CONSTRUÇÕES DE CONTRASTE NA FALA E NA ESCRITA DE NATAL Paulo Henrique Duque Vanilton Pereira da Silva Departamento de Letras – UFRN Resumo: O artigo aqui desenvolvido apresenta os resultados parciais obtidos através de um projeto de pesquisa – PROPESQ – mais amplo que investiga alguns mecanismos funcionais de usos da língua, dando ênfase à construção de contraste. Em vista disso, esclarecemos que, oportunamente, outros aspectos relevantes serão acrescentados ao projeto, dando a ele uma feição mais completa e satisfatória. No corpus analisado, 20 textos retirados de colunas publicadas em diversos jornais do RN, foram identificadas, elencadas e classificadas diversas construções contrastivas que, para fins didáticos, são apresentadas sob a forma de relações entre “X” e “Y” através de notações formais. Toda a pesquisa está sendo formatada sob a perspectiva da Gramática de Construções e os resultados preliminares fortalecem a hipótese de que a maneira como as construções gramaticais se estruturam cria espaços mentais que podem evidenciar os mais diversos padrões contrastivos. Esse fato é importante porque denota que quem dá ao texto um padrão contrastivo específico não são as palavras isoladamente, mas o modo como elas estão configuradas no interior da construção gramatical. E a perspectiva construcional se coaduna com esse entendimento, uma vez que nos fornece ferramentas de atribuição de significado sobre o mundo, pautadas em redes de construções linguísticas. Palavras-chave: Construções contrastivas; Gramática de Construções; Gêneros Jornalísticos; significação. 1. Introdução As construções regulares e fortemente produtivas da língua, às vezes fornecem o esqueleto sintático para construções especiais que incorporam traços semânticos e pragmáticos específicos, às vezes, definidos muito estritamente. FILLMORE e KAY, 1995:50. Ao propor uma investigação acerca dos mecanismos de constraste empregados em textos, falados e escritos, coletados de jornais de circulação na grande Natal, partimos da organização das amostras dos fragmentos textuais para, em seguida, realizar o levantamento das ocorrências e posterior análise. É importante esclarecer que esses procedimentos prévios visam possibilitar a identificação dos elementos linguísticos e extralinguísticos diretamente envolvidos nos processos de construção de contraste. Além disso, consideramos que a pesquisa em desenvolvimento se justifica na medida em que propõe uma abordagem para a lida com os mecanismos de construção de sentido (o de contraste, no caso específico) em produções concretizadas no seio da interação social, em contraponto com as abordagens exclusivamente formais [Digite texto] utilizadas largamente no ensino de Leitura e Produção de Textos em voga no cenário acadêmico atual. Desse modo, trabalhos que enfoquem esse viés trarão benefícios aos processos de ensino-aprendizagem, contribuindo para o aprimoramento das práticas de compreensão de textos. E isso, certamente, repercutirá na discussão acerca da relevância dos tópicos constantes dos componentes curriculares de nossa Língua Materna. A seguir, com o objetivo de facilitar a compreensão do escopo teórico espraiado no decorrer da pesquisa, exibiremos alguns fragmentos textuais e suas respectivas notações formais. Chamaremos o primeiro termo de “X” e o segundo de “Y”. Faz-se necessário evidenciar também que apesar encontrarmos vários fragmentos para cada classificação, optamos por utilizar apenas um de cada. Vejamos abaixo, para fins didáticos, dois exemplos distintos de construções contrastivas: XeY As datas comemorativas estão tão comerciais que, às vezes, a gente lembra do presente e esquece do abraço. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2) X, mas não Y Os indignados estão no meio da sociedade. São muitos milhões a menos que os conformados. Puxarão a carroça da oposição, mas não com força suficiente para mudar a estrutura da pirâmide, em cuja base transita uma população que parece satisfeita em obedecer às ordens do comandante. (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 5) Após identificar e classificar didaticamente as construções gramaticais contrastivas encontradas, selecionamos uma ocorrência de cada tipo no intuito de ilustrarmos as hipóteses apresentadas no desenvolvimento do trabalho e facilitarmos o entendimento das explanações teóricas subsequentes. É importante esclarecer também que este estudo tem um enfoque qualitativo, e não quantitativo. Além disso, destacamos que não objetivamos apenas identificar as construções de contraste recorrentes no corpus, mas também verificar de que forma se relacionam entre si, de onde se originam e de que maneira se revestem de prototipicidade. Tudo isso sob a perspectiva da Gramática de Construções (Doravante GC) 1. Acreditamos que o modo como as construções gramaticais se estruturam cria espaços mentais que podem denotar os mais diversos padrões contrastivos. Esse fato é relevante, pois denota que quem dá ao texto o sentido de contraste não são as palavras isoladamente, mas o modo como elas se configuram no interior da construção gramatical. E a perspectiva construcional se coaduna com esse entendimento, uma vez que nos fornece ferramentas de atribuição de significado sobre o mundo, pautadas em 1 Abordagem linguística que concebe a gramática a partir de duas premissas básicas: a indistinção entre léxico e sintaxe; e a concepção de signo linguístico como vetor bipolar indissociável, pareando forma e condições de construção de sentido que são sempre pragmático-semânticos. Desse modo, a gramática é concebida como uma grande rede de construções. [Digite texto] redes de construções linguísticas2. O que vai de encontro às abordagens essencialistas e imanentes. A partir dos dados coletados, verificamos que as relações antonímicas, por exemplo, são caracterizadas no interior da construção de contraste, por meio da formação de subconstruções. Nesse sentido, o caráter antonímico atribuído a determinados vocábulos não lhes seria intrínseco, mas o produto de arranjos que funcionam como uma espécie de fôrma geratriz de significados. Apesar de reconhecermos que a frequência de token3 contribui para a crença de que a antonímia seja um traço inerente às palavras; acreditamos que os pares antonímicos se configuram e se tornam cristalizados a partir da recorrência com que aparecem nas construções, e não pelo fato de terem uma essência antonímica própria. Destarte, a oposição semântica notada entre vocábulos específicos seria obtida por meio dos constructos gramaticais contrastivos. Logo, o sentido não emergiria da palavra em si mesma, mas dos esquemas gramaticais elaborados. E seria a recorrência de certos vocábulos em determinadas construções que faria germinar os pares prototípicos de antônimos. Ou seja, os pares contrastivos surgiriam e seriam moldados pela(s) e na(s) construções. É óbvio, no entanto, que, no transcorrer da história, algumas palavras são utilizadas com tanta frequência em certas construções que acabam adquirindo um revestimento semântico „estável‟ e, aparentemente, inerente a elas. É o caso dos vocábulos „preto‟ e „branco‟, que, de imediato, denotam oposição independentemente do constructo gramatical que venham a compor. Os constructos gramaticais não se restringem aos aspectos linguísticos, mas são norteados cognitiva – porque a linguagem constitui-se de construções “virtuais” criadas pelo cérebro – e culturalmente – porque as relações intersubjetivas exercem papel fundamental no processo de elaboração linguística. Daí entendermos ser indubitável o papel visceral dos aspectos linguísticos, culturais e cognitivos na elaboração das construções gramaticais que alicerçam a constituição semântica dos vocábulos. Uma evidência desse fato está no grau de variabilidade apresentado por certos itens lexicais que podem pertencer a campos semânticos diversos de acordo com entorno sociocultural em que forem evocados. Por exemplo, enquanto no Brasil os vocábulos “cachorro”, “escorpião” e “gafanhoto” não têm nenhuma relação direta com “culinária”, na China se referem a pratos apreciadíssimos. E isso acontece em virtude do escopo cultural específico em que estão inseridos. Outra questão relevante pode ser ilustrada pela seguinte pergunta: por que certas estruturas linguísticas se repetem com maior frequência em dadas comunidades de falantes, vindo a cristalizar-se? Justamente porque estão mais próximas das 2 Aristóteles, por exemplo, defendia a ideia de que os objetos seriam identificados e nomeados no mundo a partir de seus traços intrínsecos e imanentes (essencialismo). Dessa forma, as coisas mundanas possuiriam uma essência própria que, ao ser captada pelo homem, dava a este o poder de nomeá-las segundo seus aspectos idiossincráticos. 3 A terminologia token frequency é geralmente empregada para denotar a ocorrência de cada item lexical em determinado corpus (a freqüência de um item específico dentro da fala de um determinado indivíduo, por exemplo), enquanto o termo type frequency é usado para designar a freqüência de determinado padrão na língua (o plural em s, por exemplo). [Digite texto] experiências corporais desses falantes. Nossas experiências de movimento e manipulação de objetos criam um conjunto de esquemas mentais que se estruturam e se propagam desde nossa infância até o fim de nossas vidas. Esses esquemas processam e cristalizam estruturas diversas (sensório-motoras, simbólicas, etc.) que são internalizadas por nós e nos induzem a utilizar construções linguísticas semelhantes a elas. Desse modo, é a maneira como experienciamos as coisas na nossa cultura que nos leva a usar determinadas construções com mais frequência. Não devemos, portanto, pensar que o significado das palavras seja algo verdadeiro, estanque ou inerente; mas delineado à medida que a construção é realizada. É a partir das construções linguísticas que atribuímos sentido às palavras, às sentenças, aos textos e ao mundo. São os frames4 que projetam a noção de contraste virtualmente impregnada às coisas. E esse processo é necessariamente linguístico, cognitivo e cultural. 2. Construções de contraste Após uma análise mais detalhada das composições gramaticais selecionadas, percebemos que as construções de contraste se apresentaram de duas formas distintas: 2.1 Construções antonímicas: se dão através da oposição entre vocábulos ou sentenças, a partir dos mais variados tipos construções evidenciadas pelas notações formais abaixo: a) X e Y As datas comemorativas estão tão comerciais que, às vezes, a gente lembra do presente e esquece do abraço. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2) b) X ou Y Cada um de nós constrói uma história ao lado dos pais. Daí, você pode reter as coisas negativas ou valorizaras positivas. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2) c) X em vez de Y ⇔ [Faziam X quando queriam fazer Y; Usaram X por não terem Y; Parecer X quando se é Y] Muitos homens, por imposição da própria vida, [tiveram de ser duros quando queriam ser tolerantes]; [usaram a força por não terem argumentos convincentes]. [Parecer forte quando se tem a sensação de fraqueza], engolir as lágrimas, lidar com o peso da responsabilidade de sustentar uma família, ainda que reúna muitas ou poucas condições; tudo isso, é bastante difícil para alguém. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2) d) Tornando X em Y ⇔ (Deixaram de ser X para não parecer Y) 4 Também chamados de enquadramentos ou molduras, os frames são estruturas cognitivas que organizam nosso conhecimento convencional de mundo em blocos bem integrados e intensamente utilizados em nossas relações intersubjetivas. Dessa forma, contêm o conhecimento cotidiano sobre conceitos cristalizados: sala de aula, festa, namoro, amizade, etc. [Digite texto] Muitos homens, por imposição da própria vida, tiveram de ser duros quando queriam ser tolerantes; [deixaram de ser meigos para não parecerem fracos], usaram a força por não terem argumentos convincentes. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2) e) X dá lugar a Y Depois de perder apoios importantes por ter o nome sujo na praça, o Flamengo agora arregala os olhos para o mercado chinês. Intermediado pelo ministério dos Esportes, (o Rubro-Negro pretende obter uma verba de R$ 14,5 milhões para realizar reformas no Ninho do Urubu com o governo da China). Em troca (o clube serviria como base de preparação de jovens atletas daquele país). (Correio da Tarde, 09/08/2009, texto 12) f) De X a Y Quantas pessoas não passam pela nossa passageira vida?! São os transeuntes dos quais, na grande maioria das vezes, não nos apercebemos o quanto são importantes. Elas vêm e vão cotidianamente. Do nascer ao morrer da nossa existência estão, como que, a minimizar e engrandecer o que já somos. (Correio da Tarde, 11/08/2009, texto 4) g) Como X ou Y ⇔ [como X, w e como Y, z] Em meio ao vai e vem de cada tempo presente estão as escolhas que nos afinam com as várias propostas que nós, como sujeitos, oferecemos; e como objetos, recebemos. (Correio da Tarde, 11/08/2009, texto 4) h) Não X, Y Os não-democratas concordam com a frase "não importa se um governo é autoritário, desde que ele resolva os problemas econômicos". Aí cabe lembrar a advertência de Napoleão: "parece que a maioria dos que não querem ser oprimidos, querem ser opressores". (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 5) i) X, não Y Curta seu pai enquanto ele está ao seu lado. Muitos já não o tem por perto. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2) j) X mas Y Freud, fundador da psicanálise desaprovaria vários dos seus alunos hoje, mas explicaria certos comportamentos. (Tribuna do Norte, 11/08/2009, texto 12) k) X, mas não Y O deputado estadual Wober Júnior (PPS) sinalizou que encamparia a abertura da discussão do referido projeto nesse segundo semestre, mas até agora não se pronunciou. (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 8) l) Não X, nem Y Ao mesmo tempo, ela dá demonstrações de que não vai dar espaço e nem aceitar reclamações e cobranças em torno de uma postura de quem não procura fazer o [Digite texto] mesmo. A ideia é de que a coerência não deve partir apenas dela, mas de todos. (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 8) m) X sem Y Todos os lados apontam a guerreirinha verde sem chances de derrotar a guerreira vermelha de tantas batalhas. (Tribuna do Norte, 09/08/2009, texto 15) n) Como X se Y Um dos questionamentos é o seguinte: como [os deputados João Maia (PR) e Robinson Faria (PMN), por exemplo, podem reclamar de Wilma], se [ambos estão na base, mas mantêm entendimentos com o senador José Agripino Maia (DEM)]? (Diário de Natal, 09/08/2009, texto 8) o) Enquanto X, Y Enquanto setores da sociedade discutem o que seria mais eficaz contra o avanço da criminalidade – se medidas repressivas ou o ataque a problemas sociais como a má distribuição de renda e o desemprego – o nosso vizinho colocou em prática esta política pública que leva em conta os problemas específicos de cada localidade. (Tribuna do Norte, 09/08/2009, texto 11) p) Entre X e Y Um fato simples revelou a habilidade do atual presidente dos Estados Unidos, em uma iniciativa que se coaduna com a sua personalidade. Obama, com extrema simpatia, convidou o professor e o militar para uma conversa cordial na Casa Branca. A repercussão do convite e do encontro foi enorme, muito por causa da afinidade entre o gesto e o autor do gesto. Fosse outro tipo de líder, por exemplo, o Presidente Bush, seria algo destoante, talvez uma hipocrisia pública. (Tribuna do Norte, 13/08/2009, texto 14) q) Mesmo X, Y Mesmo após o desastroso bloqueio imposto por Fernando Collor de Mello em 1990, que levou milhares de brasileiros ao desespero, a poupança conseguiu recuperar seu prestígio como instrumento de acúmulo de reserva financeira para milhões de brasileiros, incluindo aposentados que ao longo da vida profissional construíram reservas para a velhice. (Correio da Tarde, 10/05/2009, texto 3) r) X mais que Y „Lula, o Filho do Brasil‟ emocionará mais que „Dois Filhos de Francisco‟, diz o ministro, citando o filme sobre a dupla Zezé di Camargo e Luciano. (Tribuna do Norte, 09/08/2009, texto 13) s) Ora X, ora Y Desse episódio, que parece ser simples e pequeno, podem-se tirar grandes lições, quanto aos erros e acertos dos que detêm o poder, quanto à arrogância e à humildade, quanto ao entendimento entre os seres humanos, ora tão fácil, ora tão difícil. Esse é um caso típico de “paz na terra aos homens de boa vontade”. (Tribuna do Norte, 13/08/2009, texto 14) [Digite texto] t) X, Y (...) [dos que nos fazem o bem, dos que nos fazem mal], [dos que dizem sim aos nossos desejos, dos que dizem não aos nossos sonhos], [dos que elevam nosso bem estar, dos que tentam vilipendiar a nossa auto-estima], [dos que nos dignificam com suas presenças, dos que nos contentam com suas ausências], [dos que nos enchem de esperança, dos que dificultam a nossa alegria], [dos nos amam pelo que somos, dos que fingem nos amar pelo que temos]... e quantas mais não poderiam ser elencadas aqui! (Correio da Tarde, 11/08/2009, texto 4) u) Não X, mas Y São divorciados da constituição intima das coisas porque não falam através dos sentimentos e sim por metáforas. Exemplo: não enxergam nunca o mar, mas a praia do seu veraneio, o bem, o patrimônio, o negócio, o lucro, a fartura, a espada de Dâmocles de trinta polegadas. (Tribuna do Norte, 11/08/2009, texto 12) v) Não X, mas (e) sim Y São divorciados da constituição íntima das coisas porque não falam através dos sentimentos e sim por metáforas. (Tribuna do Norte, 11/08/2009, texto 12) Baseados em Duque (2010), agora, iniciaremos as considerações sobre as construções antonímicas com uma observação bastante peculiar: a despeito do que afirma a tradição, os estudos desenvolvidos nesta pesquisa revelam que os eventos antonímicos não dizem respeito apenas à relação paradigmática. Há, também, uma relação sintagmática5 envolvida no processo e, por isso, os pares de antônimos podem constituir um tipo particular de construção. Ademais, membros de pares antonímicos tendem a co-ocorrer, geralmente, em sentenças. Quando os antônimos co-ocorrem no discurso, tendem a fazê-lo em construções de contraste específicas. O que corrobora o entendimento proposto pela Gramática de Construções. Ao contrário de outras relações paradigmáticas, as relações envolvendo antônimos são lexicais e semânticas ao mesmo tempo. Ou seja, o emparelhamento de palavras é baseado não apenas no significado, mas também na associação de itens lexicais específicos, indicando que os emparelhamentos são compreendidos mediante a exposição a essas formas e estocados como conhecimento lexical. A partir dessa análise, surge uma indagação: como representar relações antonímicas na teoria linguística de forma a capturar tanto suas propriedades paradigmáticas quanto suas propriedades sintagmáticas? Bem, tentaremos dar uma resposta que preencha as lacunas provenientes dessa questão. Na tradição da semântica estrutural (Lyons, 1977), relações de antônimos são representadas no interior de um léxico organizado paradigmaticamente. Por exemplo, o fato de quente ser o oposto de frio poderia ser apresentado diretamente no nível semântico de representação, e (de forma a dar conta da natureza lexical da 5 As relações sintagmáticas são aquelas que se processam linearmente entre elementos de uma mesma cadeia seqüencial de relação. Já as relações paradigmáticas são mais atinentes à cognição, uma vez que diz respeito às relações de coisas que podem ocupar o mesmo lugar na sentença através de escolhas. [Digite texto] antonímia) a relação poderia também ser especificada nas entradas lexicais para as duas palavras. Tal visão é demasiadamente simplista, porque ao mesmo tempo em que não distingue relações entre palavras (lexicais) e relações entre significados (semânticas); também não consegue, sem postular uma grande quantidade de polissemia no léxico, explicar o fato de os emparelhamentos antonímicos serem sensíveis ao contexto. Desse modo, enxuto é um bom antônimo para úmido quando falamos de roupas ou toalhas, mas não quando falamos de uma pessoa (homem enxuto/ #úmido). Essa observação nos leva a postular que as relações opositivas são geradas pragmaticamente. Alguns pares de antônimos, em particular, são convencionalmente associados. A Gramática de Construções oferece um meio para tratar pares de antônimos como construções linguísticas, fornecendo, dessa forma, uma abordagem mais completa de como relações paradigmáticas realizadas semanticamente são realizadas sintagmaticamente também. As evidências de que pares de antônimos formam construções servem de argumento para se preferir o modelo baseado-emconstrução a qualquer outra abordagem de gramática e léxico. A GC não se baseia numa gramática de estrutura sintagmática, ou seja, ela não dá nenhuma prioridade a noção de constituição sintática. Sua proposta é a de que construções podem envolver um, vários ou nenhum constituinte, no sentido tradicional do termo. Por exemplo, de [SN – origem] para [SN – objetivo] funcionam como uma unidade no discurso, mas não têm nenhum status de constituintes nas gramáticas estruturais sintagmáticas, o que pode gerar problemas ao se tentar explicar propriedades prosódicas e de informação. Apesar de não se deter a explicações gramaticais evocando a noção de constituência, a GC pode abordar estruturas de vários níveis, do morfológico ao textual. Daí acreditarmos que tal abordagem seja a mais adequada para tratar dos pares de antônimos que co-ocorrem dentro (quente e frio) e através (do quente ao frio) dos limites constitutivos. A GC postula que a unidade básica da análise linguística é a construção, que é definida como um par de forma/significado em que alguns aspectos do significado e/ ou forma não são predicáveis das suas partes componentes (Goldberg, 1995, p. 4). E essa noção de construção é extremamente importante para a compreensão das questões propostas nessa pesquisa por várias razões. Em primeiro lugar, a definição de construção equivale à definição de item lexical em outras teorias sintáticas, mas, ao contrário dessas teorias, a GC faz uma pequena distinção entre o que é lexical e o que é gramatical. Em vez de opor a estrutura gramatical ao item lexical, ela defende uma gradação – com muitas estruturas gramaticais abstratas em uma extremidade do continuum e morfemas simples na outra extremidade. No meio estão unidades gramaticais que são especificadas por graus variáveis de conteúdo lexical. Isto é particularmente interessante ao estudo da antonímia, uma vez que nos permite desconsiderar a distinção entre relações paradigmáticas e sintagmáticas. Em segundo lugar, as estruturas gramaticais, da mesma forma que os itens lexicais, são considerados como pares forma/significado na GC. Daí surge a possibilidade de as estruturas gramaticais serem polissêmicas, como o são os itens lexicais (Goldberg, 1995, pp, 31-39). Isso é relevante para a discussão sobre Construções de Contraste. [Digite texto] Por fim, preferências convencionalizadas para usar formas lexicais particulares juntas podem ser representadas diretamente na construção. Isso é vantajoso por explicar por que alguns pares de expressões com significados opostos co-ocorrem mais frequentemente que outros. Como dissemos anteriormente, os antônimos frequentemente co-ocorrem em contextos frasais específicos. E esta seção não só apresenta alguns deles, como também defende que tais contextos frasais constituem construções, uma vez que formam pares de forma/significado. Ora, considerando que temos a pretensão de descrever sistematicamente o contexto em que alguns pares de antônimos co-ocorrem num corpus constituído de jornais do RN, evidenciamos que ao constatar a variedade de padrões léxico-sintáticos em que os pares de antônimos ocorrem, podemos agrupá-los de acordo com suas funções discursivas. Neste caso, as antonímias seriam dispostas da seguinte forma: Antonímia coordenada – nela, os antônimos seriam usados a fim de indicar que o que está sendo dito é verdade de ambos os estados opostos e também de todos os estados do meio, como pode ser verificado em: Tem pai que é novo, tem pai que é idoso; tem pai que é esperto, tem pai que é limitado; tem pai que é vencedor, tem pai que se sente derrotado; tem pai que ama seus filhos, tem pai que nem queria que eles tivessem nascido; enfim, tem pai de todo jeito, rico, pobre, amigo, distante; religioso, cristão, evangélico ou ateu. (Correio da Tarde, em 11/08/2009, texto 2) Tais antônimos ocorrem frequentemente em frames sintáticos tais como: XeY Ambos X e Y X and Y alike Tanto X quanto Y X ou Y Ambos X ou Y Como X ou Y Quer X ou Y Nem X nem Y É importante enfatizar também que alguns dos exemplos pinçados envolvem oposições que são convencionais com respeito a sentidos específicos, enquanto outros são semanticamente opostos nos contextos, mas não necessariamente opostos convencionalmente como itens lexicais. Por exemplo, grama verde, (viçosa) x grama marrom (seca, morta). Isso poderia ser visto como um tipo de coerção relacional, em cuja aparência na posição X e Y da construção contrastiva influencia pares de palavras não necessariamente numa relação de oposição convencionalmente interpretada como oposição. Devemos considerar a construção antonímica como uma construção paradigmática, isto é, uma construção lexical complexa que se unifica com outras construções, resultando em uso sintagmático. Nesse sentido, como não há nenhuma divisão entre o lexical e o gramatical na GC, o sintagmático e o paradigmático constituem um continuum e não duas categorias linguísticas distintas. [Digite texto] Os pares de antônimos canônicos6 formam uma construção que é diferente de qualquer uma que tenha sido proposta antes, mas é possível que outras construções paradigmáticas semelhantes possam existir, por exemplo, entre os conjuntos maiores de categorias de contraste (animal/vegetal/mineral) ou hipônimos e seus hiperônimos (maçã < fruta). 3. Considerações finais Por fim, acreditamos que os fragmentos textuais coletados e analisados evidenciam a hipótese, desenvolvida até o momento, de que uma construção de contraste forma-se a partir de uma construção antonímica. No entanto, já dispomos de indícios suficientes para acreditarmos que as construções não antonímicas também geram construções contrastivas. O que mereceria uma classificação específica. Tal hipótese será verificada no decorrer da pesquisa. Consideramos, também, que a oposição entre os termos é criada pela construção. Assim, é na construção que coisas pertencentes a campos semânticos distintos e independentes se aproximam, seja num contraste antonímico ou não. Ou seja, os antônimos não nascem como pares prontos como defende a tradição, mas são elaborados e cristalizados como pares contrastivos, reconhecidamente canônicos, à medida que se inserem e são utilizados em construções linguísticas contrastivas. Neste sentido, a ideia, por exemplo, de que preto é oposto a branco é criada pela construção linguística e internalizada através das relações intersubjetivas que se processam em um dado entorno sociocultural. Logo, é a recorrência de uso que projeta a ilusão de que os pares de antônimos são opostos, a priori. Insistimos em frisar que os resultados, até aqui encontrados, são ainda parciais. Sendo assim, esperamos que este estudo, ao seu final, possa gerar importantes contribuições aos estudos da linguagem, bem como desdobramentos que ensejem novas perspectivas para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem. [Digite texto] Referências Bibliográficas CEZARIO, M. M; VOTRE, S. Sociolingüística. In: MARTELOTTA, M. E. (org.) Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto, 2008. DUQUE, P. H. Contrastes e Confrontos: um estudo funcional do mas na fala e na escrita. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. DUQUE, P.H. Construções de contraste nos jornais de Natal: As relações antonímicas. XIV Congresso Nacional de Linguística e Filologia – UERJ/RJ, Anais do XIV CNLF, 2010. FILLMORE, Charles & KAY, Paul. Construction Grammar. Ms. University of California, Berkeley, 1995. GOLDBERG, Adelle. Construction: a construction grammar approach to argument structure. Chicago/ London: The University of Chicago Press. 1995. LABOV, W. Padrões Sociolingüísticos. São Paulo: Parábola, 2008 (LYONS, John. Semantics. 2 Volumes. Cambridge: Cambridge University Press, 1977. NEVES, M. H. M. Gramática de Usos do Português. São Paulo: EDUNESP, 2000. OLIVEIRA, M. A. Variação Lingüística: conceituação, problemas de descrição gramatical e implicações para a construção de uma teoria gramatical. DELTA, v.3, n. 1, 1987. PINTZUK, S. VARBRUL Program. Philadelphia: University of Pennsylvania, 1988. Mimeo. [Digite texto]