o caso do estudante que criticou a república num exame de

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A HISTÓRIA DO BRASIL CONTADA PELA ADVOCACIA-PÚBLICA CONSULTIVA
O CASO DO ESTUDANTE QUE CRITICOU A REPÚBLICA NUM EXAME DE MADUREZA- 1907
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy1
Respondendo a um Aviso do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, o Consultor-Geral da
União opinou, em 1907, a propósito de suposta injúria cometida por estudante em exame de
madureza. Questionou-se a legalidade de aplicação de regra do Código de Ensino então vigente
que penalizava estudante por teria insolentemente se referido à República, em desfavor do
Império, respondo a questão proposta em exame de natureza.
Como se lerá no parecer, o estudante ao dissertar sobre o alcance social da proclamação
da República havia escrito que no Império havia caracteres, e que na República não os havia. E que
no Império a moralidade era representada na figura respeitável do Imperador, enquanto que na a
República vingava o regimento da imoralidade, do filhotismo, da sem-vergonhice e da ladroeira.
O estudante fora reprovado com base no argumento de que faltara com respeito e atenção
para com a banca examinadora.
No entanto, entendeu o parecerista, deveria se provar objetivamente que os examinadores
teriam sido desacatados ou injuriados, pessoalmente, pelo aluno que se reprovou.
Reconheceu-se que as frases lançadas na prova eram de fato insólitas. Porém, não
atingiam diretamente aos professores que aplicaram o exame. Evidenciou-se tratar-se de juízo
apaixonado sobre formas de governo. Não havia, na compreensão do parecerista, a pessoalidade
do tratamento injurioso, que a penalização reclamava. Segue o parecer.
Gabinete do Consultor Geral da República. Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1907.
Sr. Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores.
Respondo a consulta formulada no Aviso desse Ministério n. 1.860, de 12 do mês findo e
papéis que o acompanham, sobre saber se foi legal a aplicação, em ato regido pelo Código
do Ensino e pelo Regulamento do Ginásio Nacional, do dispositivo penal consignado nas
Instruções de 23 de novembro de 1901.
O estudante Leven Vampré, prestando exame de madureza no Ginásio da Capital do Estado
de S. Paulo, na prova escrita de português, que versava sobre o tema “A proclamação da
República e seu alcance social”, escreveu o seguinte:
“No Império havia caracteres, na República não os temos. O Império era a moralidade
representada na figura respeitável do Imperador, a República é o regimento da
imoralidade, do filhotismo, da sem-vergonhice, da ladroeira”.
1
Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ConsultorGeral da União.
Em virtude disto, conforme informou o delegado fiscal respetivo, foi aquele examinando
reprovado, fundamentando a mesa examinadora esse ato no dispositivo do art. 64 das
instruções aprovadas pelo decreto n. 4.247, de 23 de novembro de 1901, que é redigido
nestes termos:
“Os candidatos que forem encontrados com livros, apontamentos ou quaisquer notas
particulares, serão excluídos do exame e considerados como reprovados. Na mesma
disposição incorrerão os que não se portarem com o devido respeito e atenção.”
Ora, as referidas instruções regulam os exames parcelados, e porque as penalidades
estabelecidas nessas instruções são restritamente imputáveis aos candidatos a tais exames,
seria exorbitante aplicá-las a examinandos de outra natureza, e que tem a sua lei nas
disposições do Código do Ensino e Regulamento do Ginásio Nacional, onde nada se dispôs
sobre o assunto.
Quando, porém, se pudesse aplicar aos examinandos de madureza o preceito do citado art.
64, ainda assim não teria razão de ser a imposição da pena de que se trata, porque seria
necessário provar que a mesa ou os examinadores houvessem sofrido desacato ou sido
injuriados. Ora, para que se verifique desacato ou injúria a autoridades ou corporações
oficiais é indispensável que o ultraje ou ofensas sejam dirigidos a pessoas que representem
a autoridade pública, no exercício de suas funções. E outro não pode ser o sentido das
expressões empregadas naquele artigo.
Portanto, ainda que se considerem insólitas as frases escritas na prova pelo examinando,
desde que tais frases não tenham por fim ofender os professores, não havendo o animus,
isto é, a intenção dolosa, mas apenas um juízo apaixonado sobre formas de governo, que
são coisas abstratas, sem personalidade em que recaia a ofensa, segue-se que os
examinadores deviam ter julgado as provas pelo seu valor histórico-científico.
Penso, pois, que o recurso merece provimento para ordenar que as provas sejam julgadas
segundo o seu valor científico. — T.'A. Araripe Júnior.
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