PÁGINA 14 - DOMINGO - 8/JUNHO/2008 - 19:47 14 DIA-A-DIA Fale com a editora: [email protected] A GAZETA Vitória (ES), domingo, 8 de junho de 2008 nnnnn n n n n 2ª EDIÇÃO Entrevista >> POR VERA FERRAÇO [email protected] Alberto Carlos Almeida >> CIENTISTA POLÍTICO “O marketing tem que se adequar ao eleitor” GILDO LOYOLA Autor do livro “A cabeça do eleitor” afirma que propaganda política não vence a realidade e a lógica de quem vota n n O que leva o eleitor brasileiro a votar em fulano e não em beltrano? O que pesa nesse processo de escolha? Qual o papel do marketing numa eleição? Respostas para essas perguntas estão no livro A Cabeça do Eleitor, de Alberto Carlos Almeida. Para ele, o eleitor segue uma lógica, um ranking, na hora de votar, tendo como base a sua própria realidade e os problemas que o afetam no dia-a-dia. Nesse ranking, as soluções para os problemas na área da saúde, por exemplo, têm mais peso que o fato de o candidato ter a ficha suja na Justiça. Defensor do marketing científico, Almeida disse em entrevista para A GAZETA que não existe mágica para se vencer uma eleição. “O marketing tem peso, mas o peso dele não é mágico”. n n No livro, o senhor mostra que a cabeça do eleitor funciona da mesma forma para qualquer eleição, seja ela municipal, estadual ou federal. E que governantes bem avaliados tendem a se reeleger ou eleger os seus sucessores, na maioria das vezes. O que é a mesma forma. O eleitor considera, por exemplo, a avaliação do governo, a avaliação é importante. Então isso que é a mesma forma. É claro que, em cada eleição, cada município e cada Estado, a avaliação aparece em um nível diferente. Por isso você tem que ir lá e medir. Eu coloco no livro: tem uma estatística que governos bem avaliados têm alta probabilidade ou de serem reeleitos ou de elegerem um sucessor. Quando você tem uma aprovação muito alta, acima de 50% por exemplo, se eu sou um prefeito que já foi reeleito ou um governador, e indico alguém, tenho 75% de chances de eleger o meu sucessor. Isso já aconteceu no Brasil, é um dado da realidade brasileira. De cada 100 que disputam a reeleição nessas condições, 75 são eleitos e 25 perdem. Se você disputa sua própria reeleição com avaliação acima de 50%, sua chance de ser reeleito é de 90%. Isso aconteceu no Brasil, 90% foram reeleitos e 10% perderam. Isso se verifica para o município, para o Estado e para o governo federal. Itamar (Franco, ex-presidente) tinha uma excelente avaliação em 1994, e elegeu o sucessor dele. Fernando Henrique tinha uma excelente avaliação em 1998, e foi reeleito. A avaliação de Fernando Henrique despencou em 2002; ganhou a oposição. A avaliação de Lula era excelente em 2006, e foi reeleito. Isso, como eu disse, é uma regra probabilística. Vai ter cara que vai dizer: mais e o governo que estava bem avaliado e perdeu? Isso está previsto na regra: 10% perdem, 25% perdem. n n E o que leva esses 10% a perderem? Não fiz esse estudo, mas tem uma coisa que eu já descobri. Muitas vezes, você tem um governo bem avaliado e quem disputa contra o governante é alguém que tem cara de governo e tem muito prestígio também. Isso é um padrão que já encontrei. Vou lhe dizer um exemplo de quem perdeu com uma boa avaliação. (Luiz Paulo) Conde, no Rio de Janeiro, em 2000. Conde tinha uma avaliação excelente, e perdeu para César Maia com uma margem muito pequena. Porque daquela avaliação o Conde não era o dono exclusivo. Aquela avaliação era compartilhada entre ele e César Maia, que era criador e criatura. Os dois tinham muita envergadura, eram - ------------------------------------ Eu sou um opositor da mágica no marketing. Acho que não funciona. O marketing tem que se adequar à cabeça do eleitor. Não tem jeito” dois candidatos com muita densidade política, com muito recall junto ao eleitorado, e os dois com cara de governista. - ------------------------------------ n n O marketing tem algum papel nesses 10%? O marketing tem papel em toda a eleição. No livro, defendo o marketing científico. O que é o marketing científico? É transformar números em comunica- ção, transformar números em ações políticas e comunicação. O que o marketing faz então? Você descobre que o eleitorado é assim, ele pensa desse jeito. Só que o voto está aqui. O marketing vai colar o voto na maneira de pensar do eleitorado. Ele está descolado, a campanha vai colar. Então, hoje tem gente que avalia bem o governo, mas vota na oposição. Quando o marketing disser que eu sou o candidato do governo e o outro é da oposição, o cara vai deixar de votar na oposição e vai votar no governo. Então, o marketing tem peso, mas o peso dele não é mágico. Não existe mágica. n n Nós tivemos aqui um caso de um prefeito bem avaliado, - ------------------------------------ Se você disputa sua própria reeleição com avaliação acima de 50%, sua chance de ser reeleito é de 90%. Isso aconteceu no Brasil” - ------------------------------------ em 2004, que deixou uma administração de oito anos, e a oposição, que não tinha tanta liderança na cidade, conseguiu vencer desconstruindo a imagem... O Luiz Paulo. Esse é um caso muito interessante que precisa ser estudado. Por exemplo, com a Angela Amin em Florianópolis aconteceu a mesma coisa. São casos em que a probabilidade de acontecer são pequenas, mas acontecem. n n Como o eleitor escolhe os seus candidatos? Nesse processo de escolha, o fato de o candidato ter a ficha suja na Justiça pesa? Pesa. Porém, pesa menos do que outros fatores. O que acontece é que o eleitor tem um ranking: isso é mais importante, isso vem em segundo, terceiro. Então, a ficha suja, a corrupção vem lá em baixo, em quarto, em quinto lugar, para alguns eleitorados. Para outros, fica em oitavo lugar. n n E o que está nesse ranking? É o principal problema. É a combinação entre o passado do candidato e o problema a ser resolvido. O que acontece espalhado pelo Brasil. Existem municípios em que o principal problema é a saúde, e quem é eleito é um médico. Isso é bastante comum. Por quê? Aí é a combinação perfeita entre a mão e a luva. Eu quero resolver o problema da saúde e o PROPAGANDA. Para o cientista, o marketing político tem peso para os candidatos, mas não é mágico: “Não existe mágica” - ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- O perfil de Almeida PROFESSOR. Alberto Carlos Almeida é professor universitário e colunista do jornal Valor Econômico. Coordenou as pesquisas de opinião da FGV entre 2002 e 2005, e da Ipsos Public Affairs entre 2005 e 2007. Tem nn grande experiência em análise de mercado. Atualmente dirige o Instituto Análise que realiza análise de dados e pesquisas para o setor público e privado. OBRAS. É autor do best seller A Cabeça do Brasileiro nn (Editora Record, 2007), e dos livros Por que Lula? (Editora Record, 2006), Como são feitas as pesquisas eleitorais e de opinião (Editora FGV, 2002), Presidencialismo, Parlamentarismo e crise política no Brasil (Eduff, 1998). - ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- cara é médico, portanto, ele vai se empenhar nisso. É a própria profissão dele. O eleitor raciocina assim, é um grande símbolo. Então, nessa hierarquia, o que tem sempre mais peso é o primeiro e o segundo no ranking. Não tem? Não é que a corrupção não seja um problema. Mas aquilo atinge o dia dele? n n E nesse contexto o que O foco do livro é no Executivo, mas aquelas variáveis estão presentes em maior ou menor medida no Legislativo também. seriam esse primeiro e segundo lugar? Aí tem que fazer pesquisa, é caso a caso. O livro lhe dá uma lógica. A lógica é o quê? A avaliação do governo importa, o problema importa, a rejeição dos candidatos importa, o recall dos candidatos importa. Agora, como que é isso hoje em Vitória? Tem que ir até lá e aplicar a metodologia. O que o livro dá é o seguinte: as variáveis que importam, os elementos que importam são esses. Agora, como eles estão, qual o tamanho de cada elemento, é só caso a caso, é eleição por eleição. Por isso, tem que ir lá e medir. n n O senhor disse que o caso de corrupção, o candidato com a ficha suja, isso já não aparece no topo do ranking. Isso não acaba beneficiando os maus candidatos, a má qualidade da representação pública? Se você não tem plano de saúde, você tem que tentar marcar uma consulta no posto de saúde. Você vai demorar um mês para conseguir ser recebido por um médico no posto de saúde, se for recebido. Isso é uma regra no Brasil. Aí o cara vai para o hospital. Sabe como que é a consulta em hospital? Você é o médico, eu chego aqui e fico cinco minutos. E o médico diz: toma o seu remédio. Isso não é uma consulta porque hospital não é feito para isso. No posto de saúde, não. Teoricamente, você senta, fica meia hora. É isso que acontece hoje no Brasil. Esse cara está preocupado com a corrupção? Está, mas está muito longe dele. O problema é que o filho dele tem problema; ele tem um problema de pressão alta e precisa de um remédio. Isso é naquela semana. De noite, quando esse cara vai chegar em casa, pode circular na área onde mora? Tem toque de recolher? n n O eleitor escolhe de forma diferente quando se trata de cargos para o Executivo e para o Legislativo? n n Como o senhor definiria o perfil médio do eleitor brasileiro? Não teria um perfil médio. O que tem são essas variáveis. Toda eleição tem isso em mente. E cada eleição você tem que ir lá e ver o que está tendo peso, e aí modelar o discurso do candidato baseado naquilo ali. n n Então, o papel da pesquisa... A pesquisa é fundamental para o que chamo de marketing eleitoral científico, o marketing não mágico. Eu sou um opositor da mágica no marketing. Acho que não funciona. O marketing tem que se adequar a cabeça do eleitor. Não tem jeito. Uma outra coisa que está no livro é a identidade dos candidatos. O que é a identidade? A marca, que é uma cicatriz. Uma coisa que a pessoa vê em você e não esquece. Fulano é um bom gestor, um grande administrador, defende os pobres. Quanto mais forte a sua marca, maiores as suas chances eleitorais. Candidato nebuloso, que não tem marca nenhuma, como Ciro Gomes em 2002, corre o risco de ser atingido e naufragar no campo eleitoral. Então, - ------------------------------------ Quando o marketing disser que eu sou o candidato do governo e o outro é da oposição, o cara vai deixar de votar na oposição” - ------------------------------------ Página: 14 identidade é importante. O que é importante também é a lembrança do candidato. Exemplo concreto do que estamos vivendo hoje: eleição nos Estados Unidos tem primária. Qual o papel da primária? Ela tem vários papéis. Um deles é que, quando acaba a primária, o nível de conhecimento do candidato é igual. Barack Obama é tão conhecido quanto McCain. Antes da primária, não. O nível de conhecimento era diferente. No Brasil, não tem primária. Quando começa a largada, o nível de conhecimento é diferente, só que a linha de chegada é a mesma para todo mundo. Então, a corrida é desigual. Uns começam na frente, outros atrás. n n E quanto à transferência de votos... Isso é um mito. Existe no Brasil uma visão que diminui a importância da população, uma visão que tem um certo desprezo com relação à população pelo seguinte: a população está lá em baixo e aí o fulano, que é muito aceito, diz ‘vota em sicrano’, e a pessoa vai lá e vota. Não é bem assim. A transferência de voto é um mito. Vamos ao exemplo de 89. Brizola, todo mundo diz que ele transferiu voto para Lula no segundo turno da eleição. Acabou o primeiro turno, Brizola disse ‘votem em Lula’, e aí o eleitorado dele no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro foi lá e votou com Lula. A minha pergunta é a seguinte: e se o Brizola tivesse pedido para votar em Collor? Quem votou nele teria votado em Collor? Não. Portanto, não tem transferência. Se tivesse transferência, ele pedia para votar no Collor e a turma votava. Não é desse jeito. Não existe a transferência de prestígio pessoal. Eu amo o Lula, então, vou votar na Dilma porque o Lula pediu? Não é assim. Eu gosto do Lula, aprovo o governo dele, ele foi lá para a televisão dizer que quem vai dar continuidade ao governo dele é a Dilma. Isso é outra coisa, totalmente diferente. outros atributos do candidato? Por causa dos argumentos. Na eleição (municipal) de 2000, Garotinho tinha uma aprovação enorme como governador do Rio de Janeiro. Dos 19 municípios da Região Metropolitana do Estado do Rio, Garotinho perdeu em 16. Como é que pode o cara ter uma aprovação tão grande, mas os candidatos dele perderam? Porque os outros fatores são mais importantes. Ele apoiou algum candidato que tinha recall alto? Ele apoiou uma prefeitura bem avaliada por um opositor? Não é assim. Isso é uma visão elitista que existe no Brasil, de que você vai lá apóia e o eleitor, então, vai lá e vota conforme o seu apoio. n n E quando se escolhe um técnico da administração, alguém que não tenha um passado político? É diferente. Veja só: Conde, em 96, foi isso. Pitta, em 96, foi isso. O atual prefeito de São José dos Campos foi isso. Mas aí é diferente. O cara foi para a televisão e disse: ‘eu sou prefeito não posso ser reeleito, já fui reeleito uma vez. Esse cara é do meu governo ele vai dar continuidade ao meu governo. Vocês querem continuidade? Querem. Então votem nele‘. O discurso é o da continuidade. - -----------------------------------nn LEIA NA WEB www.agazeta.com.br Confira trechos do livro “A cabeça do eleitor” - ------------------------------------ ------------------------------------ Serviço n PREÇO: O livro A cabeça do eleitor, de Alberto Carlos Almeida, Editora Record, 308 páginas, custa R$ 40,00. n n E quando se consegue essa TRECHOS: VEJA A PÁGINA DO LIVRO NA INTERNET: WWW.RECORD.COM.BR/ ACABECADOELEITOR/ transferência é por conta dos - ------------------------------------ CYAN MAGENTA YELLOW BLACK