Document

Propaganda
04 • Agosto 2012 - Soja
Fotos Carlos Alberto Forcelini
Desafio a manejar
As mudanças e tendências registradas ao longo dos últimos anos na cultura da soja
tornaram ainda mais complexo o manejo de doenças, principalmente de final de ciclo
como antracnose, mancha-alvo e mofo-branco, que tendem a superar em dificuldade de
controle o fantasma da ferrugem asiática. O advento de cultivares com ciclo mais curto,
menor área foliar e que ao mesmo tempo em que são mais produtivas, apresentam maior
suscetibilidade aos patógenos, estão entre os fatores complicadores. Some-se a isso a
expansão para áreas não tradicionais de cultivo da oleaginosa, como o Sul do Rio Grande
do Sul. O manejo das fontes de inoculo é fundamental para manter a sustentabilidade das
lavouras, ameaçadas pela ausência de rotação de culturas
A
soja se reafirma, cada vez
mais, como a cultura de grãos
mais importante para o Brasil. Segundo a Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab) a produção
total variou de 75 milhões de toneladas
em 2011 a 66 milhões em 2012. Essa
redução se deve, principalmente, à estiagem no Sul do país. Para a safra 2013,
espera-se uma área de cultivo superior a
27 milhões de hectares e produção total
que supere 80 milhões de toneladas. Se
obtida, representará o recorde brasileiro e
a possibilidade de ultrapassar os Estados
Unidos como primeiro produtor mundial
de soja. A soja, juntamente com o minério
de ferro, também é um dos principais
responsáveis pelo superávit comercial
brasileiro, que foi 47,8% maior em 2011
em relação a 2010.
Para milhões de agricultores, o cultivo da soja é a principal fonte de receita
e sustentabilidade da propriedade. Com
a realidade de preços em torno de R$
60,00 por saca, o produtor certamente
investirá mais na cultura a fim de buscar
maior rendimento de grãos e maximizar
o seu lucro. A expectativa com relação ao
clima também é positiva, especialmente
para o Sul do país, muito afetado na
safra 2012. Espera-se, portanto, que a
produção total seja a maior da história
e que o rendimento médio por hectare
também cresça.
Nas últimas safras, muitos produtores vêm obtendo, sistematicamente,
rendimentos de grãos acima de 50 sacas/
hectare. O melhoramento genético da
soja tem desenvolvido cultivares cada
vez mais produtivas, assim como novas
tecnologias em todos os setores da cultura
têm contribuído significativamente para
o avanço da soja. O desafio de colhermos 100 sacas/ha não está longe de ser
alcançado. Em um cenário como este, a
viabilidade e a sustentabilidade da cultura
dependerão muito do manejo utilizado,
que deve considerar vários fatores, entre
eles as doenças que afetam a soja.
Danos e perdas por
doenças em soja
Entende-se por dano a redução na
quantidade ou qualidade do produto
colhido, sendo expressa em quilos ou
sacas por hectare, ou também em porcentagem. Uma maneira de avaliar o dano
por doenças controláveis por fungicida é
comparar o rendimento de grãos entre
áreas tratadas e não tratadas, sob condições semelhantes para os outros fatores.
Em experimentos, na Universidade de
Passo Fundo (UPF), nas últimas quatro
safras, essa diferença variou de 12 sacas/
ha a 31 sacas/ha, sendo maior nos anos
com maior ocorrência de oídio (2009) e
ferrugem (2009 e 2010).
Perda corresponde ao prejuízo econômico/financeiro decorrente do dano.
Soja - Agosto 2012
• 05
Tomando-se os dados anteriores como
base, assim como o valor atual de R$
60,00/saca de soja, a perda atingiria
valores entre R$ 720,00 e R$ 1.860,00.
Os resultados apresentados foram obtidos
em experimentos com três aplicações de
fungicida, a um custo total de R$ 120,00/
ha. Comparando-se os valores, verificase o comprometimento que as doenças
podem causar e a viabilidade econômica
do seu controle. Estes resultados, obviamente, variam entre regiões e anos de
cultivo em função do potencial da cultura
e da ocorrência das doenças.
Mudanças e tendências
Nos últimos anos, grandes mudanças ocorreram nas cultivares de soja. As
cultivares anteriores possuíam ciclo mais
longo (até 150 dias), maior área foliar
(IAF > 5) e menor quantidade de vagens
no terço inferior. Com certa “gordura
para queimar” estas plantas toleravam
níveis de desfolha, especialmente na fase
vegetativa, sem comprometer significativamente o rendimento de grãos. Paralelamente, as pragas e doenças eram menos
numerosas e severas. O manejo, portanto,
era mais reativo, geralmente com base em
limiares de dano ou de ação.
Os materiais que predominam no
campo hoje possuem ciclo mais curto,
têm área foliar menor (IAF < 5) e são
bem mais produtivos que os anteriores
(Figuras 2 e 3). Por outro lado, sua suscetibilidade à maioria das doenças também
é maior, especialmente para aquelas
causadas por fungos necrotróficos, onde
a resistência é difícil de ser obtida pelo
melhoramento convencional. Com
menos funcionários na fábrica planta,
a produção de grãos se tornou mais intensiva por unidade de tempo e de área
foliar. Por isso, a margem de tolerância
aos fatores de danos é mínima e o foco do
manejo é mais direcionado à prevenção
das doenças e à manutenção da área foliar
da planta, para que ela possa expressar
seu potencial produtivo.
A participação dos extratos inferiores
da planta na composição do rendimento
também aumentou consideravelmente
nas cultivares de ciclo mais curto. A partir
Tabela 1 - Porcentagem de legumes no terço
inferior da planta em cultivares com diferentes
grupos de maturação. UPF, Passo Fundo (RS)
Grupo de maturação
7.0
6.7
6.0
6.0
5.5
4.8
Legumes no terço inferior (%)
< 10
25,7
31,3
33,5
35,9
32,5
Figura 1 - Rendimento médio de grãos de soja, em sacas/ha, com e sem a utilização de fungicida
foliar (três aplicações de triazol + estrobilurina), nas safras de 2009 a 2012. UPF, Passo Fundo (RS)
da coleta manual de plantas em parcelas
experimentais e da colheita estratificada
por segmentos, verifica-se que alguns
cultivares precoces apresentam mais de
30% de legumes no terço inferior (Tabela
1). Isso se acentua em arranjos de planta
com menor densidade ou maior espaçamento, onde a metade inferior tende
a apresentar maior número de vagens
(Figura 4). Essa inversão em relação ao
passado ressalta a necessidade de proteger melhor a camada inferior da planta,
justamente a primeira a ser comprometida pelas doenças. Independentemente
da origem do inóculo, se interno ou
externo à lavoura, as doenças se iniciam
no “baixeiro” da planta, especialmente
em função da maior disponibilidade de
molhamento. A proteção desta parte da
planta pode ser obtida através de práticas
culturais como a rotação, pelo tratamento
de sementes e por aplicações de fungicida
antes do fechamento do espaço entre as
linhas de cultivo.
O tamanho do sistema radicular
da soja também é menor nas cultivares
atuais. Como as plantas têm área foliar
inferior, crescem menos e florescem
mais cedo, as raízes estabilizam seu
crescimento antes e apresentam volume
menor (Figura 5). Fatores do solo como
compactação e desequilíbrio nutricional
comprometem ainda mais o crescimento
radicular. Por outro lado, várias são as
doenças causadas por nematoides e fungos que afetam as raízes da soja (Figura
6), provocando a morte das plantas em
manchas ou, simplesmente, reduzindo
a absorção de água e nutrientes, muitas
vezes de forma assintomática (a chamada
“fome oculta”).
Embora haja cultivares de ciclo longo
com altos rendimentos de grãos e maior
estabilidade produtiva sob condições
de estiagem, predominará a demanda
por materiais precoces, principalmente
pela possibilidade de uma segunda safra
de milho após a soja, dentro da mesma
06 • Agosto 2012 - Soja
Fotos Carlos Alberto Forcelini
Figura 3 - Índice de área foliar de cultivares de soja de grupos de maturação
diferentes, nos estádios R5.1 e R7
Figura 2 - Comparativo entre as cultivares anteriores,
de ciclo mais longo, e as atuais, mais precoces
estação de cultivo. Neste cenário, as diferenças em quantidade e qualidade de
grãos, por conta do manejo de doenças,
deverão se acentuar.
Mudanças nas doenças
e seus agentes
As principais doenças da soja no
Brasil são a ferrugem asiática (Phakopsora
pachyrhizi), o mofo-branco (Sclerotinia
sclerotiorum), a antracnose (Colletotrichum truncatum), a mancha-alvo
(Corynespora casiicola), o oídio (Erysiphe
diffusa) e o complexo de doenças de final
Figura 4 - Arquitetura de planta de algumas cultivares mostrando a distribuição das vagens em arranjos com mais espaço
de ciclo (Cercospora kikuchii, Septoria
glycines) (Figuras 7 e 8). Apesar de todos
os esforços com relação ao seu manejo,
poucas diminuíram de importância na
última década. Um dos poucos exemplos
de doença que foi mais importante no
passado corresponde ao cancro da haste
da soja, causado por Diaporthe phaseolorum var. meridionalis. Nos anos 80 e 90
esta doença causou danos expressivos ao
rendimento de grãos, às vezes superiores
a 70%. Com o desenvolvimento de cultivares resistentes e a adoção da rotação de
culturas, o cancro da haste foi controlado
satisfatoriamente.
Epidemias por doenças da soja
são frequentes todas as vezes que a
combinação de ambiente e manejo lhes
é favorável. Exceto o oídio, as demais
moléstias são dependentes da presença de
molhamento foliar, mais longo e favorável
em verões chuvosos. Também contribui
para sua intensidade a oferta de inóculo
no início de cada safra.
As principais doenças foliares são
causadas por fungos, microrganismos que
possuem mecanismos de variabilidade
genética que lhes permite se modificar
e se adaptar, sendo a consequência
prática desse processo a sua evolução
contínua, quebrando a resistência de
cultivares e reduzindo sua sensibilidade
aos fungicidas. Por outro lado, a base genética para resistência a doenças em soja
é relativamente pequena e homogênea,
facilitando o rápido desenvolvimento de
epidemias quando da introdução de novos patógenos ou raças mais agressivas ou
virulentas. O aparecimento do oídio em
meados dos anos 90 e, posteriormente, o
da ferrugem asiática em 2001, exemplifica esta preocupação.
O oídio e a ferrugem asiática representaram novos e grandes desafios ao
controle de doenças no Brasil. O manejo
anteriormente praticado se limitava às
doenças de final de ciclo e era geralmente
baseado em aplicação única de fungicidas
no enchimento de grãos, com ganhos
pequenos em função do estágio avançado
das moléstias e da fase da cultura. Os
maus resultados suscitaram questionamentos sobre a viabilidade técnica e
econômica do controle químico, já há
muitos anos imprescindível à sustentabilidade da soja.
O advento das novas doenças desencadeou mais estudos e pesquisas, que
culminaram em produtos mais eficazes,
tecnologias de aplicação mais eficientes
e principalmente critérios mais efetivos
para a aplicação dos fungicidas. Atualmente, o controle químico é empregado
por quase 100% dos produtores de soja.
Contudo, a utilização frequente e isolada
de triazóis para controle da ferrugem
levou à diminuição da sensibilidade do
fungo Phakopsora pachyrhizi a este grupo
de fungicidas, resultando em controle
insuficiente da doença (Figura 9) e a uma
redução drástica no uso desses produtos.
Atualmente, os triazóis representam
menos de 5% do total de fungicidas
aplicados em soja.
Outro fungo que passou por este
processo foi Corynespora cassiicola, agente
causal da mancha-alvo. Isolados desde
fungo sensíveis aos benzimidazóis eram
100% inibidos em laboratório em concentrações de até 1ppm de carbendazim
em meio de cultura. O uso frequente de
benzimidazóis levou à perda de sensibilidade por parte do fungo em diversos
locais no Brasil Central, a ponto do mesmo não ser inibido em concentrações até
40 vezes maior às anteriormente eficazes
(Figura 10).
Além do oídio e da ferrugem asiática,
um grupo grande de doenças, causadas
por fungos necrotróficos (que se alimentam, reproduzem e sobrevivem em tecido
morto), teve sua importância aumentada
nos últimos anos. Entre elas estão a antracnose, o mofo-branco, a mancha-alvo
e outras doenças de final de ciclo. Estas
doenças existem há mais tempo no Brasil,
• 07
Soja - Agosto 2012
mas a introdução de cultivares mais suscetíveis a elas e a monocultura de soja em
semeadura direta contribuíram para o seu
aumento. O controle destas doenças pela
resistência genética ou quimicamente é
mais difícil, portanto, seu manejo representa dificuldades adicionais e desafios
grandes pela frente.
Patógenos biotróficos
e necrotróficos
Os diversos patógenos que causam
doenças em plantas, especialmente os
fungos, podem ser classificados em biotróficos e necrotróficos. Os biotróficos
são essencialmente parasitas obrigatórios
e seu ciclo de vida ocorre sobre a planta
viva. Em soja, este grupo inclui, principalmente, os fungos P. pachyrizi e E. diffusa,
causadores da ferrugem asiática e do
oídio, respectivamente. Sua sobrevivência
na entressafra ocorre em plantas de soja
cultivadas (por isso o vazio sanitário como
estratégia de controle da ferrugem), em
soja guaxa/tigueras ou outros hospedeiros, a partir dos quais produzem grande
quantidade de esporos pequenos e leves,
que são disseminados pelo vento para
estabelecer novas infecções na lavoura.
Os professores Armando Bergamin
Filho e Lilian Amorim, da Esalq/USP, em
seu livro Doenças de Plantas Tropicais,
publicado em 1996, representam didaticamente os componentes da epidemia
por diversos tipos de patógenos. O fluxograma da Figura 11 pode ser usado para
explicar o funcionamento da ferrugem,
por exemplo.
Inicialmente, o tecido sadio é infectado pelo inóculo inicial (y0) composto
por esporos, passa por um período latente
(p) (tempo entre a entrada do patógeno e
a produção de novos esporos), segue por
um período infeccioso (i) (tempo em que
a lesão produz novos esporos) e termina
como removido (lesão que não produz
mais esporos, então não contribui mais
para o aumento da epidemia). Os esporos
produzidos durante o período infeccioso
vão originar novas lesões no tecido sadio.
Esse processo foi denominado “via horária de infecção” e obedece a uma taxa de
infecção (R), representada pela equação R
= N x e, onde N é o número de esporos
disponíveis e a sua eficiência de infecção.
Resumindo, a epidemia aumenta pela
formação de novas lesões, que depende
dos esporos que são produzidos. Estimase que um hectare de soja sem controle
da ferrugem possa originar mais de 200
trilhões de esporos (Tabela 2).
As estratégias de controle para a ferrugem devem ter como objetivo reduzir a
produção e/ou a viabilidade dos esporos.
As poucas cultivares de soja resistentes
(ou parcialmente resistentes) disponíveis
O advento das novas doenças desencadeou mais estudos
e pesquisas, que culminaram em produtos mais eficazes
comercialmente têm essa característica,
formam menos lesões, menos urédias e
menos esporos. Quanto aos fungicidas,
é imprescindível que tenham ação antiesporulante e sobre a germinação dos
esporos, como é o caso das estrobilurinas,
especialmente em aplicações preventivas
(Tabela 3). Por este motivo, são a base
para o manejo da ferrugem. Os novos
fungicidas carboxamidas, em processo de
registro e lançamento no Brasil, também
contemplam estas características. Eles
inibem a respiração mitocondrial do
fungo, em sítio de ação próximo, porém
diferente do das estrobilurinas. A utilização conjunta destes fungicidas resulta em
controle superior da ferrugem e período
de proteção mais longo.
Os necrotróficos apresentam uma
fase parasitária sobre a planta hospedeira e outra saprofítica sobre seus restos
culturais, sendo chamados de parasitas
facultativos. Vários fungos em soja têm
esta característica: Cercospora sojina
(mancha olho-de-rã), C. kikuchii, S.
glycines, C. truncatum, C. cassiicola, S.
sclerotiorum, Phomopsis sojae (queima da
haste e da vagem) e outros. Estes fungos
sobrevivem em sementes, restos culturais
e estruturas de resistência, portanto, sua
Tabela 2 - Estimativa do número de esporos de Phakopsora pachyrizi
produzidos em um hectare de soja
Fração
Esporos por urédia
Esporos por cm2 (considerando até 300 urédias/cm2)
Esporos por folíolo de soja (considerando uma área de 50cm2)
Esporos por planta (considerando 60 folíolos por planta)
Esporos por hectare (considerando 250.000 plantas/ha)
Número de esporos (N)
1.000
300.000
15.000.000
900.000.000
225 trilhões
Tabela 3 - Número de lesões, urédias, esporos produzidos e germinados/cm2 de área foliar, sob aplicação preventiva ou curativa de uma
mistura de triazol + estrobilurina, para o controle da ferrugem asiática
em soja. UPF, Passo Fundo (RS)
Tratamento
Variáveis avaliadas/cm2
Esp. Germ.
Urédias
Esporos
Lesões
Aplicação preventiva
Testemunha
97,90 A
17.107,04 a
39,57
Triazol + estrobilurina
1,24 B
55,04 b
0,50
C.V. (%)
16,82
4,41
6,90
Aplicação curativa (7 dias após inoculação)
Testemunha
50,69 A
7.016,43 a
24,77
Triazol + Estrobilurina
44,71 A
5.115,18 b
21,47
C.V. (%)
8,62
5,89
6,33
2.468,66 a
19,05 b
13,11
1.270,33 a
838,41 a
14,18
Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.
Fonte: Viero, V. (2008).
Figura 5 - Volume de raízes (VR) em cultivares de soja com diferentes grupos de maturação (GM)
GM
VR (cm3)
4.8
9,2
5.9
10,1
6.4
11,2
7.0
12,6
08 • Agosto 2012 - Soja
Fotos Dirceu Gassen
Figura 6 - Principais fungos infectantes
de raízes de soja no Brasil
que matam os tecidos adjacentes ao local
de infecção (Figura 12), onde, então, se
alimentam e se reproduzem formando
novos esporos.
Além dos componentes tradicionais
de uma epidemia por fungo biotrófico, os necrotróficos fazem uso da via
anti-horária de infecção (Figura 13),
caracterizada pela expansão das lesões
existentes, representada pela letra K.
Este processo compensa a menor capacidade de produção e disseminação de
esporos por estes fungos. Além disso, a
Fotos Carlos Alberto Forcelini
fonte de inóculo está na própria lavoura
a ser cultivada. Conforme o clima de cada
região, os restos culturais de soja demoram de dois a três anos para decompor
totalmente. Enquanto há resto cultural
presente tem alimento para os patógenos
necrotróficos. Estes fungos produzem
menos esporos que os biotróficos, esporos geralmente maiores e pesados, ou
dependentes de água para sua liberação,
o que limita sua disseminação a longa
distância. Uma vez presentes na planta
hospedeira, esses fungos liberam toxinas
expansão é menos dependente dos fatores
ambientais, especialmente a umidade
relativa e o molhamento foliar, que são
requeridos para a esporulação e infecção,
respectivamente.
A menor dependência do esporo
também significa um escape à ação dos
fungicidas que agem sobre a sua formação
ou germinação. Essa é uma das razões
para a sua menor eficácia no controle
das doenças de final de ciclo, antracnose
e mancha-alvo, quando comparados à
ferrugem. Há pouca ou nenhuma ação
dos fungicidas sobre a expansão da lesão.
Além disso, a produção de esporos por
fungos necrotróficos ocorre em tecidos
mortos, não mais funcionais, onde a
presença dos fungicidas é certamente
menor.
Possibilidades de manejo
A planta de soja, se dividida em duas
partes, apresenta realidades diferentes.
Na metade superior da planta a dinâmica das doenças já é melhor conhecida
e a deposição dos fungicidas durante a
aplicação é melhor. A metade inferior
reserva ainda uma série de desafios, tais
como maior presença de patógenos,
especialmente os necrotróficos, sem a
ocorrência de sintomas visíveis no início
(doença oculta), as mudanças que ocorreram nas cultivares novas, como a maior
presença de vagens nesta parte da planta,
e a dificuldade de atingir a mesma com o
fungicida após o fechamento do espaço
entre as linhas de cultivo. Especialistas
em tecnologia de aplicação mostram
que menos de 5% do fungicida aplicado
atinge o terço inferior da planta após o
fechamento das ruas. O conhecimento e
o manejo desses desafios podem significar
a possibilidade de ganhos adicionais.
Figura 7 e 8 - Oídio e ferrugem asiática, exemplos de doenças causadas por fungos biotróficos (acima)
e doenças de final de ciclo, exemplos de moléstias causadas por fungos necrotróficos (abaixo)
Manejo de doenças por
fungos biotróficos
Na ferrugem e no oídio, o avanço da
epidemia se dá pela formação de novas
lesões, que dependem da oferta de esporos e da sua eficiência em estabelecer
uma infecção. No início de uma doença
Soja - Agosto 2012
clima no dossel da lavoura já fechada se
torna mais favorável à infecção, há maior
disponibilidade de inóculo e também a
suscetibilidade dos folíolos aumenta. É
por isso que os programas de aplicação
iniciados em R1 são os que apresentam,
na média das situações, os melhores resultados. O monitoramento da lavoura é
fundamental para identificar ocorrências
mais precoces da doença e, assim, começar os tratamentos já na fase vegetativa
da cultura.
Os dois fatores que mais comprometem a eficácia do controle químico da
ferrugem em soja são o atraso na primeira
aplicação e os intervalos longos nos tratamentos subsequentes. Analisando-se
números da ferrugem (intensidade inicial
e final, período de evolução) na safra
2012 em alguns locais no Brasil Central,
verifica-se que a taxa de progresso da doença não foi muito acima do seu normal,
mas a intensidade final da ferrugem foi
muito elevada. As análises indicaram,
então, que a doença começou antes da
primeira aplicação de fungicida, comprometendo o controle em alguns locais. As
aplicações posteriores foram prejudicadas
pela frequência das chuvas.
Os fungicidas indicados para controle da ferrugem envolvem as seguintes
Figura 9 - Diferenças em controle e manutenção de área foliar entre três
aplicações de fungicida triazol ou mistura de triazol + estrobilurina
Fotos Carlos Alberto Forcelini
os sítios de infecção no hospedeiro são
disponíveis em grande número, portanto a eficiência dos esporos, havendo
ambiente favorável, é a máxima possível.
O que regula, então, a intensidade inicial
da doença é a quantidade de esporos que
chega até o hospedeiro, a partir dos locais
de sobrevivência no inverno.
O manejo da ferrugem começa com
o vazio sanitário, proibição do cultivo
de soja por dois meses (BA e MA) a
três meses (DF, GO, MG, MS, MT, PR,
SP e TO) na entressafra. Outro ponto
importante é a eliminação plantas de
soja voluntárias (guaxas/tigueras). Em
2012, as chuvas no Brasil Central se
estenderam até junho, dois meses a mais
que o normal, o que favoreceu a perenização da soja voluntária e, junto com
ela, a ferrugem. Estima-se que o inóculo
primário para a safra 2013 seja maior e
que, confirmando-se as previsões de El
Niño para o verão, haja ocorrência mais
precoce e intensa da ferrugem.
O planejamento das aplicações de
fungicida, também conhecido como
“timming”, é fundamental para o sucesso
do controle do oídio e da ferrugem. No
caso desta doença, o seu aparecimento
tem sido mais comum a partir do início
da floração da cultura, quando o micro-
• 09
Avozani & Reis (2011)
Figura 10 - Diferenças entre isolados de Corynespora cassiicola quanto à sensibilidade ao fungicida
carbendazim, em meio de cultura. Dados e fotos de Avozani & Reis (2011)
Tabela 4 - Contribuição do tratamento de sementes para o crescimento de
plantas de soja, 50 dias após a semeadura, e seu rendimento de grãos.
Resultados médios de duas cultivares. UPF, Passo Fundo (RS), 2011
Variável
Volume da raiz aos 50 dias (cm3)
Altura da parte aérea aos 50 dias (cm)
Massa seca da planta aos 50 dias (g)
Rendimento sem aplicação foliar (scs/ha)
Rendimento com aplicação foliar (scs/ha)
Sem TS
4,7
43,6
5,0
54,7
69,8
combinações: triazol + estrobilurina,
triazol + estrobilurina + benzimidazol,
estrobilurina + carboxamida e triazol +
estrobilurina + carboxamida.
No caso do oídio, onde o patógeno
se desenvolve externamente sobre os
tecidos, o ambiente mais favorável
corresponde a condições amenas e com
baixa frequência de chuvas. Nessas
situações é comum o oídio aparecer já
na fase vegetativa, sendo a aplicação de
fungicidas dirigida aos primeiros estágios
da doença, como evidenciado na Figura
14. Os fungicidas mais indicados para
controle do oídio sãos os triazóis e suas
combinações com benzimidazol, estrobi-
TS com inseticida + fungicida
5,6
47,9
5,9
62,2
73,2
10 • Agosto 2012 - Soja
Figura 11 - Representação do funcionamento do ciclo de doença baseado na formação
de novas lesões, definido como via horária de infecção. Modificado de Bergamin Filho &
Amorim, 1996
lurina ou ambos.
de inóculo, através da rotação de culturas e do tratamento de sementes. O
tratamento de sementes proporciona
melhor proteção das plantas contra
insetos e patógenos na fase inicial, com
reflexos positivos no seu crescimento e
rendimento de grãos (Tabela 4). Esse
benefício poderá ser maior no futuro,
se obtivermos fungicidas residuais, em
formulações menos solúveis em água.
Isso possibilitaria utilizar uma concentração maior de produto, sem risco de
fitotoxicidade à planta, mas com efeito
prolongado sobre patógenos da parte
aérea e do sistema radicular.
A rotação de culturas tem sido pouco
implementada, devido à competitividade
e economicidade da soja em relação a
outros cultivos. Dessa forma, os fungos
necrotróficos presentes na palhada são os
primeiros a infectarem a planta recémestabelecida. A coleta e a incubação em
câmara úmida de plantas em estádios
vegetativos comumente revelam a presença dos fungos C. kikuchii, P. sojae, C.
truncatum e C. casiicola em plantas ainda
sem sintomas. A dinâmica da doença
inclui desfolha progressiva da base para
o ápice da planta, especialmente após o
fechamento das entre linhas.
Manejo de doenças por
fungos necrotróficos
A principal estratégia de controle
para estas doenças é a redução da fonte
Tabela 5 - Diferenças em índice de área foliar (IAF) e rendimento de
grãos com uma aplicação extra de fungicida entre os estádios V5-V6,
quando comparado com V9-V10. Resultados de uma cultivar em 2012 e
médias de duas cultivares em 2010 e 2011. UPF, Passo Fundo (RS)
Variável
Índice de área foliar em R5.1
Índice de área foliar em R6
Índice de área foliar em R8
Rendimento de grãos (scs/ha)
Diferença em IAF e rendimento de grãos
2010
0,6
0,7
NA
3,4
2011
0,8
0,4
NA
4,5
2012
NA
NA
0,2
8,7
NA = não avaliado
Tabela 6 - Comparativo entre programas com o mesmo número de
aplicações de fungicida, iniciados em V8-V10 ou R1. Resultados médios
de duas cultivares. UPF, Passo Fundo (RS)
Índice de área foliar em R5.1
Índice de área foliar em R6
Rendimento de grãos (scs/ha)
2010
V8-V10 R1
3,7
3,9
1,7
2,1
52,5 43,5
2011
2012
V8-V10 R1 V8-V10 R1
3,8
NA
4,1
NA
1,8
1,8
2,2
2,0
61,2 57,1 62,2 61,4
NA = não avaliado
Tabela 7 - Comparativo entre misturas duplas (triazol + estrobilurina)
e triplas (triazol + estrobilurina + benzimidazol) de fungicidas em
soja. UPF, Passo Fundo (RS)
Combinação de fungicidas
T+E, T+E, T+E
T+E+B, T+E, T+E
T+E+B, T+E+B, T+E
T+E+B, T+E+B, T+E+B
NA = não avaliado
Rendimento de grãos (scs/ha)
2010
51,0
NA
NA
56,3
2011
61,2
64,5
65,1
66,3
2012
61,8
64,2
66,1
NA
Antônio Sérgio Ferreira Filho
Variável
Figura 13 - Representação do funcionamento do ciclo de doença baseado na formação de
novas lesões (via horária de infecção) e na expansão de lesão (via anti-horária). Modificado
de Bergamin Filho & Amorim, 1996
Figura 12 - Mancha-alvo em folíolos,
mostrando a expansão de lesão
O manejo para o controle de fungos
necrotróficos pode ser iniciado em plantas jovens, estádios V4 a V6 (quatro a seis
trifólios na haste principal) (Tabela 5 e Figura 15). Aplicações nesta fase interferem
no inóculo inicial de muitas doenças, diminuindo sua ocorrência posterior, com
reflexos positivos na manutenção de área
foliar e no rendimento de grãos. Deve-se
evitar a utilização isolada de um único
grupo químico para minimizar o risco
de resistência, como já verificado para os
benzimidazóis. No caso da mancha-alvo,
a utilização conjunta de triazóis recupera
parte do controle. A combinação de
triazolitiona + estrobilurina tem proporcionado bom controle da mancha-alvo na
fase vegetativa da soja.
No Sul do Brasil, com menor presença de mancha-alvo e maior ocorrência de
oídio, várias combinações de fungicida se
adaptam a esta primeira aplicação em V5V6: estrobilurina + benzimidazol, triazol
+ benzimidazol, triazol + estrobilurina e
triazol + estrobilurina + benzimidazol.
O momento limite para controle
satisfatório de doenças por fungos necrotróficos no dossel inferior das plantas
é o pré-fechamento dos espaços entre
as linhas de cultivo. Este corresponde,
geralmente, aos estádios V8 a V10 (oito
a dez trifólios na haste principal), onde
há contato entre as folhas no terço inferior, mas não em médio e superior, o que
permite melhor distribuição do fungicida.
Com o mesmo número de aplicações, o
rendimento de grãos é geralmente maior
quando a planta é protegida antes (Tabela
6). As diferenças são proporcionais à
intensidade das doenças e ao tempo em
dias entre o pré-fechamento e a floração.
Em 2010, com maior ocorrência de doenças, o rendimento foi até nove sacos
por hectare maior em V8-V10. Em 2012,
Soja - Agosto 2012
Cultivo de soja em terras baixas
Com o aumento da importância
econômica da soja e a menor competitividade de outros cereais, a cultura está
avançando para regiões de terras baixas,
tradicionalmente destinadas ao cultivo
do arroz irrigado. Este processo deverá
se acentuar intensamente na safra 2013,
motivado pela valorização do grão e seus
derivados.
O cultivo da soja nestes locais com
tendência ao acúmulo de água pode
favorecer o desenvolvimento de doenças
radiculares, como a podridão por Phytophtora e a podridão vermelha da raiz
por espécies de Fusarium. O manejo de
doenças nestas áreas deve restringir o
tempo de exposição da planta hospedeira
aos patógenos. Assim, sugere-se utilizar
cultivares precoces e mais tolerantes
a Phytophtora e Fusarium, desde que
adaptadas à região, fazer uso de sementes
de boa qualidade para um rápido desenvolvimento inicial das plantas e evitar a
semeadura em solo frio, especialmente
em áreas já com histórico dos problemas
acima. Deve-se também corrigir o pH e a
fertilidade do solo de modo a permitir ao
sistema radicular bom desenvolvimento a
fim de compensar as raízes doentes.
Como a maior parte destes locais
está na metade Sul do Rio Grande do
Sul, o zoneamento agroclimático prevê
semeaduras mais tardias (novembro e
dezembro). Nesse caso, deve-se monitorar com relação à ferrugem asiática,
que poderá ser mais forte em função do
aumento de inóculo em outras regiões
cultivadas com soja mais cedo.
Considerações finais
As mudanças que observamos nas
cultivares de soja nos últimos anos sinalizam a tendência de planta para o futuro:
ciclo mais curto, menos área foliar, mais
produtiva, mas mais suscetível a doenças.
A exceção tem sido o desenvolvimento
Figura 15 - Vista de parcelas experimentais e rendimento de grãos (sc/ha) com aplicações iniciadas
em V10 (a) ou V6 (b, c e d), em 2011. UPF, Passo Fundo (RS)
Figura 14 - Aspecto das parcelas e rendimento de grãos (scs/ha) com o
controle de oídio em soja, na safra 2009. A = testemunha sem fungicida,
B = duas aplicações, a primeira em R1, C = três aplicações, a primeira 14
dias antes de R1 (primeiros sintomas e sinais). UPF, Passo Fundo (RS)
Fotos Carlos Alberto Forcelini
com menor intensidade de doenças, essa
diferença caiu para 0,8 sc/ha.
O pré-fechamento da cultura também é um estádio importante para a
utilização de “misturas triplas”, ou seja,
a combinação de triazol + estrobilurina
+ benzimidazol (Tabela 7). Além do
melhor controle das doenças oriundas
dos restos culturais, a combinação
tripla de fungicidas auxilia na proteção
contra o oídio e o mofo-branco, em
regiões com ocorrência eventual dessa
doença. Áreas com ocorrência frequente
do mofo-branco devem contemplar a
aplicação de fungicidas específicos, em
dois momentos, pré-floração e até duas
semanas após.
Os benefícios da aplicação de fungicida em cada estádio da cultura variam
com a predominância de doenças. Em
regiões como o Brasil Central, onde a
ferrugem assume importância maior, os
tratamentos focados nesta doença e direcionados à fase reprodutiva da soja são os
principais em termos de impacto sobre o
rendimento de grãos. As aplicações nos
estádios vegetativos, proporcionalmente,
contribuem menos. No Sul do país, com
menor pressão de ferrugem ou com sua
ocorrência a partir do enchimento de
grãos, as doenças que ocorrem mais cedo
(oídio e necrotróficos) têm sua importância aumentada. Por este motivo, o manejo
realizado já na fase vegetativa contribui
mais, assim como as misturas triplas de
fungicidas.
O controle de doenças causadas por
fungos necrotróficos, via somente fungicida, será algo muito difícil. Este trará
maior contribuição se usado em complementação a outras medidas preventivas,
como adubação equilibrada, arranjo
populacional adequado, uso de sementes
tratadas e, principalmente, a rotação de
culturas, que é pouco praticada. Por isso,
os cenários presente e futuro preocupam
bastante.
• 11
recente de cultivares resistentes à ferrugem, para a qual também dispomos de
fungicidas eficazes.
Os cenários presente e futuro são
preocupantes quanto às doenças de
final de ciclo, antracnose, mancha-alvo
e mofo-branco. Manejar estas doenças
é bem mais complicado que controlar
a ferrugem asiática. A continuidade da
monocultura de soja tornará esse desafio
difícil de ser superado. O desenvolvimento de novos fungicidas ou misturas
ajudará apenas parcialmente na solução
do problema. A sustentabilidade da cultura dependerá, fundamentalmente, do
manejo das fontes de inóculo.
C
Carlos Alberto Forcelini,
Denis Braganholo,
Elias Zuchelli,
Guilherme Ferri,
Julio Franz,
Rafael Roehrig e
Rudinei Zanon
Universidade de Passo Fundo
Caderno Técnico:
Soja
Foto de Capa:
Dirceu Gassen
Circula encartado
na revista Cultivar
Grandes Culturas
nº 159 - Agosto 12
Reimpressões
podem ser
solicitadas através
do telefone:
(53) 3028.2075
www.revistacultivar.com.br
Download