UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS/ UNIFAL - MG ANDRÉA VIEIRA MEGDA Crédito e bancos no sul de Minas Gerais: reconstituição da história econômica da região em sua transição para o capitalismo. VARGINHA/MG 2016 ANDRÉA VIEIRA MEGDA Crédito e bancos no sul de Minas Gerais: reconstituição da história econômica da região em sua transição para o capitalismo. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para conclusão do curso de Ciências Econômicas Controladoria Federal de com pela Alfenas Ênfase em Universidade – Campus Varginha. Orientador: Thiago Fontelas Rosado Gambi. VARGINHA/ MG 2016 ANDRÉA VIEIRA MEGDA Crédito e bancos no sul de Minas Gerais: reconstituição da história econômica da região em sua transição para o capitalismo. A banca examinadora, abaixo-assinada, aprovam o Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria pelo Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas - campus Varginha. Aprovada em: Prof. Thiago Fontelas Rosado Gambi Universidade Federal de Alfenas – campus Varginha Assinatura: Prof. Bruno Aidar Costa Universidade Federal de Alfenas – campus Varginha Assinatura: Prof. Roberto Pereira Silva Universidade Federal de Alfenas – campus Varginha Assinatura: RESUMO Na primeira metade do século XX o estado de Minas Gerais experimentou uma expansão do sistema bancário acompanhado de um desenvolvimento da região, que até então era dependente da província do Rio de Janeiro, no que se refere aos aspectos bancários. Estudos já foram realizados com o intuito de identificar a origem dos bancos na região do sul de Minas Gerais e justificar este crescimento, porém a historiografia sobre os bancos mineiros ainda é pouco desenvolvida e os trabalhos destinados a entender as transformações ocorridas no setor bancário em Minas Gerais no final do século XIX e início do XX ainda são muitos divergentes. Este trabalho consiste na adaptação de uma pesquisa de Iniciação Cientifica com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa – FAPEMIG, que buscou explorar e identificar, através de uma analise bibliográfico, os diversos caminhos percorridos que impulsionaram o desenvolvimento do setor bancário no Sul de Minas Gerais, desde seu surgimento até a sua consolidação. Sumário 1. Introdução ............................................................................ 5 2. O Desenvolvimento do Setor Bancário Brasileiro ................. 8 3. A Origem do Bancos Mineiros ............................................ 11 4. A Criaçao dos Bancos no Sul de Minas .............................. 14 5. Considerações Finais ......................................................... 26 6. Referências Bibliográficas .................................................. 26 5 1. Introdução A Revolução Industrial teve inicio em meados do século XVIII e, a partir desse período, surgiram as condições de possibilidade de consolidação de um sistema econômico em que o capital se concentrava na busca de um excedente cada vez maior (HOBSBAWM, 1979). Com a expansão do processo produtivo, também surgiu à necessidade de se desenvolver um sistema financeiro que fosse capaz de satisfazer uma demanda nova por crédito, favorecendo assim a acumulação de capital e o crescimento da economia. Com o propósito de facilitar as transações financeiras, os bancos surgiram para oferecer crédito aos capitalistas ou negociantes. De acordo com Cairu, os negociantes no império seriam aqueles que empregavam grandes fundos em tráficos e manufaturas, colocando em rápido movimento e extensão a indústria nacional. São “os que fazem comércio de especulação, bancos e seguros, e precisam de grande penetração, sagacidade, inteligência teórica e prática para bem calcularem as circunstâncias vantajosas aos negócios que projetam” (LISBOA, 1874, p.510). Esses negociantes estavam dispostos a investir na economia mercantil nacional, proporcionando uma ampliação de vários de seus setores. Tornaram-se assim, instituições importantes para o crescimento econômico e para o fornecimento de crédito no país. Embora houvessem instituições ofertantes de crédito no período colonial, pode-se dizer que o marco inicial da história bancária do Brasil se deu em 12 de outubro de 1808, com a publicação do alvará de criação da primeira instituição bancária no país, o Banco do Brasil, com características de um banco de crédito que tinha como finalidade financiar as despesas do Estado ( FRANCO & PACHECO, 1979; FREIRE, 1907; VIANA, 1926). Com a extinção do primeiro Banco do Brasil, em 1829, e da tentativa fracassada de 1833, não havia um banco oficial no país que pudesse promover o crédito e ajudar o governo na solução dos problemas monetários. Em 1838 foram apresentados os estatutos do Banco Comercial do Rio de Janeiro, porém sua aprovação ocorreu somente em 1842. Devido à falta de interesse por parte do governo em relação aos bancos, iniciativas de caráter privado começaram a surgir 6 com o propósito de solucionar o problema de escassez de meio circulante e de ofertar crédito que atingia os comerciantes. No período que se estende de 1838 a 1850 diversas instituições financeiras surgiram, entre elas o Banco do Ceará (18361839), o Banco Comercial do Rio de Janeiro (1838), o Banco Comercial Bahia (1845) e o Banco Comercial do Maranhão (1847), proporcionando assim casas de crédito que, se não chegavam a constituir um sistema bancário, serviam como um estímulo à economia mercantil brasileira. Especificamente no estado de Minas Gerais, até meados do século XIX o sistema bancário ainda era precário. Somente em 1° de janeiro de 1819 foi que se instalou no estado o seu primeiro banco, a caixa filial do Banco do Brasil, em Vila Rica, que possuía como função única a compra de ouro e prata (BESSA, 1981). Depois foi criada uma caixa econômica em Ouro Preto, em 1838, e uma nova caixa filial do Banco do Brasil, em 1856. Em 1860 foi inaugurado em São João Del Rei um dos primeiros estabelecimentos de crédito de iniciativa particular do Brasil, a Casa Bancária Custódio de Almeida Magalhães & Cia. Já na última década do século XIX é criado em Minas Gerais o Banco de Crédito Real de Minas, com sede na cidade de Juiz de Fora, cuja assembléia de instalação ocorreu em 23 de janeiro de 1889. Posteriormente foi instalado na capital mineira, em 11 de junho de 1922, o Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais. Estes dois bancos tiveram uma ligação muito grande com estado, servindo e amparando diversas atividades agrícolas, inclusive o próprio café (COSTA, 1978). Na região do sul de Minas Gerais, o sistema bancário começou a se desenvolver a partir da década de 1910, quando se observa o surgimento de muitos bancos em diversas cidades da região, entre eles o Banco de Guaxupé (1909), Casa Bancária Alves Pereira e Cia (1915), Banco Santaritense (1917), Banco de Monte Santo SA (1918), Casa Bancária Campos Lima e Cia (1921), Casa Bancária Alves Pereira e Cia (1921), Banco Machadense (1921),Casa Bancária Odilon Freire e Cia (1922), Ferreira Alves e Cia Ltda (1922), Banco J.O Rezende e Cia (1922), Casa Bancária Lima, Bernardes, Forli e Cia (1922), Banco Popular do Sul de Minas (1924), Banco Comercial e Agrícola A.C Pinho e Cia Ltda (1924), Casa Bancária Alves Lima e Cia (1924). 7 Não é possível afirmar categoricamente a relação entre bancos e desenvolvimento econômico, pois existem duas concepções predominantes que estabelecem relações de causa e efeito simetricamente opostas. Hugh Patrick (1996) denominou essas duas concepções predominantes de “demand following” e “supply leading”, onde entre essas, existem as concepções que tentam negar a relação de bancos e desenvolvimento (MODIGLIANI, 1958 ; MILLER, 1958) e as que tentam demonstrar que esta relação seria total, pois não seria possível instituir uma relação de causa e efeito, sendo que o processo para se chegar ao desenvolvimento econômico seria duplamente determinado (GOLDSMITH, 1969). Muitos estudos já foram realizados com o intuito de identificar a origem dos bancos na região e justificar este crescimento, porém a historiografia sobre os bancos mineiros ainda é pouco desenvolvida e não conclusiva em muitos de seus aspectos. Os trabalhos destinados a entender as transformações ocorridas no setor bancário em Minas Gerais no final do século XIX e início do XX ainda são muitos divergentes. Levando em consideração que o desenvolvimento dos bancos em Minas Gerais não possui ainda uma historiografia consolidada, e que estudos nesta temática ainda são escassos na historiografia mineira, e que o Sul de Minas Gerais é uma região pouco explorada nessa historiografia, com o intuito de contribuir para concretização desta temática este trabalho pretende responder quais são os aspectos ao longo do século XIX que influenciaram no desenvolvimento do setor bancário no Sul de Minas? Este trabalho pretende recuperar, a partir da historiografia sobre os bancos de Minas Gerais, alguns aspectos da história dos bancos no sul do estado que influenciaram no desenvolvimento do setor bancário mineiro, especificamente no Sul de Minas Gerais. Na visão de Flávio Saes (1986), o crédito não possui um papel determinado no processo de desenvolvimento econômico e esse papel que ele desempenha na economia depende muito da especificidade de cada processo. É na tentativa de captar essa especificidade para o sul de Minas que se enquadra este trabalho. O crescimento do sistema bancário no sul de minas na sua transição para o capitalismo ainda foi pouco explorado, sendo que os trabalhos voltados para esse setor, mas referentes ao estado de Minas Gerais como um todo apresenta conclusões divergentes. A pesquisa propõe identificar os caminhos que o Sul de Minas percorreu, na passagem do século XIX para o XX, para se chegar na consolidação do seu sistema 8 bancário. Sendo assim ela está dividida em três partes. Na primeira, são feitas considerações sobre o desenvolvimento dos bancos no território brasileiro, observando como os bancos, além de outros elementos, ajudaram o desenvolvimento financeiro do país. Na segunda, os bancos da região mineira são brevemente analisados, no contexto mais amplo da dinâmica bancária do estado de Minas Gerais. Finalmente, na terceira parte, são apresentadas características gerais de bancos fundados nas principais cidades do sul de Minas. 2. O Desenvolvimento do Setor Bancário Brasileiro O sistema financeiro é formado por um conjunto de instituições, formais e informais, que tem por finalidade oferecer aos indivíduos serviços e produtos financeiros. Como vimos à relação entre bancos e desenvolvimento econômico não é simples, mas é possível afirmar que o sistema financeiro pode estimular o crescimento econômico, já que este proporciona condições para o financiamento de projetos que exigem investimentos altos, de longo prazo de maturação e de risco elevado (ALCÂNTARA, 2010). O sistema bancário é parte do sistema financeiro. Atualmente, o sistema bancário nacional pode ser compreendido como aquele conjunto de instituições monetário-financeiras, públicas e privadas, que agem no atacado ou no varejo, oferecendo créditos tanto para o financiamento, quanto para o consumo. Embora o primeiro banco do Brasil tenha sido criado em 1808 e novos bancos tenham surgido na década de 1840, Nozaki (2009) diz que, no Brasil, essa formação inicia-se com a reforma bancária da década de 1920 e sua evolução só ocorreu a partir da expansão bancária da década de 1950. De fato, seria exagerado falar em sistema bancário brasileiro na primeira metade do século XIX, no entanto, o aparecimento dos bancos apoiou o funcionamento da economia mercantil nacional. A chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil em 1808 gerou novas demandas ao mercado interno. A região do sul de Minas, que já se havia se especializado no fornecimento de gêneros alimentícios de primeira necessidade, aproveitou a crise da mineração para aprofundar essa especialização e expandir o seu mercado, vendendo inclusive para a Corte (LENHARO, 1979). O ano de 1808 foi marcado, não só pela vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, mas também pelo inicio da história bancária no Brasil, pois em 12 de outubro foi 9 publicado o alvará de criação do primeiro banco que viria a funcionar no país. O primeiro Banco do Brasil era definido como uma instituição que possuía amplas atribuições, já que operava como banco de depósitos, de desconto, de emissão e de câmbio ( FRANCO & PACHECO, 1979; FREIRE, 1907; VIANA, 1926). Devido à má administração e a emissão desregulada de notas, o primeiro Banco do Brasil teve sua extinção aprovada em 23 de setembro de 1829. Porém como previa a lei o banco só se extinguiria em 20 de dezembro do mesmo ano, dia em que completaria exatos vinte anos de funcionamento. Com a extinção do primeiro Banco do Brasil, iniciou-se uma discussão com o propósito de se criar um novo banco oficial, porém ao contrário do primeiro este banco teria como finalidade auxiliar o governo a solucionar os problemas relacionados com o meio circulante e, conseqüentemente, estabilizar o valor da moeda nacional (GAMBI, 2010). Alguns anos se passaram até que novos bancos se formassem no Brasil e, em meados do século XIX, fosse possível a expansão da atividade bancária (ALMEIDA, 2010). Entre as décadas de 1830 e 1840, foram criados, tanto na Corte como nas províncias, bancos privados, todos eles emissores de vales. Dentre estes novos bancos, destacavam-se os dois maiores, que eram o Banco Comercial e o Banco do Brasil, de Irineu Evangelista de Souza, ambos localizados na Corte. Esses dois bancos se fundiriam, em 1853, para formar um novo Banco do Brasil, com monopólio de emissão no império. Em seguida vinham os bancos das províncias da Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará (GAMBI, 2010). A década de 1850 também foi decisiva para a história econômica do país, uma vez que se observou neste período o primeiro surto de exportação de café (PELÁEZ & SUZIGAN, 1981). Porém neste contexto de aumento das exportações de café, nota-se uma escassez de créditos para os setores produtivos nacionais. Com a crise de 1864 e o inicio da guerra do Paraguai o governo passou a depender das emissões do Banco do Brasil para financiar suas despesas, criando uma relação de ambigüidade com o banco. Ao mesmo tempo em que restringia suas emissões, autorizava o aumento na medida exata dos títulos que o próprio governo lhe enviava. Diante desse cenário, em 12 de setembro de 1866 foi criada a lei 1.349, que previa um acordo entre o Banco do Brasil e o governo, onde este retirava o direito de emissões do Banco do Brasil. Desta maneira a emissão voltaria ser de responsabilidade do governo por meio da caixa de amortização (GAMBI, 2010). 10 Com a Proclamação da República em 1889, o país iniciou uma fase de agitação econômica. Foi estabelecida uma nova legislação financeira (lei bancária de 1890), posta em prática pelo então ministro da fazenda Rui Barbosa, que acabava com as leis bancárias do período imperial, adequando a antiga regulação financeira ao novo contexto econômico do país. Com isso o governo esperava ampliar a rede bancária e consolidar bancos de emissão regionais no país. A conseqüência dessa reforma seria a expansão do crédito bancário, com a finalidade de desenvolver a economia e possibilitar a criação de recursos suficientes para prover remuneração do trabalho assalariado no campo, uma vez que a escravidão havia sido abolida um ano antes, ainda no império. Desta forma o aumento do meio circulante seria capaz de atender a grande demanda dos cafeicultores por créditos, possibilitando também o fornecimento de recursos necessários para a constituição, ampliação e diversificação das demais atividades produtivas do país (CHAVANTES, 2004). A nova lei bancária resultou numa multiplicação bancária, ou seja, fez com que o números de agências triplicasse, promovendo uma expansão no setor bancário (PIRES, 2009). Porém no período que se estende de 1890 a 1914 não houve no país condições estruturais para a consolidação de um sistema bancário brasileiro, pois antes da abolição (1888) e da república (1889), a falta de mercado de trabalho e a inexistência da burguesia agiram como obstáculos para o avanço moderno da industrialização e da urbanização, desse modo impossibilitando a ampliação da circulação de crédito e da moeda na escala necessária ao desenvolvimento do capital (NOZAKI, 2009). A falta de articulação entre empresas e bancos fez com que o sistema bancário brasileiro servisse apenas de intermediário entre as empresas nacionais e o crédito externo (TAVARES, 1999). Em relação ao crédito para o consumo, ao longo de sua historia da evolução dos bancos e do crédito, o Brasil enfrentou os limites de um país que possuía uma das piores concentrações de renda e de riqueza e uma das maiores dimensões populacional e territorial do mundo (COSTA, 1978). Se no império eram as velhas oligarquias que controlavam e influenciavam o governo, agora na República Velha (1889-1930) serão os cafeicultores do Oeste de São Paulo e de Minas Gerais que tomariam a frente, tornando-se o setor mais moderno e dinâmico da elite rural brasileira. O Coronelismo deve ser lembrado aqui, como maneira de ressaltar como o estado de São Paulo e Minas influenciaram as estruturas políticas e econômicas da época. 11 Assim a economia brasileira, nas três primeiras décadas do século XX, era baseada na agricultura e no latifúndio, com alguns centros urbano-industriais. A crise do café que ocorreu a partir de 1897, combinando superprodução e queda dos preços e, posteriormente, mantendo uma tendência declinante nos preços até 1910 (COSTA, 1978), serviu para que essas oligarquias criassem políticas voltadas para a valorização do produto, ou seja, políticas voltadas para o setor interno do país. Desta maneira notase que houve uma necessidade de expandir o crédito no país. 3. A origem dos Bancos Mineiros Somente em 1° de janeiro de 1819 foi que se instalou no estado o seu primeiro banco, a caixa filial do Banco do Brasil, em Vila Rica (BESSA, 1981). Posteriormente veio a ser criada uma caixa econômica em Ouro Preto, em 1838, e uma nova caixa filial do Banco do Brasil, em 1856 (GAMBI, 2008). No entanto, em meados do século XIX, o sistema bancário mineiro ainda era precário (HASENBALG & BRIGAGÃO, 1970). O sistema bancário mineiro assim como o de todo país passou por diversas mudanças ao longo do tempo. A sua origem em Minas possui muitas interpretações diferentes, já que até o final do século XIX eram os bancos do estado do Rio de Janeiro que ofereciam créditos e serviços bancários aos mineiros (WIRTH, 1982). Grandes transformações ocorreram no estado de Minas Gerais, desde a transição de uma economia mineradora para uma economia mercantil de gêneros alimentícios na Região Sul, até o desenvolvimento da cafeicultura mineira para a Zona da Mata (PAULA, 2001). Porém, pela ausência de estudos empíricos e até mesmo inexistência de documentação adequada, permanece a discussão sobre o desenvolvimento do sistema bancário em Minas. Mascarenhas (1954) e Albino (1957) defendem a ideia de que a origem do sistema bancário estaria ligada ao surto industrial ocorrido na Zona da Mata nas duas últimas décadas do século XIX. Ao analisar a atividade bancária como préabolição, tudo indica que esta estaria ligada à agricultura, mas especificamente para a produção de café (BASTOS, 1997; PIRES, 1993). Outras explicações para a origem do capital dos bancos mineiros são indicadas, porém não são apontadas, mas de certa forma o vinculo exclusivo com o surto industrial e com a economia cafeeira em Minas é negado (LIMA, 1977). 12 Sobretudo o capital comercial, de pequenos e médios comerciantes do interior do estado, também é indicado como possível responsável pela expansão bancária de minas (HASENBALG & BRIGAGÃO, 1970). Wirth (1982) reforça esta ideia acreditando que a expansão do comércio foi fundamental para a expansão do sistema bancário mineiro numa economia em desenvolvimento. Paiva (1996) ressalta que mesmo antes da decadência da produção mineradora, Minas Gerais já se destinava a se dedicar a várias outras atividades econômicas. O estado de Minas Gerais possuía um setor exportador agropecuário não cafeeiro muito importante, que era responsável pela formação de uma renda monetária significativa (SLENES, 1988). Desta maneira o centro-dinâmico que foi responsável pelo crescimento de Minas Gerais ao longo do século XIX seria o setor exportador da Província, e a acumulação de capital do estado se dava na esfera mercantil (SLENES, 1988; PAIVA, 1996). Costa (1978), ao sugerir que a origem do capital bancário mineiro teria ligação com o capital comercial do mercado interno, seja pela comercialização de gado, seja nos “negócios urbanos”, propôs uma análise das principais características econômicas dos municípios onde se instalaram os novos bancos, já que estes não possuíam filiais ou agências. A casa Bancária Cia. Industrial Sul Mineira tinha sua sede na cidade de Itajubá no sul de Minas. Nesta cidade, por exemplo, eram produzidos café, fumo, cana, algodão, feijão, milho e arroz. Esses produtos eram exportados para o estado do Rio de Janeiro e São Paulo. Minas Gerais, que teve sua plantação de café superada pela do estado de São Paulo entre 1888 e 1908, tornou-se então o principal produtor de alimentos de subsistência do país. Desse modo o vinculo estabelecido com o Rio de Janeiro que era capital da Corte e o principal centro comercial, se fortaleceu (LENHARO, 1979; FURTADO, 1983). Com isso, a região do Sul esteve voltada especialmente para o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro, e dessa maneira os bancos da capital abafavam o surgimento de bancos no estado de Minas, fazendo com que os recursos mineiros se voltassem para o Rio de Janeiro (IGLÉSIAS, 1958). A região mineira apresentava vínculos com mercados externos à Província, enquanto a sua economia era caracterizada pelas atividades de criação e agricultura de abastecimento. Godoy e Paiva consideraram as regiões Sudeste e Sul-Central com 13 nível de desenvolvimento médio, em contraposição a região central local em que concentravam as áreas mais dinâmicas da Província. Afinal, nos tradicionais centros mineradores – tanto tendo em vista suas atividades econômicas como a concentração da população –,constituíam-se as maiores cidades e as mais abastadas redes comerciais da Província na primeira metade dos oitocentos. Contudo, ao longo desse período, o Sul de Minas alcançaria um crescente destaque no jogo político e econômico da Província. Na historiografia essa identidade do Sul de Minas seria revelada por Alcir Lenharo (1979). Neste trabalho pioneiro, ao abordar o real valor da economia de gêneros de abastecimento em Minas Gerais durante a primeira metade do século XIX, o autor passaria a enfatizar a relação da emergência do Sul de Minas como ator político no período imperial quanto da rápida expansão da demanda do mercado interno em função da instalação da Corte no Rio de Janeiro em 1808 (MARTINS, 2004). A Revolta Liberal de 1842 marcaria a ascensão definitiva dos grupos sul - mineiros no tabuleiro político da Província, numa fase em que na ponta norte da Mantiqueira o café passava a ser introduzido, recriando o território mineiro. Portanto, até o final do século XIX eram os bancos do estado do Rio de Janeiro que ofereciam créditos e serviços bancários aos mineiros (WIRTH, 1982). Especificamente no sul de Minas Gerais, o sistema bancário começou a se desenvolver a partir da década de 1910, já na década de 1920 o desenvolvimento bancário se torna ainda mais marcante e se consolida (COSTA, 1978). Foi neste contexto de expansão dos bancos em Minas, que ocorreu também o enfraquecimento da economia fluminense perante a economia paulista. Com isso o estado de Minas Gerais passa a se desenvolver com mais intensidade num ambiente economicamente ligado ao estado de São Paulo (GAMBI, 2011). Embora haja necessidade de estudos mais aprofundados, o esgarçamento dos laços que ligavam a economia mineira ao estado do Rio de Janeiro e a mudança do centro da economia nacional para o estado de São Paulo parecem ser elementos importantes para explicar o aumento do número de bancos na região do sul de Minas na década de 1920 (GAMBI, 2011). Essas diversas interpretações em relação à origem do capital bancário dizem respeito aos bancos do estado de Minas como um todo, e algumas delas se referem especificamente á Zona da Mata. A origem deste capital no Sul de Minas ainda precisa ser mais explorada, deste modo pretendemos fazer uma análise voltada para 14 esta região, com o intuito de entender melhor de que maneira esta expansão do sistema bancário ocorreu no Sul de Minas e quais fatores da economia contribuíram para isso, já que a partir de 1910 a região se fortaleceu e criou condições para que se instalasse nos seus municípios um número razoável de bancos e agências bancárias. 4. A criação dos Bancos no Sul de Minas Gerais No inicio da década de 1910 houve no estado de Minas Gerais uma mudança de direção no desenvolvimento do setor bancário, a região do sul de Minas Gerais experimentou, após um período sem criação de bancos, um aumento das instituições bancários na região. Segundo Costa a transição de uma economia agroexportadora para uma economia capitalista seria a responsável pelo aumento de agencias bancárias criadas no Sul de Minas. Se no período anterior, prevaleceram os bancos criados na Zona da Mata, agora a expansão bancária segue rumo à nova capital e ao Sul de Minas. Na década de 1920, quando o desenvolvimento dos bancos em Minas é mais marcante, a liderança do estado no setor bancário se consolida e várias agencias são abertas nas cidades do sul de minas. Costa associa o aumento do ritmo da expansão bancária mineira à transição de uma economia agroexportadora para uma economia de tipo capitalista, em que seria inevitável a separação do capital bancário, industrial e comercial. Para ele, é como se as diversas “faces do capital cafeeiro” fossem se libertando e autonomizando. Se antes o financiamento provinha do capital cafeeiro, agora o fracionamento desse capital, sua libertação e separação em diversos setores, exigem a expansão do sistema bancário no país para promover o movimento de distribuição do capital entre outras áres. Numa perspectiva mais abstrata seria essa a explicação para a expansão bancária do Sul de Minas na segunda década do século XX. Mais concretamente, o mesmo autor associa tal expansão às condições econômicas reais da região à época. Assim, considera também a coincidência da criação de bancos em áreas cafeeiras do Sul de Minas, mas segue a hipótese de Hasenbalg e Brigagão de que foram as atividades econômicas geradas indiretamente 15 pela economia do café que explicam a expansão (COSTA, 1978). Demand following ou supply leading? Para esses autores, demand following. Costa chega a afirmar que essa hipótese poderia ser confirmada pelo tipo de crédito oferecido pelos bancos mineiros, o desconto de letras, crédito tipicamente comercial. No entanto, é preciso lembrar que esse tipo de crédito, embora fosse de fato mais adequado para o comércio, pois geralmente era de curto prazo, também acabava sendo usado como crédito de longo prazo para atender à demanda da lavoura. “Corre pela cidade a notícia de que alguns cavalheiros cogitam a criação de um estabelecimento deste gênero [casa bancária] entre nós, a fim de auxiliar o desenvolvimento da lavoura e do comércio”, dizia em primeira página o jornal A Justiça, da cidade de São Gonçalo do Sapucaí. A afirmação feita pouco antes do início da década de 1920 aparentemente corrobora o demand following. A lavoura e o comércio existentes precisavam dos bancos para se dinamizar e os bancos surgem no período seguinte para atender a essa demanda na região. O movimento de expansão dos bancos mineiros em direção ao Sul de Minas coincide também com o movimento mais geral da economia brasileira em que a economia fluminense começa a perder importância relativa frente à economia paulista. Se inicialmente os bancos da Zona da Mata se desenvolvem num espaço ligado economicamente ao Rio de Janeiro, agora é o setor financeiro do Sul de Minas que passa a se desenvolver com mais vigor num espaço economicamente ligado a São Paulo. A mudança do eixo da economia nacional do Rio de Janeiro para São Paulo parece ser elemento importante para explicar a ascensão dos bancos nessa região. É também na década de 1920 que cresce significativamente o número de agências bancárias espalhadas por Minas. São os novos bancos fundados nesse período que irão investir na criação de uma rede de agências no estado. Como boa parte desses bancos foi criada no Sul de Minas, é lícito supor que a região contasse com razoável rede de atendimento bancário. Por exemplo, o Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais, fundado em 1911, tinha agências em Varginha, São Sebastião do Paraíso, Guaxupé, Formiga, Barbacena, Araguari, Curvelo, Muriaé, Carangola e Ubá. O Banco do Brasil era mais antigo do que o Hipotecário e Agrícola, mas também ampliou o número de agências nessa época e, em Minas, contava com agências em Juiz de Fora, Cataguases, Carangola, Uberaba, Três Corações e Varginha. Dos bancos estudados especificamente nesta pesquisa, apenas o Banco 16 Comercial de Alfenas possuía agências, localizadas em Machado, Cabo Verde, Campos Gerais e Três Pontas. O padrão da expansão dos bancos é semelhante ao padrão da expansão industrial no Sul de Minas. Segundo dados do censo industrial de 1907, a região contava com muitos estabelecimentos industriais. No entanto, de maneira geral, eram estabelecimentos pequenos, com baixo número de trabalhadores por unidade produtiva, volume de capital e produção em relação às indústrias de outras regiões de Minas. O próprio Sul de Minas é recortado por diferentes dinâmicas, resultantes das articulações dos transportes, especialmente as ferrovias, das variações geográficas e das próprias relações mercantis e culturais dos fazendeiros e comerciantes locais. Cidades tradicionais no abastecimento, cidades com aptidões turísticas, cidades que rapidamente se convertem em economias exportadoras. Enquanto o café alcançava com maior rapidez as áreas da Serra da Mantiqueira, o “planalto” sul - mineiro ainda preservava sua produção bastante diversificada, com marcado apego ao gado, milho, fumo entre outros produtos. Ao mesmo tempo em que as áreas da Mantiqueira e seus contrafortes (como por exemplo, Itajubá, Pouso Alegre, Poços de Caldas, Guaxupé e até Passos), pertencentes à faixa de fronteira com São Paulo, vinculam-se a dinâmica econômica paulistana e ao fluxo comercial com o Porto de Santos, as áreas do planalto sul - mineiro (como por exemplo, Alfenas, Varginha, Três Corações e Campanha) conservaram até meados do século XX relações mais estreitas com o Rio de Janeiro. Isso levante a quantidade de variáveis a serem consideradas em qualquer tentativa de regionalização do chamado “Sul de Minas”. É nessa perspectiva que uma questão se faz necessária: mas afinal, quais são os caminhos percorridos pelo Sul de Minas ao longo do século XIX que influenciaram no desenvolvimento do setor bancário? Considerando a regionalização como um processo dinâmico (CUNHA, 2008), nosso objetivo neste trabalho é perceber as transformações na região no período de transição do século XIX para o século XX. Transição essa, fundamental para entender os caminhos da formação do capitalismo em Minas Gerais, que não perpassa um único caminho, mas ergue percursos que precisam ser desvendados conforme as articulações entre sociedade, economia e política. 17 O Sul de Minas na transição para o século XX como referido nas pesquisas de John Wirth é um território bastante distinto daquele na regionalização proposta por Paiva & Godoy para o início do século XIX. Assim, como reconstruir esse novo território que emerge nas décadas finais dos oitocentos? Para tanto, não podemos deixar de compreender que a regionalização política proposta por Wirth, com demarcações permanentes e objetivas, esconde uma regionalização que é dinâmica na sua construção histórica e, por outro lado, que deve ser flexível quanto às suas demarcações. O Sul de Minas não esgota sua existência econômica, social e cultural nas fronteiras paulistas ou cariocas, pelo contrário, é transformado e promove transformações em seus longos territórios de intersecção. A economia cafeeira do Sul de Minas não se difere completamente da cafeicultura da região da Mogiana. Assim, é possível imaginar maiores similaridades entre cidades próximas a fronteira Minas – São Paulo, do que uma completa homogeneidade entre o Sul de Minas ou toda a região da Mogiana (SAES, COSENTINO, SILVA e GAMBI, 2010). Paralelamente, não podemos deixar de lado a perspectiva da dinâmica do território sul - mineiro que, ainda na primeira metade do século XIX, se integrava plenamente ao abastecimento da capital do Império, e que na transição para o século XX já estende maiores relações com o estado de São Paulo, não apenas produzindo gêneros de abastecimento, mas inclusive, ampliando substancialmente a produção primário-exportadora de café. Assim, no último quartel dos oitocentos o Sul de Minas vinha constituindo tanto seu sistema de transportes por meio das estradas de ferro, como vendo a abertura de seus primeiros bancos. Entretanto, ao que parece, a região ainda mantinha sua economia subordinada às suas fronteiras: a comercialização do café se voltava para os comissários do Rio de Janeiro ou para as Casas Comerciais paulistas. Os bancos locais, aparentemente, supriam pequenas atividades, enquanto o grande capital ainda seria suprido ou por fontes governamentais ou por bancos de São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse sentido, o Sul de Minas tornou-se mais um caso específico dentro o “mosaico” mineiro: uma região historicamente dinâmica, tanto por sua função de abastecimento da corte imperial, como em transformação por causa da expansão das 18 lavouras de café na transição para o século XX, mas que não conseguiu se aproximar do ritmo e pujança econômica dos estados vizinhos do Rio de Janeiro e São Paulo. È possível considerar, Para uma regionalização mais flexível, que o Sul de Minas seria formado por um complexo de cidades medianas, com populações entre vinte e quarenta mil habitantes, atendidas pela rede ferroviária Sul Mineira, resultado da fusão das estradas Minas e Rio, Sapucaí e Muzambinho. Todavia, mesmo uma regionalização flexível não garante a homogeneidade ao território: o Sul de Minas não deixa de agregar a economia cafeeira em expansão, a s atividades de abastecimento tradicionais aos comerciantes locais, um complexo turístico com o circuito das águas, enfim, pequenas dinâmicas particulares dentro de um a estrutura econômica regional. No início do século XX, a população da região cresce. Este mesmo fenômeno se encontra para o transporte ferroviário, a indústria e o sistema bancário da região. Em Minas Gerais, as ferrovias se desenvolveram primeiro nas regiões onde o comércio era mais intenso. Depois da Mata e do Oeste, as ferrovias chegam ao sul da província, na década de 1880, por meio de quatro empresas, a saber, a Estrada de Ferro Rio Verde, posteriormente chamada de “Minas e Rio”; a Viação Férrea Sapucaí; a Estrada de Ferro Muzambinho e, finalmente, já nos primeiros anos do século XX, a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, originária de São Paulo, atenderia o triângulo e o Sul de Minas. Apesar de um sistema ferroviário em expansão para quase toda a região neste período de transição para o século XX, a inexistência de centro irradiador para o transporte promoveria, na verdade, a integração ferroviária do Sul de Minas não com suas próprias cidades, mas sim com os mercados exteriores. Ainda que provisoriamente, é possível pensar que as ferrovias no Sul de Minas Gerais começaram a se instalar para atender uma região dinâmica e promissora voltada para o comércio de abastecimento do Rio de Janeiro e de São Paulo, e para o plantio e exportação de café. E, mais importante, o que se observa é a constituição do sistema ferroviário com interligação do Sul de Minas com os portos do Rio de Janeiro e Santos, ou com os mercados dos Estados vizinhos, uma modernização do transporte que poderia surgir como condição para fortalecer o mercado interno (GODOY &BARBOSA, 2008), mas que ao que parece, surge para estreitar as relações, inclusive de dependência, com outras regiões. 19 Nesse ensejo é que se verifica o processo de formação das primeiras indústrias do Sul de Minas: uma dinâmica ainda frágil em comparação com aquela experimentada nas regiões da Zona da Mata e Metalúrgica. Tais indústrias, geralmente ligadas à economia de abastecimento ou à economia agrário-exportadora cafeeira, apresentavam uma média muito baixa de apenas quatro trabalhadores por empresa quando comparada aquelas empresas de Juiz de Fora, por exemplo. ( SAES, 2010).Essa característica está disseminada em praticamente todas as cidades sul mineiras, com indústrias mais próximas de pequenos artesanatos e empreendimentos familiares, fundamentalmente no ramo de alimentos, e para o consumo local. Era, portanto, a típica e rudimentar manufatura, com poucos trabalhadores, sem sofisticações tecnológicas e que, assim, crescia numa dinâmica ambígua, ora reproduzindo o modelo cafeeiro da Zona da Mata, ora recuando às suas heranças de abastecimento interno. É somente na década de 1920 que a região Sul amplia sua participação para a produção industrial, praticamente dividindo a segunda posição com a região metalúrgica. Um argumento plausível para essa aproximação é, de um lado, a continuidade de uma estrutura industrial arcaica na região metalúrgica, somada, por outro lado, com a maior representatividade da região Sul na produção da economia mineira de maneira geral. O modo como se deu sua industrialização revela o Sul de Minas como síntese de uma economia periférica na periferia. Era uma região que, participando de uma contínua integração regional, incorporando os elementos modernos difundidos do centro do capitalismo, não conseguia criar a “grande indústria”. A falta de um mercado consumidor amplo e a reduzida capacidade de acumulação pode ser indicativa para essa estrutura industrial arcaica. Sua produção industrial vinha ampliando a participação no valor total da produção de Minas Gerais, quase dobrando entre 1907 e 1920, mas, ainda assim, a indústria mantinha uma estrutura bastante rudimentar. Este processo ocorreria semelhantemente com os bancos da região. Nas décadas de 1910 e 1920, há uma expansão significativa do número de bancos criados no Sul de Minas, cujo setor financeiro passa a se desenvolver com maior vigor num espaço mais ligado à ascendente economia paulista, à ferrovia, à indústria e ao café (COSTA, 1978). No entanto, apesar da mudança da direção da expansão bancária de 20 Minas Gerais rumo ao Sul, o grosso das operações bancárias estava concentrado em poucos grandes bancos, nenhum deles localizado nessa região. O banco Hipotecário e Agrícola e o banco Comércio e Indústria, ambos de Belo Horizonte, e o banco de Crédito Real, de Juiz de Fora, por exemplo, eram responsáveis em conjunto por cerca de 90% dos depósitos em conta corrente de Minas entre 1920 e 1925. O Sul de Minas expande seu sistema bancário, mas como as indústrias e as cidades da região, são bancos pequenos, locais, fragmentados em uma economia que se transforma, mas ainda muito lentamente. Em que pese o grau de concentração na Zona da Mata a expansão bancária do Sul de Minas no período não deixa de refletir que algo se passava com a economia daquela região. Na passagem para o século XX, o Sul de Minas estava definitivamente em transição, para uma sociedade capitalista, em que as relações sociais e econômicas seriam cada vez mais impostas pelas regras do mercado, mercado este capitalista. Mas a dinâmica para que as transformações dessa região levassem a consolidação da estrutura capitalista, isto é, a efetivação do trabalho assalariado, de uma produção capitaneada pela indústria e de toda u ma infra-estrutura necessária, avançaria por caminhos próprios no Sul de Minas. Em parte por esse flerte da economia tanto com as atividades de abastecimento como com o setor exportador; em parte pela fragmentação da economia em diversos municípios médios, com variadas e pequenas indústrias, e numerosos bancos com atuação local; e, ainda, possivelmente com uma capacidade de acumulação reduzida em comparação com outras regiões de Minas Gerais, ou mesmo do país. No caso dos bancos, repete-se o padrão disperso, com estabelecimentos pequenos e baixo volume de capital. Por isso, vale ressaltar que, apesar da mudança da direção da expansão bancária, o grosso das operações bancárias estava concentrado em poucos grandes bancos, nenhum deles localizado no Sul de Minas, sendo os seus bancos de porte pequeno. Em que pese o grau de concentração indicado, a expansão bancária do Sul de Minas no período não deixa de refletir que algo se passava com a economia daquela região. Se considerássemos também os dados de produção de café e produção industrial da região e os cruzássemos com a localização dos bancos no Sul de Minas, notaríamos que as principais cidades produtoras de café da região em 1927 e que, ao mesmo tempo, tinham alguma produção industrial em 1907, tiveram algum banco 21 criado entre 1909 e 1927 ( SAES, 2010). Além de que a maioria dessas cidades tinham acesso a linha de trem, através da Mogiana e a Rede Sul Mineira. A instalação da rede ferroviária do Sul de Minas mantinha ligação com o Rio de Janeiro e São Paulo, não promovendo um transporte entre suas próprias cidades. Assim o século XX é marcado por um período de transição e avanços na economia sul - mineira, tanto nos aspectos bancários, industriais e de integração de suas ferrovias, porém estes avanços ocorreram de maneira lenta (SAES, COSENTINO, SILVA e GAMBI, 2010). A tabela abaixo aponta, de maneira em geral, uma interessante correlação entre café, indústria, ferrovias e bancos no Sul de Minas. Mais do que criar condições favoráveis ao investimento inicial da cafeicultura e da indústria, talvez os bancos tenham vindo para essa região em busca das oportunidades geradas por essas atividades, como sugere Wirth para o caso de Minas em geral, seguindo uma possível demanda por credito e outros produtos financeiros (WIRTH, 1982). As condições favoráveis pelo desenvolvimento da produção de café associada à demanda por créditos podem ter levado o sistema bancário do Sul de Minas a sua real concretização. A agência de Alfenas do Banco Hipotecário e Agrícola, por exemplo, em anúncio de primeira página publicado no dia 1º de novembro de 1931, recomendava aos interessados que não negociassem seu café sem antes consultar o banco, pois oferecia crédito para o financiamento desse comércio. Além da produção cafeeira e industrial, não se pode ignorar o comércio de outros bens como fonte geradora dessa demanda. A mesma agência também publicou a oferta de cartas de crédito para os negócios de gado no triângulo mineiro e em Goiás. (Alfenense, 28 de fevereiro de 1932). Tabela 1 – Principais Cidades Produtoras de Café do Sul de Minas em 1927 com alguma Produção Industrial apontada em 1907 22 Além dos bancos criados nessas cidades, outras que não se destacavam tanto na produção cafeeira ou industrial também tinham suas instituições financeiras, como podemos verificar no quadro abaixo. Entre 1909 e 1930, foram criados trinta e cinco bancos no Sul de Minas. Com o intuito de apenas organizar sua distribuição na região, podemos localizá-los em três sub-regiões, a saber, Varginha, Guaxupé e Pouso Alegre. A informação do número de bancos criados no Sul de Minas entre 1909 e 1930 também indica a relação entre essas instituições financeiras e a produção de café. Na região de Pouso Alegre, são dois bancos criados em Santa Rita do Sapucaí; na região de Varginha, também são dois bancos criados no município de mesmo nome; e, finalmente, na região de Guaxupé, destacam-se claramente as cidades de Guaranésia, Monte Santo, São Sebastião do Paraíso, Arceburgo e Guaxupé. 23 Gráfico 1: Nº de Bancos Criados no Sul de Minas Gerais entre 1909 e 1930 (por subregião e município) Fonte: BASTOS (1997) e COSTA (1978). A dinâmica da criação de bancos e sua localização no Sul de Minas ajudam-nos a dar um passo além das informações anteriores e também indicam, aparentemente, a correlação entre bancos, café, ferrovias e integração econômica com São Paulo. Outra fonte que nos permite ter informações sobre o setor que impulsionou o desenvolvimento do setor bancário do sul de minas são os anúncios de jornal, através destes podemos ter uma ideia dos serviços oferecidos por esses estabelecimentos, cujos mais importantes eram aparentemente o recebimento de depósitos em conta corrente e o desconto de letras. Figura 1 – Banco do Brasil, agência de Varginha Fonte: O Momento, 31 de agosto de 1919. 24 Chama a atenção o destaque dado no anúncio do Banco do Brasil à cobrança de faturas de gado e café, indicando que o banco mirava agropecuaristas da região, tanto em Varginha como em Três Corações, uma vez que esses eram os principais produtos de exportação desses municípios. A dispersão e o tamanho dos bancos da região já referidos poderiam sugerir uma relação mais estreita da origem de seu capital e de suas atividades de financiamento com o comércio. No entanto, as primeiras informações colhidas sobre o Banco Comercial e Agrícola não corroboram tal sugestão. A julgar pelo seu capital nominal, o Banco Comercial e Agrícola de Varginha não era pequeno. Para se ter uma idéia, dois dos maiores bancos na época, o Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, de Belo Horizonte, e o Banco de Crédito Real, de Juiz de Fora, tinham capitais nominais, respectivamente, de 6.000:000$ e 7.000:000$. Em relação aos outros bancos do Sul de Minas, o capital daquele banco varginhense se destacava. Era maior do que os 2.000:000$ do Banco Santaritense e do Banco Comercial de Alfenas e bem maior do que os de outros bancos da região, como os de Machado, Paraguaçu e São Sebastião do Paraíso, que giravam em torno dos 500$ 000. As informações sobre o Banco de Varginha ainda são escassas, através dos anúncios de jornais foi possível adquirir algumas informações relevantes sobre as operações dos bancos do sul de minas. Sabe-se apenas que era de propriedade de Dias, Ferreira & Cia, tinha um capital nominal de 1.200:000$, médio para a época e para a região, e que em novembro de 1926 ainda estava em funcionamento. E não se pode deixar de no ar o sugestivo endereço da instituição: “Rua dos Comissários” (Figura 2). Figura 2 - Banco de Varginha 25 Já o Banco Comercial e Agrícola de Varginha teve vida mais longa. Funcionou até outubro de 1943, quando seu ativo líquido foi incorporado ao Banco do Distrito Federal. No ano de inauguração, seu capital nominal montava a importantes 5.000:000$. Era presidido por Domingos Ribeiro de Resende, deputado estadual eleito na década de 1920, e sua diretoria era composta por João Otaviano da Veiga Lima, Paulo Rodrigues Alves, José Bonifácio Caldeira de Araújo e José Rebelo da Cunha. (BASTOS, 1997) A identificação desses dirigentes certamente será um passo importante para estabelecer o papel dos bancos na economia de Varginha e do Sul de Minas. De acordo com os balanços desses bancos, suas principais operações eram os depósitos em conta corrente e o desconto de letras. O Banco Comercial de Alfenas foi fundado em 1918, mas iniciou suas atividades apenas em 1920. Começou com um capital de apenas 500$000. Em 1924 atingia os 2.000:000$000 e, em 1937, dois anos antes de ser encampado pelo Banco da Lavoura, chegava a 5.000:000$000 (BASTOS, 1997). Segundo os dados do balancete de outubro de 1931, publicado no jornal O Alfenense, edição de três de novembro do mesmo ano, as operações de empréstimo correspondem a 7.984.656$030 de um ativo total de 15.939.588$010, podemos concluir que a principal operação do banco era o desconto de letras, mas o banco também recebia depósitos a prazo fixo e em conta corrente. Seu anúncio dizia que o banco fazia “todas as operações bancárias, exceto câmbio”, como podemos verificar na figura 3. Figura 3 – Banco Comercial de Alfenas Fonte:O Alfenense, 3 de novembro de 1931. 26 . 5. Considerações Finais A expansão dos bancos mineiros entre o final do século XIX e início do XX indica que a economia de Minas Gerais passava por importantes transformações, demandando crédito em maior quantidade e de melhor qualidade. Tal expansão certamente contribuiu para o aumento quantitativo do crédito, porém, até 1930, a economia mineira ainda se ressentiria de financiamento de longo prazo com juros mais baixos (WIRTH, 1982) Essa demanda específica e a oferta financeira possivelmente gerada por ela podem ser consideradas reflexos de uma economia agroexportadora em transição. Ao mesmo tempo, algo aconteceu na economia mineira ou no contexto mais amplo em que estava inserida para provocar o deslocamento territorial da expansão bancária para o Sul de Minas. Entre 1909 e 1930, são criados nessa região bancos e agências numa proporção maior do que em qualquer outra região do estado. Enfim, estavam os bancos de Varginha, e de outras cidades da região, ligados ao café e à indústria ou surgiam para acompanhar a expansão comercial da cidade? Teria o capital dos bancos de Varginha e região origem no comércio, tal como apontaram Hasenbalg e Brigagão para os bancos de Mi nas de maneira geral? É preciso aprofundar a pesquisa para responder a essas perguntas. As pesquisas iniciais apontam para a relação entre bancos e café, mas é preciso ir adiante para melhor qualificar essa relação Esta pesquisa buscou mostrar os caminhos percorridos por Minas Gerais, especificamente o Sul de Minas Gerais, para a consolidação do seu setor bancário, porém a falta de documentação e de pesquisas na área dificultou uma conclusão mais precisa sobre o assunto. O estado de Minas Gerais não apresenta uma historiografia consolidada e a diversificação da economia do Sul de Minas dificulta obter uma conclusão concreta sobre a atividade responsável pelo desenvolvimento bancário, porém podemos notar que no século XX a produção de café perdeu força na região e que a maioria dos bancos sul mineiros foram criados em cidades próximas ao estado de São Paulo, o que nos leve a remeter em uma ligação mais próxima entre a economia mineira e paulista. As documentações que comprovem essas relações são bastante escassas, o que nos leva a concluir que é necessário pesquisas mais complexas e aprofundadas sobre esta temática. 27 6. Referências Bibliográficas ALCÂNTRA, Daniela Pires Ramos de. Instituições, sistema financeiro e desenvolvimento econômico. Tese de Doutorado: Unicamp-Campinas, 2010. ALBINO, Washington. Perspectivas Atuais da Economia Mineira. In: II Seminário de Estudos Mineiros. UFMG, Belo Horizonte, 1957. ALMEIDA, Jose Tadeu de. 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