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Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES VISUAIS SOBRE AS DOENÇAS
NEGLIGENCIADAS DISPONÍVEIS EM UMA COLEÇÃO DE LIVRO DIDÁTICO
DO PNLD 2014
Telma Temoteo dos Santos (Instituto Oswaldo Cruz ((IOC/FIOCRUZ) – Bolsista FAPERJ)
Rosane Moreira Silva de Meirelles (Instituto Oswaldo Cruz (IOC/FIOCRUZ); Centro
Universitário de Volta Redonda (UNIFOA)
Resumo
Reconhecendo que o livro didático é um instrumento de ampla divulgação dos conteúdos
curriculares das grandes áreas do conhecimento, este estudo consistiu na análise de conteúdo,
objetivando conhecer a abordagem sobre um grupo de doenças negligenciadas em uma
coleção de livro didático de Ciências do Ensino Fundamental, que obteve maior distribuição
no Plano Nacional do Livro Didático 2014. Os resultados apontam que ainda há doenças que
não são abordadas nos livros, pouca contextualização, conteúdos com enfoque em práticas de
prevenção e identificação do agente transmissor e imagens com elementos desproporcionais e
sem integração com o conteúdo. Concluímos que é necessário discutir a abordagem dessas
doenças nos livros didáticos com base nas diretrizes da educação em saúde.
Palavras –chaves: livros didáticos – doenças negligenciadas – educação em saúde
Introdução
Definir saúde não é uma tarefa simples e reducionista como podem querer fazer entender
alguns setores da sociedade. Saúde é um processo em contínua mudança e que depende de
determinantes sociais, econômicos, culturais, políticos e biomédicos para que possa ser
aferida.
Dentre os vários caminhos para ampliar e melhorar as relações entre a medicina e sociedade,
estabeleceu-se uma parceria entre as instituições de saúde e de ensino, o que deu origem ao
campo da saúde escolar. Esse campo do saber, com suas intercessões entre agentes da
saúde(médicos, enfermeiros, agentes de saúde, nutricionista e dentistas) e agentes da escola
(professores, coordenação pedagógica, direção, funcionários e estudantes), teve no início,
vários impasses até a construção de seu corpo de saber – isto porquê, no início, a saúde
escolar, estava mais deslocada para o campo da vigilância sanitária, com enfoque em práticas
de homogeneização comportamental, objetivando que fosse estabelecido comportamentos
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higienistas, e que as “boas práticas” almejadas e legitimamente instituídas fossem
reproduzidas de forma mecânica e verticalizada. Tal ação, possuía o intuito de acabar com
problemas recorrentes, como a cárie, desnutrição e infecções por entoparasitas e ectoparasitas.
Não havia portanto, abertura para o diálogo com os indivíduos acometidos pelas doenças, por
serem considerados incapazes e culpados pelos seusestados miseráveis, não tendo portanto,
aos olhos dos agentes de saúde e professores, nenhum saber para contribuírem. Iniciou-se
assim, a educação para a saúde.
Compreendo o papel de intermediação da divulgação dos saberes sobre a saúde, que a escola
abarcou nas últimas décadas, o estudo buscou conhecer o tratamento que o conteúdo sobre as
doenças negligenciadas tem recebido no principal instrumento da prática pedagógica nas
escolas públicas: o livro didático.
1. Referencial Teórico
1.1. As doenças negligenciadas e a abordagem dos temas em saúde nas escolas
Um grupo de doenças, que possuem como denominador comum, a ocorrência em localidades
tropicais, são denominadas, doenças tropicais e segundo Souza (2010), no documento The
Great Neglected Diseases, da Fundação Rockefeller, em 1970 passaram a ser denominadas
como doenças negligenciadas. O termo “negligenciadas” agregou à essas doenças mais
fatores de diferenciação, que não fosse apenas o clima das regiões onde ocorrem: fatores
socioeconômicos,
ambientais,
culturais,
de
desenvolvimento,
PIB,
infraestrutura,
investimento em serviços de saúde, educação e lazer, bem como, a abertura para a elaboração
e implementação de políticas públicas que visem a melhoria individual e coletiva dos
indivíduos (CAMARGO, 2008; WERNECK, 2011).
O Ministério da Saúde no Brasil, prioriza sete doenças negligenciadas que devem receber
atenção básica dos órgãos públicos e privados: dengue, doença de Chagas, malária,
tuberculose, as leishmanioses, hanseníase e esquistossomose (SHALL, 2010).
Como as doenças negligenciadas são causadas por agentes biológicos, as ações de
enfrentamento foram construídas por meio da concepção biológica, ou seja, a identificação do
agente transmissor e causador e a busca por medicação para tratar os acometidos, seriam
medidas suficientes para o surgimento de novos casos e, na erradicação das doenças causadas
por tais agentes (STOTZ, 2005; ALMEIDA, 2002; MINAYO, 2013).
Quando a biomedicina não foi mais capaz de trazer respostas rápidas e diminuir os casos
frequentes de endemias e epidemias, a medicina social emergiu com o propósito de trazer para
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o cerne da discussão, outros determinantes que não fossem apenas os de natureza biomédica.
E um dos determinantes incluídos na discussão, foi a educação (MINAYO, 2013).
Figueredo (2010) e Ippolito - Shepherd (2003)reconstroem historicamente o percurso da
inserção oficial da saúde no ambiente escolar, desde a elaboração e implementação do
Sistema Frank na Alemanha com orientações normativas e com caráter de polícia médica, à
iniciativa brasileira com a criação das “Iniciativa Regional Escolas Promotoras de Saúde”
(IREPS. Por “conceito de promoção de saúde” compreende-se que as mesmas premissas
básicas da promoção em saúde para a saúde pública – integralidade, intersetorialidade e
atenção básica – foram transferidas para a escola promotora da saúde, na modificação das
ações anteriormente calcadas nas teorias da vigilância sanitária.
O Programa Saúde na Escola (PSE), implementado em 2007,é a mais recente iniciativa do
Governo, na tentativa de trabalhar com a intersetorialidade em saúde– aliando as ações dos
Ministério da Saúde e da Educação e seus respectivos centros de atuação: postos de saúde,
unidades de pronto-atendimento, escolas, e setores de apoio, tais como as organizações nãogovernamentais e associações de bairro, etc. (FIGUEREDO, 2010; BRASIL, 2011).
Os livros didáticos, como são instrumentos de transposição do conhecimento científico para o
conhecimento escolar (MOHR, 1995, 2000) devem refletir na organização do seus conteúdos
de saúde, as mudanças ocorridas no tratamento da saúde no ambiente escolar. Tal
instrumento, historicamente construído, passou por diversas mudanças e modificações na sua
estrutura física de forma a atender as exigências da contemporaneidade.
1.2.Livros Didáticos e a educação em saúde
Os referencias teóricos sobre a construção e identidade dos livros didáticos sinalizam para um
período de enaltecimento desse instrumento, na medida que este possibilitou que os
conhecimentos centrais de diferentes áreas fossem traduzidas para uma linguagem que
permitissem que alunos e professores tivessem acesso a essas informações. As imagens e
outros recursos visuais (tabelas, gráficos, mapas, fotografias), visam a complementação do
conteúdo apresentado nos textos dos livros didáticos. Tais recursos auxiliam na compreensão
do texto, sintetizam as informações, ajudam na apreensão do conteúdo abstrato e podem
facilitar a contextualização e integração com o meio do estudante.
Nos livros didáticos, a saúde ainda é tratada prioritariamente como um saber do campo
biomédico, dando-lhe um caráter reducionista, de forma que os fatores psicossociais não são
abordados nos livros; a presença de erros grassos nos conteúdos; imagens que trazem uma
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conotação aterrorizadora das doenças, dificultando o seu entendimento e proporcionando a
criação de estigmas; a ausência de representação de imagens que mostrem os atores sociais
envolvidos no processo de saúde e doença – ainda é a imagem do médico como o detentor do
saber e da cura; ausência de contextualização; culpalização das vítimas; pouca
responsabilização do poder público, dentre outros fatores.(MOHR, 2000; DELIZOICOV,
1995, CARVALHO, 2006; MOREIRA,2009)
Vasconcellos (2001) reafirma a importância das práticas em educação em saúde no
enfrentamento das doenças parasitarias – na ausência dos preceitos da educação em saúde, o
autor menciona a necessidade da “(...) superação do fosso cultural existente entre a instituição
e a população” (grifo nosso). Como instituição, podemos definir hospitais, unidades de pronto
de atendimento (UPAs), postos de saúde, centros de pesquisas, universidade e instituições de
ensino (educação básica, técnica e superior).
E uma das formas de transposição desse fosso cultural, seria por meio de instrumentos
intermediadores, segundo Vasconcellos (2001), que variam desde reuniões das associações de
bairros, mídia impressa e eletrônica e cartilhas. As autoras desse trabalho, acrescentam os
livros didáticos e outros instrumentos de ensino aprendizagem (filmes, livros paradidáticos,
notícias locais, as TICS e as NTICS etc) para diminuir as diferenças de linguagem entre
culturas heterogêneas (SHALL, 2005).
Tendo em vista o referencial apresentado e o papel,por muitas vezes, centralizador do livro
didático no processo de ensino –aprendizagem, objetivou-se analisar o conteúdo e as
representações visuais presentes em uma coleção de Ciências do Ensino Fundamental,
referente à um grupo de doenças negligenciadas com ocorrência no Brasil.
2. Metodologia
Para a escolha dos livros didáticos de Ciências, foi consultado o Guia do Livro Didático para
o Ensino Fundamental. O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD 2014) por meio do Guia,
indica para a disciplina de Ciências , vinte coleções, o que representa um aumento de 25 %
em comparação ao plano anterior (2009). Esse trabalho é um recorte de um trabalho mais
amplo e para esse momento, optou-se pela análise de uma coleção – a coleção Projeto Teláris
– composta por quatro volumes (6º ao 9º ano) por ter obtido maior distribuição nas escolas
públicas no Brasil no ano de 2014.Oportonou-se a construção de um instrumento de análise
de conteúdo para elementos textuais e imagéticos. Como a pergunta principal da pesquisa é
conhecer o tratamento dado às doenças negligenciadas (doenças que possuem ocorrência em
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todo território nacional) nos livros didáticos, considerou-se que a análise mais detalhada
deveria privilegiar a coleção a qual um maior número de estudantes e de diferentes regiões do
País tivessem acesso.
Objetivou-se a análise dos elementos textuais e visuais que fossem relacionados às doenças
negligenciadas. Para isso, utilizou-se com principal referencial para a estrutura da
metodologia, o artigo de Moreira (2009) “Saúde no livro didático: em exercício de análise”,
presente na Ata do VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC).
Assim como Moreira, nossa análise de conteúdo apropriou-se da metodologia proposta por
Bardim (2011).
Para a pré-analise e exploração do material, foram lidos minuciosamente os quatros volumes
que compõem a coleção, de forma a identificar as unidades de codificação que fossem
relacionadas com as doenças negligenciadas
– para essas unidades,foram buscadas as
seguintes palavras: leishmaniose visceral, leishmaniose tegumentar, leishmaniose, doença de
Chagas, dengue, malária, tuberculose, hanseníase, lepra, esquistossomose, Anopheles,
Plasmodium, Aedes, Trypanossoma cruzi, barbeiro, triatomíneos, Triatoma infestans,
cercarias, mosquito (s), barbeiro, triatoma, vírus, tuberculose, bacilo. Durante a leitura do
material, novas unidades foram identificadas e incorporadas na pesquisa.
Após a identificação das unidades de codificação, foram estabelecidas como unidade de
contexto, o parágrafo, legendas, títulos, subtítulos,
nos
quais eram encontradas essas
unidades de codificação. Essa etapa consistiu na exploração do material (elementos textuais e
visuais).
3. Resultados e Discussão
3.1. Imagens
Para a análise das imagens, os quatros volumes foram analisados integralmente com base nos
referenciais teóricos de (AUMONT, 2012; BARBOSA, 2006; PIMENTA, 2007)que
preconizam a importância do elemento imagético para o aprendizado e apropriação do
conceito. Após a análise dos quatro volumes e identificação das imagens relacionadas com o
grupo de doenças negligenciadas elencadas para este estudo, emergiram as seguintes
categorias que orientaram o trabalho de análise para classificação das imagens: agente
transmissor, agente causador, etiologia, transmissão, sintomas, prevenção, profilaxia, agentes
sociais e os condicionantes de saúde (quadro 1) e foram inseridos em um quadro para a
organização dos resultados. Foi inserido também o quesito – Contexto – o qual identificava
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em qual tema, capítulo e tipo de abordagem (corpo principal, exercícios, notas e textos
complementares) estava inserida a imagem.
Doença negligenciada
Categoria
Contexto
abordada
Quadro 1: Tópicos presentes no quadro de análise das imagens.
Apenas nos volumes do sexto e sétimo ano formam identificadas imagens relacionadas às
doenças negligenciadas.
No volume do sexto ano, apenas a tuberculose foi representada por meio de imagens, nas
categorias: agente causador (1 imagem do bacilo) e sintomas (1 imagem de um exame de raioX de um provável portador da doença. Os contextos foram: “doenças transmitidas pelo ar” e
“classificação dos seres vivos”.
No volume do sétimo ano a doenças dengue, doença de Chagas, leishmaniose, malária e
esquistossomose tiveram representação visual por meio de imagens, em um total de 14
imagens (gráfico 1) . Grande parte das imagens encontradas foram referentes ao agente
transmissor e se encontravam inseridas no corpo principal da mensagem e em capítulos que
abordavam os seres vivos separadamente - classificação zoológica (gráfico 2).
Dados quantitativos das imagens
6
5
4
3
2
1
0
Numero de imagens
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Distribuição quantitativa das imagens nas
categorias elencadas
2,5
2
1,5
1
0,5
0
dengue
doença de Chagas
Leishmaniose
Malária
Esquistossomose
Na análise das imagens ficou clara a prevalência de representação da doença de Chagas, com
distribuição e presença em quase todas as categoria elencadas para a análise. Os atores
sociais, tão importantes na construção do entendimento dessas doenças porque interagem com
as estruturas cognitivas dos indivíduos, fortalecendo a identificação das relações sociais
existentes em uma comunidade para o enfrentamento das doenças, não foram representados.
Apenas uma doença apresentou um ator social – o pesquisador Carlos Chagas, para a doença
de Chagas. Seria interessante se outros atores sociais estivessem também representados –
agricultores, agentes de saúde, crianças, comerciantes de alimentos, etc, de forma a ampliar a
discussão sobre o enfrentamento da doença. As categorias sintomas, profilaxia e atores sociais
não foram representadas por elementos visuais.
3.2. Conteúdo
Tomando o trabalho de Moreira(2009) como referencial na construção de um instrumento de
coleta de dados na análise de conteúdo, a identificação do conteúdo sobre as doenças
negligenciadas foi realizada com base em um questionário com o seguinte quadro (quadro 2):
Doença negligenciada
Contexto
Unidades de Número
codificação - de linhas
Localização
do enunciado
Trecho Categoria
do texto contemplada
Nota
Quadro 2. Grade de análise dos elementos textuais – adaptado de Moreira (2009).
Para o quesito“doenças negligenciadas” – a doença encontrada; para “contexto”, seria
colocado em qual capítulo e tema estaria alocada a doença; para “unidades de codificação”–
o parágrafo
e para “categoria contemplada” – foram utilizadas as mesmas categorias
elencadas para a análise das imagens para identificar o teor dos trechos dos textos.
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Apenas quatro doenças negligenciadas foram abordadas no livro do sexto ano (tuberculose,
malária, esquistossomose e dengue) e seis doenças no livro do sétimo ano (tuberculose,
malária, esquistossomose, dengue, doença de Chagas e leishmaniose). A hanseníase não foi
contemplada em nenhum volume da coleção.
No livro do sexto ano, cinco unidades de codificação contendo informações sobre as doenças
negligenciadas. A esquistossomose, teve mais unidades de codificação no corpo principal do
texto (duas unidades/parágrafos) enquanto que a dengue, teve maior unidade de codificação
nos exercícios e foi abordada em outra unidade de codificação identificada no corpo principal
do texto com a malária.
Na análise, algumas incorreções nessas unidades,
foram
identificadas: a necessidade de conhecimento prévio para o entendimento do trecho do texto
sobre a doença, como por exemplo em:“a malária é uma doença causada por um
microrganismo chamado plasmódio, que é transmitido aos seres humanos pela picada de
algumas espécies de mosquito” (grifo nosso), no qual o aluno precisa ter sido apresentado ao
conteúdo sobre protozoários e diferenciar quais espécies de mosquito são responsáveis pela
transmissão da doença. A presença de uma imagem do mosquito transmissor, poderia auxiliar
o aluno na construção da percepção desse agente transmissor. Nesse mesmo texto é possível
identificar também que o nome do gênero do protozoário causador da malária (Plasmodium)
está grafado incorretamente. Em outro trecho, com apenas três linhas, são apresentadas três
doenças negligenciadas (tuberculose, malária e esquistossomose): “Não faltam exemplos de
doenças causadas por parasitas. Veja alguns exemplos: resfriado, gripe, sarampo, raiva,
pneumonia, tuberculose, malária, ancilostomíase, esquistossomose” (grifo nosso).Apresenta
exemplos de doenças causadas por diferentes organismos (vírus, bactérias, protozoários,
verminoses). Em outro trecho, mais uma vez ocorre a apresentação de duas doenças em uma
unidade de codificação (paragrafo) com curta extensão (três linhas): Deve-se ter o cuidado na
apresentação de informações de forma tão resumida para não promover confusões conceituais
sobre essas doenças com mecanismos de ocorrência, prevenção e sintomas tão
distintos:“muitos mosquitos põem ovos na água parada. É o caso dos mosquitos que
transmitem a dengue, a febre amarela (causadas por vírus) e a malária”. Em um único
parágrafo o autor apresenta três doenças com etiologias,epidemiologias e sintomas que podem
ser parecidos, mas bem diferentes. O que leva a confusão nos estudos dessas doenças e na
percepção dos estudantes que são levados a acreditar que são todas viroses.
A dengue é mencionada em mais um trecho, em um exercício: “a dengue é uma doença
provocada por vírus e transmitida ao ser humano por mosquitos. A larva do mosquito
desenvolve-se naágua, e algumas espécies de peixes alimentam-se delas” (grifo nosso). Mais
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uma vez não há clara menção sobre a diferença entre agente causador e agente transmissor. A
leitura do texto requer conhecimento prévio. Também não é mencionado que para a doença
dengue, há quatro variabilidades do vírus circulantes no País e o nome da espécie do mosquito
que transmite a doença.
No livro do sétimo ano foram identificadas 23 unidades de codificações (no corpo principal
do texto e exercícios): a dengue esteve presentes em 8 unidades de codificação (5 unidades
presentes no corpo principal do texto, 1 unidade no glossário, 1 unidade no texto
complementar e 2 unidades em exercícios). A doença menos trabalhada foi a
esquistossomose, com abordagem em apenas uma unidade de codificação (com três linhas) no
corpo principal do texto (quadro 3):
Doença negligenciada
Unidade de codificação/localização
Dengue
05, corpo principal; 1, no glossário; 1, texto complementar
e 2 em exercícios.
Tuberculose
1 unidade, corpo principal (uma linha).
doença de Chagas
1 em corpo principal e 4 em exercícios.
Leishmaniose
1 em corpo principal do texto e 1 em exercício.
Malária
1 em corpo principal e 2 em exercício.
Esquistossomose
1 em corpo principal do texto.
Quadro 3. Unidades de codificação identificadas e as doenças negligenciadas abordadas.
Assim como no volume do sexto ano, não há menção da variabilidade dos vírus que são
circulantes no Brasil e que causam a dengue. Não também a menção dos dois tipos da doença:
dengue hemorrágica e comum. Em um dos trechos, é indicado que apenas o médico pode
indicar remédio para baixar a febre nos casos de dengue. A imagem do médico é supracitada
sobre os outros profissionais e saberes e não há a discussão sobre a ausência de médicos em
localidades afastadas ou até mesmo a dificuldade de atendimento em grandes centros.
Em outro trecho sobre a dengue, ocorre a menção de uma condição que não é regra: “se uma
pessoa for infectada novamente, mas por uma variedade diferente do vírus, pode surgir a
dengue hemorrágica” (grifo nosso). Apesar de ser condição mais frequente, a dengue
hemorrágica pode sim acometer o indivíduo no primeiro contato com o mosquito infectado
pelo vírus. Ao preconizar a reinfecção como única condição para o surgimento da dengue
hemorrágica, o texto pode induzir a propagação de erros que levam à dificuldade de
entendimento sobre a doença e suas manifestações clínicas visíveis.
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Para doença de Chagas, há menção do nome científico do agente causador da doença e do
agente transmissor pelo nome popular – o barbeiro, mas, não mencionam que é um percevejo
(triatomíneo) e alguns nomes científicos das espécies endêmicas no Brasil. Como ator social,
o cientista Carlos Chagas é mencionado. Mais uma vez, a menção dos atores sociais privilegia
aqueles com formação superior – médicos e cientistas – e excluem do processo, os indivíduos
comuns. Ainda para esta doença, é abordada as formas de contágio (por meio do vetor), de
prevenção (abordam o meio – condições de moradia) e outras formas de contágio –
transfusões de sangue, alimentos contaminados e das gestantes portadoras para o feto. Há a
diferenciação entre a fase aguda e crônica da doença, o que é de suma importância para o
entendimento dos pacientes assintomáticos.
Na abordagem das leishmanioses, são apresentadas as duas formas da doença (tegumentar e
visceral) e um dos trechos apresenta os nomes populares do vetor: “certos tipos de mosquitos,
conhecidos como mosquitos-palha ou biriguis” (grifo nosso). Essa menção é importante para
que em diferentes localidades, as pessoas possam identificar o transmissor da doença, a partir
de suas construções sociais e culturais. A valorização cultural também está presente na
abordagem sobre a malária, ao mencionar os nomes populares da doença, facilitando a
compreensão em diferentes localidades geográficas.
Ao abordar a esquistossomose, em um trecho pequeno (3 linhas) a prioridade foi mencionar
as regiões endêmicas, o nome popular da doença (doença do caramujo), o nome científico do
caramujo e a incidência da doença em outros países (sem mencionar a fonte dos dados).
Nos dois volumes, quase não há referência para as informações dos textos ou direcionamento
para leituras complementares, que não daria para ser mencionada no livro por razões de
espaço.
Na tentativa de reduzir o tamanho dos textos – o que pode ser constatado com o tamanho
reduzido das unidades de contexto com informações sobre as doenças – ou na simplificação
da informação científica, não são mencionados de forma clara, a diferença entre agente
causador e transmissor, a grafia correta dos termos. Além disso, a abordagem privilegia os
pontos de transmissão,prevenção e sintomas, deixando em segundo plano, a interseção entre o
conhecimento médicoe os aspectos sociais, políticos, culturais, econômicos e ambientais que
influenciam na dinâmica da ocorrência da doenças negligenciadas.
Apesar da tuberculose ser mencionada, a análise mostrou que o enfoque foi dado ao agente
causador da doença, sem entretanto, apresentar uma discussão por exemplo, sobre a
reincidência da doença no nosso século e as dificuldades para a continuidade do tratamento e
a ocorrência concomitante com outras doenças (com a AIDS, por exemplo).
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Outro fator analisado é a ausência da discussão sobre a hanseníase em uma coleção com
maior distribuição nacional. Apesar de não ter números expressivos de ocorrência como a
dengue, novos casos surgem todos os anos. Outro fator, é que, dado o estigma que os
pacientes sofrem (Santos, Faria eMenezes, 2008; Cavaliere e Nascimento, 2007) , a discussão
sobre a doença se faz necessária no ambiente escolar na formação de cidadãos mais críticos e
conscientes sobre questões de saúde pública.
Conclusões
Nas últimas décadas, houve um aumento considerável em diferentes áreas de pesquisa que
contemplem
estudos
sobre
as
doenças
negligenciadas
(produção
de
fármacos,
desenvolvimento de vacinas, ampliação do atendimento médico, produção de kits para
diagnóstico rápidos e eficientes, dentre outras medidas). Todas essas iniciativas são mais do
que bem-vindas. Entretanto, o que se observa é a contínua presença dessas doenças em vários
municípios, como ressurgimento e crescimento consideráveis e vitimando um número maior
de indivíduos a cada ano.
No âmbito da educação formal, os livros didáticos ainda são instrumentos centralizadores da
prática pedagógica. Portanto, ao analisar a atual forma como a saúde é trabalhada nas escolas,
os livros didáticos, devem ser considerados na avaliação e tomada de decisões.
Apesar da mudanças nas diretrizes educacionais e nas orientações para a abordagem dos
temas ligados à saúde, esse trabalho é consonante com outros trabalho de pesquisa já
publicados ao constatar que ainda há muito o que avançar na forma como os conteúdos sobre
as doenças são discutidos nos livros didáticos. Faz-se necessário que os preceitos da educação
em saúde (que considera e integra outros determinantes da saúde além do biomédico) e as
orientações dos PCN sejam apreendidos na discussão. Entendemos porém, que há muitos
desafios para que haja uma prática integradora e intersetorial na abordagem das doenças
negligenciadas na educação formal.
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Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
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