questão social e seus reflexos sobre a juventude - cress-mg

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QUESTÃO SOCIAL E SEUS REFLEXOS SOBRE A JUVENTUDE: TRABALHO,
EDUCAÇÃO E VIOLÊNCIA.
Manuela Soares Silveira1
RESUMO
Enquanto fator intrínseco à legitimação do projeto político do neoliberalismo, temos o
fenômeno que Loïc Wacquant chama de “criminalização da pobreza”, o qual está presente em
nossa sociedade brasileira, em especial no contexto de crise do capital, em que são
engendrados processos para garantir sua manutenção e reprodução. Entre esses, a
reestruturação produtiva e o advento do neoliberalismo, que trouxeram amplas
transformações econômicas, políticas e sociais globais. Dentro desses aspectos, são os jovens
entre 15 e 29 anos os mais atingidos, os quais têm em suas vidas os reflexos da questão social
concretamente sentidos, em especial a educação precária e dual, o trabalho precário e precoce,
e a violência. Esse quadro se reflete nas juventudes do Brasil, principalmente nos jovens
pobres, negros, da periferia. É pelo foco da vulnerabilidade que entendemos que a violência
embora associada à pobreza, não é sua consequência direta, mas sim da forma como as
desigualdades sociais e a negação do direito ao acesso a bens e equipamentos de trabalho,
educação, lazer, esporte e cultura, se refletem nas especificidades de cada grupo social,
desencadeando comportamentos violentos. Nesse estudo nos utilizaremos da categoria
questão social, entendida na perspectiva do Serviço Social, que ao assumir uma postura
marxiana, permite compreender as desigualdades e seus reflexos nos homens enquanto parte
de um processo estrutural, resultados da forma de produção e apropriação do produto social,
em detrimento de análises responsabilizadoras e incapacitativas do indivíduo por suas
condições sociais, se constituindo enquanto uma categoria explicativa da totalidade social
(MACHADO, 1999). A autora mostra que a apropriação privada da produção social traz
diferentes consequências, entre elas o analfabetismo, a violência, o desemprego, a
favelização, a fome, o analfabetismo político, entre outros, que são expressões da questão
social que se materializam na vida dos jovens pobres, desempregados e sem estudo. Dessa
1
Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/FACIP)
Aprovada no mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Uberlândia, turma de 2016. Assistente Social da Secretaria Municipal de Assistência Social do município de
Capinópolis-MG.
1
forma, esses fenômenos são objetivações, materializações da questão social, a qual não se
torna visível, a não ser por suas expressões. Assim, buscaremos compreender de que forma o
contexto macrossocietário de neoliberalismo e reestruturação produtiva, traz seus reflexos
para as juventudes, principalmente aquelas da classe trabalhadora, das periferias das grandes
cidades, buscando construir um panorama dos jovens no Brasil, enfocando principalmente os
aspectos da educação precária e dual, do trabalho precoce e precário, e da violência, como
expressões da questão social.
Palavras-chave: Juventude; Criminalização da Pobreza; Questão Social; Trabalho;
Educação; Violência.
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I.
INTRODUÇÃO
O estudo que aqui pretendemos fazer, traz uma abordagem mais detalhada acerca do
Estado nas quatro últimas décadas, por entender que não é possível analisar o momento atual
que é de reestruturação produtiva, de profundas mudanças nas configurações políticas,
econômicas e sociais do Estado e o seu consequente enxugamento, da flexibilização dos
direitos sociais e desmonte de políticas públicas sem buscar suas determinações, e nem alijado
de suas raízes históricas, todos esses fenômenos são históricos, e por isso devem ser
analisados a partir desse viés, ou seja, devem ser localizados no tempo e no espaço. Mas
principalmente por esse contexto trazer seus reflexos para as juventudesi, principalmente
aquelas da classe trabalhadora, das periferias das grandes cidades, configurando as diversas
demandas e questões que permeiam a vida desses sujeitos.
As últimas décadas do século XX foram marcadas por mudanças sociais, econômicas,
políticas e culturais profundas em todo o mundo. Sem desconsiderar as especificidades e
particularidades de cada realidade social, é possível entrever transformações no modo de atuar
dos Estados, máximo em defesa dos interesses do capital e dos mercados, e mínimo para o
social. Dessa feita os mais atingidos são os sujeitos da classe trabalhadora, que apesar de suas
conquistas no âmbito dos direitos sociais, políticos e econômicos, tiveram esses
desregulamentados e fragmentados, em detrimento das transformações ocorridas no mundo
do trabalho, as quais tiveram por objetivo flexibilizar, precarizar e desmobilizar cada vez mais
esses segmentos.
II.
APARATO CRÍTICO
Por volta dos anos de 1970, quando as taxas de crescimento do Estado de Bem-estar
começam a cair, e o Estado começa a perder a capacidade de “exercer suas funções
mediadoras civilizadoras”, a reestruturação produtiva e as novas tecnologias “poupadoras de
mão-de-obra” começam a restringir a entrada das novas gerações no mercado de trabalho,
contrariando a máxima do pleno emprego, e as dívidas públicas e privadas crescem
rapidamente, recaindo na primeira grande recessão nos anos 1973 e 1974 (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 103).
Dessa forma, a crise capitalista propicia que os ideais neoliberais comecem a se
firmar, recomendando medidas que se propunham a garantir a estabilidade monetária e uma
solução para a crise, para a recessão e para o baixo crescimento econômico. Mas essas
medidas não foram efetivas nos seus objetivos, trazendo no lugar reflexos destrutivos para a
classe trabalhadora, com o aumento do desemprego, a destruição dos postos de trabalho não
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qualificados, a redução dos salários e dos gastos com as políticas sociais (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011).
Então, diante deste cenário o capital busca formas de garantir sua manutenção e
reprodução, o que se dá através da chamada reestruturação produtiva, juntamente com o
advento do neoliberalismo, da privatização e desmonte das funções produtivas do Estado, e da
desregulamentação dos direitos do trabalho (ANTUNES, 2009). Essas transformações
trouxeram diversas consequências, como o aumento das taxas de desemprego estrutural, os
processos de terceirização e flexibilização da força de trabalho, e o aprofundamento da
precarização das condições de vida e trabalho de amplos segmentos da classe trabalhadora.
(ibid).
Contudo, não é possível simplesmente “transpor” o modelo dos países do Norte
Global de neoliberalismo para a “periferia do capital”, como denominam Behring e Boschetti
(2011), onde se encontra o Brasil, pois essas sociedades têm suas particularidades históricas e
especificidades sociais, econômicas, políticas e culturais.
Assim, nos anos 1970, enquanto nos países centrais o projeto neoliberal era
implementado em suas diferentes formas, no Brasil o período era de Ditadura Militar, quando
houve uma ampliação do mercado interno, sem, no entanto, fazer a redistribuição efetiva dos
ganhos do desenvolvimento econômico promovido pela ditadura, através de uma intensa
internacionalização da economia brasileira (ibid).
No ano de 1974, esse projeto de modernização conservadora do período ditatorial
começa a se mostrar inviável e a transparecer seus primeiros sinais de esgotamento, como
consequência dos impactos da conjuntura econômica internacional, o que favorecerá a adesão,
ainda que tardia, do país às orientações e princípios neoliberais, que vai se refletir no
aprofundamento de problemas preexistentes à crise: “empobrecimento generalizado [...] crise
dos serviços sociais públicos num contexto de aumento da demanda em contraposição à não
expansão dos direitos; desemprego; agudização da informalidade da economia [...]” (p. 139).
Dessa forma, o contexto é de desresponsabilização do Estado para com suas funções
produtivas, em especial, as políticas sociais e, consequentemente, os direitos sociais. Tal
conjuntura afeta de forma direta a juventude brasileira, que tem seus direitos negados, suas
condições de vida e trabalho precarizados, em especial nos segmentos mais empobrecidos.
Diante da radicalização das desigualdades e insegurança sociais, há a expansão do aparato
penal, como instrumento de contenção e repressão das desordens geradas pelo
aprofundamento da insegurança social e da desigualdade trazidas pela crise e pelas “soluções”
tomadas pelo Estado para resolvê-la, muitas vezes por parte dos jovens, uma das lógicas que
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regem o projeto neoliberal, segundo Wacquant (2012). Ou seja, “o estado penal, insidioso,
expansivo e caro, não é um desvio do neoliberalismo, mas [sim] um de seus ingredientes
constitutivos” (p. 33, grifos do autor).
Em outras palavras, os reflexos da implantação do modelo neoliberal na
desregulamentação, desmonte e fragmentação das políticas sociais, e consequentemente dos
direitos, traz essas chamadas desordens e agitações sociais por vezes desencadeadas pela
“juventude da classe trabalhadora” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 187). A forma
utilizada pelo Estado neoliberal para lidar com esses processos se tornam a alternativa mais
econômica, e até rentável para “administrar a pobreza”, sem contrariar os interesses de
mercado, pois “Na realidade, não é o fracasso econômico, mas sim o sucesso econômico que
requer o emprego agressivo da polícia, dos tribunais e da prisão nos setores mais baixos do
espaço social e físico” (WACQUANT, 2012, p. 35).
Todavia, assim como não ocorreu com a implementação do Welfare-State ou do
neoliberalismo, a substituição direta de um Estado-social para um Estado-penal também não
aconteceu nos países da América Latina, pois a exclusão e desigualdade sociais na região são
traços históricos dessas sociedades, nas quais não existiu as redes de segurança social,
específicas do Estado de bem-estar dos países do Norte Global. São processos estruturais e
históricos, não suas consequências diretas, mas sim aspectos específicos do país, que são
agravados e aprofundados por esses processos. Entendemos assim, que no Brasil, a questão
social é e foi durante muito tempo tratada como caso de polícia e não de política pública.
Em consonância com as configurações dos Estados neoliberais dos países do Norte
Global, há no Brasil uma tendência de aumento dos gastos com prisões e polícias, e de
paralização dos gastos sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Partindo dessa análise,
identificamos a expansão do aparato penal do Estado, enquanto instrumento de segregação,
controle e modelação do comportamento dos segmentos mais atingidos por essas
transformações: a “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 2007), e naqueles, a juventude
pobre das periferias.
Um outro fenômeno decorrente dessas transformações implementadas nos últimos 40
anos, que é favorecido pela priorização da política de segurança penal por parte dos governos
em suas administrações, é a penalização da pobreza urbana. Esse processo é caracterizado por
Wacquant (2003), e denominado por ele de “criminalização da miséria” ou “criminalização da
pobreza”ii, quando propõe que a nova gestão da miséria se daria pela criminalização da
pobreza, acarretando um processo de encarceramento em massa nunca visto na história da
humanidade. Dessa forma, a criminalização da pobreza é percebida também pelo inchaço da
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população prisional, facilitado pelas tendências na política penal de aumento no tempo da
pena e facilitação da prisão, em oposição à restrição e seletividade maior das políticas
assistenciais, e redução da permanência nas mesmas (WACQUANT, 2012).
Iturralde (2012) traz dados do International Centre for Prison Studies (ICPS), do ano
de 2011, que mostram ser o Brasil um dos países da América Latina com as maiores taxas de
encarceramento, já que no ano de 2006 existiam no Brasil 253 reclusos por 100.000
habitantes. Segundo dados consolidados do Infopen/Departamento Penitenciário Nacional
(DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL - DEPEN, 2012), em dezembro de
2012 havia no Brasil 548.003 presos registrados no sistema e na polícia. Estimativa do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA - IBGE, 2012), aponta para uma população de 193.946.886 habitantes no
Brasil no ano de 2012. Dessa forma, a taxa de encarceramento no Brasil no ano de 2012 é de
aproximadamente 282 reclusos por 100.000 habitantes, um aumento de quase 12% em 6 anos.
Além disso, a ausência histórica de um sistema efetivo de segurança social, contribuiu
para que houvesse a ênfase em “uma lógica punitiva e ao uso da prisão como respostas
adequadas e necessárias perante populações problemáticas, particularmente os jovens
desempregados e sem educação que vivem em centros urbanos” (ITURRALDE, 2012, p.
186). A população penitenciária da região da América Latina tem um perfil predominante de
jovens do sexo masculino, com baixos níveis de educação e inserção no mercado de trabalho,
e que são presos por crimes, em sua maioria, de menor gravidade (ibid), e a resposta do
Estado para esses jovens que tiveram seus direitos denegados, é o encarceramento, mostrando
mais uma vez a “criminalização da pobreza” enquanto solução para a desigualdade e
insegurança sociais e a gestão e controle da miséria.
III.
ARGUMENTAÇÃO E ANÁLISE
Assim, partindo dessa contextualização, é possível fazer alguns recortes, tendo em
vista a multiplicidade, desigualdade e diversidade que permeiam as questões das juventudes.
Para isso vamos recuperar a categoria questão social e suas expressões (como o
analfabetismo, a violência e o desemprego) materializadas na vida dos jovens pobres,
desempregados e sem estudo, o que nos possibilitará uma análise mais conectada à totalidade
em que estão inseridos esses sujeitos, bem como de sua singularidade, e a identificação das
mediações necessárias para tal.
Nos interessa aqui o estudo de três condições que se caracterizam de forma particular
na vida desses jovens como expressões da questão social: o trabalho, a educação e a violência.
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São temas independentes, mas que se relacionam e se influenciam mutuamente, através de
determinações diversas, na trama do tecido social, caracterizando a complexidade da realidade
social desses sujeitos.
Waiselfisz (2014, p 19), traz dados recentes do Departamento de Informática do SUS,
do Ministério da Saúde (DATASUS/MS), que estimam existir no Brasil em 2012, um
contingente de 52,2 milhões de jovens na faixa dos 15 aos 29 anos de idade, ou seja, 26,9%
do total dos 194,0 milhões de habitantes estimados para o país.
O trabalho é condição formadora do ser humano e por consequência da sociedade, e o
distingue dos demais seres vivos, como disse Friederich Engels (2004) “Primeiro o trabalho, e
depois dele e com ele a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja
influência o cérebro do macaco foi-se transformando gradualmente em cérebro humano” (p.
4). Sendo assim o conceito de trabalho enquanto um direito, não deve ser reduzido a um mero
posto de emprego, forma que assume sob o capitalismo (FRIGOTTO, 2004), mas enquanto
condição fundamental de emancipação e formação do ser humano, forma de “criar e recriar
seus meios de vida” (ibid, p. 181), e, consequentemente, aspecto constituinte da identidade do
ser humano.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (2007) mostram um quadro de
profunda precariedade que atinge os jovens na América Latina e no Caribe (ALC). Dos 106
milhões de jovens na ALC, o desemprego atinge 16%, enquanto nos adultos esse índice é de
5%; 22 milhões (21%) de jovens não estudam nem trabalham, e mais de 30 milhões (18%)
trabalham na informalidade ou em condições precárias. Segundo a OIT (2007)
O que mais diferencia os jovens dos adultos é o tipo de emprego a que eles
têm acesso. Dois de cada três jovens trabalham em atividades informais,
onde freqüentemente (sic) a remuneração é menor que o salário mínimo e
sem cobertura da previdência social. Em termos de renda, uma jovem
ganha, em média, 56% do que um adulto percebe (p. 15).
Diante dessas condições precárias de emprego, e muitas vezes do desemprego, os
jovens buscam alternativas, as quais se encontram por vezes na informalidade, a qual
contribui também para a manutenção e reprodução do sistema capitalista, por meio de
processos que não cabem ser aprofundados aqui, ou nas práticas ilegais, o que não significa
um determinismo, de que os jovens pobres desempregados necessariamente irão cometer atos
infracionais.
7
Este amplo segmento populacional é também considerado marginalizado
economicamente, pois se encontra exercendo atividades de baixa
qualificação e remuneração na estrutura ocupacional e/ou atividades da
chamada ‘economia submersa’, que se caracterizam por não serem regidas
por uma ordem jurídica, sendo divididas em dois tipos: informal e ilegal. No
primeiro tipo encontram-se, por exemplo, o engraxate, o vendedor
ambulante, o guardador de automóveis, o lavador de carros que oferecem
serviços socialmente aceitos; já no segundo tipo, há o assaltante, o
contrabandista, o traficante sobre os quais incidem medidas repressivas de
caráter penal. Embora os limites entre estas ocupações possam parecer
tênues, não se justifica a imagem do pobre freqüentemente (sic) associada a
do (vir-a-ser) bandido. (MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E
MENINAS DE RUA (MNMMR).; INSTITUTO BRASILEIRO DE
ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS (IBASE).; NÚCLEO DE
ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
(NEV/USP), 1991, p. 44 e 45).
Além disso, Frigotto (2004) diz que há uma inserção precoce no trabalho por parte dos
jovens pobres, que têm de abandonar os estudos, para complementar a renda dos pais. Diz
ainda que essa precariedade, no que diz respeito à inserção precoce, à qualidade das
ocupações e o nível de remuneração, atinge mais fortemente os jovens negros. Assim, levando
em consideração a precarização do trabalho dos jovens, e o abandono dos estudos por parte
desse grupo em decorrência do mesmo, é importante compreender como se dá a inserção dos
mesmos na educação.
Da mesma forma como o conceito de direito ao trabalho deve ser revisto, assim
também é o direito à educação. Esta deve ser emancipadora, com finalidades sociopolíticas,
inserida na prática social concreta (LIBÂNEO, 1983), que articule ciência/conhecimento,
cultura e trabalho, e não se defina “por uma vinculação imediata e pragmática, nem com o
‘mercado de trabalho’ nem com o ‘treinamento’ para o vestibular” (FRIGOTTO, 2004, p.
208).
Como podemos ver no Quadro 2, que trata da escolaridade dos jovens no Brasil, as
faixas etárias que este abrange são aquelas correspondentes ao tempo de frequência dos
ensinos médio e superior. Por concordar com Frigotto (2004), nos utilizaremos de sua
análiseiii sobre esses dados. Dos jovens de 15 a 29 anos apenas 35,8% frequentavam a escola
da alfabetização à pós-graduação, ou seja, a maioria dos jovens dessa faixa etária (64,1%) já
estava fora da escola, desses, apenas 812.854 (1,58%) nunca frequentou creche ou escola.
Contudo, do grupo de idade de 15 a 19 anos, 10.357.874 jovens (60,9%) têm de 15 a 17 anos
(IBGE, 2010a), idade regular para cursar o ensino médio, contudo mais de 1 milhão de jovens
(16,67%) que deveriam estar cursando esse nível de ensino nem sequer estão na escola.
8
QUADRO 2
Jovens que frequentavam a escola por nível de ensino e grupo de idade no Brasil
Grupo de idade
15 a 19
20 a 24
25 a 29
Nível de ensino
anos
anos
anos
Total
Alfabetização de jovens e adultos
106.253
64.511
67.630
238.394
Educação de jovens e adultos do ensino
fundamental
558.746
157.939
129.562
846.247
Ensino Fundamental
3.265.641
406.319
231.106 3.903.066
Educação de jovens e adultos do ensino médio
611.336
364.329
217.092 1.192.757
Ensino Médio
6.101.871
852.206
383.682 7.337.759
Superior graduação
941.375 2.332.882 1.180.558 4.454.815
Especialização de nível superior
22.406
119.754
169.000
311.160
Mestrado/Doutorado
2.715
33.558
68.284
104.557
Não frequentavam, mas já frequentaram escola
ou creche
5.204.763 12.632.245 14.291.951 32.128.959
Nunca frequentaram
171.682
277.120
364.052
812.854
Total de jovens por grupo etário
16.990.872 17.245.192 17.104.414 51.340.478
Elaboração própria
Fonte: Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010a)
Aqui novamente a desigualdade entre jovens brancos e negros se reforça. Ainda pelos
dados do IBGE do ano de 2010, dos jovens de 15 a 29 anos havia 21,6% de brancos sem
instrução ou com o fundamental incompleto, contra 36,8% de pretos e pardos; além disso
enquanto havia 10% de brancos com superior completo, apenas 3,1 % de pretos e pardos
chegaram a esse nível de instrução; com relação ao ensino médio, 18% dos jovens brancos de
20 a 29 anos que deveriam ter completado esse nível não conseguiram, contra 22,6% de
jovens pretos e pardos. O preconceito racial e a exclusão desses segmentos no Brasil se
reforça quando o direito é a educação, contudo mesmo sem a diferenciação da cor ou raça, são
altas as quantidades de jovens que não conseguem alcançar a escolarização proposta para sua
idade, em especial aqueles das classes mais vulneráveis, e isso se dá por diversos fatores.
No entanto, primeiro é preciso problematizar que somente o acesso à escola não
garante uma educação de qualidade. Para Frigotto (2004) são três fatores que se associam para
penalizar a juventude da classe trabalhadora: primeiro, a escola pública, uma escola de acordo
com a classe social, que deve oferecer um ensino mais rápido e profissionalizante no sentido
estrito de treinamento (concepção de educação para o mercado), a qual possui iniciativas
focalizadas em setores populares, pontuais, de curta duração e voltadas para a inclusão social
de jovens via a capacitação profissional; segundo, o desmonte da escola básica, que deixa de
ser direito e passa a ser filantropia; e, por fim, a adoção da ideologia mercadológica, a
pedagogia das competências e da empregabilidadeiv, sob a qual os trabalhadores com pouca
ou nenhuma escolaridade são classificados como “inimpregáveis”, desconsiderando os
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aspectos macrossocietários de exclusão de classe (com a apropriação privada do produto
social pelo capital) e as transformações do mundo do trabalho (como o desemprego estrutural,
a flexibilização e precarização do trabalho), que responsabiliza esses jovens por sua situação
de vítima dentro de uma situação que é estrutural.
Outra expressão da questão social que atinge a juventude é a violência. Violência que
parte do Estado, que parte da própria sociedade, e até da mídia e que se materializa nos altos
índices de homicídio praticados contra jovens, especialmente jovens negros das classes mais
desfavorecidas, e que vêm aumentando ao longo das duas últimas décadas como se verá a
seguir (MINAYO, 1994; MNMMR; IBASE; NEV-USP, 1991; WAISELFISZ, 2014).
Contudo, é importante ressaltar que, tendo por base nossa perspectiva de análise
teórico-metodológica, entendemos que não se trata aqui de vitimizar o jovem pobre, o
colocando como “pobre oprimido”, já que estaríamos desconsiderando sua condição de
sujeito, que tem capacidade de se organizar e superar a opressão e violência que sente no seu
cotidiano, mas acreditamos que mesmo com as posições contrárias dos meios de comunicação
de massa, da mídia e dos órgãos de segurança pública “parece cada vez mais se configurar
como um fato aparente e presente que o pobre é muito mais vítima do que algoz das formas
de criminalidade violenta, entre elas, e principalmente, a do tráfico de drogas e a da ação dos
grupos de extermínio” (MNMMR; IBASE; NEV-USP, 1991, p. 46).
Nesse sentido, utilizaremos a concepção de violência enquanto um dos complexos da
totalidadev, permeado de determinações e contradições. Assim, a violência é também
estrutural, e por isso está atrelada ao modo de produção vigente, serve à sua reprodução, e
permeia as relações sociais que o sustentam, sendo muitas vezes alternativa de sobrevivência.
É o que Behring e Boschetti (2011) chamam de “violência que vem de cima” e que,
segundo elas, é estrutural sobre os pobres, se construindo de três elementos combinados: “o
desemprego, o exílio em bairros decadentes e a estigmatização na vida cotidiana, em geral
associadas às dimensões étnico-raciais e de gênero” (p. 187).
Dessa forma, a violência, seja por parte do Estado ou da mídia, contribui de maneira
significativa para a reprodução e fortalecimento do modelo de desenvolvimento capitalista,
graças a fenômenos que aparentemente são independentes, mas que na verdade estão
profundamente relacionados e articulados a ele. Um desses fenômenos é o narcotráfico.
Segundo Oliveira (2007 apud LUCENA et al., 2010), o narcotráfico, juntamente com
o crime organizado nos padrões do capital, são o escoadouro para o desemprego. Em especial
para os jovens, que como já foi dito, são os mais atingidos pela reestruturação produtiva, e são
10
um segmento populacional marginalizado economicamente, pois se encontra exercendo
atividades de baixa qualificação e remuneração na estrutura ocupacional, assim
[...] A rentabilidade desse comércio é muito superior ao de qualquer outra
atividade econômica, lícita ou ilícita [...] Estima-se que a entrega de drogas
ilícitas em domicílio no Brasil gere oportunidades de emprego para
aproximadamente 20 mil "aviõezinhos". Esses entregadores são, em sua
maioria, adolescentes na faixa etária dos 10 aos 16 anos, cujo salário mensal
varia de US$150 a US$200 [...] As oportunidades de emprego no setor
formal para adolescentes de baixa escolaridade, principalmente negros, são
muito limitadas. Além desses 20 mil adolescentes que já trabalham como
entregadores de drogas, milhares de outros estão esperando por uma
oportunidade de entrar nesse negócio altamente lucrativo. (ONU, 2005, p. 2
apud LUCENA et al., 2010, p. 44)
Há uma hierarquia vertical no tráfico de drogas nas favelas, e esses jovens são
geralmente recrutados para o nível mais baixo, especialmente para serem vigias dos pontos de
venda, com o tempo eles podem progredir nessa hierarquia, mas poucos são os sobreviventes:
[...] Quando um traficante no morro não gosta do trabalho de uma criança ou
acha que ela pode se tornar uma testemunha perigosa, ela é simplesmente
assassinada. Dos quase 50.000 homicídios registrados a cada ano,
correspondendo a uma taxa de 27 em cada 100 mil pessoas, uma grande
proporção está relacionada ao tráfico de drogas. Esses homicídios envolvem
principalmente jovens na faixa etária dos 15 aos 25 anos e sua taxa varia
muito entre os diferentes estados (ONU, 2005, p. 2 apud LUCENA et al.,
2010, p. 43).
Segundo Minayo (1994), o principal grupo de risco, vítima da violência homicida é “a
população jovem, de baixa renda, baixa qualificação profissional e sem perspectivas no
mercado de trabalho formal, vivendo nas Regiões Metropolitanas. São membros das camadas
sociais em total exclusão [...]” (p. 14). Ou seja, a juventude de que falamos acima, que sofre
com os reflexos da questão social, como o trabalho precário e precoce, e a educação precária e
dual, sofre também com outro reflexo que é a violência.
Isso é referendado por Borges e Cano (2012), em documento sobre o Índice de
Homicídios na Adolescência (IHA) dos anos 2009 e 2010. Os autores vêm mostrar quais os
riscos relativos, a probabilidade, de determinado grupo ser vítima de homicídios. Sua análise
é feita a partir da comparação entre as taxas de homicídio de dois grupos diferentes,
dividindo-se se um pelo o outro: “quando o risco é superior a 1, isso significa que o primeiro
grupo tem uma maior probabilidade de ser vítima de homicídios, e, quando ele é inferior a 1,
11
ocorre o contrário” (p. 59). Para calcular o risco relativo no Brasil junta-se o conjunto das
populações de todos os municípios com mais de cem mil habitantes.
A análise dos autores mostra que no Brasil os jovens têm um risco muito maior de
serem vítimas de homicídios do que os demais segmentos, pois enquanto na faixa etária de 011 anos o risco é de 0,03 nos anos de 2009 e 2010, para os jovens de 19-24 anos esse risco é
de 2,31 no primeiro ano e 2,10 no segundo, e na faixa dos 25-29 anos é de 1,80 e 1,65
respectivamente, índice que decresce na medida que se aumentam as idades. No que diz
respeito ao sexo, o risco relativo para os homens em 2009 foi 12,37, e em 2010 o risco
estimado foi 11,52. Ou seja, um adolescente do sexo masculino possui um risco
aproximadamente doze vezes maior de ser vítima de homicídio do que uma adolescente do
sexo feminino. Waiselfisz (2014) também traz esses dados, quando mostra que 93,3% das
vítimas de homicídio jovens são do sexo masculino, e a taxa de crescimento no período
1980/2012 é de 199% a masculina, e 113,0% a feminina, ou seja, 14 vezes a mais.
Com relação à raça, Borges e Cano (2012) consideram pretos e pardos como uma
única população, bem como brancos e amarelos, e o risco é calculado a partir da razão entre a
taxa dos homicídios da primeira (numerador), e a taxa da segunda (denominador); no Brasil o
risco foi de 2,99 em 2009 e 2,78 em 2010, ou seja, é de quase três vezes maior o risco de ser
vítima de homicídio de um adolescente negro ou pardo do que de um adolescente branco ou
amarelo. Waiselfisz (2014) também coloca pretos e pardos numa só população: a negra, e
mostra que no período de 2002 a 2012, o que se percebe é uma acentuada tendência de queda
(24,8%) no número de homicídios da população branca e de crescimento (38,7%) no número
de vítimas na população negra, inclusive na população jovem.
Sobre o risco relativo por meio utilizado para o homicídio, o resultado trazido por
Borges e Cano (2012) é de que a partir da razão entre a taxa de homicídios causados por arma
de fogo (numerador) e a taxa de homicídios causados por outros meios (denominador), tem-se
um índice de 6,17 em 2009 e 5,63 em 2010, ou seja, um adolescente possui um risco
aproximadamente seis vezes maior de ser assassinado com uma arma de fogo do que por
outros meios (p. 60-65). Assim, tem-se o perfil da vítima de maior risco dos homicídios no
Brasil: homens, negros, jovens mortos por arma de fogo, referendando a afirmação de Minayo
(1994) sobre o principal grupo de risco vítimas da violência homicida.
Apesar de saber que temos outras, enfatizamos algumas possíveis causas para esse
fenômeno, as quais estão em Minayo (1994). Segundo a autora o grande número de
homicídios contra jovens pode se dar pelos altos índices de desigualdades sociais, que se
aprofundaram ainda mais a partir da década de 80; pela omissão do Estado e ineficiência do
12
mesmo no investimento em políticas sociais básicas; pelas contradições urbanas e de políticas
no campo; e, agravando essa situação estrutural, pela organização do crime em torno do
narcotráfico e do uso de drogas nos grandes centros urbanos, fenômeno que atrai grandes
contingentes de jovens.
IV.
CONCLUSÕES
É preciso reforçar que não pretendemos fazer apologia à vitimização dos jovens,
desconsiderando que esses são por vezes também sujeitos da violência, mas sim ter uma
perspectiva dialética do fenômeno, evitando abordagens responsabilizadoras, naturalistas, que
desconsideram os aspectos macrossocietários em que está inserido esse grupo.
Diante do panorama atual da juventude brasileira, percebe-se que há ainda muitas
lacunas no atendimento das demandas e necessidades desse segmento, enquanto sujeitos de
direitos, por meio das políticas sociais. Assimilando que essas questões enfrentadas pelos
jovens pobres da classe trabalhadora, como o trabalho precoce e precário, a educação dual e a
mutilação de direitos, são parte da configuração atual do capitalismo e dos aspectos históricos
e culturais da sociedade brasileira, é possível desnaturalizar esses problemas (FRIGOTTO,
2004). O entendimento de que aqueles são expressões da questão social, possibilita a não
adoção de uma perspectiva moralista e individualista na sua compreensão, à qual nos
contrapomos, por entendermos que tal perspectiva prevê a adaptação do jovem à sociedade, e
a internalização de seus valores, concepção com a qual não concordamos, pois desconsidera
esses aspectos macrossocietários, e incapacita e oprime o jovem, desconsiderando sua
situação de sujeitos de direitos.
Nesse sentido, é preciso encontrar alternativas que deem ao jovem oportunidades de
crescimento, de qualidade de vida, numa perspectiva de direito, de forma a superar esses
problemas, mas não pontualmente, e sim numa perspectiva de totalidade, atingindo as suas
determinações. A juventude demanda políticas públicas efetivas, que garantam seu status de
sujeitos de direito, e que possibilitem a esse grupo uma real emancipação social, tendo por
base uma política social que tenha por princípio a participação de seus atores, o controle
social, a democracia e a liberdade. Como vimos, são questões estruturais e históricas no país,
que terão de ser enfrentadas pelas políticas públicas de forma emergencial, por serem
urgentes, mas concomitantemente com reformas estruturais.
13
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14
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http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil.pdf>. Acesso em: 22
jul. 2014.
i
No Brasil, a partir da aprovação do Estatuto da Juventude, ocorrido em agosto de 2013, delimitou-se
‘jovens’ àqueles e àquelas entre 15 e 29 anos (CFESS, 2014, p. 2), definição a qual utilizamos nesse trabalho.
ii
Esse conceito é trazido pelo autor para caracterizar a maneira utilizada pelas autoridades norteamericanas para lidar e “conter o fluxo crescente das famílias deserdadas, dos marginais das ruas, dos jovens
desocupados e alienados e a desesperança e a violência que se intensificam e se acumulam nos bairros”,
fenômenos pelos quais tais autoridades são amplamente responsáveis (WACQUANT, 2003, p. 27). Diante disso,
15
elas decidiram desenvolver suas funções repressivas até a hipertrofia, transformando os serviços sociais em
instrumento de vigilância e controle desses segmentos considerados “classes perigosas”, e recorrendo maciça e
sistematicamente ao encarceramento desses mesmos segmentos (ibid).
iii
O autor faz uma análise com os dados sobre o nível de escolaridade dos jovens no ano de 2004. Por
isso nos utilizamos dela aqui, mas com os dados atualizados.
iv
Ideologia que prega que a qualificação profissional e o adquirir competências consideradas adequadas
pelo mercado é suficiente para garantir a conquista de um emprego, efetivando “a interiorização e subjetivação
de que o problema depende de cada um, e não da estrutura social, das relações de poder” (FRIGOTTO, 2004, p.
197).
v
Segundo Lukács (apud NETTO, 1996), a totalidade é um complexo de complexos. Em outras
palavras, a totalidade é “constituída de complexos com maior ou menor grau de complexidade; ou seja: trata-se
de uma complexidade de segundo grau – da totalidade em si e dos complexos que a constituem” (NETTO, 1996,
p. 81).
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