são
internalizadas por nós e nos induzem a utilizar construções linguísticas semelhantes a
elas. Desse modo, é a maneira como experienciamos as coisas na nossa cultura que nos
leva a usar determinadas construções com mais frequência.
Não devemos, portanto, pensar que o significado das palavras seja algo
verdadeiro, estanque ou inerente; mas delineado à medida que a construção é realizada.
É a partir das construções linguísticas que atribuímos sentido às palavras, às sentenças,
aos textos e ao mundo. São os frames4 que projetam a noção de contraste virtualmente
impregnada às coisas. E esse processo é necessariamente linguístico, cognitivo e
cultural.
2. Construções de contraste
Após uma análise mais detalhada das composições gramaticais
selecionadas, percebemos que as construções de contraste se apresentaram de duas
formas distintas:
2.1 Construções antonímicas: se dão através da oposição entre vocábulos ou
sentenças, a partir dos mais variados tipos construções evidenciadas pelas
notações formais abaixo:
a) X e Y
As datas comemorativas estão tão comerciais que, às vezes, a gente lembra do
presente e esquece do abraço. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2)
b) X ou Y
Cada um de nós constrói uma história ao lado dos pais. Daí, você pode reter as
coisas negativas ou valorizaras positivas. (Correio da Tarde, em 11/08/2009,
texto 2)
c) X em vez de Y ⇔ [Faziam X quando queriam fazer Y; Usaram X por não
terem Y; Parecer X quando se é Y]
Muitos homens, por imposição da própria vida, [tiveram de ser duros quando
queriam ser tolerantes]; [usaram a força por não terem argumentos
convincentes]. [Parecer forte quando se tem a sensação de fraqueza], engolir as
lágrimas, lidar com o peso da responsabilidade de sustentar uma família, ainda
que reúna muitas ou poucas condições; tudo isso, é bastante difícil para alguém.
(Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2)
d) Tornando X em Y ⇔ (Deixaram de ser X para não parecer Y)
4
Também chamados de enquadramentos ou molduras, os frames são estruturas cognitivas que
organizam nosso conhecimento convencional de mundo em blocos bem integrados e intensamente
utilizados em nossas relações intersubjetivas. Dessa forma, contêm o conhecimento cotidiano sobre
conceitos cristalizados: sala de aula, festa, namoro, amizade, etc.
[Digite texto]
Muitos homens, por imposição da própria vida, tiveram de ser duros quando
queriam ser tolerantes; [deixaram de ser meigos para não parecerem fracos],
usaram a força por não terem argumentos convincentes. (Correio da Tarde, em
11/08/2009, texto 2)
e) X dá lugar a Y
Depois de perder apoios importantes por ter o nome sujo na praça, o Flamengo
agora arregala os olhos para o mercado chinês. Intermediado pelo ministério dos
Esportes, (o Rubro-Negro pretende obter uma verba de R$ 14,5 milhões para
realizar reformas no Ninho do Urubu com o governo da China). Em troca (o
clube serviria como base de preparação de jovens atletas daquele país). (Correio
da Tarde, 09/08/2009, texto 12)
f) De X a Y
Quantas pessoas não passam pela nossa passageira vida?! São os transeuntes dos
quais, na grande maioria das vezes, não nos apercebemos o quanto são
importantes. Elas vêm e vão cotidianamente. Do nascer ao morrer da nossa
existência estão, como que, a minimizar e engrandecer o que já somos. (Correio
da Tarde, 11/08/2009, texto 4)
g) Como X ou Y ⇔ [como X, w e como Y, z]
Em meio ao vai e vem de cada tempo presente estão as escolhas que nos afinam
com as várias propostas que nós, como sujeitos, oferecemos; e como objetos,
recebemos. (Correio da Tarde, 11/08/2009, texto 4)
h) Não X, Y
Os não-democratas concordam com a frase "não importa se um governo é
autoritário, desde que ele resolva os problemas econômicos". Aí cabe lembrar a
advertência de Napoleão: "parece que a maioria dos que não querem ser
oprimidos, querem ser opressores". (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 5)
i) X, não Y
Curta seu pai enquanto ele está ao seu lado. Muitos já não o tem por perto.
(Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2)
j) X mas Y
Freud, fundador da psicanálise desaprovaria vários dos seus alunos hoje, mas
explicaria certos comportamentos. (Tribuna do Norte, 11/08/2009, texto 12)
k) X, mas não Y
O deputado estadual Wober Júnior (PPS) sinalizou que encamparia a abertura da
discussão do referido projeto nesse segundo semestre, mas até agora não se
pronunciou. (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 8)
l) Não X, nem Y
Ao mesmo tempo, ela dá demonstrações de que não vai dar espaço e nem aceitar
reclamações e cobranças em torno de uma postura de quem não procura fazer o
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mesmo. A ideia é de que a coerência não deve partir apenas dela, mas de todos.
(Diário de Natal, 09/08/2009, texto 8)
m) X sem Y
Todos os lados apontam a guerreirinha verde sem chances de derrotar a guerreira
vermelha de tantas batalhas. (Tribuna do Norte, 09/08/2009, texto 15)
n) Como X se Y
Um dos questionamentos é o seguinte: como [os deputados João Maia (PR) e
Robinson Faria (PMN), por exemplo, podem reclamar de Wilma], se [ambos
estão na base, mas mantêm entendimentos com o senador José Agripino Maia
(DEM)]? (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 8)
o) Enquanto X, Y
Enquanto setores da sociedade discutem o que seria mais eficaz contra o avanço
da criminalidade – se medidas repressivas ou o ataque a problemas sociais como
a má distribuição de renda e o desemprego – o nosso vizinho colocou em prática
esta política pública que leva em conta os problemas específicos de cada
localidade. (Tribuna do Norte, 09/08/2009, texto 11)
p) Entre X e Y
Um fato simples revelou a habilidade do atual presidente dos Estados Unidos,
em uma iniciativa que se coaduna com a sua personalidade. Obama, com
extrema simpatia, convidou o professor e o militar para uma conversa cordial na
Casa Branca. A repercussão do convite e do encontro foi enorme, muito por
causa da afinidade entre o gesto e o autor do gesto. Fosse outro tipo de líder, por
exemplo, o Presidente Bush, seria algo destoante, talvez uma hipocrisia
pública. (Tribuna do Norte, 13/08/2009, texto 14)
q) Mesmo X, Y
Mesmo após o desastroso bloqueio imposto por Fernando Collor de Mello em
1990, que levou milhares de brasileiros ao desespero, a poupança conseguiu
recuperar seu prestígio como instrumento de acúmulo de reserva financeira para
milhões de brasileiros, incluindo aposentados que ao longo da vida profissional
construíram reservas para a velhice. (Correio da Tarde, 10/05/2009, texto 3)
r) X mais que Y
„Lula, o Filho do Brasil‟ emocionará mais que „Dois Filhos de Francisco‟, diz o
ministro, citando o filme sobre a dupla Zezé di Camargo e Luciano. (Tribuna do
Norte, 09/08/2009, texto 13)
s) Ora X, ora Y
Desse episódio, que parece ser simples e pequeno, podem-se tirar grandes lições,
quanto aos erros e acertos dos que detêm o poder, quanto à arrogância e à
humildade, quanto ao entendimento entre os seres humanos, ora tão fácil, ora tão
difícil. Esse é um caso típico de “paz na terra aos homens de boa vontade”.
(Tribuna do Norte, 13/08/2009, texto 14)
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t) X, Y
(...) [dos que nos fazem o bem, dos que nos fazem mal], [dos que dizem sim aos
nossos desejos, dos que dizem não aos nossos sonhos], [dos que elevam nosso
bem estar, dos que tentam vilipendiar a nossa auto-estima], [dos que nos
dignificam com suas presenças, dos que nos contentam com suas ausências],
[dos que nos enchem de esperança, dos que dificultam a nossa alegria], [dos nos
amam pelo que somos, dos que fingem nos amar pelo que temos]... e quantas
mais não poderiam ser elencadas aqui! (Correio da Tarde, 11/08/2009, texto 4)
u) Não X, mas Y
São divorciados da constituição intima das coisas porque não falam através dos
sentimentos e sim por metáforas. Exemplo: não enxergam nunca o mar, mas a
praia do seu veraneio, o bem, o patrimônio, o negócio, o lucro, a fartura, a
espada de Dâmocles de trinta polegadas. (Tribuna do Norte, 11/08/2009, texto
12)
v) Não X, mas (e) sim Y
São divorciados da constituição íntima das coisas porque não falam através dos
sentimentos e sim por metáforas. (Tribuna do Norte, 11/08/2009, texto 12)
Baseados em Duque (2010), agora, iniciaremos as considerações sobre as
construções antonímicas com uma observação bastante peculiar: a despeito do que
afirma a tradição, os estudos desenvolvidos nesta pesquisa revelam que os eventos
antonímicos não dizem respeito apenas à relação paradigmática. Há, também, uma
relação sintagmática5 envolvida no processo e, por isso, os pares de antônimos podem
constituir um tipo particular de construção.
Ademais, membros de pares antonímicos tendem a co-ocorrer, geralmente,
em sentenças. Quando os antônimos co-ocorrem no discurso, tendem a fazê-lo em
construções de contraste específicas. O que corrobora o entendimento proposto pela
Gramática de Construções.
Ao contrário de outras relações paradigmáticas, as relações envolvendo
antônimos são lexicais e semânticas ao mesmo tempo. Ou seja, o emparelhamento de
palavras é baseado não apenas no significado, mas também na associação de itens
lexicais específicos, indicando que os emparelhamentos são compreendidos mediante a
exposição a essas formas e estocados como conhecimento lexical.
A partir dessa análise, surge uma indagação: como representar relações
antonímicas na teoria linguística de forma a capturar tanto suas propriedades
paradigmáticas quanto suas propriedades sintagmáticas?
Bem, tentaremos dar uma resposta que preencha as lacunas provenientes
dessa questão. Na tradição da semântica estrutural (Lyons, 1977), relações de antônimos
são representadas no interior de um léxico organizado paradigmaticamente. Por
exemplo, o fato de quente ser o oposto de frio poderia ser apresentado diretamente no
nível semântico de representação, e (de forma a dar conta da natureza lexical da
5
As relações sintagmáticas são aquelas que se processam linearmente entre elementos de uma mesma
cadeia seqüencial de relação. Já as relações paradigmáticas são mais atinentes à cognição, uma vez que
diz respeito às relações de coisas que podem ocupar o mesmo lugar na sentença através de escolhas.
[Digite texto]
antonímia) a relação poderia também ser especificada nas entradas lexicais para as duas
palavras.
Tal visão é demasiadamente simplista, porque ao mesmo tempo em que não
distingue relações entre palavras (lexicais) e relações entre significados (semânticas);
também não consegue, sem postular uma grande quantidade de polissemia no léxico,
explicar o fato de os emparelhamentos antonímicos serem sensíveis ao contexto. Desse
modo, enxuto é um bom antônimo para úmido quando falamos de roupas ou toalhas,
mas não quando falamos de uma pessoa (homem enxuto/ #úmido). Essa observação nos
leva a postular que as relações opositivas são geradas pragmaticamente. Alguns pares de
antônimos, em particular, são convencionalmente associados.
A Gramática de Construções oferece um meio para tratar pares de
antônimos como construções linguísticas, fornecendo, dessa forma, uma abordagem
mais completa de como relações paradigmáticas realizadas semanticamente são
realizadas sintagmaticamente também. As evidências de que pares de antônimos
formam construções servem de argumento para se preferir o modelo baseado-emconstrução a qualquer outra abordagem de gramática e léxico.
A GC não se baseia numa gramática de estrutura sintagmática, ou seja, ela
não dá nenhuma prioridade a noção de constituição sintática. Sua proposta é a de que
construções podem envolver um, vários ou nenhum constituinte, no sentido tradicional
do termo. Por exemplo, de [SN – origem] para [SN – objetivo] funcionam como uma
unidade no discurso, mas não têm nenhum status de constituintes nas gramáticas
estruturais sintagmáticas, o que pode gerar problemas ao se tentar explicar propriedades
prosódicas e de informação.
Apesar de não se deter a explicações gramaticais evocando a noção de
constituência, a GC pode abordar estruturas de vários níveis, do morfológico ao textual.
Daí acreditarmos que tal abordagem seja a mais adequada para tratar dos pares de
antônimos que co-ocorrem dentro (quente e frio) e através (do quente ao frio) dos
limites constitutivos.
A GC postula que a unidade básica da análise linguística é a construção,
que é definida como um par de forma/significado em que alguns aspectos do
significado e/ ou forma não são predicáveis das suas partes componentes (Goldberg,
1995, p. 4). E essa noção de construção é extremamente importante para a compreensão
das questões propostas nessa pesquisa por várias razões.
Em primeiro lugar, a definição de construção equivale à definição de item
lexical em outras teorias sintáticas, mas, ao contrário dessas teorias, a GC faz uma
pequena distinção entre o que é lexical e o que é gramatical. Em vez de opor a estrutura
gramatical ao item lexical, ela defende uma gradação – com muitas estruturas
gramaticais abstratas em uma extremidade do continuum e morfemas simples na outra
extremidade. No meio estão unidades gramaticais que são especificadas por graus
variáveis de conteúdo lexical. Isto é particularmente interessante ao estudo da
antonímia, uma vez que nos permite desconsiderar a distinção entre relações
paradigmáticas e sintagmáticas.
Em segundo lugar, as estruturas gramaticais, da mesma forma que os itens
lexicais, são considerados como pares forma/significado na GC. Daí surge a
possibilidade de as estruturas gramaticais serem polissêmicas, como o são os itens
lexicais (Goldberg, 1995, pp, 31-39). Isso é relevante para a discussão sobre
Construções de Contraste.
[Digite texto]
Por fim, preferências convencionalizadas para usar formas lexicais
particulares juntas podem ser representadas diretamente na construção. Isso é vantajoso
por explicar por que alguns pares de expressões com significados opostos co-ocorrem
mais frequentemente que outros.
Como dissemos anteriormente, os antônimos frequentemente co-ocorrem
em contextos frasais específicos. E esta seção não só apresenta alguns deles, como
também defende que tais contextos frasais constituem construções, uma vez que
formam pares de forma/significado. Ora, considerando que temos a pretensão de
descrever sistematicamente o contexto em que alguns pares de antônimos co-ocorrem
num corpus constituído de jornais do RN, evidenciamos que ao constatar a variedade de
padrões léxico-sintáticos em que os pares de antônimos ocorrem, podemos agrupá-los
de acordo com suas funções discursivas. Neste caso, as antonímias seriam dispostas da
seguinte forma:
Antonímia coordenada – nela, os antônimos seriam usados a fim de indicar
que o que está sendo dito é verdade de ambos os estados opostos e também de todos os
estados do meio, como pode ser verificado em:
Tem pai que é novo, tem pai que é idoso; tem pai que é esperto,
tem pai que é limitado; tem pai que é vencedor, tem pai que se
sente derrotado; tem pai que ama seus filhos, tem pai que nem
queria que eles tivessem nascido; enfim, tem pai de todo jeito,
rico, pobre, amigo, distante; religioso, cristão, evangélico ou
ateu. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2)
Tais antônimos ocorrem frequentemente em frames sintáticos tais como:
XeY
Ambos X e Y
X and Y alike
Tanto X quanto Y
X ou Y
Ambos X ou Y
Como X ou Y
Quer X ou Y
Nem X nem Y
É importante enfatizar também que alguns dos exemplos pinçados envolvem
oposições que são convencionais com respeito a sentidos específicos, enquanto outros
são semanticamente opostos nos contextos, mas não necessariamente opostos
convencionalmente como itens lexicais. Por exemplo, grama verde, (viçosa) x grama
marrom (seca, morta). Isso poderia ser visto como um tipo de coerção relacional, em
cuja aparência na posição X e Y da construção contrastiva influencia pares de palavras
não necessariamente numa relação de oposição convencionalmente interpretada como
oposição.
Devemos considerar a construção antonímica como uma construção
paradigmática, isto é, uma construção lexical complexa que se unifica com outras
construções, resultando em uso sintagmático. Nesse sentido, como não há nenhuma
divisão entre o lexical e o gramatical na GC, o sintagmático e o paradigmático
constituem um continuum e não duas categorias linguísticas distintas.
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Os pares de antônimos canônicos6 formam uma construção que é diferente
de qualquer uma que tenha sido proposta antes, mas é possível que outras construções
paradigmáticas semelhantes possam existir, por exemplo, entre os conjuntos maiores de
categorias de contraste (animal/vegetal/mineral) ou hipônimos e seus hiperônimos
(maçã < fruta).
3. Considerações finais
Por fim, acreditamos que os fragmentos textuais coletados e analisados
evidenciam a hipótese, desenvolvida até o momento, de que uma construção de
contraste forma-se a partir de uma construção antonímica. No entanto, já dispomos de
indícios suficientes para acreditarmos que as construções não antonímicas também
geram construções contrastivas. O que mereceria uma classificação específica. Tal
hipótese será verificada no decorrer da pesquisa.
Consideramos, também, que a oposição entre os termos é criada pela
construção. Assim, é na construção que coisas pertencentes a campos semânticos
distintos e independentes se aproximam, seja num contraste antonímico ou não. Ou seja,
os antônimos não nascem como pares prontos como defende a tradição, mas são
elaborados e cristalizados como pares contrastivos, reconhecidamente canônicos, à
medida que se inserem e são utilizados em construções linguísticas contrastivas.
Neste sentido, a ideia, por exemplo, de que preto é oposto a branco é criada
pela construção linguística e internalizada através das relações intersubjetivas que se
processam em um dado entorno sociocultural. Logo, é a recorrência de uso que projeta a
ilusão de que os pares de antônimos são opostos, a priori.
Insistimos em frisar que os resultados, até aqui encontrados, são ainda
parciais. Sendo assim, esperamos que este estudo, ao seu final, possa gerar importantes
contribuições aos estudos da linguagem, bem como desdobramentos que ensejem novas
perspectivas para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem.
[Digite texto]
Referências Bibliográficas
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Mimeo.
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