UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS INOVAÇÃO ORGANIZACIONAL Empreendedorismo social: a cultura como fator-chave Antônio A B Miranda Felipe R. Fialho Júlio Pereira Araújo. Introdução Tem-se observado nas duas últimas décadas um crescente interesse global pelas questões referentes ao empreendedorismo. Desde Schumpeter, está clara a relação íntima entre empreendedorismo e crescimento econômico. Fontenele (2010) ao citar Lambing & Kuehl (2007) traz Schumpeter como grande responsável pela associação da figura do empreendedor como principal promotor do desenvolvimento econômico devido, sobretudo, a sua grande capacidade de inovar, fazendo novas combinações dos recursos produtivos existentes. Através da “destruição criativa”, prestava-se a substituir produtos e processos ultrapassados, renovando, assim, a própria sociedade. Desta forma, assumia um papel central no desenvolvimento da economia. Se, por um lado, observa-se esta crescente urgência por parte de governo – empresa academia em se manter o foco nas questões referentes ao empreendedorismo, por outro, observa-se também, a nível global, uma acentuação nas desigualdades sociais, sobretudo nos países em desenvolvimento. Avanços tecnológicos e científicos dividem a cena com o considerável aumento de concentração de renda e, consequentemente, aumento da pobreza e miséria, perdas de liberdade e direitos humanos. Há, portanto, um paradoxo, conforme afirma Oliveira (2004b) Uma vez que os processos de exclusão social atingem níveis alarmantes em todo o planeta, chega-se a conclusão de que os governos são incapazes, por si sós, de enfrentarem eficientemente as grandes questões sociais. É neste contexto que, sobretudo a partir da década de 1990, destacam-se a atuação de diversas organizações que colocam em prática o conceito de empreendedorismo social. Dentre os vários atores envolvidos neste tipo específico de empreendedorismo, as comunidades locais certamente são as mais interessadas na propagação dos empreendedores sociais, já que são considerados agentes de mudanças, capazes de gerar impactos significativos no ambiente, beneficiando uma grande quantidade de pessoas. A problemática percebida neste ensaio gira em torno do pouco número de empreendedores sociais existentes no Brasil, haja vista o enorme diferencial que esses indivíduos proporcionam na vida das pessoas e da sociedade como um todo. Decorre dessa percepção a formulação das seguintes questões: 1. Por que existe no Brasil uma carência de empreendedores do ramo social? 2. Quais as medidas seriam necessárias e por quem deveriam ser tomadas para aumentarmos o número desses indivíduos que tanto fazem a diferença em um país? Partindo da premissa de que a cultura brasileira é muito criativa, mas pouco inovadora, sendo este um dos principais fatores que dificultam o empreendedorismo, este breve trabalho tem a pretensão de responder a estas questões. Propõe reflexões que sejam benéficas, uma vez que intenta despertar o interesse daqueles que enxergam no tema uma grande e real possibilidade de aprofundamento e crescimento. Primeiramente, pretende-se elucidar alguns conceitos que por vezes se confundem, tornando-os claros e permitindo aos iniciantes que se avance de forma segura, eliminando-se possíveis confusões e dúvidas quanto a determinados termos. Em um segundo momento, levanta-se uma discussão a respeito das causas que levam a essas questões-problemas. Posteriormente, tenta-se apontar soluções reais para finalmente se indicar as limitações, bem como temas a serem aprofundados. Empreendedorismo: um enfoque social Nas últimas décadas têm-se dado especial atenção ao tema do empreendedorismo. Bruscas mudanças econômicas, sociais e políticas, advindas do processo de globalização, contribuem para o aumento da competição entre as organizações, bem como de diversos setores do mercado e da sociedade. Neste contexto, surgem poucos, mas expressivos grupos, desenvolvendo ações voltadas para as causas sociais, dando outro enfoque à tão comentada questão do empreendedorismo. Dentre as várias concepções sobre empreendedorismo, a que mais tem se destacado è aquela associada ao indivíduo ou organização que, a partir de uma ideia inovadora, é capaz de gerar riquezas transformando conhecimento em produtos, bens e serviços novos, assim como criando novos métodos e modelos de negócios. Para Dees, o significado da palavra empreendedor está associado a indivíduos que estimulam o crescimento econômico por encontrarem diferentes e melhores maneiras de fazer as coisas. A palavra descreve, assim, uma postura, um comportamento, um conjunto de qualidades, e não um tipo de negócio que o individuo empreendeu. Para provocar mudanças na sociedade, empreendedores veem possibilidades, e não problemas. Não se limitam aos recursos que possuem em um determinado momento. O conceito de empreendedorismo social surge atrelado a um novo paradigma, voltado a dirimir problemas da sociedade civil como a pobreza, e questões relacionadas à educação, saúde, meio ambiente, desigualdades, dentre outras. Para Dees, empreendedor social é uma pessoa com perfil para provocar mudanças visando melhorias sociais, ambientais e econômicas em seu meio. Alguém com objetivo de gerar ganho em qualidade de vida num sentido mais amplo; que não isola questões sociais de ambientais e econômicas (DESS, 1998). Segundo Bessant, empreendedorismo social é a aplicação do empreendedorismo comum para alcançar objetivos sociais em vez de recompensa financeira, porém não a exclui. (BESSANT, 2009). Conforme a ONG internacional ASHOKA, o empreendedor social é um cidadão que pratica trabalhos sociais relevantes para a sociedade, no intuito de premiar e incentivar suas ações sociais. Desta forma, o empreendedor social apresenta ideias novas e criativas; é alguém dotado de uma personalidade empreendedora. Sua visão é capaz de criar um novo modelo sustentável, gerando impacto social suficiente e fazendo com que os outros o adotem. Empreendedorismo social no Brasil: dificuldades e empecilhos Segundo a rede Artemísia, os negócios sociais ou empreendimentos sociais surgem como uma proposta de superação daqueles modelos existentes, ou seja, de modo a superar os desafios sociais, propondo soluções que superam a lógica, com modelos de negócios radicalmente novos no mercado, na relação entre comunidade-governo-empresas. Além disso, “A consolidação dos negócios sociais emergentes, a atração e formação de capital humano qualificado para este campo, o crescimento de investidores interessados, a criação de centros de estudos nas universidades e fora dela, certamente contribuirão para o avanço da compreensão do significado deste novo modelo para o mundo e de sua capacidade de contribuir para a solução dos graves desafios sociais que a sociedade já enfrenta”. Melo Neto e Froes (2002) afirmam que as ações transformadoras são desenvolvidas por uma rede de empreendedores sociais com base nos seguintes pressupostos sociais: reflexão nas comunidades; criação e desenvolvimento de soluções antes impossíveis de inserção social em seu sentido mais amplo; existência do exercício pleno da cidadania; enfoque da sociedade em termos de geração de renda, produtividade, justiça social e ética; estabelecimento de novas parcerias, com total integração do governo, comunidade e setor privado; foco na melhoria da qualidade de vida dos atores sociais; reversão do distanciamento entre a economia, sociedade e ética; incremento de práticas sociais empreendedoras e de reforço da solidariedade social local. Deduz-se, então, que o empreendedorismo social está intimamente relacionado ao impacto social gerado e às transformações dos excluídos em cidadãos. Desta forma, o desempenho da organização é moldado pelo impacto social a nível local ou até global. Dentre os tipos de impactos sociais destacam-se: Promover inclusão social, por meio da oferta de oportunidades de trabalho que melhoram a renda e a qualidade de vida de pessoas mais pobres - incluídas aqui também pessoas com deficiência, de populações marginalizadas ou de comunidades alternativas. Oferecer produtos e serviços - de qualidade e a preços acessíveis - que diretamente melhoram a qualidade de vida das pessoas mais pobres: habitação, alimentação, saúde, água potável, saneamento, energia, telefonia celular, computadores, serviços financeiros, jurídicos, seguros, etc. Oferecer produtos e serviços que melhoram a produtividade dos mais pobres, contribuindo indiretamente para o aumento de suas rendas – acesso a crédito produtivo, venda de tecnologias e equipamentos de baixo custo, etc. Dentre as maiores dificuldades percebidas que impossibilitam o desenvolvimento do empreendedorismo social no Brasil, citam-se as seguintes: 1. Ausência de uma cultura voltada para o empreendedorismo, de uma maneira geral O presente ensaio percebe a questão da cultura como de crucial importância para a potencialização do empreendedorismo social. De acordo com Lundström & Stevenson (2001), citados por Mamede, “Por definição, empreendedores são indivíduos e não organizações. Logo, é natural que sejam influenciados por aspectos culturais relacionados à sua formação ou pelo contexto em que vivem”. O Brasil possui ainda uma cultura empreendedora notadamente muito fraca. Quando se fala em empreendimentos sociais então, as dificuldades são ainda maiores. A sociedade brasileira continua desconhecendo ou apresentando certa resistência quanto ao reconhecimento do empreendedorismo como instrumento no auxílio ao desenvolvimento econômico e social. Se a própria cultura não incentiva e nem valoriza o empreendedorismo, dificilmente se terá uma quantidade de empreendedores sociais necessária para fazer a diferença no país. A cultura é este algo invisível, intocável, mas possuidor de um tremendo poder e força de unificar as pessoas, sendo um grande facilitador na formação de um meio favorável, além de ser responsável pelo fortalecimento das redes, da forma como as informações são propagadas e, sobretudo, pelo estímulo à inovação, esta considerada por Julien (2010), como condição suficiente para o empreendedorismo. As demais dificuldades estão direta ou indiretamente ligadas à questão cultural: 1.1 Ausência nos cidadãos de consciência e valores voltados à ação social e coletiva (cultura brasileira do individualismo) Com o mundo globalizado baseado na competição e na sobrevivência, temos vivenciado no Brasil uma cultura voltada mais para o individualismo, ou seja, há uma certa valorização e propagação do “salve-se quem puder”. Mas o diferencial do empreendedor social é justamente utilizar suas capacidades para gerar benefício para a sociedade e para o meio ambiente. Ou seja, realizar esforços em busca da melhoria na qualidade de vida dos cidadãos mais necessitados. Dessa forma, trava-se o surgimento de indivíduos comprometidos com as causas sociais. 1.2 Propagação da ideia de incompatibilidade entre lucro X impactos sociais Segundo Cássio Aoqui, jornalista da Folha de São Paulo, a percepção por parte de muitos empreendedores sociais brasileiros de que lucro e impacto social são incompatíveis é um dos principais entraves ao desenvolvimento de empresas ou negócios sociais no país. “Os empreendedores sociais no Brasil são primordialmente voltados ao social e resistentes ao lucro, resultado de uma cultura que os impede de aceitar que [essa margem] não é ruim quando retorna à população como oportunidade de desenvolvimento”, ressalta a consultora de estratégias para negócios sociais Vivianne Naigeborin, que trabalha com organizações como Artemisia, vencedora do Prêmio Empreendedor Social de Futuro. Para o economista Luiz Ros, gerente de OM (Oportunidades para a Maioria) do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), muitos empreendedores sociais não querem crescer, num contexto em que é essencial ganhar escala para alcançar milhões de pessoas. “É preciso identificar os verdadeiros empreendedores para uma transformação social efetiva”, afirma. 1.3 Dificuldade para obter crédito Essa é uma das maiores dificuldades que os empreendedores sociais encontram na hora de começar seu empreendimento. Para Cássio Aoqui é muito difícil para os empreendedores sociais obterem crédito, principalmente pelo fato dele terem que convencer o credor da potencialidade de seus negócios. É aí que está o problema, pois as ações dos empreendedores sociais geralmente são vistas como sonhos muito altos, impossíveis de acontecerem na prática. Além disso, os resultados de suas ações só serão vistos no longo prazo. Na avaliação de Kelly Michel, fundadora da Artemísia Brasil, parceira do Prêmio Empreendedor Social de Futuro, há muito pouco apoio para esse tipo de iniciativa. Segundo ela, "Existe capital de risco para empresas sociais desde que não haja risco envolvido", ironiza. Lógico que parte dessa tarefa cabe ao empreendedor, que deve ter uma capacidade de convencimento alta quando for tratar com os credores, para que seu projeto seja visto de forma atrativa por quem vai fornecer o capital. 1.4 Falta de indicadores confiáveis que atestem seu impacto social de forma significativa Esse é um dos fatores que leva os empreendedores sociais a terem dificuldade na hora de obter crédito. Para que o credor forneça o capital, é necessário que ele confie e tenha esperança de que esse projeto dará certo, sendo possível receber de volta seus recursos fornecidos. Por outro lado, para que ele tenha confiança, é necessário que receba indicadores confiáveis, o que é muito difícil quando se fala de empreendimentos sociais, pois o impacto social gerado por eles é de difícil mensuração, justamente por se tratar de aspectos sociais. 1.5 Falta de maiores incentivos por parte do Governo Apesar das dificuldades enfrentadas pelos empreendedores sociais, se eles tivessem o apoio do Governo, poderiam ter mais sucesso em seus empreendimentos, haja vista o poder legítimo que ele possui, sendo um grande aliado na hora de adquirir recursos. Para o jornalista canadense David Bornstein, autor de Como mudar o Mundo – Empreendedores Sociais e o Poder das Novas Ideias cabe ao Governo criar o ambiente para que os empreendedores sociais possam crescer. Ele também defende uma tese polêmica na qual defende que os governos devem se limitar à definição de políticas sociais, e transferir sua execução para as ONGs desses empreendedores. 1.6 Falta de divulgação e incentivo por parte da imprensa, das escolas e das Universidades Outra causa relacionada à falta de empreendedores sociais é a falta de informações e de incentivo relacionados a essa área. Pouquíssimas pessoas sequer sabem o que é empreendedorismo social e que podem mudar o mundo através de suas ações. O empreendedorismo de uma forma geral não é divulgado e incentivado pelos meios formadores de opinião, o que torna difícil engajar e encorajar pessoas para essa área. Por outro lado, Políticas educacionais voltadas para o empreendedorismo podem se tornar um grande diferencial, na medida em que são responsáveis diretamente pela formação de futuros empreendedores, sobretudo quando incentivam uma visão comprometida com as questões sociais. 1.7 Falta de habilidades administrativas e empresariais Mesmo que um empreendedor tenha criatividade e uma alta capacidade de inovar, seu projeto não irá durar muito tempo se ele não tiver habilidades administrativas e empresariais. Se ele não tiver tais habilidades, deve ter pelo menos alguém mais capacitado que cuide da administração de seu empreendimento. Essas habilidades ajudam o empreendedor a obter mais recursos, através da alta capacidade de comunicação; a trabalhar de forma eficiente, com o mínimo de custos possíveis; a aumentar sua visão de mercado e suas capacidades estratégicas de lidar com o empreendimento; a avaliar melhor a viabilidade dos projetos; a trabalhar com indicadores de qualidade para controlar o andamento de seu investimento. 1.8 Dificuldade de se encontrar pessoas talentosas que sejam apaixonadas pela causa Em geral, as raras pessoas talentosas para o empreendedorismo voltam suas ações para o benefício próprio, ou seja, realizam empreendimentos visando o seu lucro individual. A maior dificuldade está em se achar pessoas que, além de empreendedores talentosos, sejam voltados para a causa social, para a realização de empreendimentos que trarão benefícios para a população. Ou seja, empreendedores com espírito de solidariedade e com disposição para ajudar ao próximo. Perspectivas para o empreendedorismo social no Brasil: desafios e possibilidades De acordo com Oliveira (2004a), pode-se sinalizar as perspectivas em duas direções: desafios e possibilidades. Quanto aos desafios, argumenta que seriam dois os principais: a) Criar Capital Social, servindo o mesmo de base para elaboração e sucesso das ações do empreendedor social. Face ao histórico da cultura individualista em nossa sociedade, ou do estilo “o que eu vou ganhar fazendo isso?”, ou da vaidade dos gestores - tanto das organizações públicas, privadas e do terceiro setor - prevalece a cultura do tipo “minhas crianças”, “meus pobres”. Gerar capital social é hoje um dos grandes desafios para os empreendimentos sociais. b) Empoderamento dos sujeitos do processo, ou seja, quebrar com o discurso do “só tenho direitos e nada de deveres”, e fazer com que as pessoas, principalmente os excluídos e marginalizados, tenham uma postura cidadã e não de vitimas, e comecem a fazer a sua parte sem esperar um salvador da pátria, o que numa cultura do “me-dá-me-dá”, não é uma tarefa muito fácil. É preciso fortalecer o “caminhar juntos”, pois como ressalta Maturana, “ser social envolve sempre ir com o outro, e só se vai livremente com quem se ama.” (MATURANA, 1997, p. 206). Quanto as possibilidades, deve-se cultivar uma cultura que associe ao empreendedorismo as seguintes ações: geração de dinamismo e objetividade; geração de resultados sociais de impacto; resgate da autoestima e visão de futuro; propagação da ideia de dinamismo, assim como motivação das pessoas ao engajamento cívico; geração de novos valores e mudanças de paradigmas; apoio na inovação, criatividade e cooperação, servindo os mesmos como pilares de suas ações. Desta forma, pretende-se que no médio e longo prazo haja uma influência radical quanto à elaboração e execução de projetos sociais. Estes deverão, cada vez mais, apresentar propostas que demonstrem efetividade, eficiência e eficácia quanto à aplicação dos recursos solicitados, além da apresentação de resultados de forma clara e transparente, possibilitando a aferição dos mesmos, como nos negócios empresariais. Dada a imensa importância do empreendedorismo social no contexto mundial, e a partir de observações dos vários estudos já realizados, faz-se as seguintes sugestões, tendo-se como princípio a adoção de múltiplas ações que proporcionem transformação naquilo que se tem como fator-chave para o desenvolvimento do empreendedorismo social: a cultura. a) inclusão do empreendedorismo social na formação profissional universitária e no ensino médio, a exemplo do que está ocorrendo com o empreendedorismo empresarial; b) implementação e adoção do empreendedorismo social no campo da gestão social pública, nos níveis federal, estadual e municipal; c) criação de mais espaços de apoio, incentivo, pesquisa e disseminação dos fundamentos e das estratégias do empreendedorismo social no Brasil; d) potencialização das ações das faculdades e universidades através de projetos de extensão na perspectiva do empreendedorismo social. e) criação de uma política nacional de estímulo à inovação através de novas tecnologias sociais empreendedoras; f) estímulo à criação de incubadoras sociais e redes de fomento como a Ashoka, dentre outras, para fortalecer a inovação, o empreendedorismo social e consequentemente a cidadania. As incubadoras sociais como suporte à sustentabilidade dos negócios sociais. Segundo Marques, “as incubadoras sociais podem ser definidas como um ambiente que possibilita a consolidação de uma economia solidária”. (MARQUES, 2009). Diferentemente das incubadoras tecnológicas de empresas convencionais, as incubadoras sociais estão pautadas na formação de empreendimentos sociais. São, pois, destinadas a dar assistência e amparar o estágio inicial de empreendimentos sociais. Tem como função atrair e formar pessoas para atuar na criação e desenvolvimento de um novo modelo de negócio, contribuindo com a minimização das desigualdades econômicas e sociais. Com relação às perspectivas e desafios na consolidação da economia solidária pelas incubadoras sociais no Brasil, Girelli destaca o papel da universidade na transformação e conquista de direitos sociais: “De uma forma geral, no Brasil, a ênfase ainda tem sido para as incubadoras tecnológicas que têm por compromisso socializar o conhecimento de forma que universidade e sociedade se tornem parceiras na transformação social. As universidades têm procurado se tornar centros de excelência, para além da transmissão do conhecimento, desenvolvendo ações voltadas para projetos inovadores e de repercussão para a comunidade em geral. Ao assumir seu papel estrutural, organizado no tripé: ensino-pesquisa-extensão extrapola seus muros e viabiliza o acesso à informação, ao saber e aos direitos sociais. A implantação de incubadoras sociais é uma das ações que atendem a este propósito, na medida em que oferece aos trabalhadores informais, desempregados, uma oportunidade de construção de alternativas que possibilitem o acesso ao mercado de trabalho, na perspectiva da conquista de direitos”. Outro aspecto importante a ser analisado sobre as incubadoras sociais, é que elas funcionam também como um meio empreendedor. Segundo Julien, o meio é definido por uma construção social do mercado capaz de facilitar os múltiplos laços entre os recursos e competências, por um lado, e os compradores, por outro, num contexto de produção territorial medido pelo savoir-faire, pela cultura técnica e pelas capacidades de aprendizado, ambiente socioeconômico, sistema aberto, próximo do empreendedor e da pequena empresa (JULIEN, 2009). Neste aspecto, as incubadoras sociais por apresentar uma forte cultura empreendedora com indivíduos engajados em projetos - estes também selecionados por critérios específicos contribuem com a formação de práticas inovadoras consideráveis no âmbito social, em um ambiente dinâmico. Além disso, aspectos importantes como a reputação da incubadora na região contribuem com os fornecimentos de financiamentos de “anjos”, trocas de saberes entre as redes sociais e parcerias, viabilizando a sustentabilidade dos negócios sociais. Atualmente as principais incubadoras sociais no âmbito nacional e internacional são a ASHOKA, com mais de 30 anos no mundo e 2.700 empreendimentos, e a Artemísia aceleradora de negócios sociais, criada em 2002, tendo como início de sua atuação em território nacional o ano de 2004. O presente ensaio tem como referência prática a Ashoka, organização pioneira que atua globalmente no campo do empreendedorismo social há 30 anos. Por ter políticas e processos já consolidados, a sua credibilidade passa a ser um grande diferencial. O seu fundador, Bill Drayton, é tido como um dos expoentes mundiais no campo do empreendedorismo social. Case: Ashoka Empreendedores Sociais A Ashoka é uma organização mundial, sem fins lucrativos, pioneira no campo da inovação social e trabalho e apoio aos empreendedores sociais – pessoas com ideias criativas e inovadoras capazes de provocar transformações com amplo impacto social. Criada em 1980 pelo norte americano Bill Drayton, a Ashoka teve seu primeiro foco de atuação na Índia. Presente em mais de 60 países e no Brasil desde 1986, a Ashoka é pioneira na criação do conceito e na caracterização do empreendedorismo social como campo de trabalho. Todos os empreendedores sociais da Ashoka fazem parte de uma rede mundial de intercâmbio de informações, colaboração e disseminação de projetos composta hoje por mais de 2.700 empreendedores localizados nos diversos países em que atua. No Brasil, compõem a rede cerca de 320 empreendedores sociais, de todas as regiões do país. Além disso, o Centro de Competência para Empreendedores Sociais – uma parceria da Ashoka com a McKinsey & Company – oferece para a rede de empreendedores sociais a adaptação e transferência de conhecimentos, práticas, ferramentas de gestão e planejamento do setor privado para o setor social. Por meio de um processo de seleção – rigoroso e qualificado – da busca permanente pela inovação, do apoio aos empreendedores sociais nos diferentes estágios de desenvolvimento de suas ideias e do investimento em pessoas, e não em projetos, a Ashoka é uma organização única que se diferencia no contexto do setor cidadão no Brasil e no mundo. Um dos maiores diferenciais da Ashoka é apoiar a pessoa do empreendedor social e sua iniciativa inovadora ao longo de toda sua trajetória de vida. A integração e sustentabilidade destes dois aspectos são fundamentais para gerar impactos duráveis de longo prazo: inovação, perfil empreendedor, criatividade, impacto social e fibra ética. A Ashoka e o empreendedorismo Social O termo Empreendedor Social foi cunhado por Bill Drayton – Fundador e Presidente da Ashoka – ao perceber a existência de indivíduos que combinam pragmatismo, compromisso com resultados e visão de futuro para realizar profundas transformações sociais. O Empreendedor Social aponta tendências e traz soluções inovadoras para problemas sociais e ambientais, seja por enxergar um problema que ainda não é reconhecido pela sociedade e/ou por vê-lo através de uma perspectiva diferenciada. Através da sua atuação, ele (a) acelera o processo de mudanças e inspira outros atores a se engajarem em torno de uma causa comum. Desta forma, “os empreendedores sociais são indivíduos visionários, que possuem capacidade empreendedora e criatividade para promover mudanças sociais de longo alcance em seus campos de atividade. São inovadores sociais que deixarão sua marca na história”. É com esta perspectiva que a Ashoka fomenta uma cultura de empreendedorismo social na qual a figura do empreendedor é extremamente relevante, mas não é a única. A Ashoka acredita numa sociedade na qual todas as pessoas possam realizar seu potencial como agentes de mudanças. A Ashoka sempre acreditou que mudanças sociais são realizadas e disseminadas por pessoas com capacidade de liderança, criatividade e comprometimento para resolver, de forma efetiva, problemas sociais: os Empreendedores Sociais. É a partir da Rede de Empreendedores Sociais que a Ashoka identifica tendências, além de criar e estimular transformações sociais inovadoras. A visão do setor social e conhecimento acumulado da Ashoka, portanto, começam a ser construídos na excelência da seleção de Empreendedores Sociais com idéias inovadoras de amplo impacto social. Análise Crítica Tomando por base o problema de escassez de empreendedores sociais no Brasil, foi destacado o importante papel da Ashoka no aumento do número desses indivíduos atuando no cenário social. A Ashoka identifica e investe em empreendedores sociais – indivíduos com ideias criativas e inovadoras capazes de provocar transformações com amplo impacto social, apoiando não só o indivíduo, como também sua ideia e a instituição em que atua durante as fases de seu desenvolvimento. Para a Ashoka, proporcionar aos empreendedores sociais do mundo a liberdade e o apoio que precisam para suas conquistas é o investimento de maior impacto que uma organização pode fazer. Para isso, dentro dos seus programas a Ashoka busca: • Identificar e investir no indivíduo, estimulando o lançamento de suas ideias, sua constante inovação e competência durante toda a sua carreira; • Integrá-lo a uma Rede Local Global de Empreendedores Sociais; • Contribuir para a profissionalização, eficiência, crescimento e sustentabilidade de sua organização. A Ashoka reúne grupos de empreendedores sociais para, em colaboração, potencializar e multiplicar ações positivas. O objetivo do trabalho em conjunto é somar competências e disseminar ideias inovadoras, tendo como perspectiva influenciar mudanças em diferentes áreas de atuação do setor social. A atuação de forma colaborativa deriva da visão da Ashoka de que estas comunidades de indivíduos pioneiros e inovadores possuem uma força maior do que um empreendedor social atuando de forma isolada. Como consequência, elas podem trazer maior velocidade e impacto na transformação social. Para ser mais eficaz, o setor social precisa ser empreendedor, eficiente e integrado globalmente, de tal forma que as melhores ideias e as pessoas que as conceberam obtenham os recursos necessários ao sucesso de sua implementação. Para tanto, é necessário desenvolver a infraestrutura de que o setor social precisa para fomentar a inovação e a produtividade. Esse fundamento é o alicerce do mais ambicioso pilar que estrutura a atuação da Ashoka: o desenho e a disseminação de novos caminhos, tecnologias e programas para que os empreendedores sociais trabalhem dentro e fora da sua rede com a necessária infraestrutura de suporte. Com base nesse pilar, a Ashoka apoia organizações da sociedade civil a diversificar e ampliar o trabalho que realizam e dessa forma conquistar a sua viabilidade institucional e econômico-financeira no longo prazo. Além disso, traz para a sociedade civil um conjunto de sistemas que permitem aos empreendedores prosperar no setor privado, tais como serviços financeiros, concursos de planos de negócio, consultoria especializada e outros apoios profissionais, todos adaptados para as demandas específicas dos empreendedores sociais ou de organizações da sociedade civil. Dessa forma, a Ashoka faz a ponte entre o setor privado e a sociedade civil para encorajar o fluxo de talentos e recursos entre os dois setores. Assim, um dos maiores diferenciais da Ashoka é apoiar a pessoa do empreendedor social e sua iniciativa inovadora ao longo de toda sua trajetória de vida. A integração e sustentabilidade destes dois aspectos são fundamentais para gerar impactos duráveis de longo prazo. Existindo mais organizações como a Ashoka que apoiem e incentivem o empreendedorismo social, certamente haverá mais indivíduos engajados em causas sociais e, consequentemente, um mundo melhor. As soluções fornecidas neste ensaio visam fortalecer a cultura brasileira, direcionando-a para a inovação, e não só para a criatividade Percebe-se que o que se precisa para sair da criatividade para a inovação é de apoio e de informações adicionais a esses indivíduos, colocandoos em meios que fazem florescer a capacidade inovadora de cada um. O que fazer para ser um empreendedor social? Procurar organizações de cunho social e mostrar suas ideias. Nos sites dessas organizações, pode-se encontrar diversas dicas e orientações sobre o assunto. No site da Ashoka, disponibilizam-se vagas para profissionais, estagiários ou voluntários. Lá se terá todo um suporte para começar a entrar na área de empreendimentos sociais. Participar de concursos de empreendedores sociais, abertos para qualquer indivíduo que deseja participar e que se identifica com a área. Mais informações sobre como fundar uma organização social, deve-se procurar escritórios de advocacia focados no setor social: Associação Brasileira de Organizações Não governamentais (ABONG), Instituto Fonte, Grupo de Instituições, Fundações e Empresas (GIFE), dentre outras. Considerações finais Ao se buscar as razões, os motivos que dão origem à problemática proposta no presente ensaio, - o pouco número de empreendedores sociais existentes no Brasil - procurou-se responder as duas perguntas decorrentes: 1)Por que existe no Brasil uma carência de empreendedores do ramo social? e 2) Quais as medidas seriam necessárias e por quem deveriam ser tomadas para aumentarmos o número desses indivíduos que tanto fazem a diferença em um país? Partindo da questão da cultura como ponto crucial (premissa), procurou-se – para responder à primeira questão – elencar várias razões, todas elas sendo decorrentes da primeira apontada, a qual reforça a importância da cultura como unificadora de valores e práticas de um povo. A resposta à segunda questão apoiou-se nas propostas de desafios e possibilidades de Oliveira (2004a). A estas, procurou-se juntar algumas sugestões que, no longo prazo, deverão ser eficientes, pois colaboram com o que se percebeu como sendo de maior importância: a mudança da cultura. Algo que apenas se dá com um somatório de esforços de setores estratégicos da sociedade, orientados pela presença do governo em seus vários níveis, sobretudo em um país de grandes dimensões como o Brasil. O case escolhido diz respeito a uma organização pioneira, a nível mundial, em empreendedorismo social. Seu próprio fundador é tido na história do empreendedorismo como referência na criação e desenvolvimento do conceito de empreendedor social. Trata-se, portanto, de uma organização inovadora em sua essência. Como incubadora de projetos ligados ao empreendedorismo social, constitui-se um de seus critérios abrigar apenas projetos que tragam algum tipo de inovação. Trata-se de um case, então, que em todos os sentidos, sobretudo nos aspectos relacionados à cultura, apresenta uma aplicação direta de todos os conceitos aqui desenvolvidos. Algumas limitações foram apontadas, dentre elas: Não realização de uma visita em uma organização voltada para o empreendedorismo social; Falta de uma entrevista direta com um empreendedor social; Falta de uma pesquisa de campo para saber a opinião das pessoas a respeito da importância do empreendedorismo social; Falta de uma entrevista com um representante do Governo, para saber as limitações para se incentivar esse tipo de empreendimento Dentre os diversos temas que poderiam ser pesquisados mais aprofundadamente, recomenda-se um estudo crítico de uma organização que esteja com a intenção de mudar sua cultura. Como a organização se tornou após os esforços para essa mudança de cultura? Certamente uma questão que para ser respondida demanda um horizonte de tempo mais amplo, porém os resultados, se criticamente acompanhados, podem ser muito valiosos para ajudar na mudança da cultura das organizações. Algo que deve envolver um grande número de variáveis, sobretudo variáveis externas, estendidas a um determinado momento histórico e a aspectos econômicos, geográficos e sociais. Trata-se, de fato, de um estudo muito complexo. Segundo Mamede, “barreiras culturais podem também se evidenciar no nível de interesse das pessoas quanto à criação e manutenção de um novo negócio”. Esta afirmação se aplica devidamente a um país em que a maior parte dos novos negócios são frutos da necessidade e não de características culturais. Alerta ainda aquele autor que a cultura brasileira está bastante comprometida com o conceito de emprego/salário, sendo o sistema educacional um dos principais responsáveis, pois tem, por tradição, preparado estudantes para serem empregados. Trata-se da “síndrome do empregado”, que está ainda bastante impregnada na cultura brasileira. Uma vez tendo sido detectado o fator-chave que impede a propagação do empreendedorismo social, apontou-se nesse ensaio possíveis causas e sugestões de melhoria. Espera-se, assim, ter-se dado uma contribuição, mesmo que modesta, na direção de se reduzir as limitações brasileiras que impedem um aumento no número de empreendedores sociais. REFERÊNCIAS BESSANT, J.; TIDD, J. Inovação e Empreendedorismo, Porto Alegre: Bookman, cap. 9, 2009 DEES, J. Gregory. O significado de empreendedorismo social. 1998 EMPREENDEDOR SOCIAL E CORPORATIVO. Disponível em:<http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/empreendedor-social-ecorporativo/11145/> Acessado em:10/11/2010 EMPREENDEDORISMO SOCIAL. Disponível em: < http://www.ashoka.org.br> Acessado em: 13/11/2010. FONTENELLE (RAC, Curitiba, v. 14, n. 6, art. 6, pp. 1094-1112, Nov./Dez. 2010) GIRELLI, Scheila. Incubadoras sociais: perspectivas e desafios na consolidação da economia solidária. 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