Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 CIRCO: UMA ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA PARA A EDUCAÇÃO SOCIAL MARCHI, João Marchi Apresentando o circo à educação social O universo do circo, desde suas raízes, sob a ótica da pesquisa de Bolognesi (2003), se faz presente como elemento capaz de cativar a atenção do espectador, segundo o autor, já em Roma “Os jogos circenses e as corridas de carros transformaram-se [...] em momento culminante de um projeto político que se assegurava, simbólica e ideologicamente, na religião e no divertimento”; podemos ver assim que, pela abrangência que o circo teve nesse período o Estado o fez ser parte do universo dos espectadores. Todavia, para além desse olhar político, é relevante que tal encantamento que o ambiente circense traz, muitas vezes consegue cativar e ao mesmo tempo transpor os espectadores para um universo lúdico e de extremos. O circo é a exposição do corpo humano em seus limites biológico e social. O espetáculo fundamenta-se na relação do homem com a natureza, expondo a dominação e a superação humanas [...] Acrobacias, malabarismos, equilibrismos e ilusionismos diversos deixam evidente a capacidade humana de superação de seus próprios limites. (BOLOGNESI, p. 13. 2003) Partindo do pressuposto do ambiente social que o circo consegue proporcionar, em grande parte por suas características históricas de desenvolvimento; encontramos uma formação humana passada de geração à geração que, independente de quais habilidades desenvolva dentro do ambiente circense, convive em um espaço social democrático de convívio, de ensino e de desenvolvimento, pois, ainda na visão de Bolognesi (2003) “Nos números circenses não há disputa, não há vencedores. “ (p. 30). Dessa forma, expomos que a realidade do circo se expande para além da sociedade capitalista atualmente estabelecida em nossa sociedade, pois, dentro do circo o que se vê 1 Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 é justamente o contrário do que mostra a sociedade do capital; nesse espaço, a criança desde seus primeiros anos é inserida no convívio com os artistas mais velhos, na montagem e desmontagem da lona e dos elementos do espetáculo, nos números; e todo esse aprendizado, conservado principalmente nos circos de pequeno e médio porte – na visão de Bolognesi (2003)-, faz da criança um indivíduo cuja consciência social consegue romper com os ideais capitalistas. Assim, a partir desse caráter, as crianças descobrem suas habilidades e, consequentemente, desenvolvem as mesmas sob uma metodologia que a forma também como ser humano. É com base nessas informações que vemos os ensinamentos circenses como uma prática democrática para a educação social, pois, transcendendo um ambiente de competição, o pensamento coletivo e a transformação do indivíduo se potencializam enquanto práticas sociais. Acreditamos num ambiente livre de amarras sociais, isso para propiciar uma experiência circense e teatral capaz de fomentar indivíduos sociais críticos e que partilhem de um pensamento coletivo, pois tal vivência: como a brincadeira, é uma experiência grupal que permite a alunos com capacidades diferentes expressarem-se simultaneamente enquanto desenvolvem habilidades e criatividades individuais (SPOLIN, p. 251. 2010) Evidenciando o exposto acima, o projeto busca colocar a criança e o adolescente como agente criador a partir da espontaneidade, das habilidades adquiridas e, assim, buscando uma troca para além do apenas ensinar/aprender. Ainda na visão de Spolin “Há poucos lugares fora de suas próprias brincadeiras onde uma criança possa contribuir para o mundo em que se encontra” (p. 250. 2010); tal visão se dá, principalmente, devido ao caráter capitalista e individualista de nossa sociedade, que coloca a criança como não possuidora de voz ativa e, portanto, incapaz de opinar sobre qualquer ordem vigente. Tal opinião foi sendo construída historicamente como mais um elemento de controle, e tal poder “não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente.” (FOCAUT, p. 10. 1979). Transpondo esse princípio para e educação social, o que temos é um conceito de que “educar não é mera transferência de conhecimento, mas sim conscientização e testemunho de vida. É construir, libertar o ser humano das cadeias do determinismo 2 Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 neoliberal [...]” (MÉSZÁROS, p. 13. 2008), e através dos conhecimentos circenses e da metodologia de integração social que o mesmo possui, é possível, para além do ambiente escolar, ir contra os princípios do capital, pois “que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente”. (MÉSZÁROS, p. 27. 2008). A alternativa defendida por Mészáros é a de uma educação continuada e, dentro da educação social, tal aspecto vem como um norte para a pesquisa presente. Buscamos uma apropriação do conhecimento principalmente por meio da consciência, e “Falar em consciência é sempre falar em autoconsciência e, portanto, em conhecimento de si” (ICLE, p. 17. 2006); no circo essa é uma das características mais marcantes, devido ao fato das habilidades só serem entendidas a partir do momento em que se tem total consciência do corpo e da mente. Assim, a pedagogia circense e teatral aplicada à educação social: não se resume apenas a uma simples transmissão de conhecimentos de uma geração à outra, mas em situações íntimas de relações entre gerações, nas quais se constrói, num duplo caminho de conhecimento e descoberta de novidades. (ICLE, p. 2. 2006) A figura das técnicas circenses vem como elemento fomentador de um cidadão mais consciente de si, do outro, do espaço e do ambiente social ao qual pertence; ir para além do ambiente escolar, dentro da proposta apresentada, integra ainda outra importante característica que é a de uma formação continuada em que o indivíduo possa, além de desenvolver habilidades motoras, transpor para seu dia-a-dia a ideia de uma consciência coletiva de pensamento que vê no outro um aliado e não um competidor como a atual sociedade nos impõe cada vez mais. Por que o circo? Dentro do ambiente de ensino o que se encontra é uma fragilidade muito grande de formação e ao mesmo tempo uma formação muito direcionada ao ambiente de trabalho, contudo, partilhamos da visão de Mészaros (2008) e pensamos que a educação “não deve qualificar para o mercado, mas para a vida. [...] a educação não pode ser encerrada no terreno estrito da pedagogia, mas tem que sair às ruas, para os espaços 3 Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 públicos, e se abrir para o mundo. (p. 9-10); sendo assim, a educação social é tida como elemento relevante para essa transformação por se por a disposição de romper com o ambiente escolar e se aproximar dos indivíduos dentro de seu ambiente de convívio. Pensamos numa educação que gere não apenas uma transmissão de conhecimentos, como já foi apontado anteriormente na presente proposta, mas sim numa ferramenta que consiga integrar o individuo como um cidadão crítico, consciente e que partilhe de uma visão que compreenda a arte como elemento de transformação social. Um dos meios que tem desde sua formação um caráter coletivo de convívio, aprendizado e formação social é o circo – a partir da visão de Bolognesi (2003) -, sendo assim, vemos o mesmo como uma possibilidade de implementar uma educação para além de apenas elementos técnicos; vale ressaltar todavia que tais elementos, principalmente os acrobáticos – por trazerem a ideia de um corpo espetacular e de exploração de seus extremos – já carregam em si a ideia de um aprendizado coletivo, pois é a partir de diversas formas de auxílios que o aluno de técnicas circenses aprende desde um simples rolamento até mortais e outras acrobacias de maior grau de dificuldade. Essa questão da coletividade e da não competitividade é o viés que faz com que acreditemos no circo como fomentador de uma prática social democrática. Outro aspecto que é relevante é o que diz respeito à memória corporal, pois a partir do momento que o corpo grava uma informação ele a compreende e é capaz de reproduzila novamente, fundamentando tal informação e associando-a as práticas acrobáticas Lecoq (2010) nos diz que “Por meio do jogo acrobático, o ator atinge um limite de expressão dramática.” (p. 115), o autor ainda complementa que “Analisar uma ação física não é emitir uma opinião, é aprender um conhecimento” (p. 117); ou seja, o aluno\ator, ao experenciar e tomar consciência do gesto acrobático ele, dentro de suas especificidades, consegue além de aprender o movimento, ganhar uma expressividade dramática que permite ao mesmo exprimi-la no teatro. O teatro como expressão alcançada por meio das habilidades provenientes do circo é outro elemento que a pesquisa vê como catalisador de uma formação continuada que por sua vez, é o que move a ideia de educação social proposta. 4 Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 Assim, tomando consciência dos movimentos pertencentes às técnicas circenses e ainda compreendendo a atmosfera social que a mesma possui, vemos que para a educação social, o circo pode ser visto como uma ferramenta de grande relevância e que permita uma formação também humana para o indivíduo. Partindo para elementos tanto corporais como também que abrangem o pensamento social e ainda mostrando os ensinamentos circenses dentro de uma atmosfera lúdica de trabalho; temos a criança e o adolescente como o foco principal da pesquisa e buscando exercer no mesmo, práticas que o levem a ser um agente transformador da sociedade por meio da arte, principalmente a arte circense. Autores importantes O pilar central da educação social é, primeiramente, romper a alienação e reprodução dos ideais capitalistas que o ensino na escola impõe devido aos interesses da nossa sociedade atual; sobre tal pensamento Mészaros (2008) nos diz que: O objetivo dos que lutam contra a sociedade mercantil, a alienação e a intolerância é a emancipação humana. A educação, que poderia ser a alavanca essencial para a mudança [...] tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes. (p. 15) Partindo desse pressuposto, buscamos estudar como o ensino das técnicas circenses pode vir a quebrar com essa lógica do capital e ainda catalisar elementos de emancipação humana nos indivíduos. O ambiente circense, no seu todo, abrange uma gama de ensinamentos que vai para além da técnica e, por seu caráter coletivo, traz um pensamento social muito relevante e sob uma ótica que rompe com os princípios postos em nossa sociedade atual uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem realizar as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança (MÉSZAROS, 2008, p. 25) 5 Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 Utilizando a figura do circo como norte, Bolognesi (2003) reforça a ideia de que “o aprendizado se dá na prática da profissão, a partir do convívio com os circenses mais velhos, palhaços ou não. (p. 11)”; transpondo essa característica para a educação social tem-se, a partir do aprendizado de cada um, uma rede coletiva de auxílio entre os indivíduos na qual “a habilidade inicialmente apreendida que poderia aproximar-se daquela esportiva [...] é complementada [...] em busca do melhor desempenho performático. (BOLOGNESI, 2003, p. 31). Outro elemento que merece destaque e que fomenta o aprendizado circense, além da técnica adquirida, é a espontaneidade presente no elementos pedagógicos que cada habilidade – seja acrobática, de malabares, etc. – possui; sobre esse aspecto, Spolin (2010) ressalta que: Através da espontaneidade somos re-formados em nós mesmos. A espontaneidade cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de referência estáticos [...] A espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a realidade e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa realidade, as nossas mínimas artes funcionam como um todo orgânico. É o momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa. (p. 4) Assim, observamos que tal experiência e tal expressão são, no circo, tidas como ponto de partida para o desenvolvimento de qualquer habilidade; podemos então dialogar esses aspetos com o jogo lúdico que precede o ensinamento das técnicas circenses e que estimulam o indivíduo; a respeito do jogo, Huizinga (2012) defende que: O jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação” (p. 3-4) Partindo do jogo, posteriormente o indivíduo toma consciência de suas habilidades e ganha um norte para desenvolver as mesmas; a consciência é, nesse aspecto, um fator relevante no processo de aprendizagem do circo e “Falar em consciência é sempre falar em autoconsciência e, portanto, em conhecimento de si 6 Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 (ICLE, 2006, p. 17); dessa forma, tanto fisicamente como socialmente, o ambiente circense permite uma consciência do próprio corpo e de um corpo coletivo – o corpo em contato com o outro, com o meio – que, novamente, expõe uma prática democrática em relação a educação social. Ao tratarmos mais profundamente dos elementos do circo, passaremos por autores como Burnier (2001), Lecoq (2010), Puccetti (2001), Ferracini (2001) que são pesquisadores que abordam o tema do palhaço – presente e da tradição do circo segundo Bolognesi (2003) – elemento que “aparece como a figura catalisadora da condição fluida do universo circense entre o sublime e o grotesco, tendo o corpo como princípio e fator espetacular” (DUARTE, R. horta apud BOLOGNESI, 2003); e partindo do corpo e da consciência do mesmo é que temos como pesquisa a apropriação dos conhecimentos circenses dentro da ludicidade desse universo. Sobre a questão da ludicidade, autores como Huizinga (2012), Spolin (2010) abordam bem a atmosfera de jogo que tal estado carrega e, para além do estudo da técnica; ao retratarmos a história do circo, utilizaremos conceitos e pesquisas, além da obra de Bolognesi (2003), de autores como Bakhtin (1987), Bergson (2007), Alberti (2002); que tratam sobre os princípios do riso, dos bufões, da comicidade e de como tais pontos foram se transformando durante o desenvolvimento da sociedade – salvo Bergson que trata apenas da questão fenomenológica da comicidade -. Partindo dessa bibliografia inicial, a pesquisa visa abranger mais referencias que compreendam a ideia da educação social e, concomitantemente, das técnicas circenses para serem aplicadas a mesma e, dessa forma, abarcar uma base teórica consistente e relevante para o estudo proposto. A metodologia ainda está em processo de ser definida, todavia, buscaremos o aprendizado de técnicas que se façam presentes não só no âmbito do teatro, mas sim no cotidiano de cada indivíduo que, a partir das habilidades trabalhadas, possa transformar o ambiente ao qual pertence e consiga ainda, por meio dessa transposição que a metodologia propõe, desenvolver uma autoconsciência e um aperfeiçoamento continuado, fator que vemos como um pilar principal dentro da educação social. REFERÊNCIAS 7 Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 ALBERTI, Verena. O Riso e o Risível na História do Pensamento. 2ª e.d – Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1999. BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi – São Paulo: Ed. HUCITECH: Editora da Universidade de Brasília, 1987. BERGSON, Henri. O Riso, ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BOLOGNESI, Mário Fernando. Palhaços. 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