Prof. Doutor Roberto M. Scarpa Director do Serviço de Urologia do Hospital Universitário S. Luigi Gonzaga, em Turim, Itália Terapêutica por bloqueio androgénico: estado actual e novos desenvolvimentos D esde os anos 40, com os estudos pivô de Niehans, Huggins e Hodges, em que ficou demonstrada a relação entre o crescimento e desenvolvimento do carcinoma da próstata e o androgénio, que as terapêuticas por bloqueio androgénico têm vindo a assumir um papel cada vez maior no tratamento neste tipo de patologia oncológica. É uma terapêutica facilmente reconhecida e utilizada por todos os especialistas nesta área, pois tem uma fiabilidade de décadas de prática. A evolução destes tratamentos teve o seu pico a partir dos anos 80 com a utilização dos agonistas GnRH e dos antiandrogénicos. É do conhecimento de todos os oncologistas que a testosterona desempenha um papel importante no aparecimento e desenvolvimento das células do carcinoma da próstata. Sem esta hormona estaremos na presença de apoptose destas células, enquanto as células prostáticas normais não morrem, apenas estagnam o seu crescimento. Podemos combater esta situação através de orquidectomia (castração cirúrgica), que impedirá a produção de testosterona. Esta solução pode ser aplicada no carcinoma da próstata localmente avançado ou metastizado 04 e o objectivo é alcançar valores de testosterona abaixo dos 50 ng/mml. No entanto, esta opção, principalmente em países latinos, como Itália, Espanha ou Portugal, tende a não ser bem-aceite pelos doentes por um conjunto variado de razões, que vão desde os contextos culturais às realidades antropológicas, noções sociais e económicas e também pelo facto de ser um acto cirúrgico irreversível. Assim, as opções mais frequentemente aplicadas têm sido os análogos do GnRH, os antiandrogénicos e uma combinação de ambas, para se obter o bloqueio androgénico máximo possível, de modo a alcançarem-se os valores de testosterona almejados. Outros dados interessantes prendem-se com uma análise entre a castração cirúrgica e a médica, onde temos uma sobrevivência média idêntica, pelo que a comparação entre ambas as opções é plausível. Os agonistas GnRH vão ligar-se aos receptores na glândula pituitária e, na primeira fase do tratamento, vão provocar um excesso de libertação hormonal, que irá originar uma auto-regulação dos receptores, diminuindo a sua capacidade de regulação hormonal. Neste caso, durante as primeiras semanas teremos o nível de testosterona aumentado, seguido, posteriormente, de uma diminuição do mesmo. Actualmente, as formulações existentes são de um, dois e três meses, estando agora disponível a nova opção de seis meses. Os antiandrogénicos, por sua vez, tendem a induzir a apoptose das células do carcinoma da próstata e inibem a testosterona e a ligação desta hormona aos receptores androgénicos nas células do carcinoma da próstata. Podem produzir algumas toxicidades, nomeadamente, ao nível cardíaco, hepático e efeitos memotrópicos, pois, o nosso corpo só consegue tolerar um certo nível de testosterona, sendo que, após esse nível, existe uma conversão da testosterona em estrogénio por parte do fígado, estando assim explicada a toxicidade cardiovascular e os efeitos memotrópicos. A hepatotoxicidade está relacionada com um mecanismo ARA e não com a produção de estrogénio, situação típica da flutamida ou da bicalutamida. A primeira pode causar uma alteração dos níveis de hemoglobina enquanto a segunda pode dar origem a uma hepatite fulminante. Outro efeito adverso, neste caso da nilutamida, é a redução da capacidade de adaptação ocular às mudanças bruscas de luz, o que, a título exemplificativo, tende a causar acidentes de viação à entrada e saída de túneis. Felizmente, tende a ser uma situação temporária, que acaba por ser compensada pelo próprio corpo ao fim de sensivelmente seis meses. Em relação ao papel dos médicos e especialistas e ao que podemos fazer no carcinoma da próstata avançado, localizado e metastizado, há uma intervenção ao nível dos sintomas obstrutivos e no que respeita aos sintomas de dor associados à metastização óssea, algo frequente neste tipo de doentes, através da terapêutica antiandrogénica. No entanto, este tipo de doentes já não é assim tão frequente devido às alterações provocadas pelas terapêuticas PSA nos últimos 25 anos, que alteraram por completo a história natural da doença. O estudo 8091 da EORTC (European Organisation for Research and Treatment of Cancer) analisou o uso precoce de terapêutica antiandrogénica e os resultados alcançados remetem para um atraso na progressão da doença e um controlo das complicações, mas não há benefícios em termos de sobrevivência. Um outro trabalho muito interessante da EORTC, o 22961, foi desenhado para avaliar a diferença dos efeitos de uma terapêutica adjuvante antiandrogénica combinada com radioterapia por um período de seis meses e a terapêutica antiandrogénica também combinada com radioterapia, mas durante três anos. O fármaco maioritariamente utilizado foi a triptorrelina, seguido da bicalutamida. Os dados remetem favoravelmente para a utilização das terapêuticas a longo prazo, com efeitos adversos perfeitamente controlados, manutenção da qualidade de vida e, com particular importância, sem registo de aumento dos eventos fatais dos efeitos de toxicidade cardiovascular. Ou seja, em termos pragmáticos, a “estrogenização” do corpo não provoca um aumento dos eventos cardiovasculares fatais. Além disto, os resultados de eficácia apresentam-se mais vantajosos na terapêutica de longo prazo quando comparados com a de seis meses. resultados de alguns estudos que seguramente irão ser realizados. Os últimos desenvolvimentos e updates em termos de segurança a longo prazo irão, seguramente, ter uma particular incidência sobre a mortalidade de origem cardiovascular, bem como sobre os efeitos cardiovas- Um outro trabalho muito interessante da EORTC, o 22961, foi desenhado para avaliar a diferença dos efeitos de uma terapêutica adjuvante antiandrogénica combinada com radioterapia por um período de seis meses e a terapêutica antiandrogénica também combinada com radioterapia, mas durante três anos. O fármaco maioritariamente utilizado foi a triptorrelina, seguido da bicalutamida. Uma outra estratégia interessante é a aplicação da terapêutica antiandrogénica no doente com nódulos positivos que tenham sido submetidos a cirurgia, pois, a aplicação imediata da terapêutica antiandrogénica garante-nos melhores dados em termos de sobrevivência geral. É um procedimento perfeitamente estabelecido e aceite. A terapêutica antiandrogénica aplicada em doentes com nódulos positivos prostáticos, não se tratando de tumor sob forma localizada, pode ser um modo interessante de melhorar a qualidade de vida, mesmo que não se obtenha melhorias em termos de sobrevivência. A verdade é que esta opção terapêutica está sujeita a um conjunto variado de possibilidades, nomeadamente, em relação à sua utilidade, combinada ou em monoterapia, que está, neste momento, a ser avaliada e debatida. A prudência aconselha a que se aguarde os culares a longo prazo. Esta preocupação sustenta-se pelo facto de que a mortalidade cardiovascular tem sido um dos maiores problemas com que temos tido de lidar no que respeita às terapêuticas hormonais para o tratamento do cancro da próstata. Quando estamos na presença de uma fase independente dos androgénios, fase de escape hormonal, situação que pode ter origem em várias justificações, podemos obter algumas respostas imunológicas que podem originar casos de alergias e reduzir a actividade farmacocinética do medicamento. Nestes casos, é de extrema importância procedermos a medições constantes dos níveis de testosterona de forma a mantermos um controlo apertado e, desse modo, sabermos se conseguimos obter o nível de castração sérica a que nos propomos (abaixo dos 50 ng/mml). 05