A MELHOR RESPOSTA DA QUESTÃO DISCURSIVA Pergunta sorteada (#7): Você concorda ou discorda da seguinte afirmação: “Modificações de um comportamento instintivo só ocorrem ao longo de várias gerações, enquanto que modificações de comportamentos aprendidos ocorrem na vida individual.” Explique e exemplifique para substanciar seu ponto de vista. RESPOSTA Concordo em parte. Variações na evolução do comportamento ocorrem em função da razão custo-benefício que cada tipo de comportamento oferece e das circunstâncias ecológicas, que podem mudar e modificar o valor adaptativo de um comportamento. O Comportamento instintivo é uma ação que é executada de maneira funcional na primeira vez que o animal de certa idade experimenta indicadores ambientais específicos para aquele comportamento. O custo do erro em realizar tal comportamento é alto, por isso ele é altamente restrito, canalizado. As modificações desse comportamento acontecem através de seleção natural, ou seja, se aparece uma modificação vantajosa, o indivíduo com ela gerará mais descendentes que outros indivíduos sem a modificação. Ao longo das gerações, a modificação irá se espalhar na população. O comportamento aprendido é aquele modificado de forma adaptativa ao longo da vida de um indivíduo. O custo do erro não é tão alto, por isso ele é mais flexível (o animal pode cometer o erro e ainda sobreviver e deixar descendentes). Um exemplo de comportamento instintivo seria dos filhotes de ave pedirem alimento aos pais abrindo o bico, assim como dos pais responderem a esse estímulo colocando comida, comportamentos fundamentais para a sobrevivência dos descendentes. Outro exemplo são as juruvas, que mesmo nunca tendo encontrado uma cobra coral na vida, desde jovens evitam bicá-las; o comportamento é tão restrito que até imitações de cobra são suficientes para o comportamento. Isso acontece da mesma forma com lesmas marinhas e a percepção química da presença de seu predador, a estrela do mar. Um exemplo de comportamento aprendido seria de pássaros que aprendem a evitar borboletas monarca depois de experiência desagradável (mas que não foi forte suficiente para levar à morte). Outro comportamento flexível acontece com o primata Cercopithecus pygerythrus, que são animais sociais que possuem gritos de alarme específicos para cada predador. O erro de um indivíduo jovem em reconhecer a especificidade do alarme não é necessariamente fatal devido ao contexto social e proteção da mãe, e por isso ele pode modificar o comportamento ao longo de sua vida. Não concordo completamente com a afirmação porque as definições de comportamento instintivo e aprendido levam a uma dicotomia artificial, que representa apenas resultado da origem da questão: o instintivo era o que não era aprendido, e viceversa. Porém, esses dois tipos de comportamento representam duas extremidades de uma gradação contínua, na qual todas as possíveis interações podem ser observadas. O comportamento é resultado da interação do genótipo e o meio ambiente (aprendizado): assumir uma extremidade seria o mesmo que dizer que apenas um fator contribui para dado comportamento. Dawkins afirma que, se os genes são a recita do bolo, não existe um mapeamento entre as palavras da receita e as migalhas do bolo, nem é possível separar os ingredientes da receita, ou seja, é difícil isolar a contribuição dos fatores. Apesar de os genes conterem a informação (receita), são ativadas pequenas regiões do gene dependendo da localização de cada um em cada região do corpo. Então, desde os processos ontogenéticos (no ovo ou no útero) o meio ambiente interage com o genótipo, não podendo excluir sua participação nem antes do nascimento. Exemplo de um comportamento considerado instintivo; o filhote de cuculídeo (de espécies que parasitam cuidado parental de outras) derruba o filhote da espécie hospedeira; esse comportamento não parece ter sido aprendido, mas o meio ambiente pode ter contribuído de alguma forma – na composição química na gema, alimento recebido no ninho, ou através de estímulos por contatos tácteis. Exemplo de comportamento considerado aprendido: ratos evitam veneno após uma experiência desagradável. Para haver aprendizado, é preciso de um sistema neural capaz de processar, memorizar e usar a informação, que é resultado de um processo do qual o genótipo tem a receita. Existem casos inclusive onde comportamento a princípio instintivo pode ser modificado no tempo de vida de um indivíduo, como é o caso de uma espécie de vespa em relação a uma orquídea. A orquídea apresenta estímulos visuais e olfativos que estimulam o comportamento de cópula das vespas machos, pois são estímulos semelhantes a uma fêmea da espécie receptiva. Esse comportamento da vespa é um padrão de ação fixa, o qual a orquídea explora para favorecer a polinização. Porém, percebendo que não se trata de uma fêmea, o indivíduo passa a evitar aquela orquídea em particular. Por isso essa estratégia só é vantajosa para a orquídea nos primeiros momentos em que a flor se abre. Mas se outra orquídea florescer, o mesmo indivíduo (vespa macho) pode cometer o erro novamente, até aprender a não visitar a segunda orquídea. Existe uma forma de comportamento, semi-restrito, que está na gradação entre as extremidades, pois precisa de um estímulo para ocorrer aprendizado que deve acontecer em momento específico na vida de um animal, e depois disso o comportamento está cristalizado. É o caso do imprinting, que estabelece uma relação entre o filhote e a mãe logo nos primeiros estágios de desenvolvimento com o contato parental. Konrad Lorenz fez vários experimentos com gansos e patos mostrando que os indivíduos criavam uma ligação com o pesquisador como se ele fosse a mãe, ou até mesmo objetos inanimados, se fosse a primeira coisa que vissem. O canto dos pássaros também é um comportamento semi-restrito, podendo ser mais flexível ou mais restrito de acordo com a espécie. Em geral, existe um mecanismo automático de reconhecimento no canto (que poderia ser chamado instintivo), mas também é necessário uma experiência social, para ouvir o canto de um “tutor” e praticar, ouvindo seu próprio canto, até cristalizar o canto da espécie. Modificações no canto podem ocorrer caso o processo de aprendizado do canto seja interferido, ou no momento que ele precisa ouvir um tutor (então ele não canta), ou no momento de praticar o canto (fica diferente do canto da espécie).