Completo

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VII SEMEAD
ESTUDO DE CASO
OPERAÇÕES
INOVAÇÃO NO SEGMENTO DE PRODUTOS POPULARES:
O CASO DA SCALA NA PRODUÇÃO DE MASSAS
MATHEUS MARINO KFOURI
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEA/USP.
Pesquisador do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial –
PENSA/FIA/FEA/USP
E-mail: [email protected]
FABIO MATUOKA MIZUMOTO
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEA/USP.
Pesquisador do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial –
PENSA/FIA/FEA/USP
E-mail: [email protected]
MARIA LUCIA GONÇALVES PEREIRA
Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEA/USP.
E-mail: [email protected]
Endereço Postal e Contatos
Av. Professor Luciano Gualberto, 908, sala G 109, CEP 05508-900, São Paulo.
Telefone para contato (11) 3032 5966 ou 3735 4171
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INOVAÇÃO NO SEGMENTO DE PRODUTOS POPULARES: O CASO DA SCALA
NA PRODUÇÃO DE MASSAS1
RESUMO
Na década de 90, os segmentos de baixa renda ganham importância para as empresas de
alimentos no Brasil, compondo uma crescente parcela no portfolio de consumidores. O
presente artigo explora a administração da inovação em produtos e processos no segmento de
produtos populares. O referencial teórico apóia-se em Clark & Wheelwright (1993), com uma
aplicação empírica no setor de massas, por meio da análise da SCALA PRODUTOS
ALIMENTICIOS LTDA, empresa familiar de porte médio focada no segmento de baixa
renda nos bairros da Grande São Paulo. Verificou-se que neste segmento os processos de
inovação devem ser direcionados para a redução de custos, mas também em melhorias de
embalagens e no aprimoramento da logística de distribuição. A estratégia adotada é de ser
uma seguidora, copiando as inovações das líderes em um processo desestruturado, pautado na
participação ativa dos dirigentes que conhecem o mercado. Este processo é ágil e de baixo
custo, principalmente para empresas de pequeno porte.
Palavras chaves: Inovação Tecnológica, Produtos Populares, Segmento de Massas.
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Artigo desenvolvido como parte das atividades do curso “Administração da Inovação de Produtos e Processos”,
oferecido no programa de pós-graduação da FEA/USP, pelos professores Abraham Yu e Paulo Tromboni do
Nascimento.
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INOVAÇÃO NO SEGMENTO DE PRODUTOS POPULARES: O CASO DA SCALA
NA PRODUÇÃO DE MASSAS
1) Introdução
O desenvolvimento de novos produtos e processos tem sido um grande diferencial
competitivo para as empresas inseridas dentro de um mercado globalizado e que procuram
atender as necessidades crescentes dos consumidores. Este artigo procura verificar como a
inovação pode desenvolver uma vantagem competitiva dentro deste contexto.
Entende-se a administração de um processo de inovação tecnológica como um conjunto de
atividades que procuram gerar novas idéias, e partir delas, elaborar ações concretas e
direcioná-las para construir vantagens perante a concorrência. Assim, não se discute aqui,
apenas inovações nos produtos, mas sim em todo o processo, deste a formatação interna de
equipes para o desenvolvimento de tais atividades, a seleção de canais de distribuição, as
fontes de inspirações que serão traduzidas em idéias, a busca do alinhamento com o objetivo
da organização e com o processo de desenvolvimento.
Tradicionalmente, as empresas líderes investem montantes significativos no processo de
desenvolvimento, capturando o retorno por meio de vantagens do pioneirismo, entretanto, um
grupo significativo de organizações preza pela produção com o mínimo custo possível, e na
maioria das vezes, copiam os recentes desenvolvimentos das inovadoras, sendo seguidoras.
Em ambos os casos, o desempenho pode ser positivo, entretanto, as ações cotidianas de
desenvolvimento devem estar alinhadas com o objetivo estratégico da organização.
Ressalta-se que, o mercado de produtos populares, na maioria das vezes, foi relegado para
segundo plano. No geral, as empresas apostam nos produtos que são exigentes em novas
tecnologias para terem sucesso. No entanto, deixam de perceber que a grande maioria da
população, não só no Brasil, mas no mundo todo demanda produtos mais baratos e simples.
1.1) Objetos da Pesquisa e Metodologia
O artigo explora as relações entre o processo de desenvolvimento de uma empresa de massas
e sua respectiva atuação no segmento popular. Neste mercado, o diferencial competitivo
pauta-se na produção com o mínimo custo possível, assim como, na seleção dos canais de
distribuição. Analisa-se a inovação em produtos e processos da SCALA PRODUTOS
ALIMENTICIOS LTDA, uma empresa fabricante de massas com atuação no mercado
popular.
Os objetivos específicos do trabalho consistem em:
a) Analisar os sistemas de desenvolvimento de novos produtos e processos;
b) Verificar os processos de geração de idéias e ações estratégicas;
c) Identificar a carteira de produtos;
d) Avaliar o desempenho da empresa e o processo de inovação;
e) Analisar o padrão competitivo da concorrência.
O trabalho desenvolveu-se por meio de uma pesquisa de campo, utilizando-se a metodologia
proposta por Kelinger (1980), de levantamentos: i) bibliográficos; ii) documentais; iii)
estatísticos; iv) pesquisas efetuadas; v) experiências; vi) estudos de casos selecionados; e vii)
observação informal.
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Para coleta de informações na empresa realizou-se entrevistas semi-estruturadas, que foram
analisadas a luz do referencial teórico de inovação de produtos e processos (Clark &
Wheelwright, 1993). Informações secundárias foram obtidas em relatórios setoriais da
ABIMA, Associação das Indústrias de Massas Alimentícias, e em pesquisas bibliográficas. As
discussões em sala de aula da disciplina mencionada enriqueceram a análise.
O estudo apresenta na primeira parte esta breve introdução, seguida pelos objetivos e
metodologia. Na segunda parte, expõe-se a SCALA, objeto de análise, e na terceira, o
ambiente competitivo em que a empresa opera, o segmento de massas. A quarta parte
contrapõe o processo de desenvolvimento adotado pela SCALA com o referencial teórico
proposto, discutindo as principais implicações. As conclusões encerram o estudo.
2) A SCALA PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA
2.1) Histórico
A empresa foi criada em 1969, por descendentes de italianos, tendo como presidente Sr.Carlo
Roncoroni. Instalou-se em um tradicional bairro de S. Paulo, a Barra Funda. Iniciou as
atividades com a produção de massa caseira, e aos poucos foi consolidando-se no mercado
como um produto tradicional, diferenciado em qualidade da concorrência.
A consolidação propiciou o desenvolvimento da SCALA, que sentiu a necessidade de
ampliação, induzindo a mudança de suas instalações para o município de Araçariguama, na
Estrada Imperial nº 330. Construiu-se um novo galpão e adquiriram-se novos equipamentos,
tendo, no entanto, preservado os mesmos padrões de qualidade anteriormente adquiridos.
O galpão industrial tem como característica a simplicidade, própria de empresas que
trabalham com commodities, onde o custo fixo tem que ser o menor possível. A empresa, após
passar por reestruturação que será abordada no item 2.2, continua aumentando sua
participação no mercado. Oferta produtos que não se alteraram ao longo dos anos, como o
macarrão do tipo caseiro, criando, porém, variações nas massas existentes, que se tornaram
alternativas para diferenciação e agregação de valor.
Tem como estrutura atual, cerca de 250 funcionários, contando com uma administração
bastante enxuta.
2.1.1) Produtos e Processos
Dentro da carteira de produtos da empresa encontra-se a massa trafilada, responsável pelo
maior giro da empresa, sendo uma commodity e a massa caseira cuja fórmula básica do
produto, é a mesma da trafilada, mas mudando o sistema de industrialização e o processo de
embalagem.
Os principais ingredientes das massas são: farinha de trigo, que é adquirida no mercado, ovos
que já são entregues na empresa em baldes, sem casca, e betacaroteno. Todo o mercado
utiliza-se da mesma fórmula para produtos similares.
A produção é contínua linear, onde os insumos, como por exemplo, os ovos, depois de
analisados num pequeno laboratório, entram num misturador. Passam por diferentes etapas de
mistura e formatação por rolos, com diferentes tipologias de acabamento nas pontas, trocados
dependendo do tipo de macarrão a ser produzido.
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Após estas etapas, o macarrão já formatado, entra num processo de secagem que leva 18 horas
até poder ser retirado das câmaras, para então serem automaticamente embalados, no caso das
massas trafiladas.
No caso das massas caseiras, o processo de industrialização é diferente. Após o macarrão
formatado, antes de entrar na secagem, passa por um processo manual de “dobragem“ que é
bastante artesanal. São retirados maços de macarrão que serão “dobrados” manualmente,
antes de entrar na secadora. Após a secagem é retirado das câmaras e colocado também
manualmente na embalagem peça por peça.
No portfolio de produtos, encontramos também, o caneloni, a lasanha, a sopa de letrinhas, que
são responsáveis pelo incremento de margens da empresa, por serem produtos diferenciados,
não mais considerados como commodities.
Verifica-se também um excelente aproveitamento das pontas do macarrão, dentro da linha de
produtos populares, sendo destinado a clientes específicos que pagam um valor inferior, mas
evitando o desperdício.
No processo de industrialização do macarrão do tipo espagueti, a máquina faz o “tubinho” do
macarrão de forma contínua, para depois cortar as pontas, para que todos fiquem do mesmo
tamanho e possam ser embalados uniformemente.
Estas pontas, que aparentemente seriam desperdiçadas, são embaladas em pacotes grandes de
1kg, e são vendidos para supermercados com preços mais baixos, na linha popular. São
fornecidos também para creches, escolas, para elaboração de refeições em massa.
2.1.2) Embalagem
Os processos de embalagem, como já mencionado, são totalmente automáticos, no caso da
massa trafilada e sopa de letrinhas. Mas, para massa caseira e lasanhas o processo é manual.
Com a evolução, as embalagens que eram totalmente transparentes, para que o consumidor
pudesse ver todo o macarrão, passaram a ser melhor trabalhadas. A entrada do macarrão
estrangeiro no mercado induziu alterações nestas embalagens. Não era mais preciso aparecer
todo o macarrão, mas simplesmente janelas, propiciando que as demais partes da embalagem
pudessem ter um desenho com cor, no caso da SCALA, azul marinho. Esta mudança deu uma
conotação de “nobreza” ao produto.
Na SCALA o desenvolvimento do layout das embalagens é feito dentro da empresa. A
confecção da embalagem é terceirizada para uma gráfica que as entrega em rolos no tamanho
certo para que sejam acoplados ao processo de produção no caso das embalagens
automatizadas.
Os estudos destes layouts são feitos por uma pessoa que está diretamente ligada à gerência de
Marketing e ao diretor geral da empresa.
2.1.3) Canais de Distribuição
A empresa atende atualmente a grande São Paulo, parte do interior (Campinas e Indaiatuba) e
Baixada Santista.
Para que o atendimento fosse otimizado, foi criada uma frota própria de pequenos caminhões
para a distribuição dos produtos, com uma logística específica para este fim.
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Possui uma equipe de vendas de 12 a 30 vendedores que são representantes autônomos e ao
mesmo tempo repositores nas gôndolas dos supermercados e padarias. Cada representante tem
10 rotas para visitas a cada 15 dias, com exceção nos supermercados que pode ser semanal.
2.2) A Reestruturação da SCALA
Há aproximadamente dois anos, com a entrada do novo diretor geral da empresa Sr. Élcio
Pellegrini, com grande experiência no setor, a empresa sofreu uma reestruturação.
A reestruturação realizada foi abrangente, passando desde a fórmula básica das massas, pela
produção, pela embalagem, pelos canais de distribuição, o que proporcionou a SCALA
triplicar seu faturamento.
A principal mudança estratégica consistiu na interrupção da entrega para as grandes redes de
supermercados do tipo Companhia Brasileira de Distribuição e Carrefour, que representavam
70% do faturamento da empresa, porém, com contratos extremamente apertados, que
acarretavam margens negativas. Passou-se então a direcionar seus produtos para o pequeno e
médio varejo, por meio de supermercados menores de bairros, tais como a rede de
supermercados d’Avó.
A nova diretoria participa diretamente de todos os setores da empresa. Não existe uma
estrutura específica para o desenvolvimento de novos produtos. Estes acompanham os
concorrentes, que, após uma análise da aceitação dos novos produtos no mercado,
posicionam-se, copiando ou não o novo produto. A freqüência do lançamento de novos
produtos é pequena, de 1a 2 por ano.
No momento atual, aparentemente a empresa sente a necessidade de começar a produzir o
macarrão de “grano duro”, onde a diferença básica é a eliminação do ovo na massa, com a
utilização com trigo especial de alta qualidade. Este mercado hoje é ocupado pelos produtos
importados e recentemente, pelas empresas brasileiras inovadoras.
Para entrada neste mercado, a SCALA necessitaria ampliar suas instalações, construção de
uma nova planta. Com a estrutura atual, seria impossível implantar novos produtos pela
limitação física, sendo um dos impedimentos para a expansão de novos lançamentos.
Como já referenciado, a fórmula básica da massa e o processo de fabricação da maioria dos
macarrões são idênticos. Assim sendo, para otimizar a utilização das suas máquinas, a
empresa fabrica macarrão para concorrentes, tais como a Mazzarela.
Por ser um segmento de commodities, este processo de aproveitamento das máquinas ociosas,
se bem empregado, pode minimizar os custos fixos, trazendo vantagens para a empresa.
No geral, quando as empresas produzem para as concorrentes, com o tempo acabam
comprando a marca, que na maioria dos casos está com problemas financeiros. Aumenta-se
assim, sua participação no mercado, eliminando um concorrente.
3) O Mercado de Massas
3.1) Setor de Macarrão
Para a apresentação do setor de massas, será utilizada a metodologia de Farina et al. (1997). O
modelo consiste da análise dos diversos ambientes em que a SCALA está inserida, o
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organizacional, o institucional, o tecnológico e o competitivo, que levam a adoção de
estratégias individuais e conseqüente desempenho das empresas.
3.1.1) Ambiente Institucional e Organizacional
O setor de macarrão é representado pela Associação Brasileira das Indústrias de Massas
Alimentícias, a ABIMA. A criação de uma auto-regulamentação visando gerar credibilidade
ao macarrão indica a alta representatividade desta entidade de classe no desenvolvimento do
setor. Esta regulamentação, conhecida como Programa Selo de Garantia Abima, certifica que
o produtos segue rigorosos padrões internacionais de controle e qualidade.
A Associação mantêm constantes investimentos em marketing e comunicação para incentivar
e alavancar o consumo de macarrão no Brasil, além de constantes reivindicações junto ao
governo no que diz respeito à estímulos para produção e oferta de trigo nacional.
3.1.2) Ambiente Competitivo
Historicamente, o setor de macarrão no Brasil pode ser dividido em duas fases: antes da
década de 90 e depois. Até o início da década de 90, houve anos de subsídios ao trigo, um
interferência que resultou no desestímulo das empresas em investir em diferenciais de
mercado tais como marketing e comunicação, desenvolvimento de embalagens, pesquisas aos
consumidores e inovação em produtos. A fixação de preços causava grandes distorções no
mercado e contribuíram para a incerteza do ambiente competitivo.
Ao fim do subsídio ao trigo, os investimentos no setor foram incentivados pela busca
crescente em diferenciais competitivos que refletiram em um novo padrão de concorrência e
no forte estímulo à diferenciação de produtos com a entrada de produtos estrangeiros no
mercado brasileiro. A globalização, juntamente com a redução das barreiras alfandegárias
tornou o país mais atraente para os investidores externos e, ao mesmo tempo alavancou as
importações, facilitando a entrada de novas empresas e produtos.
O Plano Real aumentou o poder de compra de uma parcela da população que estava à margem
do consumo de produtos do setor de macarrão. O aumento na demanda por macarrão tornou
ainda mais importante a criação de diferenciais competitivos. As empresas passaram a
desenvolver produtos focando nas necessidades crescentes do consumidor que se tornava cada
vez mais exigente com a entrada de produtos importados. A inovação não se restringiu aos
produtos, mas também esteve presente nas embalagens, nos canais de distribuição e no
relacionamento com os clientes.
A criação do Programa Selo de Garantia ABIMA, contribui para que a oferta de produtos nos
padrões internacionais de controle e sanidade e, de acordo com a ABIMA, contribui para que
o País atingisse a posição de terceiro produtor de macarrão do mundo, atrás somente da Itália
e Estados Unidos, com 1 milhão de toneladas/ano. A capacidade de produção instalada no
país é, aproximadamente, de 1.400.000 toneladas/ano.
Diante da capacidade produtiva instalada nas indústrias brasileiras e da disposição da
categoria em progredir, as perspectivas são otimistas. Além de promover o aumento do
consumo per capita interno através de ações planejadas e estruturadas de comunicação, o setor
pretende explorar as possibilidades de exportação, buscando a competitividade do macarrão
brasileiro no mercado mundial.
3.1.3) Ambiente Tecnológico
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Em 2002 o macarrão seco representou 85% do consumo de toda a categoria. Dentro deste
segmento de macarrão seco, as maiores participações foram do sêmola com 44,6%, macarrão
com ovos respondeu por 29,3% e macarrão comum representou 18,4% das vendas. Macarrão
de grano duro representou 3,4%, seguido de macarrão caseiro com 3,4% e granel com 0,5%.
Em termos tecnológicos, não existe fator de diferenciação entre empresas para a produção de
macarrão seco, que representa o maior segmento do setor de macarrão. As empresas atuantes
neste segmento estão voltadas para uma estratégia de custos, em que os investimentos são
focados em redução de custos em detrimento de diferenciação tecnológica.
Macarrões de valor adicionado tais como os “pratos prontos” podem ser considerados um
segmento em que são possíveis ganhos competitivos por barreira de entrada à tecnologia.
Entretanto, ressalta-se que a barreira refere-se ao investimento na compra dos equipamentos
de fabricação, não diz respeito ao desenvolvimento do processo de fabricação.
3.2) Estratégias Individuais e Desempenho
Empresas atuantes no segmento de macarrão podem adotar estratégia de custos ou de
diferenciação. No primeiro caso, os investimentos focam reduções de custos que garantam
margens aos menores preços possíveis ao consumidor. Assume-se o posicionamento do
produto como commodity e não há incentivos de adição de valor pelo consumidor. No
segundo caso, a empresa pode investir na criação de sua reputação associada à marca,
esperando o reconhecimento do consumidor através do pagamento de um prêmio pelo seu
produto.
A SCALA atua no segmento de macarrão seco em que se observam empresas competindo
pela sobrevivência no mercado commoditie. Não há incentivos à inovação de produtos e
processos. A SCALA direciona suas pesquisas e desenvolvimentos para projetos sinalizados
pelos seus concorrentes, numa clara estratégia seguidora.
Os projetos de inovação na SCALA são incrementais, ou seja, são feitas pequenas melhorias
em seu produto. O desenvolvimento da embalagem do macarrão ilustra esse direcionamento.
Em resposta aos produtos importados, a SCALA passou a utilizar papel em suas embalagens
de forma a melhorar a apresentação do seu produto. Antes do aumento da concorrência, o
macarrão era embalado por um filme plástico e ficava totalmente exposto, com pouca área
coberta pela marca ou textos sobre o produto.
3.3) Inovação no Mercado Popular Brasileiro
Nascimento e Yu (2003) realizaram uma pesquisa exploratória, em que foram identificados
produtos populares e as estratégias de inovação que as empresas utilizam para atender este
mercado. Os autores apresentaram diversos estudos que posicionam o mercado popular como
uma oportunidade de inovar e produzir em escala sem enfrentar a concorrência das
multinacionais. O mercado popular brasileiro é de 84 milhões de pessoas, composto por
famílias que recebem entre 2 e 10 salários mínimos, segundo a análise dos autores sobre a
Pesquisa de Orçamentos Familiares, POF 98/99.
Sob o paradigma da organização industrial, as empresas do segmento popular estão inseridas
num mercado que apresenta uma determinada estrutura-conduta-desempenho que deve ser
considerada nas estratégias dessas firmas, Farina et. al. (1997). O perfil de renda da população
alvo define um conjunto de atributos dos produtos para o segmento popular, que se traduz no
desafio da gestão da inovação: desenvolver produtos e processos que atendam as exigências
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do segmento com a máxima diferenciação possível dentro de uma estratégia de custo mínimo
de desenvolvimento.
Nesse sentido, Nascimento e Yu (2003) identificaram um conjunto de estratégias de inovação
utilizadas pelas firmas atuantes no mercado de produtos populares no Brasil. Em sua maioria
não se trata de inovações radicais. A diferenciação surge na forma com a qual as tecnologias
disponíveis são utilizadas que por estarem acompanhadas de outras estratégias tais como: uma
distribuição física diferenciada e ágil, foco de atuação em regiões de periferia, condições de
vendas menos rigorosas, associação de marca com ídolos populares e agilidade no
desenvolvimento de produtos.
4) O Processo de Inovação na SCALA
O processo de inovação da SCALA será analisado a partir do modelo sugerido por Clark e
Wheelwright (1993). A Figura 1 apresenta esquematicamente o modelo desenvolvido pelos
autores.
Os autores destacam a constante interação entre a estratégia do produto para o mercado com a
tecnológica, devendo margear todo o processo. No início, as ações direcionam-se para a
avaliação e previsão das tecnologias e das necessidades do mercado, definindo-se assim os
objetivos do desenvolvimento. Na seqüência, o plano agregado analisa todo o leque de
possíveis projetos de desenvolvimento, priorizando-os. Nesta etapa, consideram-se os
recursos existentes, os tipos de projetos, variando de incrementais com baixa complexidade,
os de plataforma, e os que realmente quebram conceitos, sendo seu desenvolvimento
extremamente complexo. A análise do mercado contribui para a definição do momento ideal
para a conclusão do projeto e a tecnologia existente na capacidade da organização de gerar
estes produtos. A última etapa consiste no gerenciamento e execução dos projetos, discutindo
a organização da equipe no projeto, da baixa dedicação à exclusividade na condução processo.
Destacam-se também as interações entre as diferentes áreas da organização, o marketing, a
engenharia e a manufatura. O gerenciamento da execução do processo deve ser capaz de
formatar uma equipe que integre as diferentes áreas funcionais, promova a participação da
alta gestão, permitindo assim, o desenvolvimento do processo conforme o planejado. Com o
tempo, a organização aprende com o processo, aprimorando-se continuamente.
Figura 1: Processo de Desenvolvimento de Produtos
a partir de Clark e Wheelwright (1993)
Avaliação
e Previsão
da
Tecnologia
Objetivos
Desenvolvimento
Plano de
Projeto
Agregado
Gerenc. e
Execução
do Projeto
Avaliação
e Previsão
do
Mercado
Aprendizado e Melhoria
Pós-projeto
Estratégia de Tecnologia
Estratégia de Produto / Mercado
Fonte: Adaptado de Marson e Klement
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4.1) Objetivos do Desenvolvimento na SCALA
Na SCALA, a desestruturação do processo de desenvolvimento é evidente, entretanto,
possível para uma organização deste porte. Os responsáveis pela tomada de decisão e
formulação das estratégias são os mesmos que desenvolvem o processo.
Neste segmento, as inovações focalizam-se no desenvolvimento de embalagens,
especialmente no visual, e na logística de distribuição. As tecnologias adotadas pelas
empresas do setor são semelhantes, assim como, os custos de produção. Os insumos
necessários são de fácil acesso, no entanto, o canal de distribuição pode ser um fator
diferencial.
Neves (2000) analisou diversos autores sobre marketing e traz inferências sobre o marketing
no setor de alimentos. O autor conclui que existe dificuldade crescente para as empresas
manterem vantagem competitiva através de produto, preço e comunicação. Do composto de
marketing, o canal de distribuição é o que apresenta maiores possibilidades de criação de
diferencial competitivo, dada sua característica de longo prazo no planejamento,
implementação e manutenção dos canais.
Como já referenciado há dois anos atrás, a SCALA inovou no processo de distribuição,
desligando-se dos tradicionais canais de distribuição compostos por grandes varejistas, para
focar em entregas pulverizadas no pequeno varejo localizado nos bairros da grande São Paulo.
Na outra vertente, a empresa procurou incorporar as inovações no visual das embalagens das
líderes do setor, como a redução da transparência nas embalagens plásticas. A
comercialização de seus produtos em caixas de papel revela-se como uma inovação. Para a
maioria do publico de alta renda, as inovações da SCALA não seriam fatores de
diferenciação, mas para seu público alvo, sim. Após a implementação das novas estratégias,
em dois anos a SCALA triplicou seu faturamento, sinalizando um desempenho positivo com o
processo de inovação adotado.
Na SCALA, os objetivos do processo de desenvolvimento de produtos estão pautados na
percepção dos gestores, tendo o envolvimento das áreas de marketing e de manufatura.
Verifica-se um consenso de que no setor onde a empresa atua, margens restritas e produtos
direcionados para clientes de baixa renda, a estratégia de desenvolvimento deve ser pautada
na análise e cópia da concorrência, sendo uma empresa seguidora. As avaliações de mercado
buscam identificar as características dos produtos das empresas líderes, e a tecnologia
envolvida no processo. Assim, em função do atual posicionamento da empresa, o conceito
central do processo baseia-se na observação e cópia das líderes, reduzindo o risco de
desenvolvimento da SCALA, e permitindo um posicionamento compatível com sua
estratégia.
Tanto o desenvolvimento de embalagens como a logística de distribuição são de propriedade
da empresa. As relações dos responsáveis com a alta gestão de manufatura e marketing são
constantes, possíveis em função do pequeno porte da empresa.
Os produtos básicos, macarrões de massa trafilada, são commodities, representando o grande
giro da empresa, mas com margem restrita. Já os macarrões de massa caseira, lasanhas e
canelones, são produtos que contribuem com maior margem, mas com pequeno giro. No
processo de obtenção de informações de mercado, a identificação de novos lançamentos do
concorrente também é crucial, para que em um segundo momento, a SCALA possa tentar
introduzi-los no mercado.
4.2) Plano de Projeto Agregado
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A SCALA conta com uma pequena equipe de desenvolvimento de projetos, sendo que apenas
um colaborador é formalmente responsável por obter informações no mercado. Tenta-se
assim, reproduzir tendências de embalagens e novos produtos, desde que se utilizem da
mesma tecnologia. Os demais membros da organização, especialmente os gerentes de
manufatura e marketing, auxiliam no processo de desenvolvimento, trazendo o conhecimento
do setor.
Os recursos são escassos, e para atuar neste segmento, qualquer custo adicional pode
inviabilizar o negócio. Com isso, o processo é intuitivo, possível em função das inovações
serem visíveis e incrementais. As empresas líderes são as que realmente investem nas grandes
mudanças, antecipando-se no mercado e focando no consumidor de alta que renda que paga
pelos novos lançamentos.
Anualmente, de um a dois novos produtos são lançados no mercado pela SCALA, sempre
seguindo a tendência das líderes. Até o momento esta estratégia é possível, entretanto, com a
saturação das possibilidades de melhorias evidentes, a empresa será forçada a investir mais no
processo de desenvolvimento. Este processo poderá ser sempre retroalimentado pelo
desenvolvimento das líderes.
Quando a inovação carece de investimentos em tecnologias no processo, como a mudança do
método de produção tradicional para o trigo de grano duro, os tomadores de decisão se
reúnem e analisam a viabilidade deste investimento. Mas como já reportado, a tecnologia é
conhecida, cabendo a empresa apenas avaliar os custos e benefícios do investimento. No
momento atual, a SCALA sente a necessidade de investimentos nesta direção.
Apesar da SCALA apresentar poucos recursos direcionados para o desenvolvimento de
produtos, estes não suficientes, não gerando disputas. O projeto é hierarquizado de acordo
com possibilidade de retorno do mesmo para a empresa.
4.3) Gerenciamento e Execução de Projetos
Os projetos de desenvolvimento não são formalizados, e são conduzidos simultaneamente
pelo responsável pelas inovações nas embalagens e pelos gerentes de marketing e manufatura.
A equipe não tem dedicação exclusiva para este processo, entretanto, ao desenvolver as
atividades cotidianas, dá-se atenção especial a possíveis fatos que possam ser geradores de
idéias, e conseqüentemente serem transformadas em novos produtos. Destaca-se a especial
atenção ao mercado, as mudanças são rapidamente incorporadas nos produtos, sendo um
processo extremamente ágil, sem burocracia e com baixo custo. A formalização do processo
poderia burocratizar o desenvolvimento, reduzindo a agilidade e aumentando os custos.
As diferentes áreas funcionais atuam em conjunto, controlando o processo, sendo a gerência
de marketing o ponto central do processo.
Pelo fato do processo não ser formalizado, algumas oportunidades de mercado podem ser
perdidas, sem que os gestores percebam. O processo está centrado em pessoas, sendo que um
erro individual, ou a saída de um colaborador estratégico, pode gerar prejuízos a
competitividade de toda a empresa. A elaboração de um guia metodológico poderia difundir
os procedimentos a todos, sem perder a agilidade e não gerando custos adicionais.
O processo de desenvolvimento em novos canais de distribuição poderia ser melhor
explorado, as possíveis inovações não são facilmente copiáveis como no caso das embalagens
e dos novos produtos.
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5) Conclusões
Como já mencionado, o segmento de produtos populares requer uma produção com o menor
custo possível, nesta linha, na SCALA, todas as atividades que possam gerar despesas são
cortadas, como um processo de pesquisa e desenvolvimento estruturado. Entretanto, a
estratégia adotada, seguidora das líderes, só é possível em função do atual patamar da
empresa, onde os “saltos tecnológicos” são visíveis e facilmente traduzido em ações.
Com o aprimoramento da concorrência e o crescimento da SCALA, o processo de inovação
deverá ser estruturado, em maior ou menor intensidade, dependendo da necessidade de
competitividade perante o setor. Mesmo que o foco continue em produtos populares, a
empresa deverá dar destaque as inovações que permitam a redução de custos, como a
incorporação de novas tecnologias que permitam uma produção mais eficaz, assim como, uma
logística de baixo custo que atenda seu público alvo, própria, terceirizada ou híbrida.
Outro ponto de destaque refere-se a capacidade de controle das atividades de inovação,
praticamente inexistente na SCALA. A estruturação do processo de inovação facilitaria a
avaliação e monitoramento de todas as atividades, desde a geração de idéias, até a
concretização das ações. Entretanto, vale ressaltar que a inovação da SCALA é extremamente
ágil, direcionada para o mercado e o mais importante para este segmento, com baixo custo e
risco. A estruturação destas atividades poderia engessar os procedimentos, sendo um trade-off
que a SCALA terá que equilibrar a todo o momento.
Como já apresentado na introdução, grande parte das inovações no segmento de produtos
populares estão nos procedimentos complementares, como na logística de distribuição e nas
embalagens, não na tecnologia empregada no processo produtivo. Neste sentido, discutir o
limite da firma é fundamental para manutenção do sucesso da empresa, questionando até que
ponto a SCALA deve fazer, ou o que ela pode comprar no mercado, e como deve ser
estruturado este relacionamento. No caso de embalagens, as atividades de criação estão sob o
controle da empresa, mas a produção é terceirizada. Em contra partida, toda a logística de
distribuição está internalizada, sendo estratégico na nova estratégia de penetração no pequeno
varejo. Avanços na direção de desenvolver agentes especializados em transporte que
assumam parte do risco com a SCALA poderiam trazer novas vantagens competitivas para
todo o sistema, que não se limita apenas a SCALA, mas a todo um conjunto de fornecedores e
distribuidores.
Assim, no curto prazo, sugere-se que a empresa foque nas melhorias visíveis, tanto internas,
como em produtos proveniente da análise da concorrência. A logística de distribuição
totalmente internalizada poderia ser revista, desenvolvendo possíveis alternativas híbridas,
mantendo sob controle da empresa, apenas uma reserva que permita suprir emergências.
Quanto ao mercado, novos produtos são lançados a todos os dias, e a estratégia da empresa
permite acompanhar as tendências. Uma análise mais rigorosa poderia permitir que a empresa
operasse nos novos segmentos com maior margem, que tradicionalmente são capturados pelas
líderes e seguidoras mais ágeis. No caso da massa de grano duro, provavelmente em um
futuro bem próximo, grande parte das seguidoras passarão a produzi-lo, transformando-se em
um mercado típico de commodities. A lentidão na tomada de decisão pode levar a adoção de
ações tardias que terão impacto na competitividade da empresa.
No longo prazo, com o passado vitorioso e grandes perspectivas de crescimento, a SCALA
terá que estruturar todo um processo de identificação de ameaças e oportunidades, para traçar
uma linha de ação, uma vez que os avanços não serão mais tão visíveis como atualmente.
Estes procedimentos deverão extrapolar os mecanismos de inovação tecnológica. Como já
ressaltado, grande parte da construção do diferencial competitivo da empresa deverá estar
pautado na capacidade de desenvolvimento conjunto com fornecedores e distribuidores. A
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definição do limite claro da firma, assim como, o desenho dos contratos de relacionamento
com os parceiros deverão ser evidentes.
6) Referências Bibliográficas
ABIMA “Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias”. Endereço
eletrônico: www.abima.com.br, Consulta em junho/03
CLARK, K. B. & WHEELWRIGHT, S. C. “Managing New Product and Process
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Planejamento Pré-projeto”. Apresentação em sala de aula no curso de Administração da
Inovação em Produtos e Processos (EAD 5919) na FEA/USP. 2003.
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KERLINGER, F.N. “Metodologia de Pesquisa em Ciências Sociais: um tratamento
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