0 UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL FERNANDO AUGUSTO MAINARDI O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS E NO EQUACIONAMENTO DA DICOTOMIA EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL Ijuí (RS) 2015 1 FERNANDO AUGUSTO MAINARDI O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS E NO EQUACIONAMENTO DA DICOTOMIA EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL Monografia final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica. DCJS Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador: MSc. Luiz Paulo Zeifert Ijuí (RS) 2015 2 Dedico este trabalho a todos que de uma forma ou outra me auxiliaram e ampararam-me durante estes anos da minha caminhada acadêmica. 3 AGRADECIMENTOS A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem. A meu orientador Luiz Paulo Zeifert pela sua dedicação e disponibilidade. A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigado! 4 “Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.” Boaventura de Sousa Santos “Na pobreza ainda se conserva a nobreza dos sentimentos inatos; na miséria não há nem nunca houve nada que os conserve.” Fiodor Dostoievwky 5 RESUMO Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passa a viger dentro do território nacional um novo paradigma de estrutura estatal, o Estado Democrático de Direito. E característico deste modelo de Estado a presença de Direitos e Garantias Fundamentais, a lei como fonte garantidora de direitos e limitadora da atividade estatal. Mesmo assim sabe-se que a positivação da norma através da lei escrita, por si só, não é suficiente quanto a sua eficácia. Com isso, o trabalho de pesquisa monográfica busca compreender de que forma ocorre a participação dos movimentos sociais, quanto à organização da sociedade, efetivação de direitos e garantias fundamentais individuais, buscando elementos para identificar seu papel na problematização da inclusão e exclusão social. Palavras chave: Movimentos sociais. Direitos fundamentais. Direitos humanos. Inclusão social. Exclusão social. Internet. 6 ABSTRACT With the advent of Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1998, goes into effect within the national territory a new paradigm of state structure, the Democratic State of Law. It is characteristic of this model of State the presence of Fundamental Rights and Guarantee, the law as a source guarantor of rights and limiting state activity. Even so, we know that the full integration of the standard through the written law alone remains not enough as to its effectiveness. The present research work monographic seek to understand how is the participation of social movements, as the organization of society in the realization of these Individual Fundamental Rights and Guarantee and serach elements to identify your role in the problematization of social inclusion and exclusion. Keywords: Social Movements. Fundamental rights. Human rights, Social inclusion. Social exclusion, Internet. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 1 MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL .......................................................................... 11 1.1 O que são os movimentos sociais ..................................................................................... 11 1.2 Movimentos sociais no Brasil contemporâneo ............................................................... 20 1.3 Internet e redes sociais como elementos catalizadores dos movimentos sociais ......... 32 2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS .................................. 37 2.1 Direitos humanos e direitos e garantias fundamentais: diferenças ............................. 37 2.2 Direitos e garantias individuais na Constituição de 1988 ............................................. 44 3 MOVIMENTOS SOCIAIS, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E A DICOTOMIA EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL ............................................................ 52 3.1 Elementos da dicotomia exclusão/inclusão ..................................................................... 53 3.2 A contribuição dos movimentos sociais para a eficácia dos direitos e garantias individuais e para o equacionamento da dicotomia exclusão/inclusão social ................... 59 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 68 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 71 8 INTRODUÇÃO A presente pesquisa busca compreender, dentro do universo dos movimentos sociais, qual é o papel destes fenômenos na efetivação de direitos e garantias individuais, expressos na Constituição de 1988, bem como compreender como estes mesmos movimentos efetuam a problematização da inclusão e exclusão social através de suas linhas de ação dentro da sociedade, como agem estes movimentos em prol da construção uma democracia na qual direitos fundamentais sejam efetivos e que seus cidadãos possam ser retirados de situações de exclusão social gerando inclusão social. Contudo, esta pesquisa possui como objetivo geral estudar através de uma análise histórico-evolutiva dos movimentos sociais, qual a sua contribuição na efetividade de direitos e garantias fundamentais individuais, bem como na problematização da dicotomia exclusão/ inclusão social. Assim, objetivando compreender como se estruturam e se desenvolve o funcionamento de suas ações, bem como mensurar o poder transformador que emana destes, sob tudo analisar o efeito do surgimento da rede mundial de computadores como catalisador deste fenômeno. E como objetivos específicos: estudar os movimentos sociais no Brasil atual; conhecer os Direitos e Garantias individuais expressos na Constituição de 1988; e caracterizar exclusão e inclusão social; equacionar a dicotomia exclusão/inclusão social. O primeiro capítulo foi dividido em três seções que dividem a temática analisada sobre os movimentos sociais, iniciando em uma análise teórica acerca do que são movimentos sociais, divisões teóricas tecidas pela doutrina de como são caracterizados e conceituados por uma gama diversa de autores. Em um segundo momento passamos a uma análise dos movimentos sociais contemporâneos no Brasil, que segue em uma exposição histórico evolutiva dos movimentos sociais brasileiros até a atualidade, demonstrando como estes foram importantes no processo de redemocratização do país, passando a uma explanação de 9 como ocorrem as práticas de ações destes fenômenos sociais em nossa sociedade, a partir de uma abordagem feita através de eixos de atuação destes movimentos. Em um terceiro momento, trataremos como a Internet e os mecanismos a ligados ela, influenciam a atividade dos movimentos sociais, revelando-se como elemento catalizador dos movimentos sociais. No segundo capítulo será feia uma análise acerca dos direitos e garantias fundamentais individuais, sendo este dividido em duas seções, na primeira será discutido a diferenciação entre direitos fundamentais e direitos humanos, sobre uma retomada histórica da origem destes conceitos e, posteriormente efetuando uma distinção entre estes dois elementos ressaltando sua classificação pela doutrina. Em um segundo momento analisaremos os direitos e garantias fundamentais individuais em espécie, expressos dentro do arcabouço normativo da Constituição de 1988, identificando e procedendo uma análise através de suas classificações apresentadas pela doutrina. O terceiro capítulo é composto de duas seções, a primeira que trata de uma análise circundante dos elementos da dicotomia inclusão e exclusão social, buscando compreender como se caracterizam estes elementos através de explanações doutrinarias, e como ocorrem as práticas tanto de inclusão como de exclusão social. No segundo momento faremos uma análise com base nas informações colidas na pesquisa de qual e o papel dos movimentos sociais na efetivação de direitos e garantias fundamentais e como se dá por eles a problematização da exclusão e inclusão social, para isso abordaremos a nova temática de atuação dos movimentos sociais no século XXI e como estes agem frente a democracia instalada a partir de 1988 equacionando os problemas sociais contidos no espaço público. Porém não é possível garantir com segurança um fato histórico que originou os movimentos sociais no mundo, estes foram se desenvolvendo no desenrolar da história humana, desde as primeiras relações sociais, buscando alteração do que não consideravam justo. Assim, esse poder de transformação, coloca os movimentos sociais como um poderoso meio para dar eficácia aos direitos e garantias individuais, os quais, muitas vezes, ficam tão somente no âmbito da positivação. Arraigado sob este prisma de mudanças sociais, os movimentos sociais demonstram sua força no translado do tempo, encontrando-se demonstrado nas chamadas revoluções burguesas que foram um divisor de águas, dentro da história da humanidade e dentro dos 10 modelos de estrutura estatal, nesta senda o ser humano, de súdito passa a ser um cidadão de direitos, com o surgimento do Estado Moderno, que resultara destas revoluções. A ruptura com o sistema de governo político arbitrário absolutista, e com o regime feudalista encontrase fortemente ligada aos movimentos sociais, às massas, encontrando o caminho da alteração do status quo. O surgimento dos direitos fundamentais neste momento resulta-se de fato crucial, para compreendermos a importância dos direitos fundamentais individuais na formação da estrutura do Estado Moderno, tidos como direitos naturais do homem, foram positivados nas constituições e ficaram conhecidos como liberdades fundamentais ou direitos civis. Na realização desta pesquisa, foram utilizadas fontes de pesquisa bibliográficas em meios impressos e eletrônico, a fim de coletar informações necessárias para dar subsídio, sobre a temática proposta, para obter a resposta do objetivo geral da pesquisa, que é demonstrar, como, através de suas ações no espaço público, os movimentos sociais agem como agentes de efetivação de direitos e garantias fundamentais individuais e como agem na problemática da dicotomia inclusão e exclusão social. 11 1 MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL A abordagem do tema movimentos sociais, deve ser feita através do questionamento das estruturas concernentes ao sistema sociopolítico vigente no país, após períodos de extrema repressão que se passaram no traslado histórico brasileiro, enfatizando o regime ditatorial de 1964, que foi expungido com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, torna-se inadmissível quedar-se alheio a participação dos movimentos sociais, na evolução do país, na construção da cidadania e da democracia. Enfim face à contemporaneidade, diante de uma democracia consolidada, pautada em direitos e garantias fundamentais, que em grande parte chegaram a ser positivados através das páginas da Constituição Cidadã, devido as lutas destes mesmos movimentos, surge nesta senda, como arcabouço desta pesquisa o ímpeto de averiguar, hoje, dentro do Estado Democrático de Direito, qual o papel dos movimentos sociais, na a efetivação destes mesmo elementos e assim, determinar qual sua influência no equacionamento da dicotomia inclusão/exclusão social. 1.1 O que são os movimentos sociais Os movimentos sociais, por muitas vezes são vistos a partir de uma concepção moderna, como se fossem estruturas emanadas do transcurso da história moderna, ou que de fato a pouco tempo estivessem presentes na vida em sociedade, deste modo, a percepção do surgimento destes novos movimentos sociais deve ser encarada de forma a entender que estes movimentos são fenômenos que surgem, atrelados a uma dogmática, esta sim formadora do que se chama movimentos sociais, e que esta estrutura transcende temporalidade chegando a atingir a antiguidade e a formação dos primeiros povo. Múltiplos movimentos sociais do Ocidente do sul e do Leste que hoje em dia são denominados “novos” constituem com raras exceções novas formas de movimentos sociais que existiram através dos tempos. Ironicamente, os Movimentos “clássicos” da classe trabalhadora e sindicais surgiram principalmente no século passado e, com o passar do tempo, parecem ser mais um fenômeno transitório relacionado com o desenvolvimento do capitalismo industrial. Por outro lado, os movimentos camponeses, de comunidades locais, étnicos/nacionalistas, religiosos e até de mulheres/feministas existiram durante séculos e até milênios em muitos destes movimentos são comumente denominados como “novos”, embora a história européia conte com numerosos movimentos sociais ao longo da história. Exemplos destes movimentos são as revoltas de escravos em Roma, as Beguine e outros 12 movimentos de mulheres no século XII, alguns dos quais desencadearam a caça às bruxas e outras formas de repressão contra as mulheres, os movimentos/guerras camponesas do século XVI na Alemanha, os conflitos históricos, na Ásia, no mundo Árabe e na expansão do Islã, assim como na África e na América Latina, múltiplas formas de movimentos sociais se converteram em agentes de resistência e transformação social. (FRANK; FUENTES,1989). Todavia, é impossível afirmar que algum fato histórico se consolide como epicentro do surgimento dos movimentos sociais, até porque estes, como acima comentado, configuram-se em fenômenos, nascem geração pós geração, desde as primeiras relações sociais como fruto do não conformismo humano, da necessidade de lutar em favor de um objetivo comum, sendo na manutenção de uma situação, rompimento de paradigmas ou contra injustiças das mais distintas formas, nesta senda encontramos preceitos na obra de Maria da Glória Gohn.(2007, p. 13-14). Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram e cremos que sempre existirão. Isso porque eles representam forças sociais organizadas que aglutinam as pessoas não como força-tarefa, de ordem numérica mas como campo de atividade de experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovação socioculturais. Assim, os movimentos sociais se revelam como fenômenos atemporais, seus objetivos podem ser alterados com o passar do tempo, mas no que concerne a essência da organização humana dentro de uma perspectiva de alteração do “status quo”, percebemos os mesmos traços, seja em revoltas na Roma antiga ou nos movimentos operários analisados por Marx, feministas, ecológicos, Movimento dos Sem Terra no Brasil, encontramos esta mesma linearidade nas reações que eclodem no Brasil atual, nas Marchas de Junho de 2014, entendemos que as características primarias estão atreladas ao sentimento humano de irresignação, da luta por algo que lhe é precioso, em tempos isso para muitos era a liberdade, a vida, hoje no cenário do Estado Democrático de Direitos, estes motivos se ampliam, e estes fenômenos ganham potencialidade em um ambiente sem fronteiras que é a Internet, que surge como Ágora moderna em tempos de insatisfação social. A história mostra que os movimentos sociais estão presentes em todas as sociedades. Na Antigüidade ocorreram movimentos de escravos e movimentos religiosos; na Baixa Idade Média, destacaram-se os movimentos de mercadores e movimentos religiosos; e na Idade Contemporânea, com o capitalismo, surgiram movimentos operários em resposta a más condições de trabalho. Temos Hoje os chamados “novos” movimentos sociais: ecológicos, pacifistas, feministas, dos sem-teto, em defesa da escola pública, pelo direito dos homossexuais, movimentos que lutam por melhores condições de segurança, de assistência saúde, e outros. No Brasil, um dos mais importantes é, sem dúvida, o Movimento dos Sem-Terra (MST), que teve como precursora as chamadas Ligas Camponesas na década de 50, sob a liderança 13 de Francisco Julião, que pregavam a reforma agrária e a posse da terra, “na lei ou na marra”. (OLIVEIRA, 2001, p. 91). Contudo, podemos observar que, independente da origem dos movimentos sociais, do motivo que levou seu desenvolvimento, bem como o local onde surgiu, todos possuem em si a essência da busca pela satisfação do que julgam não estar de acordo como o que consideram justo, assim, os movimentos sociais fazem-se presentes desde as sociedades antigas até os dias de hoje e provavelmente na sociedade futura. Para atingirmos o objetivo da pesquisa que é determinar, o que são os movimentos sociais, usaremos o paradigma europeu, que foi dividido em dois períodos, clássico e contemporâneo ou intitulado novos movimentos sociais (NMS), assim como exemplifica Gohn (1997, p. 132): Observa-se que tratamos a teoria dos NMS como sendo inserida numa parte do paradigma europeu caracterizada como nova, e não denominamos o paradigma como um todo ou a parte dos NMS como "novo paradigma", como faz Offe. Por quê? Porque, para nós, não se trata de algo realmente novo, mas de uma reconstrução de orientações teóricas já existentes, uma revitalização na teoria da ação social a partir de suas matrizes básicas, como as clássicas weberiana e durkheimiana, e a parsoniana contemporânea, e também inspirada em elaborações de alguns neomarxistas. Preliminarmente, não podemos adentrar de maneira profícua na análise dos movimentos sociais, sem antes determinar um tracejo da dicotomização destes períodos (Clássico e Contemporâneo), procedendo assim, uma análise desta divisão que encontrarmos nas teorias, a fim de que nos constituam bases para obter de veras um conceito adequado para os movimentos sociais. Dentro da ramificação dos movimentos sociais, analisados sob o prisma das teorias clássicas, encontramos uma série de autores, estes que por sua vez proporcionam teses antagônicas na dogmatização destes fenômenos. Encontram-se nesta polarização das teorias clássicas autores como Le Bon, Tarde e Ortega y Gasset, os quais viam nas movimentações das massas um movimento irracional, que poderia colocar em perigo a estrutura sócio-política das sociedades, de outra banda autores como Marx, Durkheim e Weber, percebem neste fenômeno, a possibilidade de criação de um mecanismo revolucionário, deste modo buscaremos nestes autores determinar uma linha para o que consideram movimentos sociais, e de forma sucinta expor suas perspectivas: 14 Esquematizando, podemos distinguir a existência de duas correntes na reflexão dos clássicos. De um lado estão os que, como Le Bon, Tarde e Ortega y Gasset, se preocupam com a irrupção das massas na cena política e vêem nos comportamentos coletivos da multidão uma manifestação de irracionalidade, um rompimento perigoso da ordem existente; antecipam assim os teóricos da sociedade de massa. De outro lado estão os que, como Marx, Durkheim e Weber, se bem que com alcance e implicações diversos, vêem nos movimentos coletivos um modo peculiar de ação social, variavelmente inserida ou capaz de se inserir na estrutura global da sua reflexão, quer eles denotem transição para formas de solidariedade mais complexas, a transição do tradicionalismo para o tipo legal-burocrático, quer o início da explosão revolucionária. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2002, p. 797). Nota-se que, dentro da bipartição destas correntes que tratam dos movimentos sociais clássicos, encontramos um forte posicionamento referente a acepção destes fenômenos, esta por sua vez, trazida pelo autor José Ortega y Gasset, que refere-se a estes com repudia, classificando-os como um passo para trás na evolução da humanidade, fazendo referência em sua obra, onde ataca a organização da sociedade em corpos massificados que ele denomina de “homens-massa” dizendo em suma, que nesta nova realidade funesta, a Europa caminhava para situação onde o “homem-médio”, que segundo ele detém a capacidade de pensar de forma crítica, teria sua vontade suprimida pela massa através do que ele chama de “ação direta”. Não se atribua, pois, o que estes novos fatos têm de esquisito ao que têm de novo, mas à estranhíssima bitola destas novidades sobre as espécies de sindicalismo e fascismo aparece pela primeira vez na Europa um tipo de homem que não quer dar razão nem quer ter razão mas que simplesmente se mostra resolvido a impor suas opiniões. Eis que o novo: o direito a não ter razão, a razão da sem razão. Eu vejo nisso a manifestação mais palpável do novo modo de ser das massas, por haverem resolvido dirigir a sociedade sem ter capacidade para isso. (ORTEGA Y GASSET, 2005, p. 136). Nesta senda, Gasset conceitua o que ele chama de “ação direta”, fazendo uma referência de que a escalada civilizatória caminha em direção a proclamação da força como última ratio, e a ação direta inverte esta lógica, colocando a utilização da força como primeira ratio. A civilização não é outra coisa senão o ensaio de reduzir a força a última ratio. Agora começamos a ver isto com bastante clareza, porque a "ação direta" consiste em inverter a ordem e proclamar a violência como prima ratio; a rigor, como única razão é ela a norma que propõe a anulação de toda norma, que suprime tudo que medeia entre nosso propósito e sua imposição. É a Charta magna da barbárie. (ORTEGA Y GASSET, 2005, p. 136). 15 Para Guilherme Tarde, as massas não têm opinião formada, constituídas possuem sempre algum líder para dizer-lhes o que fazer, segundo ele pessoas de opinião são poucas e as maiorias constituem massas irracionais (MALFATTI, 2011 apud TARDE, 2005, p. 59-61). Assim, dentro das teorias do autor alemão Karl Marx, este remete à análise a questão das lutas sociais, foco central de suas teorias, deste modo, os movimentos sociais em sua concepção, encontram-se na luta pela transformação da realidade social, a qual traz consigo um cenário de carências econômicas, e sobre tudo de uma opressão sócio-política e cultural. Não tendo como foco o estudo da revolução em si, mas sim, no próprio processo histórico das lutas de classes e camadas sociais em uma situação de subordinação. Deste modo, as revoluções (lutas sócias) ocorrem quando existe a quebra de paradigmas estabelecidos dentro de uma sociedade, a ruptura com a hegemonia do poder das elites e confrontamentos das forças sociopolíticas em luta, ofensivas ou defensivas (GOHN, 1997, p.172). A autora salienta ainda que as teorias marxistas, não são apenas teorias prismáticas, que possuem a característica de ofertar um modo de compreensão aos fenômenos sociais, mas servem como uma teoria orientadora, a qual oferece um modos operandi para os movimentos sociais, isto se dá devido ao fato de que, elas não estão lá apenas para analisar o problema, mas sim, para refletir a prática que se tornará a “práxis histórica”1, estas teorias não tem objetivo de estudar a problemática das classes, mas sim a de analisar os participantes, os atores sociais como programa ideológico (GOHN, 1997, p. 173). Assim, Malfatti em seu trabalho demonstra qual a visão de Max Weber acerca das ações de massa, explica que para o autor existe a racionalidade na compreensão da ação humana, e que desta forma busca compreender que o que motiva a ação humana é o motivo pelo qual esta se orienta, na compreensão do autor aí é que encontramos a racionalidade. Demonstra ainda que, quando Weber estudou o surgimento do capitalismo e chegou à conclusão que este derivou da ética protestante, ele encontrara o sentido do capitalismo que fora a pratica de uma religião por uma determinada comunidade, esta pratica por sua vez originou um tipo de economia que frutificou na aurora do capitalismo (MALFATTI, 2011, p. 2). 1 Na filosofia marxista, conjunto de atividades que visam a transformar o mundo e, particularmente, os meios e as realizações de produção, sobre a qual repousam as estruturas sociais. 16 Deste modo, através da análise dos autores que alicerçaram os paradigmas acerca dos movimentos sociais e, que servem de matrizes para a construção das teorias acerca dos movimentos sociais contemporâneos (Novos Movimentos Sociais) encontramos guarida nas palavras de Gohn, que consolida esta visão em sua obra, quando refere-se a estes como “uma revitalização na teoria da ação social a partir de suas matrizes básicas, como as clássicas” (GOHN, 1997, p. 32). Sendo assim, podemos perceber que mesmo na análise destes paradigmas nos deparando com teorias antagônicas, mas que na tentativa de extrair elementos que formem um conceito seguro de movimentos sociais, encontramos nos autores analisados que, dentro das teorias apresentadas possa de fato existir uma diferenciação quanto ao verdadeiro papel destes movimentos junto a sociedade, podemos perceber que na caracterização destes fenômenos existe de fato, semelhanças que circundam o surgimentos destes fenômenos. Assim como a instabilidade social, a luta para romper ou manter algum aspecto da sociedade, sobre tudo a transcendência de um Estado de integração para outro de transformação, divergindo estes em relação do caráter psicológico e sociológico. Nesta linha os autores Bobbio, Matteucci e Pasquino (2002, p. 787, grifo nosso), tentam determinar um paralelo entre os autores clássicos e contemporâneos: Em todos estes autores, bem como naqueles QUE LHES HAVIAM DE SEGUIR, existem alguns elementos comuns na análise dos comportamentos coletivos e dos Movimentos sociais: o acento sobre a existência de tensões na sociedade, a identificação de uma mudança, a comprovação da passagem de um estádio de integração a outro através de transformações de algum modo induzidas pelos comportamentos coletivos. Mas é diversa a importância por eles atribuída aos componentes psicológicos em relação aos sociológicos, aos aspectos micros sociais em relação aos macrossociais, e, enfim, ao papel dos agentes em relação à dinâmica do sistema. Assim, podemos perceber dentro destas características descritas por Bobbio, Matteucci e Pasquino (2002), que de fato existem semelhança referente a tentativa de construção de uma conceitualização destes fenômenos, e que deste modo, como referência Gohn (1997), no que concerne a perspectiva de novos movimentos sociais, não podemos analisá-los como de fato novos, pois estes são construções derivadas dos paradigmas clássicos, acima estudados. Assim, devemos proceder uma análise conceitual, mais profunda sob o prisma de ambas as teorias (Clássica e Contemporânea), sendo que, estas encontram-se umbilicalmente ligadas, sobre o que de fato são estes fenômenos intitulados movimentos sociais. 17 Nota-se, que através do construído até este momento, os movimentos sociais, estiveram sempre presente junto a evolução de nossa sociedade, assim, a eles não podemos negar sua cota de participação junto as grandes mudanças que ocorreram na humanidade, e continuam contribuindo até hoje. Deste modo, Gohn (1997, p. 251), traz em sua obra uma definição para os fenômenos dos movimentos sociais: Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não-institucionalizados. Assim, Lakatos nos traz uma conceituação derivada de suas pesquisas podemos considerar os movimentos sociais como tendo origem em uma parcela da sociedade global, com característica de maior ou menor organização, certo grau de continuidade e derivando da insatisfação e/ou das contradições existentes na ordem estabelecida, de caráter predominantemente urbano, vinculados a determinado contexto histórico e sendo, ou de transformação ou de manutenção do status quo. (LAKATOS, 1990, p. 294). De fato, a conceituação dos fenômenos conhecidos como movimentos sociais é um campo de muitas disfunções, paradigmas pensados através de séculos pelos mais ilustres pensadores da humanidade, cada qual com seu prisma para entender os fenômenos sociais, sobre tudo, desta pequena construção podemos retirar elementos que possam identificá-los, comuns a boa parte das teorias até então estudadas, são estes mecanismos de organização civil que se corporificam através do ânimos de seus personagens, caracterizado especialmente pela luta na tentativa de alterar uma realidade ou para mantê-la, contra aquilo que compreenda injusto, devendo se compreender que dentro deste potencial transformador da realidade encontra-se a fonte de criação jurídica. Assim como nos lembra Corrêa, “os vários Movimentos Sociais representam, sem a menor dúvida, uma das mais fecundas fontes de criação jurídica, sendo neste sentido importantes sujeitos coletivos” (CORRÊA, 1995, p. 60). 18 Dentro do paradigma europeu, como já analisado, existem duas correntes de pensamento acerca dos movimentos sociais, esta bipartida entre a teoria clássica e a contemporânea que ficou conhecida por novos movimentos sociais. Segundo Gohn (1997), na Europa da década de 60 duas correntes de pensamento predominavam no campo dos movimentos sociais, a neomarxista e a culturalista-acionalista, a primeira que veio a consolidar-se como o paradigma conhecido como novos movimentos sociais. Assim, para a autora o paradigma dos novos movimentos sociais, foram divididos em três linhas de pensamento, a histórico-política, psicossocial e a acionalista que carregava com sigo o rótulo de neomarxista. Deste modo, percebemos que as teorias resultantes no paradigma dos novos movimentos sociais, abandonam o paradigma clássico ligado a corrente chamada de irracional, de autores como Ortega y Gasset e Tarde, e que surge a partir de uma crítica as teorias Marxistas. Por sua vez, Malfatti em um apontamento referindo-se ao paradigma da teoria clássica dentro de sua corrente irracional, assim chamada por não identificar nas ações sociais racionalidade, o autor demonstra que “A partir do momento em que se concorda que é possível entender que a ação social é racional, pode-se também construir teorias que os explicam os Movimentos Sociais.” (MALFATTI, 2011, p. 218). Como já referido, o paradigma dos novos movimentos sociais, nasce a partir de uma crítica as teorias Marxistas, como salienta Gohn, as teorias de Marx, restavam-se insuficiente para a concepção de movimentos que surgiam na década de 60 na Europa, assim autores da época como Touraine, Offe, Melucci, Laclau e Mouffe, partiram para criação de um mecanismo analítico que dava ênfase para aspectos culturais ideológicos, lutas cotidianas, solidariedade entre as pessoas de um mesmo movimento e a identidade criada entre estes. Partindo da inadequação do paradigma tradicional marxista, denominados por alguns clássico ou ortodoxo, para análise dos movimentos sociais que passaram a ocorrer na Europa a partir dos anos 60 deste século, assim como fazendo a crítica aos esquemas utilitaristas e às teorias baseadas na lógica racional e estratégica dos atores (que analisavam os movimentos como negócios, cálculos estratégicos etc.), Touraine, Offe, Melucci, Laclau e Mouffe, entre outros, partiram para a criação de esquemas interpretativos que enfatizavam a cultura, a ideologia, as lutas sociais cotidianas, a solidariedade entre as pessoas de um grupo ou movimento social e o processo de identidade criado. (GOHN, 1997, p. 121). 19 Marx quando adentra os estudos da problemática circundante ao tema dos movimentos sociais demonstra o papel desempenhado pelo movimento social operário na sociedade, assim a entrando em uma sociedade pós-industrial, teria provocado o surgimento de novos movimentos (feministas, regionalistas, ecologista, etc.), novos atores sociais compondo uma nova realidade social. Marx mostrou o papel central que o movimento operário desempenhou na sociedade industrial. Podemos, no entanto, perguntar-nos com A. Touraine (1973) se o advento da sociedade "pós-industrial", não terá favorecido a emergência de "novos" movimentos sociais trazidos por "novos actores" (movimentos femininista, regionalista, ecologista, etc.). Nem todos os movimentos sociais se reduzem a esta única dimensão social: alguns envolvem uma dimensão mais política, como o movimento das nacionalidades no séc. XIX. Outros movimentos podem ter por finalidade resistir a um desmoronamento da ordem social: é com frequência esse o caso dos movimentos de dimensão religiosa (milenarismos, messianismos, etc.). Todo o movimento social supõe uma mobilização prévia dos actores que o compõem. Essa mobilização não implica necessariamente a criação de novos compromissos e de novas identidades colectivas; pode igualmente assentar na reactivação de lealdades e identidades já constituídas [sic]. (BOUDON, 1990, p. 170). Desta forma, instala-se este novo paradigma de lutas sociais no cenário moderno, os novos movimentos sociais, a partir da década de 70, começam a surgir movimentos populares, novas demandas os distanciam dos movimentos sociais operários, assim tem em suma o grande foco de sua articulação a luta pela conquista ou manutenção de direitos sociais, usam mecanismos midiáticos para chegar a opinião popular, fonte de consolidação das manifestações. Os Novos Movimentos recusam a política de cooperação entre as agências estatais e os sindicatos e estão mais preocupados em assegurar direitos sociais - existentes ou a ser adquiridos para suas clientelas. Eles usam a mídia e as atividades de protestos para mobilizar a opinião pública a seu favor, como forma de pressão sobre os órgãos e políticas estatais. Por meio de ações diretas, buscam promover mudanças nos valores dominantes e alterar situações de discriminação, principalmente dentro de instituições da própria sociedade civil. (GOHN, 1997, p. 125). Frente a este modelo de fenômeno social, destaca-se nas análises efetuada o sociólogo Alain Touraine, posicionando-se como um dos nomes mais respeitados no estudo dos movimentos sociais, Malfatti em uma análise de sua obra expõem a visão de Touraine, para ele estes fenômenos transcendem o próprio conceito de classes sociais absorvendo-a, assim acredita que o liberalismo desenvolve a pessoa para que esta seja dotada de racionalidade, suprimindo deste modo o próprio sujeito, defende que o homem representa papeis préestabelecidos dentro da conjuntura social, remete-se a uma situação onde, dividindo o ser 20 humano, quanto mais o homem aproxima-se de si mesmo, a fim de encontrar o que ele chama de sujeito e quanto mais o homem aproximar-se deste, tornar-se-á mais livre (MALFATTI, 2011, p. 223). 1.2 Movimentos sociais no Brasil contemporâneo Através dos séculos, desde a colonização europeia, o Brasil passou por inúmeras mudanças em relação a sua estrutura social, de colônia de exploração a sub império português, anos de reestruturação política juntamente com períodos de extrema repressão, onde o Estado brasileiro possuía características distintas as de hoje como garantidor de direitos. Até chegarmos a situação atual do país, uma república democrática constituinte, que não diferente de outros lugares no mundo, vive um momento de insurgência social, onde novos direitos são reclamados e a população organiza-se para reivindicar, buscando a concretização de seus interesses e o atendimento de suas necessidades fundamentais. Deste modo, podemos constatar através de uma análise discorrida sobre uma ótica pacifica entre autores deste tema, que todas as mudanças sociais que ocorreram durante o transcurso da história de uma sociedade, sofreram influência direta ou indireta dos movimentos sociais, pois trata-se de uma característica inerente a estes fenômenos, o poder de efetuar transformações no espaço público, não sendo diferente no Brasil. Assim, nos cabe antes de nada, levantar um sucinto histórico das participações dos movimentos sociais na história brasileira, a fim de compreender com clareza as suas características e as influencias que estes impingiram na construção da cidadania e principalmente através das lutas por suas reivindicações. Os movimentos sociais seguem acompanhando o desenvolvimento sócio-político do Brasil desde suas raízes, não é difícil encontrar informações históricas acerca de suas formações, sejam eles pertencentes a qualquer natureza. A autora traz um pequeno apanhado das revoltas dos movimentos mais relevantes do período colonial até o golpe de Vargas em 1937. [...] Zumbi Dos Palmares (1630-1695), Inconfidência Mineira (1789), Conspiração Dos Alfaiates (Minas, 1798), Revolução Pernambucana (1817), Balaiada (Maranhão 1830-1841), Revolta dos Malés (Bahia, 1835), Cabanagem (Pará, 1835), Revolução da Praieira (Pernambuco, 1847-1849), Revolta de Ibicaba (Estado de São Paulo, 1851), Revolta de Vassouras (Estado do Rio, 1858), Quebra-Quilos, (Pernambuco, 1873), Revolta Muckers (Rio Grande do Sul, 1874), Revolta do Vintém (Bahia, 21 1880), Canudos (Bahia, 1874-1897, massacrada pelas forças da República). Estes são alguns exemplos mais conhecidos até o Século XX [...] [...] Revolta da Vacina (Rio de Janeiro, 1905), Revolta da Chibata (Rio de Janeiro, 1910), Revolta do Contestado (Paraná, 1912), Liga Contra o Analfabetismo (1917), Revolta Contra o Preço do Pão, feiras livres, Contra inspeção de bagagens nas estações de trens, contra a colocação de trilhos para bondes (que retiravam emprego do carrossel e quebraram o casco das patas dos cavalos), atos contra o desemprego e a carestia em São Paulo e no Rio de Janeiro[...]Padre Cícero no Ceará (1926) e Lampião na Bahia (1925-1938). Nas cidades destacadas e as Revoluções dos Tenentes (1822), a Coluna Prestes, as lutas pela educação desenvolvidas pelos reformadores (Anísio Teixeira, Fernando De Azevedo e outros) [...] [...] movimento dos Pioneiros da Educação (1931), a Revolução Constitucionalista São Paulo (1932), a Revolta do Caldeirão no Ceará (1935), a criação da Aliança Libertadora Nacional (1935), o Movimento Pau de Colher (ocupação de terras na Bahia, em 1935), revoltas militares etc. Estado novo em 1937, Presidente Getúlio Vargas, amorteceu os conflitos sociais pelo controle via repressão [...] (GOHN, 2000, p. 14-16). Assim, nos anos que se seguiram, a presença dos movimentos sociais começam a sofrer expansão devido as condições da própria época, pois, findo o regime autoritário representado por Getúlio Vargas na estruturação do Estado Novo (1937-1945), com mudanças significativas na estrutura econômica do país, devido a um aquecimento do processo de industrialização a fim de proporcionar a instalação de multinacionais, uma nova classe operaria surge no cenário nacional, formaram solo fértil ao desenvolvimento do movimentos sociais, neste período eclodem várias greves das classes operarias, e movimentos sociais ligados a atividade campesina, assim como as Ligas Dos Camponeses Do Nordeste e a Liga Dos Agricultores Sem Terra (MASTER), na educação fora criado o Movimento de Educação de Base, os Círculos Populares De Cultura (MEB) bem como a União Nacional dos Estudantes (UNE). [...] Um novo setor da classe operária surge no ABCD paulista: os metalúrgicos. [...] [...] Entre 1961- 1964 eclodiram centenas de greves no país. Criaram se, no campo, dos movimentos que são considerados como antecessores os atuais Sem Terra: As Ligas Camponesas do Nordeste e o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER), no sul do país. Na área da educação criou se um movimento educação de base (MEB). Setores da área de educação e da cultura aliaram-se os grupos que lutavam por um projeto de desenvolvimento nacional autônomo e produziram vários eventos, publicações e movimentos, como os Círculos Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). O sindicalismo industrial viveu grande conflito, tanto internos entre sindicato oficiais de sindicalismo de oposição como externos, gerados no embate com os proprietários das empresas e com o Ministério do Trabalho. (GOHN, 2000, p. 17). Assim, novamente o Brasil no ano de 1964 teve a ordem jurídica suprimida, agora através do Ato Institucional nº 1, retirando mais uma vez o país do caminho democrático. Com a tomada do poder pelos militares a realidade política no Brasil muda, dentro do regime repressor as manifestações populares são reprimidas, sendo das mais conhecidas as greves de 22 Osasco (SP) e Contagem (MG). Em 1968 com a entrada do Ato Institucional nº. 5º, a repressão fica ainda mais forte, com a retirada de direitos sociopolíticos dos cidadãos e a violação latente dos Direitos Humanos. Nessa senda, em 1974 com o regime enfrentando uma crise econômica que assolou o mundo, ocorre a articulação da resistência, ressurgindo neste espaço os movimentos sociais. Assim, a partir da mobilização dos trabalhadores ocorre a reestruturação das centrais sindicais (ANAMPOS, CGT, CUT)2 que haviam sido desarticuladas no início da repressão militar em 1964, com tudo, com o fim do bipartidarismo em 1979 e a retomada do processo eleitoral nos Estados brasileiros, à um recuo no ciclo de greves que estavam ocorrendo neste período. [...] A partir de 1974, com a crise internacional do petróleo o chamado "milagre brasileiro' entra em crise. A resistência ao regime militar começa a se articular. Os movimentos sociais emergem das cinzas. Nas cidades, as comunidades eclesiais de base (CEBs), embaladas pela Teologia da Libertação, organizaram milhares de pessoas me deram origem a momentos populares vigorosos como Custo de Vida (depois Carestia), movimentos pelos transportes, favelados por direito real de uso da terra onde estavam, pela saúde nos centros e postos comunitários de saúde, por vagas nas escolas etc. Parte desses movimentos serviu de base de apoio às greves que espalharam pelo país entre 1978- 1979. Eles formaram os comitês de compra de gêneros de primeira necessidade de apoio aos operários em greve[...] [...]No campo foi criada a confederação Nacional das Associações dos Moradores (CONAM) e a ANAMPOS continuou a aglutinar os setores populares mais próximos das práticas sociais da CUT, do Partido dos Trabalhadores e dos Setores progressistas da Igreja Católica. Posteriormente a ANAMPOS se transforma em Pró-Central dos Movimentos Populares, que deu origem à Central dos Movimentos Populares em 1993[...] (GOHN, 2000, p. 18-19). Entre os anos de 1983 e 1984, ocorreu um dos mais icônicos movimentos da história recente brasileira, não apenas pela sua magnitude mas pelo objetivo de suas reivindicações, a reestruturação do processo democrático no país, através de eleições diretas para presidente, o movimento Diretas Já. Através da PEC 05/1983 o então Deputado Federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresenta proposta para realizar a alteração no texto da Constituição de 1967 modificando os critérios para a escolha de Presidente e Vice-Presidente da República. A proposta motivada por uma maré de descontentamento do povo brasileiro com o regime militar, devido a várias situações que somavam-se a recessão econômica mundial (crise do petróleo), culminando com a ruptura do “Milagre econômico brasileiro3” e a falta de liberdade da população (OLIVEIRA; MARINHO, 2012). ANAMPOS: Articulação Nacional Dos Movimentos Populares E Sindicais; CGT: Comando Geral Dos Trabalhadores; CUT: Central Única Dos Trabalhadores 3 Milagre econômico brasileiro: O período 1968-1973 é conhecido como “milagre” econômico brasileiro, em função das extraordinárias taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) então verificadas, de 11,1% ao ano (a.a.). Uma característica notável do “milagre” é que o rápido crescimento veio acompanhado de inflação 2 23 Deste modo, logo tomou as ruas, como um sinal de irresignação dos cidadãos, bem como do desejo de modificação do status quo, agregando percentual vertiginoso a seu campo de ação, houveram várias manifestações por todo país, principalmente nas capitais, envolvendo cerca de três milhões de pessoas, mesmo com a hercúlea organização popular a proposta fora votada pela Câmara dos Deputados, acabando por não ser aprovada4, mesmo ganhando a maioria dos votos dos deputados presentes (BERTONCELO, 2009). Após, os eventos que cercaram o processo de redemocratização, dentro do colégio eleitoral, Tancredo Neves é eleito para o cargo de Presidente da República do Brasil, tornando-se o primeiro civil em 21 anos a ser eleito ao cargo, após sua morte assume seu lugar seu vice José Sarney, que teria ainda em seu governo a convocação feita pela assembleia legislativa para uma nova constituinte, que construiria o texto que ficou conhecido como a Constituição Cidadã. Neste momento através do forjamento do novo texto constitucional, chegara o momento dos movimentos sociais buscarem a materialização de suas lutas e reivindicações dentro da nova constituição que foi favorecida pela inserção de mecanismos de participação popular, muitas destas demandas que vieram a enrobustecer o rol de direitos e garantias previstos na Carta Magna (BRANDÃO, 2012). Assim, nos anos que se seguiram, movimentos emblemáticos fazem parte do cenário nacional, desta vez sobre a égide da Constituição democrática, que afirmava direitos e garantias negligenciados em outros momentos, mas a crise do capitalismo globalizado atinge o Brasil, os mesmos movimentos que nas décadas de 70 e 80 lutaram pela constituição de direitos, mudam seu foco de atuação passando a agir de forma mais institucionalizada, afastando-se exclusivamente da luta pela constituição de direitos, eis que estes já haviam sido positivados através da Constituição de 1988, foi momento de lutar por efetividade e cidadania. Agora, surgem novas formas de organização popular, estas mais institucionalizadas que tem como objetivo de suas lutas à inclusão das frações da população excluída do sistema. Neste novo cenário impingido pela nova construção social e política, atingida através da Constituição de 1988, os movimentos sociais fomentam sua atividade na busca pela declinante e relativamente baixa para os padrões brasileiros, além de superávits no balanço de pagamentos. (VELOSO,2008). 4 A emenda Dante de Oliveira recebeu maioria de votos 298 contra 65, foram ainda 3 abstenções e 113 ausências faltando 22 votos para atingir o quórum necessário (ROSSI; CLÓVIS, 1984). 24 concretização da cidadania, esta nova estruturação dos movimentos sociais, juntamente com as ONGs, tem o enfraquecimento de ideologia política em sua atividade, dando ênfase a estruturas com perfil de demandas mais universais, que para autora Maria Gloria Gohn, circundam em determinados eixo temático de lutas e demandas no cenário brasileiro deste novo milênio. São lutas e conquistas por habitabilidade, mobilização da organização popular em torno da participação político-administrativa das cidades, quanto a temática ambiental e físico espaciais, bem como serviços coletivos de saúde, educação, lazer, esporte e outros serviços públicos, contra desemprego, e apoio a moradores de rua, usuários de drogas, portadores de doenças, deficientes físicos, pró-reforma agrária, movimentos étnicos raciais, questões de gênero, contra as políticas neoliberais e os efeitos da globalização (GOHN, 2003). Estas redes de cooperação formadas hoje no Brasil e no mundo, são estruturadas pela cooperação entre os atores sociais que subsidiam suas atividades, sendo que, em uma análise elementar podemos identificar três grande espécies de atores sociais, os movimentos sociais; organizações não governamentais juntamente com fóruns e plenárias de articulações; e conselhos gestores de projetos e políticas públicas sociais. De fato, como é objeto da pesquisa, aprofundaremos o estudo sobre os movimentos sociais em especifico, não nos afastando desta temática de redes que de fato compactua com o cenário contemporâneo dos movimentos sociais. Pela compreensão da melhor doutrina, na temática de atividade desenvolvidas pelos movimentos sociais, existem eixos temáticos de frentes de ação, temáticas relacionadas as atividades especificas de cada movimento, para analisarmos estes eixos seguiremos um roteiro apresentado pela autora Maria da Gloria Gohn (2013) em sua obra, devido a sua estruturação didática e tendo em vista que o objetivo desta pesquisa não é tracejar um mapa periférico de todos os movimentos sociais no Brasil, mas sim determinar como estes se estruturam e como se da sua área de abrangência frente a sociedade. Assim, movimentos encontram-se hoje, subdivididos em classes especificas, ligadas a seu objeto reivindicatório. Os movimentos ligados a temática urbana encontram um campo fértil para sua organização, pois, com o aumento vertiginoso do processo de urbanização dos espaços e o êxodo acentuado do campesinos para cidades, os problemas habitabilidade, ambientais e de estrutura urbanizada, foram agravados, processo este que vem crescendo desde meados dos 25 anos 60 e 70 até hoje. Este processo, leva a problemas sócias críticos, tais como o inchaço das áreas favelizadas, áreas irregulares/ilegais de assentamentos, o aumento da criminalidade devido ao abismo social criado, ocasionando uma crise latente na segurança pública, que unidos levam a uma perda da qualidade de vida nas cidades, gerando a insatisfação social, característica propicia para o surgimento do fenômeno dos movimentos sociais urbanos (GOHN, 2013). Neste desdobramento dos movimentos em busca de urbanidade, podemos cindir estes em movimentos: reivindicatório de moradia; contra a violência urbana; e de áreas sociais e prestação de serviços públicos (educação, saúde transportes, etc.). Este primeiro que encontramos caracterizado em movimentos como, MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto bem como o MNLM-Brasil – Movimento Nacional de Luta pela Moradia, este primeiro que atua similarmente aos movimentos rurais (movimento dos Sem Terra MST), direcionando sua ação a luta pelo direito à moradia, promovendo a ocupação de prédios abandonados (público/privados) em áreas urbanas, dentro da organização dos movimentos quanto redes de ação coletiva como explicado acima, através de fóruns e outras atividades ligadas, dentro de suas maiores conquistas está a influencia na criação do Estatuto da Cidade5 (GOHN, 2013; ARAUJO, 1998). No desenrolar deste eixo encontramos os movimentos contra a violência urbana, com a ascendência do processo urbanizatório, o problema em torno da violência torna-se bandeira a vários movimentos com projetos e objetivos distintos mas que circundam todos sobre a mesma temática, tanto na organização de pessoas que tiveram familiares vítimas da violência quanto de movimentos que trabalham esta situação voltada a áreas favelizadas controladas pelo crime organizado entre outros inúmeros, em suma, movimentos que trazem como bandeira, mais do que uma mensagem, mas uma reivindicação de paz, nos mais diversos setores da sociedade. Bem como movimentos que tinham como foco de lutas a reivindicação pela qualidade e prestação de serviços públicos de educação, saúde e ao transporte (GOHN, 2013). 5 Estatuto da Cidade- Lei LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001- Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.(BRASIL, 2001). 26 Outro eixo temático apresentado e dos movimentos sociais ligados ao meio ambiente (urbano e rural), a organização de movimentos em torno da temática ambiental torna-se entre os movimentos explanados uma das áreas que vem aumentando mais significativamente, mesmo que dentro destes muitos, poucos se intitulem movimentos sociais e não se apresentem como ONGs. A busca de seus objetivos levam estes movimentos a discussões temáticas como: poluição; água, resíduos (lixo e esgoto), transportes alternativos, proteção dos animais (tráfico de animais silvestres, maus tratos, etc.), alimentos geneticamente modificados, fontes alternativas de energia sustentável, fomentar dicções sobre desenvolvimento de planos diretores em Municípios, na ideia de determinar a utilização sustentável das cidades com aproveitamento de espaços públicos bem como a preservação da estrutura histórico-cultural do ambientes públicos. As demandas levantadas pelos movimentos ambientais estão fortemente ligadas a construção de uma cidadania para quem sofre com a desigualdade social, os efeitos da precarização da qualidade de vida decorrentes da degradação socioambiental e a necessidade de mais abrangência da sociedade nas práticas sustentáveis, que são imperativas quanto questões ligadas a outras demandas (saúde, segurança, moradia, reforma agraria), na busca de um meio ambiente (urbano e rural) sustentável, tornam-se pautas para reivindicação destes movimentos, visando através disso a mobilização da sociedade em torno das questões ambientais (JACOBI, 2003). Em relação à temática dos movimentos indenitários e culturais, estão os movimentos étnicos raciais como o dos povos indígenas e dos afrodescendentes e, de gênero como o movimento dos jovens, dos homossexuais, das mulheres, dos idosos, dentre outros. São assim chamados pelo fato de possuírem uma analogia relacionada a idade, raça ou fatores biológicos. Estes podem ser considerados como os que mais se desenvolveram após os anos 90, podem ser identificados nos movimentos manifestados através da música como o Hip Hop e o Rap, o movimento de meninos e meninas de rua, Parada Nacional do Orgulho GLBT, a marcha das mulheres, os movimentos anarco-libertários, dentre tantos outros. (GOHN, 2013). Segundo Castells (1999), os movimentos culturais e sociais, foram de extrema importância para a sociedade em que vivemos e seu amoldamento, que não se subordinaram ao que consideravam injusto, revolucionaram contra o uso irregular da autoridade e buscavam a liberdade de pensamento, ações e experimentação pessoal, interrogaram os alicerces da 27 sociedade e seus reais valores. Estes movimentos, embora de forma indireta, influenciaram não somente os eixos culturais, mas também, às transformações econômicas e tecnológicas, devido ao espírito libertário, acarretando no uso descentralizado e particularizado da tecnologia. Sua capacidade de criar um espectro reformador de bases culturais alicerçadas e permitiu que uma nova experiência social e humana fosse alcançada. Outro movimento que já elencou diversas mobilizações, foram os movimentos ligados à fome, cuja está associada a pobreza e a questão das desigualdades. Exemplos destes movimentos são passeatas e campanhas diversas com o intuito de arrecadar doações e alimentos, originar maneiras de buscar renda e fornecer meios de restaurar a dignidade de quem depene da coleta e manuseio de resquícios do lixo. Programas de governo como Fome Zero, Bolsa Família e Comunidade Solidária, demais programas oficiais de planos governamentais, órgãos como Conselho nacional de segurança Alimentar e Nutricional, PEC da Alimentação que buscava a consideração da alimentação como direito fundamental manifesto através de filmes, programas governamentais diversos atuantes na assistência através da monetarização da mesma, são exemplos de diferentes modelos de movimentos desenvolvidos em prol da questão relacionada à fome no Brasil. Dentre as pessoas envolvidas nestes movimentos, se destaca uma, cuja identificou a causa da fome e denunciou a opressão que acarretava na geração da mesma, foi Josué Castro6 (GOHN, 2013). Contudo, todos estes movimentos buscavam em seu ímpeto a amenização de um relevante problema social que é a fome e que diretamente está associada a desigualdade social questão da exclusão social, considerando que, um cidadão que se encontra em uma situação de miserabilidade e totalmente dependente de outro para a sua subsistência, torna-se um paradoxo social, onde depende exclusivamente da “boa vontade” do Estado (quando associado a programas paternalistas que não possuem a intenção da modificação do status quo), bem como de práticas filantrópicas que não geram o resgate do ser humano, de sua dignidade humana e tratam de sua reinserção à sociedade, parasitando em seios marginalizados sobrevivendo tão somente dos restos do sistema de produção de uma sociedade capitalista. Nesta senda, que os movimentos sociais atuam como elemento no 6 Cientista que teve uma profunda influência na vida nacional e grande projeção internacional nos anos que decorreram entre 1930 e 1973. Ele dedicou o melhor de seu tempo e de seu talento para chamar a atenção para o problema da fome e da miséria que assolavam e que, infelizmente ainda assolam, o mundo, “Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens” (Castro, 2015,). 28 combate não somente à fome, mas também como agentes transformadores da realidade social, buscando a construção da cidadania e inclusão social. Os movimentos advindos da questão religiosa são os relacionados a crenças, tradições religiosas e seitas. O cenário das religiões no Brasil passou por diversas modificações nas últimas décadas, tanto pela redução de pessoas católicas quanto, e decorrente, do aumento no número de seitas e demais alas no catolicismo, este fato acarretou em novas orientações e articulações dos movimentos. A partir dos anos 2000, as atividades desenvolvidas por pastorais retornaram à priorização de atividades voltadas ao meio urbano, apoiando movimentos sociais em suas novas articulações que estavam sendo orientadas por militantes ampliados, trabalhando com assuntos como direitos humanos, culturais e ações de movimentos populares, que defendiam temas como moradia, equipamentos urbanos e bens. Assim, demais movimentos como os das mulheres, movimento pela paz e movimentos homossexuais, juntaram-se a movimentos de criança e adolescentes, de direitos humanos, dentre outras uniões, desenvolvendo assim, redes temáticas. As novas orientações dos cristãos levaram, nos anos de 1990, no Brasil, ao apoio para a criação da Central dos Movimentos Populares (1993), e ao lançamento do Movimento da Consulta Popular (1997), assim como uma reativação de manifestações públicas como a marcha do Grito dos Excluídos, organizada desde 1995, e a Marcha das Margaridas (em sua maioria, mulheres camponesas), além das inúmeras Marchas dos Sem-Terra, que ganharam espaço na mídia a partir de 1997. O Movimento Consulta Popular do final dos anos de 1990, o Plebiscito sobre a Dívida Externa, em 2000; a Campanha Contra a Alca – Área de Livre-Comércio das Américas, que resultou no Plebiscito Popular sobre a Alca em 2002 (SILVA, 2008 apud GOHN, 2010, p. 98). Foram grandes mobilizações populares que contaram com o apoio dos setores progressistas da Igreja Católica no Brasil. Em 2007, o Grito dos Excluídos, convocado pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, para demandar: trabalho, terra, moradia, paz, justiça, saúde, cidadania, ética, educação e soberania, mobilizou nas principais capitais do país simpatizantes e aliados, tais como o MST, partidos políticos (Psol, PSTU, PCB e o Partido Humanista). (GOHN, 2013, p. 98). Historicamente, a forma como foi conduzida no Brasil a questão religiosa, faz com que não temamos conflitos religiosos existentes em outros países, pois a mesma se desenvolveu com pacificidade entre as diferentes religiões e seitas. Sendo que, a religião possui um grande valor cultural, mesmo com as mudanças do estilo de vida e da rotina do povo brasileiro com o passar dos anos, a religião permaneceu em seu cotidiano (GOHN, 2013). 29 No setor da comunicação, os movimentos sociais podem ser encontrados: mídia escrita, falada e audiovisual, como jornais e revistas, grafite, televisão, rádio internet, seja para o surgimento, desenvolvimento ou para impulsionar divulgar o movimento, viabilizando e facilitando o alcance de seus objetivos do mesmo uma vez que influencia a opinião popular. Contudo, nota-se que a mídia possui grande influência nos movimentos no que tange a divulgação de seu objetivo, proporcionando um poder muitas vezes maior do que realmente possui, causando a comoção popular, estes movimentos geralmente trabalham em parceria como ONGs e outros atores sociais do terceiro setor, rádios comunitárias entre outros, este aspecto dos movimentos sociais no setor das comunicações será tradado com mais ênfase em item especifico neste capítulo. A maioria dos movimentos indenitários e culturais atua em conjunto com ONGs e têm sido bastante noticiados pela mídia. Muitas vezes lhes são atribuídos muito mais poder e força do que de fato possam deter. Isso ocorre por dois motivos: de um lado como resultado de suas lutas que criaram uma nova gramática no imaginário social e lhes conferiu legitimidade. Por outro lado, este superdimensionamento resulta também da forma como a mídia apaga o conflito, a diferença. Eles se transformam, nas reportagens, em lugares de identificação, eliminam-se do processo de identidade propriamente dito a diferenciação, a luta, a resistência. (GOHN, 2010, p. 109). Seguindo a analise, nos deparamos com a temática dos movimentos sociais ligados a luta campesina, estes movimentos hoje, correspondem a uma grande fração das atividades dos movimentos sociais no Brasil, sendo que seus maiores movimentos são: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),Via Campesina, Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), Rede de Educação do Semi-árido Brasileiro (RESAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT) (BERTERO, 2000). Os movimentos existentes neste eixo constituem muito além de apenas um movimentos reivindicatório, eles se estendem a uma luta que objetiva inserir os atores sociais dentro de uma estrutura que transcende somente a luta pelo acesso à terra, atingindo pontos de luta por democracia, isonomia, e a luta contra a exclusão do campesino. O desejo de ter sua terra, e poder através dela conquistar o seu sustento, sua dignidade, e simbiótico a necessidade de extrair um cidadão flagelado pela exclusão social, de uma situação marginalizada a alguém capaz de exercer plenamente sua cidadania. São estas características que estremecem a ordem social dominante, expondo seu caráter renovador e questionador (GOHN, 2013). 30 Estes movimentos lastreiam-se em uma luta histórica pelo direito a terra, mesmo assim entre suas demandas não atem-se estritamente a pautas por uma reforma agraria maciça, mas sim a luta por vários direitos, defendendo bandeiras como trabalhistas, previdenciárias, reconhecimento da jornada de trabalho, bem como a postura combativa contra um modelo econômico que exclui a maioria da população rural, que não está em compasso com os gigantes da atividade agrícola (ARAUJO, 1998). Seguindo a analise encontramos o eixo dos movimentos ligado a área dos direitos. No Brasil a luta por direitos foi e continua presente no campo dos movimentos sociais, tendo em vista a grande participação dos movimentos deste eixo principalmente no processo de redemocratização do país. Estes movimentos mesmo tendo como objetivo de luta o combate a violência, não igualando-se aos movimentos que combatem a violência urbana, estendendo suas atividades a áreas de reivindicação necessárias aos desenvolvimento da cidadania, assim GOHN (2013, p. 86), elucida com clareza a temática de atuação destes movimentos: O tema dos direitos é fundamental porque ele dá universalidade às questões sociais, aos problemas econômicos e às políticas públicas, atribuindo-lhes caráter emancipatório. É a partir dos direitos que fazemos o resgate da cultura de um povo e de uma nação. Sabe-se que a temática dos direitos surge ao longo dos três últimos séculos. Inicialmente, no século XVII, são os direitos civis ligados às liberdades individuais, como o direito à liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e credo, de propriedade. No século XIX surge o elemento político como direito de participar no exercício do poder político, como eleitor, e, no século XX, emerge o elemento social que se refere a “tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bemestar econômico e segurança ao direito de participar” por completo do processo político (HORTA, 1991, p. 211 apud GOHN, 2013, p. 86). O SÉCULO XXI TRARÁ A CONSOLIDAÇÃO DO ELEMENTO CULTURAL, NOS DIREITOS CULTURAIS QUE PRECONIZAM O DIREITO À DIVERSIDADE DA CULTURA DOS POVOS, ENQUANTO ETNIAS, RAÇAS, CRENÇAS, OPÇÕES RELIGIOSAS, SEXUAIS ETC. CONSOLIDAM-SE TAMBÉM OS DIREITOS À PROTEÇÃO AMBIENTAL, À VIDA E AO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DA HUMANIDADE. (GOHN, 2013, p. 86, grifo nosso). Um dos movimentos mais emblemáticos na história recente brasileira no sentido da luta por direitos humanos e o MNDH – Movimento Nacional Pelos Direitos Humanos, movimentos que teve um papel importante nas conquista obtidas nos últimos 40 anos, e se outrora lutou contra as arbitrariedades de um sistema ditatorial, por uma país livre e democrático e participando da construção do texto constitucional, hoje, consolida suas atividades na luta em busca do respeito ao indivíduo e contra todas as formas de violência, dignidade nas prisões e por uma sociedade com efetivação dos direitos dispostos na 31 constituição, para que seja possível progredir na busca por uma sociedade mais justa e igualitária. Objetivando de fato a busca de uma vida digna a todos. Dentro da temática dos movimentos sociais ligados ao trabalho encontramos dentro desta atividade movimentos voltados a áreas: sindicais; contra o desemprego; movimento de cooperativados e de produção econômica solidaria. Os movimentos sindicais tiveram, como já analisado, papel crucial na reconstrução da democracia, e hoje tem sua atividade reestruturadas, neste novo século o movimentos sindicas sofreu um enfraquecimentos devido ao processo de modernização somada a crise econômica e uma larga escala de demissões que aconteceram, para que não perdessem suas forças acabaram por voltar suas demandas para questões de social indiscriminadas somadas as suas pautas naturais. Nesta temática de evolução tecnológica dos meios de produção e crise econômica esboça-se a área de atividade dos movimentos formados por trabalhadores desempregados impulsionados pela crise econômica mundial, estas situação levou estes movimentos a organiza-se e partir contra o desemprego em massa (GOHN, 2013). Ainda nessa ótica, os movimentos de economia solidaria encontram sua atividade através de estratégia de produção e comercialização produtos, possuindo como temática de atuação a busca por inclusão socioeconômica através desta estratégia desenvolvida apartandose do mercado ortodoxo e explorando perspectivas de comercialização através de redes solidarias, levando sempre em conta a premissa da autos sustentabilidade dos envolvidos nestas atividade que não deseja a obtenção de lucros mais sim garantir o sustento das famílias envolvidas no processo. Um dos grandes exemplos destes movimentos segundo a autora GOHN (2013), trata-se do movimento dos catadores de papel, papelão e outros materiais recicláveis, as atividades destes movimentos servem ainda a demonstrar o funcionamento do terceiro setor através das redes de cooperação dos atores sociais (ONGs, associações, entidades, movimentos e empresas denominadas cidadãs), que se articula em rede na atividade de promover a inclusão social de camadas da população marginalizadas. No panorama seguido na análise dos eixos de atividade dos movimentos sociais no Brasil, encontramos o movimento antiglobalização, movimento este que mesmo tendo uma identidade cosmopolita tendo em vista foco de atividades suas atividades ocorrerem no mundo todo encontra-se presente no Brasil, este movimentos traz em suma através de suas 32 atividades uma análise crítica do capitalismo e refuta as características excludentes deste mecanismo (miséria, exclusão e conflitos sociais), em suma desigualdades causadas por um processo econômico agressivo. Estes movimentos trazem atrelados às suas bandeiras de lutas, uma proposta de globalização diferenciada,7 que seja capaz de criar uma sociedade internacional que respeite8características culturais de cada país do mundo. Estes movimentos organizam através de redes de movimentos sociais e outros atores sociais em redes formando uma estrutura articulada contra a globalização liberal (BRINGEL; MUÑOZ, 2010). Estes movimentos antiglobalização/alterglobalista organizam-se para a realização do Fórum Social Mundial, no qual se reúnem representantes dos mais diversos segmentos da sistemática dos movimentos sociais e terceiro setor, esta tem sido uma das estratégias de luta do movimento antiglobalização, pois parte dele as principais discussões sobre ações que possam ajudar na concretização dos objetivos dos movimentos, este fórum também acaba desdobrando-se em eixos temáticos na realização de outros eventos, com pontos específicos de trabalho, a exemplo do Fórum Social Mundial da Educação, Biodiversidade, Imigrantes, etc.Este fórum como já salientado, trabalha numa temática de construção de uma sociedade internacional alternativa a lógica da globalização que se emprega hoje, fato que pode ser constatado diretamente no slogan do evento: "um outro mundo é possível". Ele estabelece uma forma nova de realização de ações políticas pensando na inserção do indivíduo a partir da participação social através do diálogo e, colaboração mutua, um espaço aberto com atividades organizadas pelos indivíduos onde as opiniões são respeitadas na forma de sua individualidade, “pois se um outro mundo é possível será um mundo em que caibam muitos mundos” (LEITE, 2003, p. 13). 1.3 Internet e redes sociais como elementos catalizadores dos movimentos sociais Hoje, nos encontramos em uma era de informação em massa, aonde as pessoas, em sua grande maioria, encontram-se conectadas a gigantesca rede de informações instantâneas Sobre esta perspectiva que este movimento recebe críticas de especialistas quanto a sua nomeação, seguindo entendimentos controversos de que não caberia nominação de MOVIMENTOS ANTIGLOBALIZAÇÃO, mas sim MOVIENTOS ALTERGLOBALISTA, por, oferecem um viés alternativo de uma globalização ideal através da crítica a globalização liberalista instituída pela sistema econômico capitalista em vigência. 7 33 que nos cerca, realidade esta que vivemos, difere-se e muito da revolução causada pelo surgimento das primeiras emissoras de rádio no início do século XX, e da metade do mesmo com as primeiras transmissões de programação televisionadas, esta diferenciação se dá em suma pelo fato que, dentro das programações de Televisão ou Rádio, as pessoas gravitavam no polo passivo da relação, consumidores da informação enlatada, produzida pelos canais de telecomunicação. Esse aparente paradoxo decorre do fato de que a velha mídia, sobretudo a televisão, (ainda) controla e detém o monopólio de "tornar as coisas públicas". Além de dar visibilidade, ela é indispensável para "realimentar" o processo e permitir sua própria continuidade. (LIMA, 2013,p. 100). Com a era da informação digital, pós advento da internet esta relação não corresponde mais a realidade, pois a internet não existe em nosso cenário de fato como um veículo de informação, mas sim, como instrumento de disseminação democrático de opinião, nesta nova perspectiva a população passa de seu papel estático como consumidor de informação, para surgir neste novo mecanismo como criador desta, a internet consolida-se dentro de nossa contemporaneidade como um espaço para expor ideias e fomentar discussões. Deste modo, hoje, sob a influência desta nova realidade, onde as próprias relações sociais sofreram uma mutação de proporções inimagináveis, percebemos que a história contemporânea da humanidade passa a ser construída, através da internet, pessoas comuns passam a compartilhar suas vidas na construção de um novo fenômeno social, neste sentido que referimos a internet como mecanismo democrático de disseminação de opiniões. Este novo fenômeno social, que vem potencializado pela velocidade das redes sociais e construído passo a passo através, de “Self’s” e “Posts”, e revela ao mundo o poder incomensurável deste mecanismo através das versatilidades da tecnologia. Assim, não é de causar espanto, que a revolução da informações, que causou mutações dentro das próprias relações sociais, invada consequentemente a esfera dos movimentos sociais, servindo como catalizador de suas atividades, estes que até então agiam isolados, ou dependiam de meios radiofônicos ou escritos para atingir seu público alvo, fazem hoje, uso das ferramentas de comunicação que a internet dispões, para levar os movimentos de fato para um novo palco, este que é um espaço sem fronteiras, estas ferramentas possuem a capacidade 34 de levar as reivindicações quase que instantaneamente para toda a população e o mais importante, permitem que essa responda. Nos últimos anos, a comunicação em ampla escala tem passado por profunda transformação tecnológica e organizacional, com a emergência do que denominei auto comunicação de massa, baseada em redes horizontais de comunicação multidirecional, interativa, na internet; e, mais ainda, nas redes de comunicação sem fio, atualmente a principal plataforma de comunicação em toda parte. Esse é o novo contexto, no cerne da sociedade em rede como nova estrutura social, em que os movimentos sociais do século XXI se constituem. (CASTELLS, 2013, p. 11). Esta nova realidade que circunda a formação dos Movimentos Sociais, vem eclodindo de forma dantesca no mundo nos últimos anos, os motivos não mudaram nem características centrais de estruturação, os efeitos da mutação sofrida pela revolução da informação, na forma como ocorre a organização e como estes se alastram, estes fenômenos assim como a humanidade são dotados de capacidade de adaptação e evolução, esta capacidade de evoluir conforme o meio em que vive, uma característica explicita dos movimentos sociais, a internet os permite ampliar o seu foco de abrangência, a transmissão de suas reivindicações é ampliada de forma que é possível atingir o maior número de pessoas e isso de fato, ocorre de forma quase instantânea. Os movimentos espalharam-se por contágio num mundo ligado pela internet sem fio e caracterizado pela difusão rápida, viral, de imagens e ideias. Começaram no sul e no norte, na Tunísia e na Islândia, e de lá a centelha acendeu o fogo numa paisagem social diversificada e devastada pela ambição e manipulação em todos os recantos deste planeta azul. Não foram apenas a pobreza, a crise econômica ou a falta de democracia que causaram essa rebelião multifacetada. Evidentemente, todas essas dolorosas manifestações de uma sociedade injusta e de uma comunidade política não democrática estavam presentes nos protestos. Mas foi basicamente a humilhação provocada pelo cinismo e pela arrogância das pessoas no poder, seja ele financeiro, político ou cultural, que uniu aqueles que transformaram medo em indignação, e indignação em esperança de uma humanidade melhor. Uma humanidade que tinha de ser reconstruída a partir do zero, escapando das múltiplas armadilhas ideológicas e institucionais que tinham levado inúmeras vezes a becos sem saída, forjando um novo caminho, à medida que o percorria. Era a busca de dignidade em meio ao sofrimento da humilhação – temas recorrentes na maioria dos movimentos. (CASTELLS, 2013, p.11, grifo nosso). O efeito desta transformação, com advento da internet surge de forma reveladora, se une a características já antigas dos movimentos sociais, os quais se consolidaram através do mundo como rompedores de paradigmas, fomentadores de novos direitos e novos valores. Os movimentos sociais assumem o papel de poder reflexo, desta forma,suas aproximações junto a veículos de telecomunicação de fato não são grandes, tendo em vista que estes em grande parte encontram-se ligados a sistemas de governo, deste modo, a militância dos movimentos 35 são levadas aos campos da Internet que a estes oferece um campo fértil para disseminar suas ideias, através de ferramentas como as redes sociais. Ao longo da história, os movimentos sociais são produtores de novos valores e objetivos em torno dos quais as instituições da sociedade se transformaram a fim de representar esses valores criando novas normas para organizar a vida social. Os movimentos sociais exercem o contra poder construindo-se, em primeiro lugar, mediante um processo de comunicação autônoma, livre do controle dos que detêm o poder institucional. Como os meios de comunicação de massa são amplamente controlados por governos e empresas de mídia, na sociedade em rede a autonomia de comunicação é basicamente construída nas redes da internet e nas plataformas de comunicação sem fio. As redes sociais digitais oferecem a possibilidade de deliberar sobre e coordenar as ações de forma amplamente desimpedida [sic]. (CASTELLS, 2013, p.18). Essa nova realidade dos movimentos sociais pode ser vista com clareza no Brasil, no movimento intitulado de Marchas De Junho, ocorrida em 2014, iniciando como movimento em prol do passe livre, cria uma manifestação contra o aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo-SP, manifestação esta que eclode em movimentos por todo pais, atingindo proporções incomensuráveis, das ruas para as redes, o movimento já agregara ao seu cerne todo sentimento de insatisfação com a política brasileira, e se de início eram por vinte centavos no final era por muito mais, era pela necessidade de dar um basta a realidade nefasta que macula os poderes da união. Dentro deste aspecto a Internet teve um papel de suma importância a exemplo de outros países que encontraram manifestações com a mesma potencialidade, manifestos eram marcados através das redes sociais, o número de manifestantes somava-se, os protestos eclodiam das grandes metrópoles até nas pequenas cidade, a comoção tomou conta do país, causado pelo fervor social. ACONTECEU TAMBÉM no Brasil. Sem que ninguém esperasse. Sem líderes. Sem partidos nem sindicatos em sua organização. Sem apoio da mídia. Espontaneamente. Um grito de indignação contra o aumento do preço dos transportes que se difundiu pelas redes sociais e foi se transformando no projeto de esperança de uma vida melhor, por meio da ocupação das ruas em manifestações que reuniram multidões em mais de 350 cidades. PASSE LIVRE. PORQUE A MOBILIDADE É UM DIREITO UNIVERSAL, e a imobilidade estrutural das metrópoles brasileiras é resultado de um modelo caótico de crescimento urbano produzido pela especulação imobiliária e pela corrupção municipal. [...][...]Mas também disseram: “Não são os centavos, são nossos direitos.” Porque, como todos os outros movimentos do mundo, ao lado de reivindicações concretas, que logo se ampliaram para educação, saúde, condições de vida, o fundamental foi – e é – a defesa da dignidade de cada um. Ou seja, o direito humano fundamental de ser respeitado como ser humano e como cidadão. (CASTELLS, 2013, p. 3, grifo nosso). 36 Pouco tempo depois das Marchas de Junho, outro movimento encontra campo na realidade brasileira, e se alastra através das Redes Sociais, estes são os chamados “ROLEZINHOS”, esse termo está sendo usado para determinar movimentos de jovens de classes baixas, que utilizando das redes sociais, marcam encontros de grupos numerosos em shoppings da cidade de São Paulo-SP, assim mesmo sendo um fenômeno novo que merece uma análise adequada, divide opiniões. Estes movimentos, servem perfeitamente para demonstrar o poder contido nas redes sociais e internet, e como este age como agente catalizador destas manifestações, não será aqui campo de uma análise paradigmática destes fenômenos, mas sim de destacar que vivemos em uma nova realidade, uma realidade de informação e comunicação instantânea, esta nova realidade mostra quanto essas ferramentas de comunicação alteraram a realidade da sociedade como um todo. Podemos ver expressa esta situação dentro da pesquisa realizada pela ComScore empresa americana especializada em pesquisa de mercado que revela que no Brasil a realidade das Redes Sociais e Blogs é a seguinte em números de usuários: Facebook 65,9 milhões de usuários; LinkedIn 11,8; Twitter com 11,3;Tumblr 7,9 milhões; o Ask.fm, 5 milhões; Orkut, 4,8. Deste modo, podemos perceber que a internet e suas ferramentas 37 2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS Para seguirmos na análise temática proposta na pesquisa, neste segundo momento passaremos a fazer uma análise sobre a construção dos direitos e garantias individuais.Estes encontram-se presentes no do arcabouço normativo brasileiro, instalado através da Constituição de 1988, e bem como vimos no capítulo anterior sofreram maciça influência em seu forjamento e reconhecimento, por parte dos movimentos sociais de sua época, no processo de redemocratização do país. Assim, nos resta compreender como estes direitos encontram-se estruturados dentro do pragmatismo de um Estado Democrático de Direitos brasileiro, qual sua essência, quais teorias compõem sua estrutura, afim, de poder caracterizá-los e conceituá-los.E portanto podendo identificá-los, passando por um roteiro de analise acerca dos direitos humanos e fundamentais, propondo uma a compreensão destas variáveis, afim de delimitar diferenças existentes. Culminando na análise dos Direitos e Garantias individuais dispostos na Constituição de 1988, para que nos sirva de lastreado para cumprir o objetivo principal desta pesquisa. 2.1 Direitos humanos e direitos e garantias fundamentais: diferenças Vestibularmente para prosseguirmos esta análise, é preciso frisar que os direitos humanos e direitos fundamentais não são duas partes de uma mesma moeda (como em que pese algumas análises sobre o tema), mesmo havendo ainda aqueles que defendam sua unidade, isso discorre de uma visão simplista acerca do tema, não é aqui palco para tecer uma análise exaustiva acerca dos direitos humanos muito menos dos direitos e garantias fundamentais em geral, até porque, hoje, no que tange a doutrina moderna encontramos uma vasta gama de cientistas jurídicos que explanam sobre o tema, através de trabalhos frutíferos. Para nós no momento nos basta buscar extrair seu conceito e diferenciando estes dois elementos. Para conseguirmos efetuar a diferenciação entre os direitos humanos e direitos fundamentais, é imperioso compreender os elementos que estruturam cada um destes conceitos.Deste modo, compreender de fato o que são os direitos humanos e fundamentais, mesmo sendo uma característica predominante deste conceito a multidiversidades de teses, 38 tanto conceituais como de gênese, buscaremos construir um pequeno compendio, através do possível, destas teses muitas vezes antagônicas, tendo como foco inicial o reconhecimento e a valorização do ser humano. Para que possamos situar a ideia de direitos humanos e fundamentais, precisamos regressar alguns séculos na história da humanidade, momento em que nascem as teorias Iluministas, que trouxeram significativas evoluções a situação histórica da humanidade, e que na questão político-social resultaram em uma crítica a um modelo de Estado absolutista, que era predominante antes das Revoluções Burguesas, oferecendo embasamento necessário a estas. Assim, passemos a uma apreciação histórica, por meio de teorias perpetuadas através do movimento iluminista do século XVIII, que carregavam como características teses Contratualistas e de Jusnaturalismo que tinham em seu bojo a valorização do homem, onde perpetua-se a ideia de que o ser humano carrega com sigo direitos naturais a sua essência, imprescritíveis e inalienáveis que transcendiam as relações sociais e a própria estrutura Estatal, (a liberdade, a propriedade, a segurança, a resistência à opressão) direitos estes que deveriam ser reconhecidos e garantidos pelos Estados, direitos a liberdade e a dignidade humana e participação política que serviram de pilares fundamentais a nova estrutura de Estado moderno liberal, (estes direitos que no constitucionalismo atual passaram a serem denominados de direitos fundamentais de primeira geração ou civis (individuais) e políticos, que surgia através das declarações de direitos naquela época.Mesmo tendo natureza semelhantes, a única das declarações que reconhecia esses direitos naturais em um âmbito universalista ao gênero humano indiscriminadamente, era a francesa (Declaração de direitos do homem e do cidadão – 1789), enquanto a Bill of Rigth inglesa,mantinha seu foco aos senhores feudais (A Declaração Inglesa de Direitos – 1689) e as Bills of Rigths americanas que falavam exclusivamente do povo americano (Declaração das Colônias - 1776). (BONAVIDES, 2008). Para Odalia (2013), perceber a revolução francesa como fundadora dos direitos civis é necessário compreender juntamente a isso, que o século XVIII, foi conhecido como o Século do Iluminismo (Século das Luzes), um ambiente onde as teorias circundantes as ciências da natureza davam espaço a uma nova temática pujante, oriunda da ciência da razão, assim, bem como comenta José Afonso da Silva citando Boris Mirkine Guetzévitch, acerca da origem das declarações é que: 39 essas não eram, por seu turno, se não o reflexo do pensamento político europeu internacional do Século XVIII - esta corrente da filosofia humanitária cujo objetivo é a libertação do homem esmagado pelas regras caducas do absolutismo do regime feudal. E porque essa corrente era geral, comum a todas as Nações, pensadores de todos os países, a discussão sobre as origens intelectuais das Declarações de direitos americanos e francesa a bem da verdade, objeto. Não se trata de demonstrar que as primeiras declarações provem de Locke ou Rousseau. Elas provem de Rousseau Locke e de Montesquieu, de todos os teóricos e de todos os filósofos. As Declarações são obra do pensamento político moral e social de todo o Século XVIII. (SILVA, 2005, p. 257apud GUETZÉVITC, 1957, ps. 126 e 127, grifos nosso). Após a declaração dos diretos naturais, problemas circundam o seu desenvolvimento, estes como: a estruturação da sistemática destes direitos naturais, declarados inerentes ao ser humano e abstratos perante o direito positivo, onde, sem a submissão do Estado caracterizavam-se mais como um conjunto de premissas principiológicas do que direitos propriamente ditos. Este embate entre o direito positivo e o natural deu-se no final do século XVIII, através de debates teóricos entre “o racionalismo jusnaturalistas e, de outro, o utilitarismo e o historicismo”. Outra temática discutida trata-se da questão sobre a fonte destes diretos se realmente eram naturais e deveriam ser reconhecidos pelo Estado (Jusnaturalismo) ou tão somente tratava-se de direitos subjetivos conquistados historicamente e pelos indivíduos afirmados pelo Estado, este embate também ocorreu com a presença do Positivismo Jurídico no século XIX. O ponto discrepante nesta temática circundava a limitação da soberania estatal, tendo em vista que se os direitos fossem naturais partiriam de uma autolimitação à própria soberania do Estado. O terceiro problema estaria na tutela destes direito, o Estado francês da época abarcava a separação dos poderes somada a autonomia dada ao Poder Judiciário, bem como a participação dos cidadãos (por meio de seus representantes no mecanismo legislativo de criação de leis), já na Constituição americana fora optado por um mecanismo rígido de alteração do texto constitucional que só permite sua alteração através de uma constituinte e um controle de constitucionalidade na aprovação o de leis, protegendo os cidadãos do poder despótico da maioria. (MATTEUCCI, 1998, p. 353-354). Após as revoluções burguesas e a organização do Estado Moderno, através de estruturas constitucionais, estes direitos foram levados para dentro das Constituições, assim, tornando-se direitos positivados, reconhecidos pelo império da lei, parte integrante do ordenamento jurídico dos Estados. Sendo assim, como referenciado acima, neste desenrolar histórico as Escolas positivistas baseadas na ideia de um ordenamento jurídico produzido pelo 40 homem através da axiologia das normas, afastava o direito natural e reconhecia os direitos fundamentais como parte de uma construção histórica, que colocava a Constituição como item supremo dentro do arcabouço estatal, os Direitos Fundamentais dos Homens passaram a compor os textos constitucionais justificando-se através de sua validade formal, dentro de um patamar superior e protegidos de alterações legais por processos ordinários de produção de leis (RAMOS, 2012). Todavia, após os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que somada as ideias de uma cidadania liberal, ganharam força as ideias que defendiam uma cidadania social, influenciadas em um conceito marxista-lenista, dando origem a declaração do Direito dos Povo Trabalhador e Explorado na extinta República Soviética Russa (1918). Do ideário de liberalismo burguês passa-se a uma perspectiva social, visando terminar com a exploração econômica. O Estado passa de tão somente garantidor de liberdades a agente na transformação da realidade social (através da atuação estatal como direito ao cidadão, estes direitos ficaram conhecidos no constitucionalismo como direitos fundamentais de segunda geração/dimensão), as principais constituições daquela época (princípio do século XX) foram a Constituição Mexicana (1917) e a Constituição de Weimar (1919), ambas embasadas no conceito de cidadania social, onde a igualdade era o direito basilar somada um extenso elenco de direitos econômicos, sociais e culturais era previsto (PIOVESAN, 2009). Mas como salienta Matteucci (1998), foi somente em decorrência da Segunda GuerraMundial e a organização cooperativa das nações no combate ao nazifascismo (tendo em vista a pratica de atos de barbárie contra o ser humano), que após a dissolução da Liga das Nações Unidas (1942), acabaram por criar a Organização das Nações Unidas-ONU, (1945), criada para atingir um nível de cooperação entre a comunidade internacional. Sendo deste modo, possível o desenvolvimento de uma estratégia internacional pela promoção e proteção dos Direitos Humanos, criando-se assim a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em 1948 “estabelecendo-a como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos”. (ONU,2015). Nesta senda Bobbio(2004, p. 55, grifo nosso) quando trata da declaração, fala de uma concepção de uma cidadania cosmopolita pela qual “todos os homens da Terra, tornando-se idealmente Sujeitos do Direito Internacional, adquiriram uma nova cidadania, a cidadania mundial e, enquanto tais, tornaram-se potencialmente titulares do direito de exigir o respeito aos direitos fundamentais contra o seu próprio Estado.”. 41 Esta ideia de cidadania universal que surge no pós Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, como explica Flavia Piovesan, deve ser compreendida sobre uma conceituação moderna que trabalhe com uma coadunação entre a cidadania liberal e o conceito de cidadania social, reconhecendo os direitos humanos como a propensão de uma nova cidadania que deve buscar a construção da justiça social. Considerando esse contexto, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 introduz extraordinária inovação, ao conter uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e políticos (arts. 3 a 21) como direitos sociais, econômicos e culturais (arts 22 a 28). Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto, sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja. Sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos e sociais carecem de verdadeira significação. Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e interdependentes. (PIOVESAN, 2009, p. 327). Nesta perspectiva percebemos na exposição histórica que os direitos humanos, são uma construção universalistas de direitos que são inerentes ao gênero humano, derivados de tratados internacionais, uma cidadania cosmopolita como dizia Bobbio (2004), mas, que devido a uma característica própria do Direito Internacional, não torna-se exigível, pela ausência de um Estado global, sem objetivar entrar em uma construção oriunda de teses de direito Internacional, mas que aqui torna-se imperativo, o Direito Internacional ao contrário do direito interno9 não é impositivo, este direto deriva da vontade dos Estados. Estes direitos não poderão ser exigidos, pelas vias ordinárias de direito interno, se o Estado não for signatário do tratado internacional, o Estado pode abandonar ou denunciar os tratados, se não cumpridos, o Estado sofrerá sanções administrativas frente a comunidade internacional, mas nada que lese sua soberania (uso de forças armadas). Para que a Declaração Direitos Humanos da ONU seja reconhecida e inseridos dentro da estrutura jurídica de um país (POSITIVADOS), é necessário que este Estado os aceite, através de tratados. Podendo assim serem reconhecidos no direito interno, como podemos ver: nenhum Estado, ao violar essa obrigação internacional de proteção pode se eximir de sua responsabilidade internacional, sob alegação de que tal domínio constituía, essencialmente, matéria de sua competência nacional, ou de seu domínio reservado 9 Direito Interno: Estrutura de ordenamento jurídico de um Estado. 42 Sem prejuízo das funções e dos poderes, que a Carta atribui aos órgãos das Nações Unidas, em caso de violação das obrigações assumidas pelos membros da Organização, os estados, agindo individual ou coletivamente, têm o direito de adotar, com relação a qualquer outro estado que tenha infringido as obrigações de proteção dos direitos fundamentais, quaisquer medidas diplomáticas e econômicas admitidas pelo direito internacional, desde que não comportem o uso de força armada, de modo a constituir violação da Carta das Nações Unidas. Essas medidas não podem ser consideradas como intervenção ilícita nos assuntos internos de qualquer estado. (NASCIMENTO; ACCIOLY; HILDEBRANDO, 2012, p. 73-74). A exemplo do Brasil, o próprio texto constitucional aproxima-se em muito da Declaração dos Direitos Humanos, quando no Art. 1º, reconhece como fundamento a defesa da dignidade da pessoa humana, e que em suas relações internacionais serão regidas pela defesa aos direitos humanos, o texto constitucional ainda prevê a recepção destes tratados com status axiológico superior, prevendo que os tratados internacionais ratificados e aprovados pelo Legislativo que versarem sobre direitos humanos serão recebidos no país com peso de Emenda Constitucional, sendo assim, a doutrina e o Superior Tribunal Federal veem uma nova fonte de Direitos Fundamentais, que será explicado melhor a frente. Afim de complementar esta analise, Mazzuoli apresenta um panorama na seguinte forma sobre o discutido, que a primeira coisa ao se fazer, quando busca-se estudar o direito das pessoas, é perceber que estes direitos possuem proteção em duas vertentes distintas, uma ligada ao Direito Interno que refere-se aos Direitos Constitucionais (direitos fundamentais) e a proteção oriunda do Direito Internacional (direitos humanos), para o autor esta diferença existente entre direitos humanos e direitos fundamentais ocorre da seguinte forma: DIREITOS FUNDAMENTAIS- é expressão mais afeta à proteção constitucional dos direitos dos cidadãos. Liga-se, assim, aos aspectos ou matizes constitucionais (internos) de proteção, no sentido de já se encontrarem positivados nas Constituições contemporâneas. São direitos garantidos e limitados no tempo e no espaço, objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. Tais direitos devem constar de todos os textos constitucionais, sob pena de o instrumento chamado Constituição perder totalmente o sentido de sua existência, tal como já asseverava o conhecido art. 1 6 da Declaração (francesa) dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: "A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição". (MAZZUOLI, 2015, p. 897, grifo nosso). E na conceituação de Direitos Humanos, como direitos positivados em tratados: DIREITOS HUMANOS - são, por sua vez, direitos inscritos (positivados) em tratados ou decorrentes de costumes internacionais. Trata-se daqueles direitos que já ascenderam ao patamar do Direito Internacional Público. Dizer que os "direitos fundamentais" são mais facilmente visualizáveis que os "direitos humanos", pelo 43 fato de estarem positivados no ordenamento jurídico interno (Constituição) de determinado Estado, é afirmação falsa. Basta compulsar os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos (tanto do sistema global, como dos sistemas regionais) para se visualizar nitidamente quantos e quais são os direitos protegidos. (MAZZUOLI, 2015, p. 898, grifo nosso). Para Jose Afonso da Silva, que inicialmente trata sobre a dificuldade em criar um conceito sintético e conciso, pois a história os apresenta através de terminologias10diferentes buscando designá-los. Bem explica o autor, que, dizia-se direitos naturais por entender os direitos que tratavam da natureza humana, direitos que pertenciam ao homem, somente em respeito ao seu gênero humano, que perpetuavam-se além da figura do Estado, teses jusnaturalistas que não são aceitas mais com tanta facilidade. Caracterizando os direitos fundamentais, o autor os demonstra como direitos positivos, alicerçados através do contesto histórico, evoluindo dentro das chamadas dimensões (ou gerações) de direitos fundamentais. Todavia, aos direitos humanos para o autor são oriundos de documentos (Tratados) de direito internacional público, que tem pretensão de garantir direitos fundamentais ao ser humano em um sentido universalista, mas que só terão eficácia através da recepção destes, por meio da ratificação dos tratados, assim, como no caso do Brasil que prevê que tratados ratificados sobre direitos humanos e aprovados pelo Legislativo, sejam inseridos no ordenamento nacional com status de Emenda Constitucional (SILVA, 2005, p. 175). Ainda assim, Gilmar Mendes em sua obra faz a seguinte analise situando e delimitando o tema afirmando que para os jusnaturalistas o direito dos homens deriva do direito natural, e estão em uma posição superior aos Estado, mas para os Positivistas os direitos dos homens são faculdades expressas e adequadas pela lei. Ainda, fala que para os idealistas os Direitos Humanos são ideias abstratas acolhidas pelo tempo, para os realistas são construções históricas derivadas de conquistas sociais e políticas (MENDES, 2012). Assim, podemos perceber em decorrência da construção apresentada as diferenças que cercam os direitos fundamentais e diretos humanos, os primeiros são positivados através da lei, os outros são obras de convenções internacionais e precisão ser ratificados e recebidos nos ordenamentos internos para que se tenha valor, ambos decorrem de uma construção história, direitos que são conquistas basilares na estrutura de Estados Democráticos, direitos que devido a sua importância a humanidade transcenderam e foram compreendidos como 10 “direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.”(SILVA,2005). 44 universais no sentido que, deveriam ser fundamentais ao homem em gênero e não somente aos cidadãos de um ou de outro Estado, ambos nascem do sentimento de proteção a pessoa humana, da dignidade da pessoa humana. Para Bobbio (2004, p. 7), sem direitos do homem reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia, sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos, “a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais”; conclui ainda sua perspectiva, que a paz somente poderá ser atingida, “uma paz que não tenha a guerra como alternativa”, quando não existirem mais cidadãos deste ou daquele Estado, mas cidadãos do mundo. 2.2 Direitos e garantias individuais na Constituição de 1988 Chega-se em um momento crucial para pesquisa, compreender quais são os direitos e garantias fundamentais individuais, o que nos permitirá prosseguir na análise do objetivo principal da pesquisa, assim como analisado e já delimitado no item anterior, direitos fundamentais são direitos positivados através da Constituição de um Estado, estes direitos como delimita a doutrina constitucionalista, possuem ramificações diferentes relevantes a níveis de especificidade da norma, podendo ser divididos em Direitos Individuais, de Nacionalidade, Políticos, Sociais, Coletivos e Solidários, em que pese para objetivo da pesquisa isolar elementarmente, deste rol os direitos e garantias individuais, para que possamos delimita quais são estes direitos que foram previstos através da Constituição de 1988. Como bem explica Mendes (2012), os primeiros direitos a serem positivados ficaram conhecidos como direitos fundamentais de primeira geração (Direitos de Liberdade), estes possuem uma característica primordial em sua essência, eles gravitam na esfera da autonomia da pessoa, limitadora da atividade estatal. Garantem ao indivíduo uma espécie de obrigação de não fazer do Estado para com estes, de não intervenção na vida do indivíduo. Estes direitos em que pese uma diferenciação em comparação com os direitos políticos, não estão ligados ao vínculo de estatalidade/nacionalidade, mas são direitos garantidos aos indivíduos, quanto ser humano em respeito ao princípio da universalidade, contra a atividade do Estado, direitos estes, como lembra o autor, que derivam da tutela a dignidade da pessoa humana esculpida na 45 Constituição de 1988, acentua ainda de forma clara seu posicionamento demonstrando a importância destes diretos para o desenvolvimento de uma democracia. Por isso, os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades dos cidadãos. (MENDES, 2012, p. 205, grifo nosso). Cabe salientar como complemento ao exposto as palavras trazidas pelo Professor Ingo Wolfgang Sarlet em sua obra A eficácia dos direitos fundamentais. Mesmo que a nossa CF de 1988 não tenha feito referência direta ao princípio da universalidade e a despeito de ter atribuído a titularidade dos direitos e garantias fundamentais aos brasileiros e estrangeiros residentes no país (artigo 5°, caput) também no direito constitucional positivo brasileiro encontrou abrigo o princípio da universalidade, que, embora sempre vinculado ao princípio da igualdade, com este não se confunde (Jorge Miranda). Aliás, não é à toa que o constituinte, no mesmo dispositivo, enunciou que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e, logo na sequência, atribuiu a titularidade dos direitos fundamentais aos “brasileiros e estrangeiros residentes no País”. Assim, embora, diversamente do que estabeleceu, por exemplo, a Constituição Portuguesa de 1976 (artigo 12), no sentido de que “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição”, uma interpretação sistemática não deixa margem a maiores dúvidas no tocante à recepção do princípio da universalidade no direito constitucional positivo brasileiro. DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE, TODAS AS PESSOAS, PELO FATO DE SEREM PESSOAS SÃO TITULARES DE DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS, o que, por sua vez, não significa que não possa haver diferenças a serem consideradas, inclusive, em alguns casos, por força do próprio princípio da igualdade, além de exceções expressamente estabelecidas pela Constituição, como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado, algumas distinções relativas aos estrangeiros, entre outras.(SARLET, 2015, p. 838, grifos nosso). Em que pese a ótica dos direitos fundamentais nos cabe salientar, que existe na doutrina brasileira a compressão de que os direitos fundamentais derivam do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, cabendo reconhecer direitos básicos a todos os seres humanos, direitos estes que são fundamentais, ainda não obstante a esta logica a doutrina também lastreia estes direitos ligados a própria estrutura do Estado Democrático de Direito, pois, a própria ideia de Estado submetido ao império da Lei, está ligada a ideia de garantia de direitos, remetendo a ideia de Bobbio que sem direitos fundamentais não a de se falar em democracia: ainda que a dignidade preexista ao direito, certo é que o seu reconhecimento e proteção por parte da ordem jurídica constituem requisito indispensável para que esta possa ser tida como legítima. Aliás, tal dignidade tem sido reconhecida à 46 dignidade da pessoa humana que se chegou a sustentar, reescrevendo o conhecido e multicitado art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que toda sociedade que não reconhece e não garante a dignidade da pessoa não possui uma Constituição. Também por este motivo assiste inteira razão aos que apresentam a dignidade da pessoa humana como critério aferidor da legitimidade substancial de uma determinada ordem jurídico-constitucional, já que diz com os fundamentos e objetivos e com a razão de ser do próprio poder estatal. (SARLET, 2015, p.391, grifo nosso).11 Neste sentido, o autor João Trindade Cavalcante Filho (2015), faz a seguinte análise em sua pesquisa, que busca unir posicionamentos de Constitucionalistas brasileiros acerca do tema: Trata-se, como se sabe, de um princípio aberto, mas que, em uma apertada síntese, podemos dizer, tratar-se de reconhecer a todos os seres humanos, pelo simples fato de serem humanos, alguns direitos básicos–justamente os direitos fundamentais. embora não se trate de unanimidade, a doutrina majoritária concorda que os direitos fundamentais “nascem” da dignidade humana. dessa forma, haveria um tronco comum do qual derivam todos os direitos fundamentais. Essa é a posição da maioria da doutrina brasileira (é o caso, por exemplo, de Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Gustavo Gonet Branco, Paulo Bonavides e Dirley da Cunha Jr). Há que se registrar, porém, a crítica de José Joaquim Gomes Canotilho, para quem reduzir o fundamento dos direitos fundamentais à dignidade humana é restringir suas possibilidades de conteúdo. É certo que o conceito de dignidade humana é aberto, isto é, não admite um único conceito concreto e específico. Vários filósofos já tentaram defini-la, nem sempre com sucesso. (FILHO, 2015, p. 4, grifo nosso). Tendo em vista que o objetivo da pesquisa é delimitar os Direitos e Garantias Fundamentais Individuais da Constituição Federativa do Brasil de 1988, em que pese a presença de tese conflituosas e muitas vezes dissonas, passaremos a uma análise, com inserções e autores para atingirmos o objetivo da compreensão destes institutos, permitindo identificá-los através de uma ideia linear, afastando-os do antagonismo da classificação doutrinária. O autor Silva (2005, p. 194) divide os direitos individuais em três subgrupos: a) os “direitos individuais expressos”, os quais são explicitamente encontrados nos incisos do art. 5º da Constituição de 1988”; b) “direitos individuais implícitos”, que estão “subentendidos nas regras de garantias, como o direito à identidade pessoal, certos desdobramentos do direito à vida, o direito à atuação geral (art. 5º, II)” e c) os “direitos individuais decorrente do regime e de tratados internacionais”, que são assinados pelo Brasil, aqueles que não se enquadram em 11 Declaração de direitos do homem e do cidadão – 1789: Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. 47 nenhum dos outros dois subgrupos citados acima e, como o próprio nome sugere, são consequentes de um regime ou tratado internacional assinado pelo país.12 Todavia, aqui serão descritos, de forma mais detalhada, apenas os direitos fundamentais individuais encontrados explicitamente no Art. 5º da Constituição, ou seja, os direitos individuais expressos (que somam 78 incisos), considerando que os incisos são desdobramentos/especificações do conteúdo disposto no caput, utiliza-se a descrição dos direitos expostos no caput do Art. 5º, que são dispostos sucessivamente como: direito à vida; direito à liberdade; direito à igualdade; direito a segurança e direito à propriedade. Contudo, constituído em patamar de primazia, temos o direito à vida, sendo a vida humana composta por elementos materiais e não materiais, considerada pelo texto constitucional em seu sentido biológico funcional e de ser, composto de elementos formadores da sua identidade própria. A vida como processo vital que inicia na concepção, modifica-se, prospera, sem perder sua identidade, e então finaliza este processo com a morte. Assim, todo e qualquer fator que prejudica o desenvolver natural deste processo, contradiz a vida e vai contra o próprio texto constitucional. Neste contexto, o teor do conceito envolve o direito à integridade física e a moral, o direito a existência, a privacidade e a dignidade (SILVA, 2005). O exemplo abaixo, vem para ilustrar relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida, assim como podemos ver na decisão proferida pelo STF em uma análise de caso referente gestantes mães de fetos anencefálico, onde foi decido pela prevalência da dignidade da pessoa humana face ao direito a vida. [...] a discussão em torno da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia fetal, já examinada pelo STF, que, ao tê-la como constitucionalmente justificada, acabou não dando prevalência ao direito à vida do nascituro (ou, do ponto de vista da proteção objetiva, do bem jurídico-fundamental da vida humana), mas optou por privilegiar a decisão da mãe (pais) em favor da interrupção da gravidez, mediante o argumento de que em causa estaria a dignidade da mãe (pais) e a sua correspondente autonomia (liberdade) decisória. (SARLET, 2015, p. 494). 12 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004: acrescentou ao Art. 5º da CF/88 o § 3º § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (BASIL, 2015) 48 No entanto, o direito à liberdade possui diversos conceitos que variam de acordo com o sentido em que a liberdade é aplicada pode ser entendido como o direito de participação do poder, ou ainda, como a ausência de coibições anormais, não legítimas e imorais. Esta liberdade vai se ampliando, fortalecendo e se desdobrando com a evolução do ser humano, o autor traz ainda que: [...] todos os elementos objetivos e subjetivos necessários à ideia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade. (SILVA, 2005, p. 233). No direito à liberdade, bem como lembra o autor Ingo W. Sarlet (2015), a Dignidade da Pessoa humana está ligada a concepção de direito fundamental em sentido autonomia da pessoa, a liberdade no sentido de poder escolher o destino de sua existência, sua vida, em que o Estado nem ninguém influencie na forma com que vive o indivíduo. A liberdade e esteio principal dentro da construção de um Estado Democrático que dela depende principalmente, não a de se falar em democracia sem a presença de liberdade tanto negativa quanto positiva, sem a liberdade não há de se falar em dignidade da pessoa humana. Nesta senda, a dignidade da pessoa humana surge como limitadora do direito à liberdade e as outras Liberdades Fundamentais (direitos civis) no sentido que a liberdade do indivíduo, lembrando a liberdade positiva e negativa, não pode interferir no exercício da liberdade de outro indivíduo. No primeiro capítulo, da Constituição de 1988, onde trata dos direitos individuais, encontramos a seguinte expressão no caput do Art. 5º, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Assim, o direito à igualdade, está intimamente relacionado à democracia, não sendo toleradas distinções entre aqueles que vivem sobre a égide do Estado Democrático de Direito. Entendendo ainda o homem como seres iguais, porém, respeitando sua desigualdade em seus aspectos múltiplos. A ideia de igualdade vinculada a ideia de justiça, de Aristóteles, imortalizada através da máxima “dar a igualdade aos iguais e a desigualdade aos desiguais’. O autor traz ainda uma citação de Rocha referindo que a "Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade.”, sendo este base e norteador das interpretações das normas jurídicas. (ROCHA, 1990 apud SILVA, 2005, p. 214). 49 No art. 5º da Constituição de 88, no inciso I é declarado que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Adiante, o Art. 7º veda a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. Estes artigos servem a demonstrar que os Direitos Fundamentais derivam do princípio da dignidade da pessoa humana e são desdobramentos de conceitos relacionados a Direitos Fundamentais expressos. (BRASIL, 1988). Estando o direito à segurança também dentro dos direitos fundamentais e, sendo universalizado, assim como os demais, deve ser efetivado de forma igual, sem favorecimento à classe social ou deixando de prestado a população com menor recurso financeiro. A segurança aparece também no caput do Art. 144 e ser considerado fundamental a cobrança desta universalização igual da segurança pública, de modo não seletivo, é decorrendo do princípio republicano. “O programa constitucional nos impõe a superação da tendência atual de se conceber parte da população como a que merece proteção – as classes médias e altas – e parte como a que deve ser reprimida – os excluídos, os negros, os habitantes das favelas.” (CASTRO, 2003 apud NETO, 2007, p. 10). Na Constituição de 88 o direito à propriedade é garantido dentro dos direitos fundamentais, no inciso XXII “é garantido o direito de propriedade” e no inciso XXIII “a propriedade atenderá a sua função social”. Ou seja, a propriedade não se limita a um bem material, ainda no Art. 5º traz a inviolabilidade a este direito à propriedade, demais incisos que tratam deste direito como do XXIV ao XXXI. Assim, a Constituição trata do direito à propriedade relacionada a liberdade fundamental, a interesse social e de relações econômicas. (LOUREIRO, 2003 apud FERREIRA, 2007). Nas palavras de Sarlet: Até mesmo o direito de propriedade – inclusive e especialmente tendo presente o seu conteúdo social consagrado no constitucionalismo pátrio – se constitui em dimensão inerente à dignidade da pessoa, considerando que a falta de uma moradia decente ou mesmo de um espaço físico adequado para o exercício da atividade profissional evidentemente acaba, em muitos casos, comprometendo gravemente – senão definitivamente – os pressupostos básicos para uma vida com dignidade. (SARLET, 2015, p. 511). Porém, para Silva (2005), o direito à propriedade não pode mais ser entendida como direito individual e também não como instituto do Direito Privado, devendo ser um instituto de ordem econômica, seguindo o modelo da Itália e de Portugal, se observadas algumas 50 normas constitucionais, sendo que o art. 170 traz a propriedade privada juntamente com sua função social como princípios do ordenamento econômico. Contudo, não poderia ser considerada somente como direito individual, tornando seu conceito e significado relativos, pois os princípios de ordem econômica buscam garantir a existência digna a todos e, estando a propriedade privada no dever de atender a função social, torna-se vinculada ao conseguimento deste princípio de ordem econômica. Todavia, este posicionamento adotado pelo autor, de fato remonta ao momento histórico vivido e ao momento histórico em que o direito à propriedade foi inserido entre os direitos individuais, no surgimento do Estado Moderno nas Revoluções Burguesas o direito à propriedade privada como conquista da burguesia contra um sistema feudal, no qual a propriedade privada era de domínio do titular o poder absoluto. Assim, foram apresentados acima, os direitos fundamentais individuais, a seguir será explanado, brevemente, sobre as garantias individuais. Sendo os direitos entendidos como “bens e vantagens conferidos pela norma, enquanto as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens.” (SILVA, 2005, p. 412). Assim, foram apresentados acima, os direitos fundamentais individuais, a seguir será explanado, brevemente, sobre as garantias individuais. Sendo os direitos entendidos como “bens e vantagens conferidos pela norma, enquanto as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens” (SILVA, 2005). O autor traz ainda uma divisão das garantias dos direitos fundamentais em garantias gerais e garantias constitucionais, esta pode ainda ser dividida em individuais, sociais, políticas e coletivas. Segundo o autor, as garantias individuais podem ser agrupadas (uma vez que sua classificação rigorosa, talvez não seja possível) de acordo com seu objetivo em: legalidade (princípio da legalidade) (– 1 não haverá crime sem lei anterior que previna nem pena com expressa previsão legal, 2 ao Estado só será permitido fazer aquilo que a lei autoriza - ao civil será permitido fazer tudo o que alei não proíbe), 51 proteção judiciária (inafastabilidade da jurisdição), estabilidade dos direitos subjetivos segurança jurídica (a lei protegerá a coisa julgada o direito adquirido e o negócio jurídico perfeito)e remédios constitucionais ( aos titulares de direitos fundamentais a lei garantira mecanismo processual para evitar o esbulho deste Habeas Corpus, Data, Mandado de Segurança e Mandado de Injunção). (SILVA, 2005, p. 412 e 420). O constitucionalista Paulo Bonavides compreende a diferenciação entre direitos e garantias fundamentais, para o autor, havendo direitos existe a necessidade de proteção para que, quando ameaçados possam ser conjurados, assim, a garantia para o autor é um meio de defesa, está junto com o direito, mas com esse não pode ser homogeneizado (confundidos). O autor divide ainda as garantias constitucionais em qualificadas e simples (BONAVIDES, 2008). Gilmar Mendes complementa esta questão definindo alguns aspectos sobre o discutido: No âmbito das classificações dos direitos fundamentais, intenta-se, por vezes, distanciar os direitos das garantias. Há, no Estatuto Político, direitos que têm como objeto imediato um bem específico da pessoa (vida, honra, liberdade física). Há também outras normas que protegem esses direitos indiretamente, ao limitar, por vezes procedimentalmente, o exercício do poder. São essas normas que dão origem aos direitos-garantia, às chamadas garantias fundamentais. (MENDES,2012, p. 24). Contudo, a doutrina traz uma gama de possibilidades de divisões e subdivisões das garantias individuais, porém, classificar a divisão em mais ou menos adequada não é de fato o objetivo desta pesquisa, porém, o que se observa é que estas diversas divisões e subdivisões partem do mesmo conceito de garantia individual como sendo um método pelo qual se faz valer o que está disposto nos direitos individuais, ou seja, as garantias são reservas feitas pela Constituição ao exercício do Estado para com as pessoas. 52 3. MOVIMENTOS SOCIAIS, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E A DICOTOMIA EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL Chegamos ao momento final desta pesquisa, onde uniremos os elementos analisados anteriormente a elementos que ainda serão analisados, a fim de cumprir o objetivo principal da mesma, que é definir qual a participação dos movimentos sociais na efetivação de direitos e garantias fundamentais individuais e na problematização da exclusão e inclusão social. Deste modo, como já vimos, os movimentos sociais tiveram importante relevância na estruturação do processo de redemocratização nacional, no transcurso da história brasileira através de suas reinvindicações, ajudaram não somente a estabelecer uma democracia pautada no princípio da dignidade da pessoa humana, como ajudaram a construir através de suas lutas a própria identidade política e social brasileira. Como já salientado esta demanda em busca de direitos deu-se no cenário das décadas de 70 e 80, sobre a sombra de um regime ditatorial que suprimiu a democracia no país em 1° de março de 1964, em um dia que durou 21 anos13, e manteve-se no poder através de mecanismos repressores e arbitrários sustentados por seus Atos Institucionais. Assim, pós 1988, já na vigência do novo texto constitucional, os movimentos sociais ressurgem na defesa dos mecanismos democráticos, fomentando a participação da população em um papel novo, para as pessoas castradas politicamente pelo regime ditatorial, o papel de cidadãos. Agora com direitos fundamentais garantidos e a vigência de um Estado democrático, estes movimentos passam a buscar a efetivação destes direitos previstos no texto constitucional, bem como atuar na problemática oriunda da inclusão e exclusão social. Assim, neste próximo passo delimitaremos elementos sobre a problemática da exclusão social, para poder responder o problema principal apontado. 13 Referência feita ao documentário dos jornalistas Flavio Tavares e Camilo Tavares “O Dia que Durou 21 Anos” (2013). Este que demonstra informações pertinentes sobre a conjectura política no Brasil no momento do Golpe Militar de 1964, e situa os movimentos sociais da época, principalmente movimentos campesinos de luta pela terra, bem como a questão da reforma agrária produzida pelo então Presidente João Goulart, que estava dentro do plano de reformas que ficaram conhecidas como “reformas de base de Jango”. 53 3.1 Elementos da dicotomia exclusão/inclusão Indiferentemente ao período em que a exclusão e a inclusão social foram caracterizadas, o ato em si de incluir e excluir encontra-se presente desde as primeiras civilizações, independente das particularidades e nível de desenvolvimento do local. Suas concepções variam de acordo com as peculiaridades locais e a época vivenciada, porém, todo ato social por si só gera a inclusão ou a exclusão, a geração de um ou de outro dependerá da forma como esse ato será executado bem como seu objetivo final. A determinação de quem será incluído ou excluído da sociedade é efetuada pelas contradições do sistema, e a solução para este problema, depende da resolução da contradição existente entre trabalho e capital. A autora diz ainda, se referindo à inclusão e à exclusão social, que configuram em uma visão pragmática que necessita de uma compreensão dos mecanismos utilizados pelo capitalismo em seus meios de produção, modelo de Estado, além das lutas de classe: A EXCLUSÃO E INCLUSÃO são uma falsa polêmica e REPRESENTAM AAPARÊNCIA DE UMA REALIDADE QUE, PARA SER EXPLICADA, EXIGE A CONSIDERAÇÃO DAS LEIS GERAIS QUE REGEM O MODELO DO CAPITAL ORGANIZAR A PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DOS BENS, AS CONTRADIÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO PODER NO ESTADO CAPITALISTA E, FUNDAMENTALMENTE, AS EXPRESSÕES DA LUTA DE CLASSES, OU SEJA, O ENFRENTAMENTO ENTRE INTERESSES ANTAGÔNICOS E ALTAMENTE CONFLITANTES QUE TAMBÉM DETERMINAM A VIDA NA SOCIEDADE. (TAFFAREL, 2009, p. 1, grifo nosso). Assim, quando diferentes sujeitos possuem algo em comum e se encontram neste fator, ocorre a inclusão social. Ao mesmo tempo em que o respeito e o reconhecimento das diferenças existentes entre os cidadãos torna o encontro mais produtivo e os envolvidos unemse em projetos de mudança (mobilização social contra o agente excludente), dividem desejos e buscam possibilidades de mudanças da sociedade democrática (SANTOS, 2007). Todavia, para Thomassim (2007, p. 157, grifo nosso), “[...] a noção de inclusão refere-se às relações de alteridade; noutras, diz respeito ao acesso aos serviços, espaços ou práticas.” Contudo, a inclusão também pode ser compreendida como o fato do cidadão poder desfrutar dos seus direitos e ser plenamente participativo na sociedade. Os elementos para uma diferenciação entre a inclusão e a exclusão social possuem um foco bastante abrangente, porém, partindo da premissa de cidadania como exercício de direitos, observância de 54 obrigações e participação social do indivíduo, quando esse sujeito não é capaz de exercer sua cidadania, potencialmente ofertada pelo Estado, se caracteriza a exclusão social. Para Mazza (2004, p. 185), a exclusão social é um método “dinâmico, multidimensional, por meio do qual se nega aos indivíduos – por motivos de raça, etnia, gênero e outras características que os definem – o acesso a oportunidades e serviços de qualidade que lhes permitam viver produtivamente fora da pobreza.”. Sendo que os grupos excluídos possuem uma limitação de acesso ao capital financeiro e redes sociais, com isso, dependem do seu capital humano (habilidades, educação, hábitos de trabalho, motivação) para escapar da exclusão social. Todavia, para Silver (2005), a exclusão social faz-se perante a negação de respeito a um grupo ou a um indivíduo, ao não reconhecimento e a negação de direitos. Um ser excluído, segundo Muller & Martineli (2005), é aquele sujeito que se torna submisso, perde sua dignidade assim como a habilidade de pronunciar-se e de incidir sobre a sociedade. Todavia, para Martins (2002, p. 27), como classe, a exclusão social é “resultado de uma metamorfose nos conceitos que procuravam explicar a ordenação social que resultou do desenvolvimento capitalista” e que o alicerce da dinâmica da sociedade são os processos de exclusão. Thomassim (2007, p. 157), em relação a problemas das políticas públicas, das desigualdades e sociais, diz que “[...] a exclusão aparece como conceito “guarda-chuva”, remetendo a uma soma de situações adversas que a sociedade e determinados grupos atravessam, como o desemprego, a falta de acesso aos serviços públicos, os preconceitos e discriminações.” Muitas situações são descritas como de exclusão, que representam as mais variadas formas e sentidos advindos da relação inclusão/exclusão. Sob esse rótulo estão contidos inúmeros processos e categorias, uma série de manifestações que aparecem como fraturas e rupturas do vínculo social (pessoas idosas, deficientes, desadaptados sociais; minorias étnicas ou de cor; desempregados de longa duração, jovens impossibilitados de aceder ao mercado de trabalho; etc.). [...] Os excluídos não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente, não apenas do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezas espirituais, seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão cultural. (WANDERLEY, 2001, p. 17-18). Contudo, Castel (1995, apud WANDERLEY 2001), traz que a autonomização de circunstâncias da exclusão, somente tem sentido dentro de um processo, e que a diversidade de uso permitido pelo conceito, representa perigo e desconfiança da utilização desde termo. 55 Buscando conhecimento quanto a questão da ausência de posse, são analisados setores de forma não contínua e deslocada dos métodos que abrange em maior parte a sociedade atual, com isso, as políticas elaboradas desconsideram a afinidade entre a coerência social e a lógica econômica existentes anteriormente ao rompimento concebidos pela exclusão. Parte das situações classificadas como exclusão são resultado da vulnerabilidade ocasionada pelas modificações que ocorrem no mundo do trabalho, degradando os laços deste, bem como do sistema relacionado a condição da sociedade salarial em crise. Assim, permite-se desenvolver maior discussão e com maior domínio sobre a vulnerabilidade, a marginalidade, a escassez, resultando em uma melhor distinção entre os métodos de exclusão e de demais elementos que constituem a questão social atual, globalmente. A exclusão social não é um fato que ronda apenas países pobres, presente em diversas sociedades, esse fenômeno demarca a sina excludente de parte da população, encontrada nas restrições do campo de trabalho que sofreu transformações e na discrepante diferença de qualidade de vida devido ao modelo econômico capitalista e sua estrutura (WANDERLEY, 2001). Após a Revolução Industrial, o processo de urbanização ocorria de forma desenfreada, sem planejamento, com pouquíssimos equipamentos sanitários, seja relacionado ao abastecimento de água, coleta de lixo, higiene, esgoto. No século XX, após a eclosão da Revolução Industrial, a saúde se torna questão pública, ocorre o desenvolvimento de atos políticos para a avaliação e resolução dos índices das doenças, este fato, influenciou mais tarde, as decisões e desenvolvimento do Seguro Social brasileiro, nos anos 30 e 40 e nos modelos de saúde e corpo, considerados ideais para a população (CHAMME, 2002). Posteriormente às instalações, transformações e unificações legais propostas pelas organizações previdenciárias, foram sendo estabelecidas orientações que diretamente diziam respeito à Saúde Pública, exigindo, para tanto, um planejamento das ações em saúde que pudesse ser considerado eficiente e adequado às exigências do espaço, do tempo, da moda, da mídia, dos desejos típicos das culturas fragmentadas e das frustrações que foram se tornando cumulativas e se transformando em verdadeiros retratos da crise, da desigualdade social, do processamento da exclusão. (CHAMME, 2002, p. 2). 56 René Lenoir em uma de suas obras, em 1974, deu início à noção do que seria a exclusão social, abrangendo a questão da exclusão para além de um fenômeno individual, mas sim social e que a origem estaria associada ao funcionamento das modernas sociedades, como o processo de urbanização acelerado e caótico, o sistema escolar padronizado e inadaptado, a mobilidade profissional, a disparidade do acesso aos serviços e da renda. Destaca ainda, que não atinge somente proletariados, esse fenômeno marginal se estende também as demais classes sociais (WANDERLEY, 2001). Segundo Lenoir (1974, apud ZIONI, 2006, p. 18), um dos principais fatores, responsável e até mesmo produtor da exclusão, foi este processo de urbanização de forma incontrolada (assim como exposto na análise feita dos movimentos sociais que atuam sobre o eixo reivindicatório de urbanidade) e suas características de sociedade moderna, “produtora de segregações sociais e raciais, distanciamento geográfico crescente que enfraquece as solidariedades familiares, êxodo rural, inadaptação do sistema escolar, perenidade e crescimento das desigualdades de renda, de acesso aos cuidados”. Esta explosão da urbanização acarretou na exclusão de “camponeses, selecionou elites, estilos e moda, distinguiu minorias, criou periferias, marginalizou os homens das cidades, gerou expropriados, concentrou o capital econômico multifacetado o capital cultural”. Isso consequentemente possibilitou o surgimento de exclusões e a inserção da população em caóticas condições de saúde, manifestada em doenças (CHAMME, 2002, p. 05). A exclusão social pode se materializar na diferença entre classes sociais, de faixa etária, de gênero, na sexualidade, na raça, credo, na discriminação ao acesso à cultura/educação, em necessidades físicas especiais, na discriminação e no preconceito em suas múltiplas faces, na falta de acessibilidade, nas políticas públicas de má qualidade e econômicas agressivas (liberais), na desvalorização dos diferentes tipos de trabalho, na falta de condição de moradia (condições urbanizatórias inadequadas e o processo de favelização), contextualizando, contudo, na marginalização do ser humano excluído da sociedade. Todavia, segundo Borba e Lima (2011), o enfoque da solidariedade juntamente com o envolvimento da sociedade em seus diversos segmentos, são fatores de extrema importância para o que tange a inclusão social, todavia, todas as atuações solicitam uma política social, 57 uma gestão econômica, uma vez que os fatores de inclusão e exclusão estão diretamente associados à vulnerabilidade social. A grande desigualdade e a concentração de renda em uma fatia da população estão juntas aos efeitos maléficos do desemprego estrutural existente e compromete a linha de separação entre incluídos e excluídos, segundo Wanderley (2001, p. 25). Se, de um lado, cresce cada vez mais a distância entre os "excluídos" e os "incluídos", de outro, essa distância nunca foi tão pequena, uma vez que os incluídos estão ameaçados de perder direitos adquiridos. O Estado de Bem-Estar (que no Brasil já foi muito bem apelidado de Estado de Mal Estar) não tem mais condições de assegurar esses direitos. Acresça-se a isso tudo, a tendência política neoliberal de diminuição da ação social do Estado. A consolidação do processo de democratização, em nosso país, terá que passar necessariamente pela desnaturalização das formas com que são encaradas as práticas discriminatórias e, portanto, geradoras de processos de exclusão. Todavia, a inclusão social pode ser aumentada significativamente através da geração de trabalhadores mais capacitados, proporcionando boa educação e treinamento, melhoria na qualidade do emprego, resultando em maior renda e relação social, além de sólida conscientização e identidade cultural (MAZZA, 2004). Faz-se importante, contudo, uma análise holística14 dos problemas sociais, para posterior medida de ação contra a exclusão social, considerando o tipo de exclusão, sua causa, o período e a realidade atual e principalmente o espaço, uma vez que as ações desenvolvidas para solução para tratar os fatores que desencadeiam a exclusão ocorrida em um determinado local, pode não ser a mais adequada para o outro. Contudo, Borba e Lima, trazem sugestões de medidas que poderiam ser utilizadas para a minimização de alguns fatores que geram aumento das vulnerabilidades sociais É inviável combater a pobreza e a exclusão social sem fazer uma análise das desigualdades económicas e sociais. [...]. No âmbito de combate ao desemprego é primordial assegurar as condições para a plenitude do trabalho através de políticas fiscais e legislação laboral que estimulem os empregadores a promoverem investimentos que criem emprego. [...] Importa sublinhar a importância de gerir alternativas que viabilizem a promoção da saúde, sobretudo aos mais vulneráveis que pertencem à categoria de excluídos socialmente. Dessa maneira, os cuidados à saúde implicam também a valorização da vida, da saúde, da cidadania e da dignidade humana. [...] Importa ressaltar que iniciativas de inserção social 14 holística | s. f.Concepção, nas ciências humanas e sociais, que defende a importância da compreensão integral dos .fenômenos e não a análise isolada dos seus constituintes. = HOLISMO "holística", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, <http://www.priberam.pt/dlpo/hol%C3%ADstica [consultado em 18-05-2015>. 58 promovidas pelos atores sociais contribuem para a qualidade de vida dos idosos. Estas iniciativas incluem atividades físicas, de lazer, entretenimento (incluindo universidade sénior) e desporto [...] (BORBA E LIMA, 2011, p. 229, 230, 233, 234). Em relação ao trabalho digno como fator que minimiza a exclusão social, podemos partir da seguinte linha de raciocínio, tendo na educação a motivação pessoal, as habilidades (sejam adquiridas ou inatas) e o hábito de trabalho como componentes do capital humano e, considerando que a educação e o mercado de trabalho compõem meios importantes de constituição desse capital e, seguindo da premissa que o capital humano constitui uma fonte para escapar da exclusão social, entende-se que o trabalho de qualidade juntamente com salário adequado a este, possibilita ao sujeito, além de recurso financeiro para esquivar-se da exclusão, acessibilidade social e política a serviços, redes e benefícios que geram inclusão social de maneira integradora, através da família e comunidade e da participação cívica (MAZZA, 2004). Para Wanderley (2001, p. 20), para trabalhar o tema exclusão, faz-se necessário primeiramente, estipular o espaço em questão que ocasiona essa exclusão, contextualizando-o no período e espaço referido. A autora traz ainda um trecho da obra de Aldaíza Sposatti (1996), que traz a exclusão em São Paulo e a estrutura desse fato A desigualdade social, econômica e política na sociedade brasileira chegou a tal grau que se torna incompatível com a democratização da sociedade. Por decorrência, tem se falado na existência da apartação social. No Brasil a discriminação é econômica, cultural e política, além de étnica. Este processo deve ser entendido como exclusão, isto é, uma impossibilidade de poder partilhar o que leva à vivência da privação, da recusa, do abandono e da expulsão inclusive, com violência, de um conjunto significativo da população, por isso, uma exclusão social e não pessoal. Não se trata de um processo individual, embora atinja pessoas, mas de uma lógica que está presente nas várias formas de relações econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade brasileira. Esta situação de privação coletiva é que se está entendendo por exclusão social. Ela inclui pobreza, discriminação, subalternidade, não eqüidade, não acessibilidade, não representação pública. A concretização da democratização deverá primariamente desconstruir a forma como são vistas as questões relacionadas a métodos discriminatórios que geram atos de exclusão. O combate a esta exclusão, necessita ainda de condições protetoras do exercício da cidadania e a garantia desta, proporcionando ao cidadão a autonomia de sua vida. Contudo, faz-se necessária a anulação da relação entre a discriminação, o processo de subordinação e a subalternidade (WANDERLEY, 2001). 59 Contudo, segundo Taffarel (2009, p. 1, grifo nosso) “a solução da exclusão ou inclusão não se dá intrinsicamente por um destes pólos, mas sim, pela resolução da contradição fundamental, a contradição entre trabalho e capital.” Para a autora, os diversos fatores de exclusão sofridos, por exemplo, pela criança, seja no tráfico de trabalho infantil ou exploração sexual, na exclusão da educação/cultura, em resultado de guerras, pela família estar em situação de desemprego, estão cada dia mais presentes e apavorantes, com isso, essa população se torna cada vez mais afastado da acessibilidade a bens culturais imprescindíveis para que se mantenha uma vida digna, uma vez que, quanto maior e mais intenso for o número de fatores associados, maior será também a pobreza, o número de analfabetos, as dívidas e outras questões que desencadeiam a exclusão social. 3.2 A contribuição dos movimentos sociais para a eficácia dos Direitos e Garantias individuais e para o equacionamento da dicotomia exclusão/inclusão social Para que possamos construir um desfecho a esta pesquisa que seja satisfatório, far-se-á necessário construir um roteiro de análise de alguns elementos pertinentes acerca do tema, que servirão de elo entre a temática dos movimentos sociais os direitos fundamentais individuais e a problemática da exclusão e inclusão social, primeiramente passaremos a uma retomada aos movimentos sociais e demonstraremos como se da nova postura destes movimentos como novos (novíssimos15) atores sociais, buscando dar uma atual interpretação a ideias básicas sobre direitos e ajudando no desenvolvimento de práticas e reivindicações que agem contra a exclusão social e pela inclusão, fortalecendo o processo democrático no país dando ênfase a própria cidadania. Como bem percebemos no desenrolar desta pesquisa, os movimentos sociais caracterizam-se como propulsores de mudanças sociais, em suma oriundos de uma situação que torna-se insustentável no tecer da vida em sociedade, situações que encontram seu ápice na relação direta de pessoas, como indivíduos, que acabam por aproximar-se em grupos identificados conforme suas reinvindicações, sua falta de credibilidade nas instituições (poderes) que regem o curso da sociedade, unidas a precariedade das condições de vida, levam as pessoas a tomarem frente das situações, envolvendo-se na ação coletiva, fora dos 15 Terminologia utilizada pela autora Maria Glória Gohn para diferenciar os novos atores sociais (termo construído por Alain Touraine para definir os movimentos sociais após meados de 1970), dos novíssimos que entende a autora surgir do desenrolar da década de 90 até hoje nos movimentos antiglobalização ou alterglobalista. 60 meios ortodoxos delimitados pela lei para defesa de seus interesses, chegando até a conseguir a mudança de governantes e alteração de regramentos que regulam suas vidas, agindo no desenvolvimento da democracia na maior demonstração de que o direto deriva das características culturais de uma determinada sociedade (CASTELLS,2013). Sob esse prisma, o Estado não se restringe aparelhos nem estes se identificam com os poderes sociais. Entendemos como fundamental ressaltar que a institucionalização material do Estado contemporâneo se efetua com base na idéia de espaço público, contraposto por sua vez é o espaço privado dos interesses particulares. Qualquer organização estatal se constitui e se legitima apenas como espaço público, e esse espaço formalmente distinto perpassa as próprias relações sociais. Quando esse espaço é desvirtuado e posto a serviço de grupos excludentes, pregas historicamente o direito à resistência à opressão. (CORREIA, 1997). Hoje, em pleno século XXI, como já salientado em capitulo anterior, os movimentos sociais sofreram uma mutação, passam realçar uma nova estrutura organizacional, no funcionamento de suas atividades, não mais isolados (distintas dos movimentos clássicos e novos), mas sim através de redes de cooperação, redes sociais16, entre estes determinados movimentos sociais que acabam conectando-se, fenômeno este que ocorre não somente no Brasil mas em todo mundo, este novo cenário revela o viés educativo dos movimentos sociais, assumindo um papel no espaço público como agente de efetivação de inclusão social, cultura, política, levando a própria democracia a um novo patamar na efetivação de direitos (GOHN, 2015; CASTELLS, 2014; SCHERER-WARREN, 2006). Este conceito de redes foi desenvolvido pelo autor Manuel Castells, dentro de uma análise das atividades da sociedade civil que necessitam unir esforços, articulando-se afim de gerar um impacto no espaço público, visibilizando conquistas efetivas para cidadania. Assim, Castells, explica que esta nova estruturação dos movimentos sociais se dá de diversas formas, que inclui mecanismos tanto on-line quanto off-line. O uso de redes de comunicação, proporcionadas pela revolução da informação (fenômeno que tratamos em especifico no primeiro capítulo, salientando a internet como mecanismo catalizador dos movimentos sociais), bem como redes formadas no transcurso das ações dos próprios movimentos, formando redes dentro dos movimentos e redes com outros movimentos, em escala não somente local mas que atinge um patamar global, com a mídia e com toda a sociedade, estas 16 Termo “redes sociais” nesta área, possui contesto diferente ao termo “redes sociais” empregado no primeiro capítulo no item 1.3, aqui refere-se a uma rede de cooperação formada por movimentos sociais, a ligação destes movimentos articulados com outros segmentos da sociedade civil recebe a denominação pela doutrina de “redes de redes” e compreende ONGs, e terceiro setor qual recebe denominação da doutrina neste sentido. 61 próprias tendenciais, que permitem construir estas redes, são que se expandem até causarem uma mutação no formato clássico dos movimentos sociais (CASTELL, 2013). No início da vigência da Constituição de 1988, em meados dos anos 1990, a implementação de políticas de gestão de fundos, proporcionava parcerias entre o Estado com a sociedade civil organizada com ênfase em projetos com crianças, jovens, mulheres, fenômeno este que favoreceu a desorganização dos antigos formatos de movimentos sociais com suas demandas e reinvindicações. Muitos destes movimentos tornaram-se ONGs, como explica Gohn (2015, p.31) “A palavra de ordem dos novos projetos e programas passou a ser: ser propositivo e não apenas reivindicativo, ser ativo e não apenas um passivo reivindicante.” Os movimentos sociais sempre contribuíram para dar outros rumos a sociedade, postam-se através de mecanismos de pressão e mobilização. Estes movimentos não surgem no espaço público tão somente como agentes reativos as situações precárias à estes impingidas, mas, nascem da própria reflexão de suas ações a partir da construção de suas experiências. Hoje, muitos destes movimentos carregam em seu plano de ação um ideário civilizatório, que almeja a construção de uma sociedade democrática, lutam por sustentabilidade, lutam contra uma hegemonia cultural e por políticas de inclusão social, contra a exclusão. Teorias de multiculturalidade tomam frente influenciando na própria construção indenitária destes movimentos, onde Gohn (2015, p. 14) coloca da seguinte forma: “Lutam pelo reconhecimento da diversidade cultural. Há neles, na atualidade, uma ressignificação dos ideais clássicos de igualdade, fraternidade e liberdade.” Para a autora, essa transformação decorre das muitas ações coletivas que são movimentos sociais e, de fato necessitaram alterar suas metodologias de trabalhos e pautas de reinvindicações para não acabarem vitimados por um ostracismo histórico e, que estes passam a atuar em conformidade a um mecanismo desenvolvido por novas políticas públicas diminuindo a utilização de ações de resistência com desobediência civil17. Frisa ainda que, A desobediência civil caracteriza-se na pratica de ato ilegal, produzido contra um ato ou pratica pretendida pelo governo que gere insatisfação popular, que vise retirada de direitos ou supressão de uma determinada faixa da população, quando o governo extrapola suas funções dentro das expectativas de exercício do Estado. Segundo a doutrina é uma ferramenta de democracia, que relaciona-se diretamente ao exercício da cidadania, face a sua característica de participação popular na construção de um Estado e de uma sociedade, podemos ver características desse elemento no trecho da obra do autor Henri Thoreau, Desobediência Civil, que ficou conhecida como a primeira a tratar do tema. “Se a injustiça é parte do inevitável átrio no funcionamento da máquina governamental, que seja assim: talvez ela acabe suavizando-se com o desgaste, certamente a máquina ficará desajustada. [...] [...] mas se ela for de tal 17 62 infelizmente em alguns casos demonstra-se um retrocesso na forma de atuação aproximandose de práticas clientelistas18 gerando uma confusão de seu campo de atuação com o da esfera pública governamental (GOHN, 2015). Esta nova temática de articulação e exercício dos movimentos sociais está umbilicalmente ligada a emergência do processo democrático nas últimas décadas, esta reformatação que passou a ocorrer, vincula-se a construção de um conceito de cidadania que deve ser pensado de uma forma em que o cidadão encontre-se dentro do Estado Democrático como agente participativo (ativo), capaz de perceber o espaço público de forma crítica e participar dos desígnios da sociedade e do próprio Estado, afastando-se de uma concepção de cidadania onde os indivíduos ligados ao Estado, e tão somente, apresentam-se como consumidores de direitos, mantendo um caráter estático diante da participação política e social. Gonzalez (2010), em sua pesquisa caracteriza ainda os movimentos sociais como fontes de criação e efetivação de direitos fundamentais, e que quando de um povo, não nascem movimentos sociais ou este esquece de sua memória histórica de movimentos, podese compreender que este povo perdeu parte de sua soberania e independência, colocando ainda que os direitos fundamentais que não decorrem de conquistas sociais, sendo somente frutos da lei através do texto constitucional produzidos pela elite política de uma sociedade, tornam-se apenas ideologias, que minimizam as conquistas históricas de um povo, prejudicando o significado de construção da cidadania. Assim, a autora Ilse Scherer-Warren (2006), dispõem em sua obra um diagrama que demonstra como encontra-se disposto dentro do espaço público, esta nova perspectiva de organização da sociedade civil, que afetou e continua a surtir efeitos mutantes na conhecida estrutura dos movimentos sociais do século XXI e, como se dá esta estruturação das redes de redes culminando no que chama de Rede de Movimento Social. natureza que exija que você seja o agente de uma injustiça para outros, digo, então, que se transgrida a lei. Faça da sua vida um contra-átrito que pare a máquina. O que preciso fazer é cuidar para que de modo algum eu participe das misérias que condeno.”. (THOREAU, 2001, ps. 19-20). 18 Maneira de agir que consiste numa troca de favores, benefícios ou serviços políticos ou relacionados à vida política (ex.: clientelismo partidário). = FAVORITISMO ≠ EQUIDADE "clientelismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/clientelismo [consultado em 04-062015]. 63 19 Fonte: Ilse Scherer-Warren, 2006. Sobre esta análise dos movimentos sociais hoje, percebemos que estes agem no espaço público como agentes de efetivação da própria democracia, assim, como vimos em Bobbio (2004), para ele a democracia ocorre quando às pessoas são garantidos direitos fundamentais e estes passam de seu papel de súditos a cidadãos. Neste contesto os movimentos quando problematizam as temáticas envoltas no espaço público, agem em prol da efetivação destes direitos fundamentais, que no Brasil carecem de efetivação e sofrem os efeitos da inocuidade prática legislativa, agindo em demanda em reinvindicações por urbanidade, segurança, educação, igualdade, liberdade, moradia (demandas estas que vimos dentro de eixos que explanamos no primeiro capítulo), buscam em suas atividades a construção de uma democracia plena, com eficácia das liberdades fundamentais, inclusão dos indivíduos e participação social, patrocinando a efetivação destes direitos em nome de uma cidadania ativa e efetiva. 19 Figura 1 – Cenário atual da organização da sociedade civil, Fonte: Ilse Scherer-Warren, 2006. 64 No Brasil ainda encontramos um cenário de sub-cidadania civil, como explica a autora Ilse Scherer-Warren (2005), bem como em muitos países referenciados pela doutrina como países em desenvolvimento, onde os direitos básicos garantidos pelo Estado Democrático não atingem estes indivíduos. As desigualdades, as discriminações econômica, cultural, política e étnica, caracterizam o que conhecemos por exclusão social. Ela inclui pobreza, discriminação, subalternidade, não equidade, não acessibilidade à políticas públicas e não representação pública, o que para nós, abusando de uma visão empírica, caracteriza-se como uma antítese frete aos direitos fundamentais individuais, do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, que como bem vimos, são direitos de primeira geração no entendimento doutrinário, que derivam em essência do princípio da dignidade da pessoa humana, direitos estes que, frente ao seu potencial emancipador como liberdades fundamentais, tornam-se sustentáculos de toda sociedade que se compreende por democrática. Apesar da idéia de Estado-nacional ter perdido força no mundo globalizado ela ainda é central quando falamos da exclusão social nos países em desenvolvimento. Isso porque há muitos casos, como no Brasil, sub-cidadania civil, de reconhecimento do patrimônio de terras comunitárias e moradias. Além disso, há crimes não apurados contra as liberdades individuais, no trabalho escravo, no tráfico de seres humanos. A luta pela inclusão se realiza ai em torno dos direitos humanos mais fundamentais e primários: direitos a um nome, direito de ir e vir, de uma nacionalidade de referência, dentre outros. (SCHERER-WARREN, 2006, p. 130, grifo nosso). Assim, para Wolkmer, em essência os "objetivos", tanto gerais quanto específicos, que são expostos pelos movimentos sociais e disseminando no “fluxo de processos sociais simbolizados por contradições, carências, exclusões, reivindicações, conflitos e luta, passam obrigatoriamente pela satisfação das necessidades humanas fundamentais.” (WOLKMER, 2001, p. 129). O autor apresenta ainda em sua obra uma tripartição da atividade dos movimentos sócias, que agem frente ao espaço público assumindo formas distintas de atuação na problematização de questões ligadas a suas reinvindicações. A primeira, através de posturas reivindicatórias, que visão pressionar o Estado na obtenção de melhores condições de vida e direitos básicos que não são atendidos, tal foco de ação segundo o autor possui uma baixa oferta de soluções criativas para os problemas encampados. A segunda, através de uma postura contestatória, é uma postura que usa privações materiais para mobilizar, neste contexto os movimentos agem na denúncia das ausências de respostas concretas governamentais, na resolutividade de problemas, afastando-se dos espaços institucionalizados 65 e passando a produzir propostas alternativas e criar mecanismos de participação popular. A terceira é aquela que entra diretamente dentro desta nova postura dos movimentos sócias, sem abandonar as lutas por melhor qualidade vida, insere-se no espaço público, projetando uma nova percepção de cidadania, onde os novos sujeitos coletivos passam a contribuir como instrumentos na construção de uma democracia capaz de assegurar aos mecanismos de controle estatal e veículos de participação popular decentralizados (WOLKMER, 2001, p.134). Os movimentos sociais no Brasil indicam a emergência de novos segmentos sociais conscientes e setorizados, postulando junto ao Estado o atendimento às suas reivindicações imediatas, ou como “Novos Sujeitos Coletivos que se constituem no reflexo das carências, ineficácias, precariedades e falta de condições dos canais de representação, que não mais respondem às demandas da sociedade” (SANTOS, 2006). Nesta senda, sob essa temática de redemocratização do espaço público e de efetivação dos direitos humanos fundamentais individuais e elevação do conceito de cidadania, encontramos a teoria do pluralismo jurídico, que sustenta a força pujante através da ação coletiva desenvolvida pelos diversos movimentos sociais como fonte jurídica e dedica-se a elevar seu potencial transformador. Santos (2006), em uma análise do pluralismo jurídico apresentada na obra de Carlos Wolkmer, dispõem que é uma teoria que reconhece, que dentro de um território exista uma pluralidade de ordenamentos jurídicos, não podendo tão somente acostar-se a uma visão monista de que o direito deriva apenas de fontes oficiais derivadas do poder do Estado, mas também, um ordenamento onde o direito originário da ação dos novos atores sociais que é maleável e se forma através da participação oriunda de um contexto social, baseado em um consenso no que é considerado justo comunitariamente. Este novo pluralismo nasce em uma realidade estatal em crise, cuja legalidade não é suficiente para resolver os problemas decorrentes das necessidades humanas fundamentais. O autor salienta ainda que esta teoria defende um direito comunitário e participativo, que nasce da interação do espaço público, aberto e democrático, a produção normativa emerge num ambiente em que se salienta o papel da sociedade, dos acordos e das negociações. O pluralismo jurídico mostra uma nova perspectiva que está em mutação constante, permitindo 66 através da abertura de novos espaços a interação e resolução de conflitos sociais existentes. O direito nesta perspectiva desempenha uma função de integração, contendo o Estado como fiscalizador e mantendo a centralidade nas questões sociais, encontrando em nível infraestatal, uma nova regulamentação e solução de conflitos sociais na normatividade jurídica nãoestatal e não institucionalizada (SANTOS,2006). Não só as novas diretrizes desses sujeitos coletivos pactualizam com experiências cotidianas centradas na autogestão, na solidariedade e na democracia participativa, como, sobretudo, suas "formas de ação" acabam redefinindo, sob os liames de um pluralismo político e jurídico comunitário, um espaço que minimiza a institucionalização e exige uma participação constante do corpo social, seja na tomada de decisões, seja na concretização das execuções. No próprio processo de auto definição da legitimidade, emanada da consensualidade dos objetivos e dos interesses partilhados. (WOLKMER, 2001, p. 134). Assim, podemos perceber no construído até o momento, que os movimentos sociais agem no espaço público contemporâneo brasileiros como agentes de efetivação social, e que através de suas formas de atuação neste espaço patrocinam o desenvolvimentos de mecanismos de uma democracia participativa, reconhecendo e agindo frente aos problemas expostos na sociedade brasileira. Foram em outros momentos, fomentadores de demandas acerca das necessidades humanas fundamentais, que foram posteriormente afirmadas através de direitos e hoje são reivindicados por esses atores. Contudo, sabemos que de fato o Estado Democrático de Direito brasileiro padece perante a inocuidade de suas normas, afinal, o que é uma lei que não serve aos motivos pelo qual ela foi criada? Essa inocuidade atinge também os direitos fundamentais individuais, vida, liberdade, igualdade e propriedade. Direitos fundamentais que, quando não atendidos precarizam a própria cidadania, dão margem a uma situação conhecida como exclusão social. “ESTA PODE SER DEFINIDA COMO UMA COMBINAÇÃO DE FALTA DE MEIOS ECONÔMICOS, DE ISOLAMENTO SOCIAL E DE ACESSO LIMITADO AOS DIREITOS SOCIAIS E CIVIS; É UM CONCEITO RELATIVO EM QUALQUER SOCIEDADE” (DIAS, 2010, p. 69 apud CEIES, 1999, grifo nosso). Por fim, percebemos os pontos convergentes que embasaram esta pesquisa, conseguir através dos estudos compreender como os movimentos sociais funcionam, e como se dá seu papel junto a efetivação dos direitos fundamentais individuais, e como estes contribuem para a problematização da exclusão social e inclusão social. 67 Através de um processo histórico de afirmação, questionamento de padrões e reinvenção do espaço público, os movimentos sociais contemporâneos fundam-se em seus projetos de uma sociedade plenamente democrática, que possa transpor as condições desumanizadoras de exclusão social contida na sociedade capitalista contemporânea em crise. De fato, isso só será possível através da efetivação de direitos fundamentais individuais, não existirá democracia plena enquanto houver aqueles marginalizados e excluídos em suas mais variadas formas. 68 CONCLUSÃO Em um Estado que vive a aurora do momento democrático como no Brasil, talvez a pergunta mais pertinente a se fazer seja o que é uma democracia? A democracia pode ser entendida por um governo do povo, construído pela vontade dele no pleno exercício de cidadania (mas afinal o que é cidadania?), nos agarrando a um conceito emprestado por Piovesan (2009) e Bobbio (2004), em que a cidadania não é um direito que possa ser positivado através de constituições, mas sim, um exercício nas funções de cidadão. Pois a democracia não se trata de um plano de governo pré-executável, a despeito de outros sistemas autocratas e antidemocráticos, para que ele atinja seus objetivos é necessário que a população a construa através de sua participação em um Estado lastreado em liberdade, igualdade e dignidade. Um Estado que seja grande em sua diversidade, um abrigo seguro a um povo de muitas cores, como diria Darcy Ribeiro (1995), o povo brasileiro é sui generis, forjado da multidiversidade, mas se é nisso que nossa Constituição se lastreia, por que existem aqueles que são apartados do gozo da democracia? Como pode que existam aqueles que são excluídos do seio da sociedade, marginalizados por sua cor, seu gênero, sua classe, sua forma de amar? O acesso básico a direitos básicos, quando se obtiver estas respostas, se entenderá, como bem disse Bobbio, que a democracia atingirá seu objetivo quando se descobrir que ela só existe para tornar a vida das pessoas melhor. Uma das facetas da exclusão social caracteriza-se justamente no desrespeito patente as necessidades fundamentais que foram positivadas através de direitos fundamentais, a inocuidade de liberdades fundamentais dentro de uma democracia, torna-se um flagelo social, indivíduos que são segregados por serem diferentes ao resto do grupo, que são hostilizados através de atos que demonstram quanto irracionais podem ser os seres humanos, comunidades 69 inteiras que vêm negligenciados em direitos históricos, a falta de eficácia de direitos fundamentais geram o cenário da exclusão, liberdades básicas que muitas vezes são negadas em atos contrários ao que deveria ser concebido dentro de uma democracia. Deste modo, a presente pesquisa teve como objetivo compreender como se estruturam e desenvolvem o funcionamento das ações dos movimentos sociais, bem como mensurar o poder transformador que emana destes, sob tudo analisou o efeito do surgimento da rede mundial de internet e como esta influencia os movimentos. Estudar os movimentos sociais no Brasil atual; e conhecer os direitos e garantias individuais expressos na Constituição de 1988; e caracterizar exclusão e inclusão social; equacionando estes elementos. Este cenário é pertinente a ação dos movimentos sociais, como vimos no desenvolver da pesquisa, os movimentos sociais agem no espaço público como agentes propagadores de mudança social, participando através de suas reinvenções e problematizando temáticas relacionadas aos problemas sociais existentes, fortalecendo o processo democrático, consolidado a própria cidadania, este é o papel dos movimentos na efetivação de direitos e garantias fundamentais, são agentes envoltos no espaço público, que reagem e agem através de suas de atividades, descritas nos eixos do primeiro capítulo, em uma ação direta contra a ineficácia de direitos. Sendo que, como hipótese cabível desta pesquisa entendemos que, desde tempos imemoráveis, a natureza humana tem como cerne a vida em sociedade, nesta senda podemos encontrar esta afirmação constituída em uma máxima aristotélica, “o homem é por natureza um animal social” (ARISTÓTELES, 1985, 1253a), colocação esta que está consolidada pela própria história da humanidade. Assim, é possível vislumbrar uma linearidade, que nos leva a compreender como se inicia a organização da civilização humana, a vida em sociedade e como essas relações são cruciais para propulsar a própria evolução humana, permitindo vislumbrar a ideia de que as conquistas civilizatórias da humanidade encontram-se umbilicalmente ligas a vontade das massas, e no poder de transformação de seu meio, que destas ações derivam. Na busca destas transformações e rupturas ou até mesmo na defesa de algumas situações, as massas uniam-se e unem-se até os dias atuais, em forma de fenômenos sociais conhecidos como movimentos sociais, em busca da consolidação de seus ideais em comum. 70 Os movimentos agem através de suas redes em questões, que buscam solucionar problemas sociais das mais distintas montas, e relacionados aos direitos individuais, estes agem em prol de sua eficácia a exemplo, que foram encontrados no desenrolar da pesquisa. As demandas acerca da efetivação do direito à vida podemos encontrar em movimentos que atuam nas áreas ligadas a problemas como prostituição, tráfico de pessoas, contra o trabalho escravo. A liberdade em movimentos religiosos que tratam sobre as liberdades de credo, movimentos ligados a temática de informação e meios de comunicação que desenvolvem a temáticas acerca de liberdade de expressão. No direito à igualdade existem os movimentos que atuam em busca de efetivação de direitos para homossexuais, movimentos que lutam pelo reconhecimento de questões ligadas a gênero, raça, etnia. Direito a segurança em movimentos que discutem temáticas sobre ineficácia da segurança pública, contra a criminalidade, contra abuso de autoridade do Estado. Direito a propriedade, em movimentos de luta campesina pela reforma agraria e em movimentos que lutam por moradia. A ação destes movimentos permite a discussão de base, formando soluções a estas temáticas, de baixo para cima, afastando-se de métodos institucionalizados, de resolução de conflitos e gerando inclusão social. 71 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. A política. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985. ARAUJO, Luís Ernani Bonesso de. Acesso à terra no Estado Democrático de Direito, Editora da URI, Frederico Westphalen, 1998. BERTERO, José Flávio. Sobre a questão agrária. Revista Mediações. 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