132 9 CONCLUSÃO Como conclusão da análise do processo de Implementação e descontinuidade da agenda 21 em Pelotas, através de dados coletados nos questionários respondidos pelos descritores verificou-se falhas nas políticas públicas, na metodologia do projeto e na atuação da EA, resultando a descontinuidade. De acordo com os descritores governamentais as Políticas Públicas estiveram presentes em todo o processo de implantação da Agenda 21, que houve participação popular e previsão de recursos para executar ações definidas no processo, bem como a identificação de projetos a serem executados e investimentos previstos pelo governo municipal para o ano de 2005. Para eles não houve incorporação da Agenda 21 pela administração pública municipal, pois esta não criou nenhuma norma legal ou colocação de verbas específicas prevista no orçamento, mas houve reconhecimento pelo Governo Federal com as políticas públicas da Agenda 21 no município. Seguindo a visão dos descritores governamentais, a metodologia do projeto foi construída participativamente com o COMPAM, assim como a definição de projetos prioritários, instalações de NEAs e capacitações da população sobre temas ambientais, tendo os NEAs a função de fiscalizar os problemas locais, aliando todas as atividades de EA existentes. Sobre a conjuntura do processo acham que foi adequada, mas que o fato das ONGs contratadas viverem um modo interno de organização diferente, o ritmo de cada Núcleo foi desigual, o que pode ter comprometido o resultado final do processo em 2004. Na capacitação prevista de 180 agentes ambientais para os NEAs, acreditam que houve sucesso, assim como a conclusão dos livros da Agenda 21 Local e Agenda Escolar. Reconhecem o trabalho das ONGs e do COMPAM e a participação popular ativa, tanto no diagnóstico como nas decisões da II Conferência de Qualidade Ambiental e que a EA esteve presente no processo com muita intensidade, havendo mobilização social, servindo como um viés nas ações para a construção da Agenda 21. Declaram que a EA funcionou como um ótimo instrumento, pois a Agenda 21 133 proporcionou a realização, entre outras coisas, da 2ª Conferência de Qualidade Ambiental, do 4º Junho Ecológico, da 4ª Semana da Primavera, do 2º Seminário de Educação Ambiental e da capacitação de 180 agentes ambientais. Nas declarações do descritor Não Governamental, o representante questionado respondeu que as Políticas Públicas, na administração que deveria dar continuidade no processo, tiveram outros interesses, não levando em consideração a participação popular, não respeitando a vontade dos partícipes, não assumindo os compromissos que ficaram pendentes da administração que implantou a Agenda 21, não respeitando a vontade dos grupos que trabalharam no projeto, desperdiçando a oportunidade de transferir responsabilidades aos multiplicadores, deixando de transformar Pelotas numa cidade ecologicamente sustentável. Acredita que houve sufocamento das ações populares e principalmente do COMPAM, deixando-os sem o direito de usufruir de grandes benefícios a que a Agenda se propõe no que tange a sustentabilidade ambiental local. Avalia o projeto como excelente, mas destaca como o erro, o fato dos NEAs não serem compostos por voluntários, tendo assim sua assiduidade apenas pelo comprometimento ambiental e não pelo interesse financeiro, como aconteceu com alguns partícipes dos NEAs. Afirma nos questionamentos que a efetivação da Agenda 21 não aconteceu pelo total desinteresse e repúdio à ideia da implantação, por parte da administração municipal, faltando sensibilidade, bom senso e responsabilidade, pois se houvesse interesse o projeto poderia sofrer ajustes se necessário. O processo, até a mudança da administração, ocorreu dentro de uma previsão esperada, com altos e baixos, mas com o trabalho e integração de toda equipe. Falhas ocorreram como a demora na implantação efetiva dos Núcleos desacelerando o processo, aumentando a expectativa e desanimando os grupos, tendo como motivo à descontinuidade a mudança de governo municipal. Faltou interesse, conhecimento, respeito pelo trabalho coletivo e consideração ao acatamento dos interesses populares, desprezo pelo que foi construído na administração anterior, com arrogância e incapacidade de coordenar discussão com os representantes da sociedade pelotense, tais fatos levaram à extinção de um projeto simples, de extrema importância podendo servir de ajuda não só a comunidade, mas também a própria administração. 134 Quanto a EA, considera que o aproveitamento geral do grupo foi bom, o pessoal gostava das trocas de ideias e de participar das atividades, tentou ampliar a visão que os moradores tinham do seu próprio bairro, melhorar suas avaliações e auxiliar na conscientização sobre o ambiente. Apesar de contar com recursos do FNMA a sequência do projeto ficou comprometida pela troca de administrador, ou melhor, foi suspensa pelo desinteresse e despreparo no trato com os segmentos sociais, sem contar com o desprezo total do setor público pelas questões ambientais. Os descritores comunitários, que responderam ao questionário, acreditam que nas políticas públicas os problemas foram o mau uso das verbas enviadas, a falta de prestação de contas e o fato de nem todas as pessoas envolvidas no processo terem perfil para questões ambientais acarretando assim, o término da Agenda 21 na cidade. Sobre a metodologia, declararam que foi boa, a pesquisa em loco foi levada para a grande plenária e as temáticas resultantes à SQA, fazendo valer os desejos ambientais da população. Quanto ao processo, também não acharam problemas que pudessem levar ao não funcionamento da Agenda. Acreditam que as ideias foram ótimas, porém como não teve continuidade não foi possível sua concretização, mas até onde andou foi válido. A ação da EA foi realizada de uma maneira muito boa, tanto que o cuidado despertado rendeu frutos, abrangendo muito mais do que teorias e sim práticas focadas num desenvolvimento sustentável. Segundo os representantes da sede dos NEAs, descritores ambientais, declararam que nas políticas públicas o problema foi o mau uso das verbas enviadas pelo FNMA, bem como as prestações de contas, pelo que sabem, foram as causas do término da Agenda 21 na cidade. Também acreditam que nem todas as pessoas envolvidas no processo tinham perfil para questões ambientais e que a mudança de governo prejudicou o processo. Quanto à metodologia sabem que não se efetivou, inclusive a implantação da agenda 21 na escola, sendo lamentável não ter acontecido. Faltou material de apoio, local apropriado, pessoas engajadas no processo e má distribuição e/ou utilização das verbas. Na ação da EA ocorreram falhas como o não repasse de informações, a sua não efetivação nas escolas e na comunidade. 135 Faltou comprometimento, conhecimento a respeito do assunto e informações, comprometendo a efetivação do projeto de Agenda Local. Quanto ao planejamento das práticas, estas eram bem interessantes, lamentável não terem acontecido, até pela importância do tema, declararam ainda que não houve o desenvolvimento da Agenda 21 nas instituições sedes. Descritores COMPAM, a maioria declarou que o Conselho foi integrante da Comissão de implantação da Agenda 21, mas que as Políticas Públicas não funcionaram devido à fragmentação da administração pública pelo processo eleitoral, prejudicando assim a continuidade do projeto. Dizem também que o poder público não assumiu seu papel, faltando mais clareza no debate ambiental. A metodologia do projeto não funcionou e as ações da EA funcionaram em parte, acham que antes de se educar deve haver um trabalho de conscientização da população, pois somente a educação ambiental já está provado que não funciona. Conclui-se, a partir das informações coletadas, que os problemas que levaram a descontinuidade do projeto foram: • Nas Políticas Públicas a mudança de governo no meio do processo, devido às eleições no final de 2004, alterou a infra-estrutura governamental e logicamente os interesses políticos; •A metodologia do projeto foi construída conforme as conjunturas do momento, portanto mutável; não houve seriedade quanto as exigências do MMA e FNMA, ocorrido pelo fato de que quem criou e iniciou o projeto não ser o mesmo que deveria dar continuidade; •Na EA faltou mediação entre o governo e a comunidade, procurando fazer um entrelaçamento entre os saberes, os interesses e as necessidades. Mesmo sendo uma ferramenta importante por si só, a EA não funcionou, faltaram mais divulgação e investimento, ou seja, infraestrutura prevista no projeto para que funcionasse os NEAs em suas devidas sedes/escolas. Pode-se concluir que para resgatar o processo de implantação, deverá ser criada uma nova metodologia, onde esta seja construída em consenso pela própria comunidade pelotense. Em função da descontinuidade da Agenda 21, propõe-se como ação a construção de um novo projeto utilizando a metodologia do Ecomunitarismo segundo (VELASCO, 2008, pp.38-39). Desenvolvendo com a comunidade o entendimento de 136 uma educação consciente, problematizadora12 baseada numa pedagogia da libertação13, caracterizando-se, dentre outros, pelos seguintes traços: •Coloca os instrumentos da cultura erudita a serviço da conscientização; •Mobilização dos oprimidos em luta para superar o capitalismo e alcançar uma ordem socioambiental sustentável construída por indivíduos livremente associados e multilateralmente desenvolvidos e respeitosos da natureza não humana; •Toma como ponto articulador da ação pedagógica as questões ligadas à vida diária e à luta dos oprimidos a todos os níveis da realidade; •Estabelece vínculos de mútuo enriquecimento entre a cultura “erudita” e a chamada cultura “popular”(aquela que, à margem da educação formal, os oprimidos constroem no dia-a-dia das suas vidas e das suas lutas); •Supera a contradição educador-educando, propiciando a construção dialógica do conhecimento vivo (ligado ao dia-a-dia e cimentado na pesquisa e na reflexão) numa dinâmica onde ambos são educadores, porque são investigadores críticos, isto é, sujeitos desveladores da realidade social e engajados na sua transformação sócio-ambiental libertadora; •Combate pela crítica e auto-reflexão, o fatalismo e o assistencialismo e aposta na capacidade de luta dos e com os oprimidos para melhorar as nossas vidas e para, em última instância, superarmos o capitalismo; •Defende (e busca aplicar no dia-a-dia) a tomada democrática das decisões e visa à superação da disciplina verticalmente imposta pela auto-disciplina consensualmente estabelecida e avaliada (VELASCO, 2008, p. 38,39). Uma educação que seja baseada na ética da libertação, na qual a realidade vai sendo “desvelada” a partir da participação, interesse e necessidade social da comunidade, se fazendo uma educação comunitária contínua, onde a construção do conhecimento seja realizado para garantir o agir crítico através do diálogo, despertando as tomadas de decisões consensuais e democráticas para a construção de uma Agenda 21 Local comprometida com a ética individual e coletiva de preservação e regeneração do ambiente, fazendo deste um local sustentável, com equidade e justiça social para todos. Estes são os fundamentos éticos para desenvolver uma Agenda de compromissos com todos e para todos, indo de e em encontro com os verdadeiros objetivos da Agenda 21 Nacional e Local. Sendo um processo de planejamento participativo, onde os governos locais devem entender que não é um documento de governo, mas produto de consenso entre os diversos setores da sociedade. 12 – Problematizadora; a problematização é a exigência da superação da contradição educador educandos (Pedagogia da Autonomia, Freire,2009) 13 – Libertação: é a superação da contradição opressores – oprimidos, que é a libertação de todos – (Pedagogia do Oprimido, Freire,1996) 137 Por tanto, tendo como embasamento os documentos oficiais, os relatos e a prática, acredita-se que a elaboração do documento, a condução do processo e a apropriação dos resultados devem ser com a participação popular, este é o segredo para não acontecer o abismo da descontinuidade administrativa e política e garantir assim a efetivação de uma ferramenta importante que vai orientar o desenvolvimento sustentável de um local, mantendo uma relação de ética com o meio ambiente. A realidade mostra que as relações das forças de poder e as disputas políticas podem deixar marcas nos programas e projetos de modo geral desenvolvidos e implementados nos municípios. Os programas de certas políticas públicas, sobretudo as de caráter mais dinâmico e polêmico, não deixam dúvidas referentes à interdependência entre os processos e os resultados das políticas. Verifica-se ainda que nas diversificações de atores, as condições de interesse em cada situação e as orientações valorativas, elementos que podem ser considerados condicionantes do grau de conflito reinante nos processos políticos, sofrem modificações significativas à medida que se agravam os problemas ambientais e se consolidam um novo campo da política. Além disso, os fatores condicionantes das políticas públicas ambientais são sujeitos a alterações conforme a consciência ambiental e o grau de comprometimento individual do ator político. Podendo aumentar significativamente a promoção de condições favoráveis ou não à implementação de políticas ambientais participativas. Sendo importante lembrar que instituições devem servir não apenas para a satisfação de necessidades humanas e para a estruturação de interações sociais, mas ao mesmo tempo, determinam posições de poder, eliminam possibilidades de ação, abrem chances sociais de liberdade e erguem barreiras para a liberdade individual e coletiva. Segundo Donnell: A institucionalização implica, portanto, custos graves, porque ela não representa somente a exclusão de muitas vozes, mas também o pesadelo da burocratização e das contrariedades que essa acarreta consigo (DONNELL, 1999, p. 30). 138 As Instituições não são somente um reflexo de necessidades individuais ou sociais, instituições políticas devem ser padrões regularizados de interação, conhecidos, praticados e em geral reconhecidos e aceitos pelos atores sociais. Os atores políticos e sociais deveriam agir não somente de acordo com os seus interesses, mas também com as suas identidades enquanto cidadão, político, servidor público, sindicalista, entre outros, pois estas influenciam o seu comportamento nos processos de decisões políticas. Em decorrência de inclinações e mudanças, muitas vezes repentinas e radicais, dos rumos políticos nos governos tanto nacionais, estaduais como municipais, que se manifestam não apenas na descontinuidade político- administrativa, mas na transição de um governo para o outro, segundo Lobo: [...] trata-se de um fenômeno que se opõe à consolidação de formas mais nítidas e confiáveis dos processos de negociação política, o que, por outro lado, significa que as chances para a realização e imposição de reformas políticas mais radicais são, em princípio, propícias, porque os arranjos institucionais e os processos de negociação entre executivo, legislativo e sociedade civil são pouco formalizados, institucionalizados e consolidados (LOBO, 1998, p.82). Essas mudanças podem ocorrer não somente em relação à política material, mas também às instituições políticas, ou seja, a rede dos atores políticos que determinam o processo pode repentinamente mudar durante a realização de um projeto, como na implantação da Agenda Local, gerando a descontinuidade de um plano de ação local para o desenvolvimento sustentável, instrumento de formulação e implementação de políticas públicas locais, por meio do planejamento estratégico, participativo e de corresponsabilidade que definem e estabelecem prioridades a serem executadas na parceria entre governo e sociedade. Pode-se usar como base o capítulo 28 da Agenda 21 Brasileira, na área de programas às iniciativas das autoridades locais em apoio à Agenda 21, onde diz que: [...] a participação e cooperação das autoridades locais será um fator determinante na realização de seus objetivos. As autoridades locais constroem, operam e mantêm a infra-estrutura econômica, social e ambiental, supervisionam os processos de planejamento, estabelecem as políticas e regulamentações ambientais nacionais e subnacionais. Como nível de governo mais próximo do povo, desempenham um papel essencial na educação, mobilização e resposta ao público, em favor de um desenvolvimento sustentável (AGENDA 21 NACIONAL, capítulo 28, p. 473). 139 Sendo assim, um dos maiores desafio na implantação das agendas locais, previsto pela Agenda Nacional, é “internalizar nas políticas públicas locais em suas prioridades, os valores e princípios do desenvolvimento sustentável”, como meta a ser atingida no mais breve tempo possível, para isto, é necessário compromisso coletivo, que envolva diferentes atores e meios de comunicação para contagiar a todos. A chave do sucesso está na capacidade de mobilização e integração coletiva, desenvolvimento de ações coletivas de caráter estratégico, concentrando esforços para desenvolver grandes mudanças locais. Segundo a visão socialista de Velasco (2008, p.162) é possível propor como perspectiva Ecomunitarista uma [...] “Educação Ambiental cidadã que apresenta-se como uma modalidade política permanente de crítica e de mudança social”. A grande maioria dos projetos apresentados por um poder público autoritário e discriminatório, onde não há diálogo e participação popular com liberdade de decisão, são inadequados e excludentes. No caso de Pelotas, através dos fatos apurados constata-se que houve este tipo de comportamento por parte dos detentores do poder, contrariando as leis, a ética e o comprometimento em zelar pelo trato da “coisa pública”. De acordo com os depoimentos, declarações e documentos coletados na pesquisa, o compromisso com a participação, a falta de colaboração e interesse das políticas locais para o desenvolvimento legal do processo de implantação e a mudança de governo foram as causas da descontinuidade da implantação da Agenda 21 em Pelotas. Gerando assim, grandes problemas no que tange as expectativas e credibilidade por parte da comunidade mobilizada, afetando de modo geral a sustentabilidade local, sem contar o desperdício do dinheiro público federal, tendo que obrigatoriamente fazer a devolução corrigida aos cofres públicos. De acordo com informações obtidas, se conclui que houve descomprometimento político, falta de ética e de conhecimentos necessários para criar e implementar um projeto como o da Agenda Local. Sua descontinuidade gerou impactos na esfera “econômica, social e ambiental”, criando falsas expectativas nas comunidades envolvidas e na população de modo geral, não oportunizando a prática da cidadania, da justiça social e de sustentabilidade ambiental local. A pesquisa oportuniza a criação de outros questionamentos para serem respondidos por outras pesquisas nesta área. 140 As respostas a partir das declarações contidas nesta pesquisa são importantes instrumentos que servem de base para avaliação do processo de Agenda 21 Local, pelo MMA (FNMA), entre outros interessados no tema. Além de apresentar sugestões da pesquisadora para novas investigações nesta área de envolvimento de Agenda 21 Local e Políticas Públicas. A Pretensão da pesquisa foi apontar os acertos e desacertos contidos no histórico do processo de implantação da Agenda local, ajudando, a partir de seus resultados, a todos que se interessarem em trabalhar com este tema e principalmente aos formadores de políticas públicas, a entender toda a complexidade e a responsabilidade das ações na implantação da Agenda 21 Local.