1 ASPECTOS DA REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA DE

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ASPECTOS DA REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA DE ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: 1º e 4º CICLOS
DOMINGOS, Mausy M. M. Universidade Estadual de Maringá. Mestranda em
Geografia PGE-UEM. Bolsista da CAPES. Av. São Domingos, 167 Maringá-Pr.
[email protected]
CALSA, Geiva C. Universidade Estadual de Maringá. Professora do Departamento de
Prática e Educação DTP-UEM. R. Montevidéu, 206 Maringá-Pr. [email protected]
RESUMO: A representação do espaço, por meio da cartografia, constitui tema relevante da
Geografia como disciplina. Contudo, pesquisas tem demonstrado que a elaboração e
interpretação de recursos cartográficos compreendem o rol de dificuldades encontradas pelos
acadêmicos desse curso. Tendo em vista a importância deste tema para a formação do
geógrafo, este projeto objetivou investigar a concepção de espaço geográfico dos alunos do
ensino fundamental por meio de sua representação do espaço vivido. O estudo foi realizado
com 30 alunos de cada série do ensino fundamental de três escolas públicas – duas urbanas e
uma rural. Aos alunos solicitou-se que desenhassem livremente sua sala de aula em uma folha
de papel em branco. A análise dos desenhos foi realizada de acordo com os elementos que
continham e a perspectiva na qual o espaço geográfico foi representado. Levando-se em conta
as perspectivas apresentadas nas representações, verificou-se indefinição na adoção das
perspectivas; demonstrando influenciar na construção do espaço e sua representação. Os
dados sugerem a necessidade de uma abordagem didática direcionada ao desenvolvimento da
percepção e representação do espaço geográfico.
Palavras-chave: educação, representação, espaço geográfico
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ASPECTS OF THE CARTOGRAPHIC REPRESENTATION OF STUDENTS IN THE
FUNDAMENTAL TEACHING: 1º AND 4º CYCLES
ABSTRACT: The space representation, through the cartography, constitute theme of the
Geography as discipline. However, researchs have been demonstrating that the elaboration
and interpretation of cartographic resources understand the list of difficulties found by the
academics of that course. Tends in view the importance of this theme for the geographer’s
formation, this project aimed to investigate the conception of the students’ of the fundamental
teaching geographical space through the representation of the lived space. The study was
accomplished with 30 students of each series of the fundamental teaching of three public
schools – two urban and a rural one. It was requested to the students that they drew the
classroom freely in a paper in white. The analyses of the drawings was accomplished in
agreement wich the elements that contained and the perspective in which the geographical
space was acted. Being taken into account the perspectives presented in the representations,
vague stance was verified in the adoption of the perspectives demonstrating to influence in the
construction and representation of the space. The data suggest the need of a didactic approach
addressed to the development of the perception and representation of the geographical space.
Key-words: education, representation, geographic space
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INTRODUÇÃO
A partir do entendimento de que o homem é um ser social e que tem a educação como
aspecto relevante em sua história, pode-se entender que estudos sobre a representação são
relevantes, pois auxiliam na reflexão da prática pedagógica e na melhoria do processo ensinoaprendizagem. Nesse contexto as atividades educacionais voltadas para a construção e
representação do espaço, desenvolvidas pelas escolas, assumem um papel de destaque.
O estudo do espaço sob a perspectiva geográfica permite entendê-lo por meio da
“análise e reconhecimento de lugares e territórios produzidos pelo homem à medida que
organiza economicamente e socialmente” (Brasil, 1997, p. 27). Nesse contexto a leitura e
interpretação de mapas fornecem subsídios para o entendimento das dinâmicas responsáveis
pela configuração desse espaço. Dessas acepções pode-se entender que a compreensão das
variáveis presentes tanto no espaço natural como no construído pelo homem necessita da
linguagem cartográfica.
Segundo os Parâmetros Curriculares (Brasil, 1997), a Geografia oferece instrumentos
para compreensão e intervenção na realidade social, pois trabalha com diferentes recortes do
espaço-tempo e com a pluralidade de lugares. Do ponto de vista pedagógico, muitos dos
recursos utilizados por esta disciplina, como os mapas, requerem olhar cuidadoso por parte
dos professores. Determinados produtos cartográficos pressupõem pleno domínio da visão
oblíqua e vertical, da imagem tridimensional e da imagem bidimensional, do alfabeto
cartográfico (ponto, linha, área), e da orientação espacial.
Segundo Ramires (1996, p. 11), a cartografia é considerada importante desde as
primeiras civilizações (babilônios, gregos e romanos) que a partir de objetivos distintos
produziam mapas mesmo sem domínio do “conhecimento” cartográfico. A história revela que
a “(...) diferença fundamental entre os primeiros mapas e a cartografia, [...], está no
desenvolvimento, cada vez maior, das técnicas e na crescente socialização do mapa como
meio de comunicação”.
O autor comenta que apesar disso, a observação seguida da representação gráfica
constitui-se dificuldade para o alunado quando não trabalhada de forma condizente com o
nível de seu desenvolvimento cognitivo. A respeito dessa questão, autores como Almeida, et
al. (2002) defendem que o processo de aquisição da linguagem cartográfica – alfabetização
cartográfica - permite o desenvolvimento da capacidade de leitura, da comunicação oral e da
representação do que está impresso nas imagens, nos desenhos, nas plantas baixas e nas
maquetes.
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Nas revisões de literatura sobre o assunto, dados do INAF - Indicador Nacional de
Alfabetismo Funcional (FONSECA, 2004) mostram que o ensino de Geografia não tem
atingido plenamente seus objetivos no processo de ensino-aprendizagem pertinentes ao
Ensino Fundamental. Particularmente em relação ao espaço geográfico, os dados evidenciam
dificuldades acentuadas dos alunos nas atividades de construção, leitura e interpretação de
mapas. Mediante essas constatações, considerou-se oportuno por meio deste estudo investigar
a concepção de espaço geográfico dos alunos do ensino fundamental de escolas públicas
urbanas e rurais.
O ESPAÇO COMO OBJETO DE ESTUDO GEOGRÁFICO
Estudos (LENCIONE, 1999) referentes a evolução do pensamento geográfico apontam
quedesde a antigüidade, as escolas gregas (Jônica, Pitagórica, Alexandrina) preocupavam-se
em estudar o espaço. Aristóteles, filósofo grego, por exemplo, buscava interpretar terremotos
e aumentar os conhecimentos sobre a drenagem dos rios como a do Mediterrâneo. Pode-se
entender, com base nos estudos de Lencione (1999) que o espaço, há muito, constitui-se um
dos objetos de estudo da ciência geográfica.
Dentre muitos autores que compartilham das idéias da Geografia como ciência
moderna, há de se mencionar Christofoletti (1983) e Moraes (1989), os quais comentam que,
a preocupação com a conexão dos elementos do espaço terrestre e as inquietações com os
aspectos antropogêncicos já fizeram parte foco dos estudos geográficos desenvolvidos por
Humboldt e Ritter no século XIX. Tais afirmações reforçam a concepção do espaço como
objeto de estudo da Geografia.
Já na fase correspondente à Moderna Geografia, após a Segunda Guerra Mundial,
organizada sob a tutela do neo-positivismo o espaço foi concebido como principal objeto de
estudo dessa ciência (LENCIONE, 1999).
Nesse particular o conhecimento do espaço físico e social do campo e da cidade
constitui uma necessidade indispensável à sobrevivência da humanidade. Numa perspectiva
histórica, o conhecimento do meio precedeu das atividades dos homens, e estas, por sua vez,
refletem-se nas diferentes formas de organização do espaço.
Nesse processo de apreensão do espaço que se transforma mais e mais pelo fenômeno
da urbanização, tem-se a linguagem gráfica como principal veículo de comunicação,
amplamente utilizado pelos homens que, enquanto forma de comunicação, reveste-se de
significado. Nesse contexto, há de se considerar como relevantes os trabalhos cartográficos
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que podem ser entendidos como um tratamento intelectual do espaço. Sob esta perspectiva, o
desenvolvimento de conceitos da linguagem cartográfica constitui aspecto significativo.
O estudo da representação gráfica requer considerar um universo de variáveis, dentre
elas: a orientação no espaço (mudança de perspectiva); o controle motor; preferências
perceptivas (vertical ou horizontal); a obliqüidade, que “introduz no meio visual a diferença
vital entre configurações estáticas e dinâmicas”; os diferentes tamanhos (fator ou grau de
importância do objeto representado); as perspectivas; à cognição (desenvolvimento visual); o
espaço real (dimensões vertical, horizontal e oblíqua); a profundidade (obliqüidade e a
percepção) (ARNHEIM, 2000, p. 177).
No primeiro ciclo (1ª e 2ª séries) do ensino fundamental, segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Geografia (BRASIL, 1997), os desenhos expressam as
características e procedimentos de registro utilizados pela própria disciplina. Além disso,
afirmam que no desenho os alunos utilizam mais objetivamente noções de proporção,
distância e direção, fundamentais para a compreensão e uso da linguagem cartográfica.
Esses documentos afirmam também que a construção da linguagem cartográfica deve
considerar os referenciais que os alunos já utilizam para se localizar e orientar no espaço.
Nesse sentido, a partir de situações nas quais compartilhem e explicitem seus conhecimentos,
o professor pode criar situações que permitam esquematização e ampliação das idéias de
distância, direção e orientação. O estudo do meio, o trabalho com imagens e a representação
dos lugares são recursos didáticos que permitem aos alunos construção e reconstrução, de
maneira cada vez mais ampla e estruturada das imagens e percepções que têm da paisagem
local.
No segundo ciclo (3ª e 4ª séries) do ensino fundamental, o estudo sobre a
representação do espaço segue o modelo do primeiro ciclo, embora de forma mais elaborada.
Nesse grau de ensino são estudadas as noções de distância, direção, orientação, proporção e
escala. Os alunos devem compreender que para representar o espaço é preciso obedecer a
certas regras e convenções postuladas pela linguagem cartográfica. Metodologicamente é
possível o domínio desse conhecimento por meio da produção de mapas que priorizem
relações com o espaço vivido pela criança.
No terceiro ciclo, 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, destacam-se os seguintes
objetivos: reconhecer que a sociedade e a natureza possuem princípios e leis próprias e o
espaço resulta das interações entre elas; compreender a importância no tempo e no espaço do
local e do global; reconhecer a importância da cartografia como uma forma de linguagem para
trabalhar em diferentes escalas espaciais as representações locais e globais; criar linguagem
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comunicativa apropriando-se de elementos da linguagem gráfica utilizada nas representações
cartográficas; reconhecer referenciais espaciais de localização, orientação e distância.
A alfabetização cartográfica iniciada no 3º ciclo compreende uma série de
aprendizagens necessárias para que os alunos continuem a apreensão dos elementos de
representação gráfica com os quais entraram em contato nos dois primeiros ciclos. O objetivo
da alfabetização cartográfica, segundo os PCNs – Geografia (Brasil, 1997, p. 77), é o de
desenvolver a capacidade de leitura, comunicação oral e representação simples do que está
impresso nas imagens, desenhos, plantas e maquetes. O aluno precisa apreender os elementos
básicos da representação gráfica/cartográfica para que possa, efetivamente, ler o mapa.
O quarto ciclo, 7ª e 8ª séries do ensino fundamental, tem como objetivo compreender
as interações entre sociedade e natureza; utilizar corretamente procedimentos de pesquisa da
Geografia para compreender o espaço, a paisagem, o território e o lugar; fazer leituras de
imagens, de dados e de documentos de diferentes fontes de informação, de modo que
interprete, analise e relacione informações; utilizar a linguagem gráfica para obter
informações e representar a espacialidade dos fenômenos geográficos.
O CONSTRUTIVISMO E A NOÇÃO ESPACIAL
Segundo a abordagem epistemológica de Jean Piaget, o desenvolvimento da noção de
espaço apresenta-se como uma construção que depende de interações entre a realidade, a
percepção e a representação. Esta síntese do desenvolvimento da noção de espaço é reforçada
em outros estudos (OLIVEIRA, 1972, p. 15), os quais concluem que o “conceito geográfico
de espaço não se prende exclusivamente ao geométrico, cinemático e físico, mas, também ao
psicológico. Em geografia, é tão importante a representação como a percepção do espaço”.
A partir da interpretação de que o conceito de espaço também é entendido sob a
perspectiva psicológica, é importante considerar que a construção da noção de espaço
acompanha o desenvolvimento mental, ou seja, esta construção “ocorre desde o nascimento
do indivíduo” (OLIVEIRA, 1999, p. 210).
A construção do conceito de espaço foi amplamente estudada por Piaget e seus colaboradores.
Os estudos desses autores tem oportunizado a elaboração de diferentes trabalhos cujo
enfoque principal é a construção da noção de espaço sob a ótica do desenvolvimento mental.
Miranda (2001, p. 22) comenta que os pressupostos piagetianos “tem sido a principal
referência teórica para a maioria dos trabalhos de pesquisa realizados sobre [...] noções,
conceitos e habilidades espaciais”
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Os estudos com referência piagetiana demonstram existir uma seqüência na construção
do espaço. Em um primeiro momento, as crianças reconhecem objetos familiares; em um
segundo, as formas topológicas; e, por último, coordenam operações em termos espaciais.
Piaget e Inhelder (1993, p.63) constataram que há distinção entre o espaço representativo e o
perceptivo, sendo aquele construído após ter sido construído este. A representação é entendida
como sendo “uma imagem bem distinta da percepção”.
Para os autores, enquanto a percepção é entendida como sendo o conhecimento dos
objetos, resultante de um contato direto, a representação refere-se a objetos não percebidos no
momento, mas rememorados pelo indivíduo. A representação, além de prolongar a percepção,
introduz um sistema de significações. Tem-se, dessa forma, o desenho como sendo uma
representação, pois supõe a construção de uma imagem distinta da percepção.
Os experimentos dos autores permitiram concluir que as dificuldades com relação à
representação gráfica decorrem não somente da inabilidade do gesto que não executa a
intenção, ou da limitação da atenção, mas, sobretudo, pela ausência de instrumentos de
representação espacial, ou seja, das relações entre os elementos do espaço.
Piaget e Inhelder (1993), por meio de estudos de representações gráficas, constataram
que no espaço representativo intervêm diferentes relações entre os elementos espaciais.
Segundo Miranda (2001, p. 54) a construção dessas noções espaciais inicia-se pelo
estabelecimento das relações topológicas que, por sua vez, correspondem à fase na qual
predominam as relações de vizinhança, separação, ordem, envolvimento e continuidade; a
criança mantém sua atenção voltada única e exclusivamente no objeto que lhe serve de
referência para estabelecer relações espaciais com os demais. A criança apresenta dificuldades
em separar os elementos do todo, assim, quando há desenhos com muitos elementos há falta
de coordenação.
A criança somente é capaz de situar os objetos uns em relação aos outros, decorrente
do estabelecimento, em sua estrutura cognitiva, do sistema de coordenadas (relações
euclidianas). Segundo Piaget e Inhelder (1993, p 394),
[...] as coordenadas constituem uma vasta rede estendida a todos os objetos, e consistem em
relações de ordem aplicadas às três dimensões ao mesmo tempo: cada objeto situado nesta
rede é, pois, coordenada em relação aos outros, segundo as três espécies de relações
simultâneas: esquerda x direita, acima x abaixo, frente x atrás.
As relações projetivas, por sua vez, são desenvolvidas simultaneamente com as
euclidianas e permitem à criança coordenar objetos sob pontos de vista diferentes. A autora
entende que a “coordenação de perspectivas implica que a criança organize um sistema de
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referência [...], na qual lhe seja possível articular as dimensões projetivas de direita-esquerda,
frente-atrás e em cima-embaixo, em relação às posições sucessivas de um mesmo observador
“ (OLIVEIRA,1999, p. 211).
Se por um lado, a relação dos objetos entre si se dá pela presença das relações
euclidianas, por outro, a relação dos pontos de vista se dá por meio das relações projetivas.
Segundo Piaget e Inhelder (1993, p.26), a ausência do desenvolvimento das relações
projetivas implica em “transformações do próprio objeto, e não como uma transformação dos
pontos de vista relativos ao sujeito e ao objeto ao mesmo tempo”.
Com relação à perspectiva, os autores (1993, p. 192) buscaram entender como a
criança constrói sua representação gráfica, solicitando que imaginassem objetos colocados em
várias posições. Constataram que do ponto de vista da percepção, elas percebem que o objeto
muda de aspecto de acordo com suas rotações, mas não conseguem representar a perspectiva
que reconhecem perceptivamente.
Piaget e Inhelder (1993, p. 202) demonstraram que “a descoberta da perspectiva é,
pois, devida a um início de diferenciação e de coordenação dos pontos de vista”. Suas
pesquisas apontam que a representação das perspectivas implica, pois, uma coordenação
operatória, pelo menos consciente entre o objeto e o sujeito.
[...] em resumo, é por ausência de uma tomada de consciência ou de uma
diferenciação representativa dos pontos de vista que a perspectiva não é
representável por tais sujeitos e é por isso que eles se prendem ao objeto, ao
qual emprestam uma espécie de pseudo constância da forma.
A REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO INFLUENCIADA PELO MEIO
O meio em que o sujeito se encontra é caracterizado segundo o momento histórico em
que está vivendo. Segundo Santos (1997), no decorrer de cada etapa do processo histórico da
humanidade o espaço é formado por um sistema de objetos e ações no qual a história acontece.
A partir dessa prerrogativa, o autor afirma que a representação espacial não se baseia apenas
na forma concreta dos fatos, mas também no aspecto da percepção desses elementos.
Nesse contexto, a apreensão dos espaços relaciona-se às diferentes perspectivas que se
fazem presentes na visão de mundo de cada homem. São as experiências que os homens têm
sobre os elementos do espaço que constituem o diferencial no momento de sua análise e
representação. Por outro lado, há de se considerar que toda “representação se faz através de
signos. Um signo é aquele que representa algo para alguém; supõe, portanto, um objeto que é
representado e um receptor a quem se dirige a representação” (FERRARA, 1999, p. 62).
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Diante disso, tem-se que a representação não substitui o objeto, mas seleciona
determinados detalhes do objeto. As representações se fazem a partir de uma concepção ou
escala de valores que o emissor da representação tem do objeto representado. Ferreira (1999)
considera que o receptor do processo representativo apreende aspectos do objeto conferindolhe maior ou menor relevância atribuindo-lhe um duplo vetor de conhecimento: “por um lado,
conhece-se o objeto pelo modo como é representado, por outro, a resposta ao desafio de
representação obriga o indivíduo a re-trabalhar todas as informações assimiladas pela sua
história pessoal”.
Também a partir desse enfoque, Oliveira (1999, p. 188) considera que as
representações espaciais devem ser “abordadas de um ângulo que permita explicar a
percepção e a representação da realidade geográfica como parte de um conjunto maior, que é
o próprio pensamento do sujeito”. Nesse contexto, os diferentes tipos de espaços refletem a
forma como o homem se relaciona com seu meio, e permitem inferir que o meio constitui-se
elemento importante a ser considerado no que tange aos aspectos relacionados às
representações gráficas.
METODOLOGIA
O presente estudo teve como objetivo investigar a concepção de espaço geográfico dos
alunos do ensino fundamental – 1º e 4º ciclos – de escolas públicas (urbana e rural).
Participaram desta pesquisa 142 alunos do 1º ciclo e 138 do 4º ciclo, totalizando 280 crianças
do ensino fundamental. No 1º ciclo a maioria das crianças apresentavam idades entre 7 e 10
anos e quarto acima de anos.
Selecionaram-se escolas localizadas nos dois tipos de regiões estabelecidas, rural e
urbana, com o intuito de verificar se as crianças representam o meio de modo diferente.
Quanto a esse aspecto, Del Rio (1999) aponta que o modo como o espaço é percebido e
representado pelos alunos sofre influências significativas, já que estes são possuidores de
diferentes visões de mundo, conforme o espaço vivido por eles no dia-a-dia. A partir da
definição das escolas estabeleceram-se contatos com as respectivas direções no sentido de se
obter autorizações para o desenvolvimento da pesquisa.
Para a coleta de dados, procedeu-se da seguinte forma: em classe e em presença das
professoras, solicitou-se aos alunos que desenhassem livremente sua sala de aula em uma
folha de papel em branco, constando o nome e a idade de cada criança. Pediu-se que
tentassem representar todos os elementos presentes (teto, ventilador, parede, quadro de giz,
lixeira, porta, carteiras, alunos, chão, etc.). A análise dos dados foi realizada de acordo com a
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classificação de perspectivas: horizontal, vertical, oblíqua e horizontal. Buscou-se relacionar
as idades das crianças e série escolar com a perspectiva adotada, observando postulações da
teoria piagetiana sobre o desenvolvimento da representação do espaço.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Quanto aos tipos de perspectivas adotadas pelos alunos investigados, os resultados
mostraram-se distintos, se consideradas as séries aos quais pertenciam, bem como suas idades
cronológicas.
A análise dos desenhos elaborados por alunos do 1º ciclo do ensino fundamental (1ª e
2ª séries) mostrou que 36,62% de suas representações gráficas não definiram as relações dos
objetos, uns em relação aos outros, a partir de um plano de conjunto (Figura 1). Em linhas
gerais, demonstraram ausência de uso de uma das perspectivas analisadas (vertical, horizontal,
obliqua e vertical associada à horizontal. Os dados sugerem inexistência de estabelecimento
de relação entre os elementos do espaço, conforme é esperado para a faixa etária desse ciclo .
Os dados revelaram também no primeiro ciclo -1ª e 2ª séries (Figuras 1 e 2) o
predomínio no uso da perspectiva horizontal, 40,14%, bem como uma incidência importante
de associação das perspectivas horizontal e vertical, somando 15,49%. A freqüência da
perspectiva horizontal no 1º ciclo evidencia o predomínio das relações topológicas em suas
representações gráficas.
Por outro lado, os índices de 3,52% apresentado no uso da perspectiva vertical, no
primeiro ciclo, revela a manifestação reduzida de relações euclidianas. Por outro lado, a baixa
incidência das perspectivas oblíquas chama a atenção quanto aos dados apresentados: 4,23%;
pois evidenciam uma quase inexistente manifestação de relações projetivas nas representações
dos alunos.
O uso de perspectiva indefinida (Figura 1) e maior quantidade de desenhos com
perspectiva horizontal/vertical no 1º ciclo, sugere a ausência de relações euclidianas e
projetivas. Nestas séries, além da maior incidência no uso das perspectivas que coordenam o
eixo horizontal e vertical observou-se nos desenhos que as crianças respeitaram com mais
intensidade as relações topológicas.
A análise dos desenhos feitos por alunos do 4º ciclo do ensino fundamental (7ª e 8ª
séries) evidenciou que 44,93% dos alunos dessas séries optaram pelo uso da perspectiva
horizontal associada à vertical. Esses alunos mostraram-se capazes de situar os objetos no
espaço uns em relação aos outros a partir de um plano de conjunto.
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No 4º ciclo (7ª e 8ª séries), a menor quantidade de representações com perspectiva
horizontal (12,32%) e a maior incidência de uso da vertical (8,69%), horizontal/vertical
(44,93%) e da oblíqua (23,19%), que somadas perfazem o total de 76,81%, respectivamente,
sugere a preocupação desses alunos em expressar graficamente diferentes perspectivas,
proporções, medidas e distâncias dos objetos no espaço.
A partir do ponto de vista desses autores, se pode levantar a hipótese de que as
dificuldades relativas à representação gráfica, evidenciadas nos resultados apresentados entre
os alunos de 1ª e 4ª série, deve-se à inabilidade gestual que não executa a intenção e à
ausência de instrumentos de representação espacial; em outras palavras, o não
reconhecimento de determinados tipos de relações entre os elementos contidos no espaço.
Para esses autores, durante esse período escolar (1º ciclo), inicialmente os alunos
representam o espaço por meio de relações topológicas, mas, aos poucos, iniciam o
estabelecimento de relações euclidianas, que por sua vez, permitem maior quantidade de
representações com perspectiva horizontal, vertical e associação horizontal/vertical. Segundo
Piaget e Inhelder (1993), a criança somente é capaz de situar os objetos uns em relação aos
outros quando do estabelecimento, em sua estrutura cognitiva, do sistema de coordenadas.
Os dados coletados na pesquisa mostraram-se aquém dos esperados pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Geografia em cada um dos ciclos investigados. No primeiro ciclo,
1ª e 2ª séries do ensino fundamental, os PCNs - Geografia (Brasil, 1997) consideram que a
imagem, como representação, já se faça presente. Já no segundo ciclo, 3ª e 4ª séries do ensino
fundamental, espera-se abordagens mais aprofundadas das noções de distância, direção e
orientação.
A incidência de desenhos no 4º ciclo (10,87%) ciclo - com ausência de definição de
perspectiva espacial (Figura 4) sugere persistência de relações topológicas em uma faixa
etária em que não se esperaria este tipo de conduta. Contudo, pelo fato de que o desenho
constitui-se uma representação, tomando como referência os estudos de Piaget e Inhelder
(1982), supõe-se que a construção da imagem dos alunos sobre a sala de aula é diferente
daquela percebida. Essa hipótese pode explicar em parte a situação observada.
Há de se observar que o número de desenhos dos alunos do 4º ciclo com manifestação
de relações espaciais projetivas é significativo, se comparados aos do primeiro ciclo. Esta
maior incidência sugere que a construção das noções espaciais pelas crianças desse ciclo
encontra-se mais adiantada, já que parecem estar estabelecidas em seu sistema cognitivo
relações projetivas que lhes permitem diferenciar e coordenar diferentes pontos de vista.
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Novamente é possível constatar as implicações decorrentes da presença e/ou ausência
de ferramentas de representação constatadas nos trabalhos de Piaget e Inhelder (1993), ou seja,
enquanto os resultados do 1º ciclo mostram maior número de representações sem definição de
perspectivas os do 4º ciclo caracterizam-se por apresentar o oposto.
Se considerados em conjunto, 15,49% dos alunos do 1º ciclo (1ª e 2ª séries)
manifestaram em seus desenhos preferência pelo uso da perspectiva horizontal associada à
vertical, enquanto 44,93% dos alunos do 4º ciclo (7ª e 8ª séries) manifestaram preferência por
esta perspectiva. Essa preferência pode ser explicada pelo domínio do espaço euclidiano.
Além disso, somente 10,87% de alunos de idade mais avançada não foram capazes de situar
os objetos do espaço uns em relação aos outros a partir de um plano de conjunto, enquanto
36,62% dos alunos da primeira etapa do ensino fundamental encontraram-se nessa condição.
As representações dos alunos do 1º ciclo (1ª e 2ª séries), quando analisadas segundo a
localização geográfica das escolas (rural e urbana), mostraram-se semelhantes com relação ao
predomínio do tipo de perspectiva adotada. Optaram pela perspectiva horizontal a maioria dos
alunos da escola rural e urbana, 37,77% e 41,24%, respectivamente. O segundo maior índice
dos dois grupos refere-se à não definição da perspectiva espacial do desenho. Na escola rural
55,57% dos alunos não manifestaram definição na perspectiva usada; na escola urbana apenas
27,83% encontraram-se na mesma situação.
Observou-se que as representações dos alunos da escola urbana mostraram-se
diferentes quanto à manifestação das relações projetivas, já que, 6,18% evidenciaram noção
das relações projetivas, enquanto nenhum dos alunos da escola rural demonstraram visão
oblíqua. Dentre as possíveis causas que expliquem estas situações se podem mencionar os
trabalhos desenvolvidos por Antunes (2003) que consideram as condições estimuladoras do
ambiente como fator diferencial na construção de experiências que colaborem na formação da
visão de mundo.
Quando analisados os desenhos dos alunos das duas escolas urbanas do 1º ciclo do
ensino fundamental (central e periférica) observou-se que o número de representações com
ausência na definição da perspectiva foi menor entre os alunos da escola localizada próximo
ao centro do que aquelas evidenciadas pelos alunos da escola localizada no bairro periférico.
Enquanto no primeiro caso, 27,83% não demonstraram capacidade de situar os objetos uns
em relação aos outros; no segundo, 55,57% encontraram-se nesta situação.
Nas representações dos alunos do 4º ciclo (7ª a 8ª séries) do ensino fundamental a
quantidade de desenhos com ausência na definição de perspectiva foi menor entre os alunos
pertencentes à escola situada no espaço rural, ou seja, em 5%. Seus desenhos não
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evidenciaram sua capacidade de situar os objetos da sala uns em relação aos outros. Já na
escola localizada no espaço urbano 13,26% encontraram-se nessa situação.
Um aspecto relevante a ser considerado entre os alunos da escola rural e os das escolas
urbanas é aquele relacionado à perspectiva oblíqua: 32,50 % das representações dos alunos do
4º ciclo da escola rural manifestaram domínio das relações projetivas. Por outro lado, esta
situação não se repetiu entre os alunos das escolas urbanas, nas quais somente 19,39 %
apresentaram sentido de profundidade em seus desenhos.
Tais dados permitem levantar-se a hipótese de que as escolas investigadas não tem
permitido o domínio de diferentes conceitos espaciais. De acordo com Oliveira (1999) tais
resultados podem ser explicados por uma atuação didática que não considera o
desenvolvimento mental da criança no momento em que trabalha aspectos ligados à
construção do espaço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pesquisas acadêmicas relacionadas à representação gráfica do espaço necessitam
considerar questões que dizem respeito ao ponto de vista psicológico, ou seja, a construção do
espaço pelo indivíduo ocorre a partir dos planos perceptivo e representativo.
Os dados coletados no presente estudo reforçam as conclusões de estudos realizados
anteriormente de que o conceito de espaço é construído paulatinamente, na medida em que, na
estrutura cognitiva dos indivíduos, prevalecem diferentes relações entre os objetos presentes
no espaço.
O modo como os alunos do ensino fundamental representaram o espaço da sala de aula
pode estar refletindo o seu desenvolvimento cognitivo nessa área de conhecimento. Nesse
sentido, infere-se que o número significativo de ausência de definição de perspectivas pelos
alunos dos ciclos iniciais (1ª e 2ª séries) está relacionado à ausência do estabelecimento de
coordenadas em sua representação espacial. Por outro lado, o perceptual menor de indefinição
de perspectivas apresentadas nas representações dos alunos pertencentes ao 4º ciclo (8ª série)
revela desenvolvimento mais avançado da construção do espaço e sua representação por parte
desses indivíduos.
Dessa perspectiva há de se considerar, mediante os dados apresentados nesta pesquisa,
que didaticamente, o estabelecimento de correspondência entre aprendizagem da construção
de mapas e o desenvolvimento mental do aluno devem ser observados pelo professorado. As
representações da construção do espaço vivido por parte dos alunos do ensino fundamental
demonstram que há necessidade urgente de atividades escolares específicas a fim de auxiliar
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na construção de relações espaciais euclidianas e projetivas. Assim sendo, a linguagem
cartográfica poderá ser apreendida de forma significativa pelos alunos.
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Contexto, 2002.
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ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual – uma psicologia da visão criadora. São Paulo:
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ANEXOS
Figura1–Perspectiva indefinida apresentada por alunos do 1º ciclo
Figura 2 – Representação do 1º ciclo com perspectiva horizontal
Figura 3 – Representação do 4º ciclo com perspectiva oblíqua
Figura 4 – Perspectiva indefinida apresentada por alunos do 4º ciclo
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