Editorial Direito à saúde e a não maleficência. Uma definição da Medicina Baseada em Evidências Álvaro Nagib AtallahI A Constituição Brasileira afirma, no seu artigo 196, que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A maioria das pessoas, por um viés natural, de seu suposto interesse, em geral apenas lê e cita a primeira parte: saúde como direito do cidadão e dever do estado, esquecendo-se que também, como reza o artigo 196, cabe ao estado evitar agravos à saúde.1 Pois bem, ao cumprir o dever de oferecer saúde, é necessário saber se este ato trará mais benefícios do que malefícios aos cidadãos. O princípio da Arte Hipocrática já norteia toda a Medicina há milênios: “Primum non nocere”. Dizia Hipócrates, em sua obra Epidemia: “pratique duas coisas ao lidar com as doenças, auxilie e não prejudique o paciente”. Desta forma, ao cuidar da saúde, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença, é necessário que sejam esclarecidas a efetividade, a eficiência e principalmente a segurança de cada decisão em saúde.2,3 Ou seja, oferecer tratamento cuja efetividade e segurança não estão adequadamente estudados contraria a constituição, pois isso pode promover agravos à saúde e frequentemente devido ao desperdício com tratamentos caros e ineficazes, reduz o acesso universal àquilo que é efetivo e seguro. “O juramento hipocrático insere obrigações de não maleficência e beneficência, usarei meu poder para ajudar os doentes com o melhor de minha habilidade e julgamento; abster meios de causar danos ou de enganar a qualquer homem com ele. Como o poder e os interesses econômicos financeiros embotam muito as visões, é fundamental que o direito à saúde, referido na Constituição, seja de fato baseado em evidências científicas que, no mínimo, reduzam as probabilidades de malefícios ao indivíduo e à população. Desta forma, fica claro que o direito à saúde, estabelecido pela Constituição Brasileira no seu artigo 196, prevê que se previna agravos à saúde e, desta forma, tanto o direito à saúde deve ser baseado em evidências de sua eficiência e segurança, quanto I que a chamada judicialização da medicina deve ser bem recebida, desde que as decisões sejam esclarecidas pelas melhores evidências científicas existentes. Para tal, é necessário mapear o conhecimento existente sobre cada processo decisório. Agora, peço licença ao caro leitor para voltarmos à definição de saúde da OMS, de que saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, definição que, embora pareça muito ampliada, é de fato pouco aplicada. Entendo que há suficientes evidências de que o direito à saúde começa durante a gestação. Sabe-se que a poluição, o álcool e o tabagismo causam males ao bebê. Temos direito de dormir em silêncio, daí a necessidade de leis e ações drásticas para evitar os ruídos durante a noite. Temos direito a respirar um ar menos poluído, já que há inúmeras evidências dos agravos da poluição à saúde. Temos o direito de ir e vir com segurança e de nos exercitarmos ao ar livre. Nós e nossas crianças temos o direito de ingerir água e alimentos que não tragam produtos nocivos à nossa saúde. Temos direito a não sermos importunados por propagandas. As grávidas trazem um novo habitante ao país, e por isso têm o direito de receber transporte e acolhimento condizente à maternidade e seus bebês serem recebidos com carinho, segurança e conforto. Ou seja, precisamos receber bem e com respeito os inocentes que chegam ao nosso mundo para que sua saúde não sofra agravos. E muitos outros direitos. Temos o dever de construir uma sociedade mais educada, esclarecida e saudável e de sermos responsáveis por nossos atos e pela sociedade em que vivemos. O Estado e o Poder Judiciário tem o dever de aprimorar a qualidade da vida e a da saúde a que temos direito. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva; 1990. 2. Hippocrates. Hippocratic writings. London: Penguin; 1983. 3. Organización Mundial de la Salud. Glosario de promoción de la salud: sección I: lista de términos básicos. In: Organización Mundial de la Salud. Promoción de la salud. Glosario. Ginebra: World Health Organization; 1998. p. 10-4. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/hq/1998/WHO_HPR_HEP_98.1_ spa.pdf. Acessado em 2010 (23 jul). Médico. Professor titular e chefe da Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Diretor do Centro Cochrane do Brasil e Diretor Científico da Associação Paulista de Medicina (APM). E-mail: [email protected] Diagn Tratamento. 2010;15(3):103. RDT v15n3.indb 103 20.10.10 12:49:00 Editorial O ensino médico além da graduação: iniciação científica Paulo Manuel Pêgo-FernandesI Alessandro Wasum MarianiII O aumento de escolas médicas em atividade no Brasil trouxe à tona a discussão sobre a graduação médica: quais devem ser seus preceitos, qual a metodologia mais adequada e qual modelo curricular deve ser aplicado? Todavia, a formação médica moderna pode e deve ser mais abrangente do que os programas curriculares de cada faculdade normalmente preveem. Discutiremos neste e em editoriais vindouros algumas das atividades chamadas extracurriculares que devem ser cada vez mais estimuladas por professores e instituições aos seus alunos. Começaremos pela iniciação científica. A iniciação científica pode ser definida como instrumento que introduz os estudantes de graduação na atividade de pesquisa científica. Representa a melhor oportunidade de colocar o aluno em contato direto com a atividade científica e engajá-lo na pesquisa.1 Na prática, constitui-se de prover apoio teórico e metodológico à realização de um projeto de pesquisa.2 Nesta atividade universitária, o estudante tem a oportunidade de aprender por assumir, sob orientação, o papel de pesquisador, exercendo todos os momentos da pesquisa acadêmica: revisão da literatura, delineamento da pesquisa, desenvolvimento prático, escrita acadêmica e apresentação dos resultados em publicações e eventos científicos.3 A literatura especializada em educação médica tem dado destaque a este tema a partir dos anos 90, salientando a importância do aspecto científico na formação geral do médico.4 É consenso que a melhor forma de ensinar o acadêmico a ler e interpretar um artigo científico corretamente, com análise crítica, é através da experiência de desenvolver projetos científicos.5 Diversas escolas médicas nacionais, a exemplo do que acontecia no exterior, implantaram, sob forma de disciplina, programas de iniciação à pesquisa científica.6,7 Apesar da importância, a iniciação científica ainda não é oferecida a todos os alunos de graduação no país. Em dados do Enade 2007, 39% dos alunos informaram existir iniciação científica regulamentar em seu curso; 12% declararam existir, porém, sem regulamentação; 6,5% informaram a existência de iniciação científica sem integralização curricular; 10,9% disseram que não é oferecida e 31% não souberam opinar.8 I Além da integração da iniciação científica ao currículo da graduação, outro grande incentivo apontado pelos alunos é a possibilidade da obtenção de bolsas que são disponibilizadas para o desenvolvimento de projetos. No Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) figura como a principal agência financiadora através de seu Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, conhecido como Pibic. Todavia é notório o crescimento da participação de agências estaduais como financiadoras, dentre estas se destacam a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A presença da bolsa, todavia, não deve ser tratada como fundamental para o desenvolvimento da iniciação científica, que nos dias de hoje passa a ser um dever da instituição e não uma atividade esporádica. Devido à aceleração do desenvolvimento da ciência médica e a constante avalanche de novas informações, a iniciação científica precisa começar a ser realmente considerada um elemento básico na formação do médico. A bolsa de iniciação científica deve, então, ser um incentivo individual como uma forma de financiamento seletivo aos melhores alunos quando estes se encontram vinculados a projetos de pesquisa. O impacto dos programas de iniciação científica na produção científica nacional não é plenamente conhecido, entretanto, pode ser indiretamente estimado pelo número crescente de artigos publicados estudando esta atividade de ensino e pelo aparecimento de encontros científicos voltados especificamente para essa atividade, como o Congresso Nacional de Iniciação Científica que já está em sua oitava edição, bem como os congressos desenvolvidos por diversas instituições de ensino. Exemplos: Congresso Médico Universitário da Universidade de São Paulo (USP), o Congresso de Iniciação Científica da Universidade de Brasília (UnB) e o Seminário de Iniciação Científica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Outro aspecto importante é o crescente interesse do corpo docente em recrutar alunos para iniciação científica. O modelo vigente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior certamente exerce influência, pois encontramos Professor livre-docente e associado, Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médico, pós-graduando da Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). II Diagn Tratamento. 2010;15(3):104-5. RDT v15n3.indb 104 20.10.10 12:49:00 Paulo Manuel Pêgo-Fernandes | Alessandro Wasum Mariani nos documentos que descrevem os critérios de avaliação para programas de pós-graduação por duas vezes mencionando a importância dada à iniciação científica pela orientação de alunos. Além disso, programas de incentivo ao docente presentes em diversas universidades brasileiras também acabam valorizando o docente com envolvimento em iniciação científica. Por exemplo, citamos o Vertente A (Programa de Incentivo à Produção Acadêmica) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), sob o gerenciamento e responsabilidade da Comissão de Pesquisa da FMUSP; por esse programa, os professores contratados em regime de dedicação exclusiva recebem complementação salarial de acordo com sua produção acadêmica e científica. Esses professores são avaliados anualmente e a orientação de alunos de iniciação científica contabiliza pontos. CONCLUSÃO O interesse pela iniciação científica no Brasil e no mundo tem aumentado tanto nos alunos quanto nos professores e instituições, impulsionado pelo incentivo recebido pelas agências de fomento, pelo modelo de pós-graduação da Capes e, principalmente, pela necessidade cada vez maior de conhecimento científico atualizado para embasar a prática clínica do dia a dia. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Paulo Manuel Pêgo-Fernandes Instituto do Coração (InCor) Secretaria do Serviço de Cirurgia Torácica 2o andar — bloco 2 — sala 9 Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 Cerqueira César — São Paulo (SP) CEP 05403-000 Tel. (+55 11) 3069-5248 E-mail: [email protected] 105 REFERÊNCIAS 1. Steinert Y, McLeod PJ, Liben S, Snell L. Writing for publication in medical education: the benefits of a faculty development workshop and peer writing group. Med Teach. 2008;30(8):e280-5. 2. Fava-de-Moraes F, Fava M. A iniciação científica: muitas vantagens e poucos riscos. São Paulo Perspect. 2000;14(1):73-7. 3. Cardoso GP, Cyrillo RJT, Silva Júnior CTS, et al. Características pessoais de alunos de um curso de graduação em Medicina participantes e não participantes de um programa de Iniciação Científica [Personal characteristics of students in a graduate course in Medicine in participating and not participating in a program of Scientific Initiation]. 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Oliveira NA, Alves LA, Luz MR. Iniciação científica na graduação: o que diz o estudante de medicina? [Scientific activities during undergraduate education: what do medical studente have to say?] Rev Bras Educ Méd. 2008;32(3):309-14. Data de entrada: 19/5/2010 Data da última modificação: 19/5/2010 Data de aceitação: 24/5/2010 Fontes de fomento: nenhuma Conflitos de interesse: nenhum Diagn Tratamento. 2010;15(3):104-5. RDT v15n3.indb 105 20.10.10 12:49:00 Ginecologia e obstetrícia Doença inflamatória pélvica Hans Wolfgang HalbeI Donaldo Cerci da CunhaII Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina de Marília, São Paulo A doença inflamatória pélvica (DIP) é causada pela infecção polimicrobiana do trato genital superior, originária de foco uretral, vaginal ou cervical.1 A virulência dos germes e a resposta imune definem a progressão: endometrite, salpingite, pelviperitonite, ooforite, peri-hepatite (síndrome de Fitz-Hugh-Curtis), abscesso tubo-ovariano ou de fundo de saco de Douglas.1 Os patógenos são sexualmente transmissíveis (clamídia, gonococo, micoplasmas, casualmente tricomonas e vírus) ou endógenos (Tabela 1).1-5 A natureza dos germes causais preceitua o rastreamento das demais doenças sexualmente transmissíveis. A prevalência de forma subclínica, oligossintomática, aumenta o risco de falta de diagnóstico e subestimação da DIP.1,6 ETIOPATOGENIA A microbiota normal da vagina é dominada pelos lactobacilos comensais, anaeróbios facultativos, por exemplo, Lactobacillus crispatus, L. jensenni, L. iners, que, associados a polissacarídeos locais, formam biofilme aderente à mucosa. O biofilme protege os lactobacilos das mudanças provocadas pelas flutuações hormonais, relações sexuais e práticas higiênicas. A Tabela 1. Exemplos de patógenos endógenos e sexualmente transmissíveis encontrados na doença inflamatória pélvica1-5 Aeróbios Anaeróbios facultativos Anaeróbios Germes sexualmente transmissíveis I II Haemophilus influenzae, Pseudomonas aeruginosa. Corynebacterium spp, Enterococcus faecalis, Escherichia coli, Gardnerella vaginalis, Klebsiella spp, Peptostreptococcus, Staphylococcus spp, Staphylococcus aureus, Streptococcus spp, S. agalactiae (beta-hemolítico). Atopobium vaginae, bacilos associados à vaginose bacteriana (BVAB1-2-3), Bacteroides spp, Bacteroides fragilis, Clostridium spp, Eggerthella spp, Leptotrichia amnionii, Megasphaera spp, Mobiluncus mulieris, Prevotella spp. Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma genitalium, M. hominis, Ureaplasma urealyticum, U. parvum, Trichomonas vaginalis, citomegalovírus, herpesvírus simples (ambos da família Herpesviridea). higidez da área urogenital vulvovaginal se deve a mecanismos próprios da mucosa, produção bacteriana de ácido láctico (e outros ácidos orgânicos que diminuem o pH local), peróxido de hidrogênio e bacteriocinas, conservando baixa a concentração de patógenos.3,5,7-9 Quando o L. iners, baixo produtor de peróxido de hidrogênio, domina a microbiota e aumenta a concentração de patógenos, constitui-se a vaginose bacteriana, cujos germes também formam biofilme responsável pela persistência do processo.10 Às vezes algum patógeno assume a dominância, por exemplo, G. vaginalis, que não é onipresente porque toda vaginose parece ter uma seleção própria de germes.3 A endometrite é a etapa inicial da infecção genital alta advinda do traspassamento do óstio cervical interno pelos patógenos aderentes aos espermatozoides, aumentado pelo efeito aspirativo das contrações uterinas orgásticas e pela alteração do tampão mucoso.6,12,13 A endometrite amiúde decorre sem sintomas específicos estando presente em 15% das vaginoses bacterianas e 52% das vaginites sexualmente transmissíveis.1,11 A virulência própria dos micoplasmas, gonococo e clamídia torna-os responsáveis pela maioria dos casos nos Estados Unidos da América do Norte (EUA).2,11,12 EPIDEMIOLOGIA A prevalência é subestimada, pois a maioria dos casos é subclínica (> 60%).1 A maior prevalência é em mulheres sexualmente ativas entre 15-24 anos de idade.14 A morbidade é considerável porque, na vigência do tratamento, o bem-estar e a capacidade para o trabalho estão prejudicados, sendo a cura demorada (4-6 semanas), prolongando-se nos casos cirúrgicos.14 Após um episódio, a prevalência de gravidez ectópica é de 15%, dor pélvica crônica de 18% e infertilidade por obstrução tubária de 50%.1 Aproximadamente 12% das adolescentes sexualmente ativas têm no mínimo um episódio antes dos 20 anos de idade.6 Parceiros múltiplos e sexo inseguro aumentam o risco, enquanto o uso continuado de preservativo diminui o risco da doença.2 Ectopia cervical, germes sexualmente transmissíveis e uso de duchas terapêuticas contribuem para manter o continuísmo da vaginose bacteriana.2,11,15 Os procedimentos Livre-docente em Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e professor honoris causa, Faculdade de Medicina de Marília, São Paulo, autarquia da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo. Chefe de Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina de Marília, São Paulo, autarquia da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo. Diagn Tratamento. 2010;15(3):106-9. RDT v15n3.indb 106 20.10.10 12:49:00 Hans Wolfgang Halbe | Donaldo Cerci da Cunha intrauterinos aumentam esse risco por inocularem patógenos contaminantes ou pré-existentes no canal cervical.6 O tabagismo aumenta a susceptibilidade à vaginose bacteriana devido à supressão de lactobacilos.16 QUADRO CLÍNICO A existência da forma subclínica preceitua baixar o limiar de suspeição diagnóstica.2 São sugestivos: dor no baixo ventre ou na região lombossacral; sintomas genitourinários, por exemplo, corrimento, sangramento vaginal, dispareunia e disúria; febre, dor no hipocôndrio direito e náuseas ou vômitos sugerem perihepatite (15% dos casos).1,6 No exame físico: temperatura axilar > 38 °C; dor à palpação e descompressão brusca dolorosa no baixo ventre; dor à palpação do colo uterino e dos anexos; palpação de tumor anexial doloroso (abscesso tubo-ovariano); abaulamento doloroso do fundo de saco vaginal (abscesso pélvico); canal cervical com corrimento branco, amarelado ou sangramento induzido.6,14,17 DIAGNÓSTICO Quando o quadro clínico é sugestivo e não houver outro diagnóstico provável, começar o tratamento para diminuir a prevalência de sequelas reprodutivas.6 A necessidade de tratamento antibiótico precoce é fundamentada na infecção experimental mostrando que lesões tubárias não revertem com antibioticoterapia iniciada 12 dias depois da inoculação de clamídia.18 O diagnóstico é apurado pelo aumento da velocidade de hemossedimentação e da proteína C-reativa; hemograma com leucocitose; presença de leucócitos abundantes no exame a fresco do corrimento cervical; e detecção de gonococo ou clamídia na endocérvice.6 O diagnóstico também pode ser complementado por ultrassonografia pélvica transabdominal e transvaginal, e tomografia computadorizada ou ressonância magnética.18 A laparoscopia permite o diagnóstico mais preciso, embora não comprove a endometrite nem salpingite luminar.2 TRATAMENTO Os princípios gerais são: 1) repouso e analgesia adequada (nível de evidência E); 2) desinserir dispositivo intrauterino in situ porque apressa a cura (nível de evidência E); 3) administrar antibióticos abrangendo gonococo, clamídia, micoplasmas, germes aeróbios (gram-positivos e negativos), anaeróbios e facultativos, porque o isolamento destes patógenos é difícil e incompleto; 4) duração mínima de 14 dias (Tabelas 219 e 3); 5) em caso de abscesso tubo-ovariano ou pélvico, drenar se necessário; 6) acompanhamento clínico e bacteriológico quatro a seis semanas depois do fim do tratamento.1,2,6 A escolha dos antibióticos depende da disponibilidade, tolerância e juízo clínico, não havendo diferença na evolução dos casos de intensidade baixa ou moderada hospitalizados ou tratados em regime ambulatorial.20 A evolução clínica e os índices de cura clínica e microbiológica são similares em 91% a 100% 107 (nível de evidência C).2,20 Quando o tratamento é ambulatorial, a paciente deve ser reavaliada depois de 72 horas (nível de evidência E).6 Hospitalizar e preferir tratamento parenteral quando houver: 1) dúvida diagnóstica; 2) ausência de resposta clínica, baixa aderência ou intolerância ao tratamento oral; 3) quadro de alta intensidade (náuseas e vômitos ou febre elevada) (nível de evidência E); 4) abscesso tubo-ovariano ou pélvico; 5) gravidez (nível de evidência E).6 Havendo melhora clínica nos primeiros três dias do tratamento por via parenteral (queda da temperatura, diminuição da dor abdominal e pélvica provocada), passar para via oral (nível de evidência E).6 Caso contrário, internar e repetir os exames inclusive a laparoscopia.2 Azitromicina - Suas vantagens são: a longa duração (meiavida 68 h) e o amplo espectro (clamídia, gonococo e M. hominis, anaeróbios). Não há diferença entre os esquemas com aziTabela 2. Tratamento antibacteriano por via parenteral na doença inflamatória pélvica aguda. Centers for Disease Control, 20072 Esquemas por Cefotetano, 2 g, IV, 12-12 h ou cefoxitina, 2 g, IV, via parenteral A 6-6 h + doxiciclina, 100 mg, VO ou IV, 12-12 h. Variante europeia: ceftriaxona, 1 g/dia, IM + doxiciclina, 100 mg, VO ou IV, 12-12 h.6 Esquema por Clindamicina, 900 mg, IV, 8-8 h + gentamicina, via parenteral B dose inicial de 2 mg/kg peso, IV, e de manutenção, 1,5 mg/kg, IV, 8-8 h. Esquemas por via parenteral alternativo 1 Esquema por via parenteral alternativo 2 Quando em dose única diária: gentamicina, 5 mg/kg peso, IV + clindamicina, 2700 mg, IV.19 Levofloxacino, 500 mg, IV, dose única diária ou ofloxacino, 400 mg, IV, 12-12 h com ou sem metronidazol, 500 mg, IV, 8-8 h (nível de evidência B). Ampicilina-sulbactam, 3 g, IV, 6-6 h + doxiciclina, 100 mg, VO ou IV, 12-12 h (nível de evidência B). No caso de alergia à cefalosporina, recorrer à azitromicina, em geral efetiva contra gonococos. IV = via venosa; IM = via muscular; VO = via oral. Tabela 3. Tratamento antibacteriano por via oral na doença inflamatória pélvica aguda. Centers for Disease Control 20072 Esquema por via oral A Esquema por via oral B Levofloxacino, 500 mg, VO, por dose única diária + metronidazol, 500 mg, VO, 12-12 h por 14 dias ou ofloxacino, 400 mg, VO, 12-12 h por 14 dias com ou sem metronidazol, 500 mg, VO, 12-12 h por 14 dias. Ceftriaxona 250 mg IM, dose única ou cefoxitina 2 g IM, dose única + probenecida 1 g VO, dose única ou cefalosporina de terceira geração (por exemplo, cefotaxima), dose única + doxiciclina 100 mg VO 12-12 h por 14 dias com ou sem metronidazol 500 mg VO 12-12 h por14 dias (nível de evidência B). No caso de alergia à cefalosporina, recorrer à azitromicina, em geral efetiva contra gonococos. IM = via muscular; VO = via oral. Diagn Tratamento. 2010;15(3):106-9. RDT v15n3.indb 107 20.10.10 12:49:01 108 Doença inflamatória pélvica tromicina isolada (500 mg via venosa (IV) no dia 1, seguidos de 250 mg via oral (VO) nos dias 2-7) e associada ao metronidazol (500 mg IV, 8-8 h no dia 1, seguidos de 500 mg VO, 8-8 h nos dias 2-12) (nível de evidência C);21 O tratamento com a associação de ceftriaxona 250 mg via muscular (IM) em dose única no dia 1 + azitromicina 1 g VO em dose única no dia 1 e dia 7 mostra índice de curas mais elevado que o tratamento com a associação de ceftriaxona 250 mg, IM, no dia 1 + doxiciclina 100 mg, VO, 12-12 h por 14 dias (nível de evidência C).22 Moxifloxacino – Tem longa duração (meia-vida 11-14 h) e amplo espectro com resultados similares na comparação de 400 mg VO em dose única diária/14 dias com a associação doxiciclina + metronidazol + ciprofloxacino ou a associação ofloxacino + metronidazol (nível de evidência C).23,24 Prevenção – Os parceiros devem ser tratados para diminuir o risco de reinfecção, independentemente da existência de sintomas.6 INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Hans Wolfgang Halbe Rua Bento de Andrade, 146 São Paulo (SP) CEP 04503-000 Tel. (11) 3885-8394 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflitos de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Judlin PG, Thiebaugeorges O. Physiopathologie, diagnostic et prise en charge des infections génitales hautes [Pelvic inflammatory diseases]. Gynecol Obstet Fertil. 2009;37(2):172-82. 2. Centers for Disease Control and Prevention. Updated recommended treatment regimens for gonococcal infections and associated conditions - United States, April 2007. Pelvic inflammatory disease (PID). Parenteral treatment. Disponível em: http://www.cdc.gov/STD/treatment/2006/ GonUpdateApril2007.pdf. Acessado em 2010 (22 abr). 3. Srinivasan S, Fredricks DN. The human vaginal bacterial biota and bacterial vaginosis. Interdiscip Perspect Infect Dis. 2008;2008:750479. 4. Kalra A, Palcu CT, Sobel JD, Akins RA. Bacterial Vaginosis: Culture- and PCRbased Characterizations of a Complex Polymicrobial Disease’s Pathobiology. Curr Infect Dis Rep. 2007;9(6):485-500. 5. 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Vaginose bacteriana e instrumentação uterina aumentam o risco. 6. Canal cervical com corrimento branco, amarelado ou sangramento induzido indicam infecção por clamídia, gonococo ou micoplasmas. 7. O tratamento deve ser instituído quando estão presentes dores à palpação do baixo ventre ou anexial e à mobilização do colo uterino. 8. O tratamento precoce se justifica porque a infecção experimental mostra que as lesões tubárias não revertem com antibióticos administrados 12 dias depois da inoculação de clamídia. Diagn Tratamento. 2010;15(3):106-9. RDT v15n3.indb 109 20.10.10 12:49:01 Interesse geral Catástrofes naturais e eventos cardiovasculares Leandro de Mattos Boer MartinsI Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) A cada ano, mais de 700 catástrofes naturais ocorrem em todo o mundo despedaçando vidas, destruindo bens e propriedades e abalando comunidades, particularmente em países em desenvolvimento.1 O Brasil, embora não esteja localizado em áreas de risco sísmico, também contribui, com notável regularidade, na pauta de notícias com inundações urbanas devido aos alarmantes índices pluviométricos. Difícil tarefa é hoje, num mundo bombardeado por notícias que brotam (quase que instantaneamente) em pagers, smartphones e e-mails, usar a palavra “comum” sem que ocorra a banalização deste tipo de notícia. Embora tenha sido cada vez mais frequente o número de terremotos e outros desastres naturais, esses eventos levam sofrimentos inimagináveis aos que deles são vítimas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o terremoto do dia 30 de setembro de 2009, que atingiu 7,6 graus na escala Richter, tenha vitimado 1.100 pessoas, muito embora o governo da Indonésia defenda números expressivamente menores. Todavia, esses números contabilizam corpos esmagados debaixo de escombros, não as almas esmagadas daqueles que sobreviveram. A ciência cardiovascular tem substancial quantidade de evidências para sustentar que o estresse emocional pode desencadear eventos cardíacos agudos, como o infarto do miocárdio, em pacientes vulneráveis.2 Entretanto, apenas há pouco tempo tivemos a curiosidade de averiguar se os desastres naturais elevavam ainda mais a mortalidade cardiovascular de populações já vulneráveis pelos diversos fatores de risco colecionados.3 Há, ainda, escassa quantidade de evidências em relação às necessidades de pacientes portadores de doenças crônicas durante e após catástrofes naturais. Entretanto, há algumas evidências de que pacientes portadores de doenças crônicas são negativamente afetados por desastres naturais tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. Um estudo que avaliou a saúde das populações afetadas por inundações na China4 de 1996 a 1999 relatou maior prevalência de oito doenças crônicas nas áreas inundadas quando comparadas às áreas não inundadas. Em New Orleans (Estados Unidos), um estudo pós-inundação demons- trou que aproximadamente 25,4% dos adultos da população afetada tiveram pelo menos um ou mais problemas médicos crônicos.5,6 Considerando as populações acometidas por abalos sísmicos, um estudo no Japão demonstrou aumento de 3,5 vezes na incidência de infarto do miocárdio e o dobro da incidência de acidentes vasculares cerebrais nos cidadãos que viviam próximos ao epicentro do terremoto Hanshin-Awaji, em 1995, nas primeiras quatro semanas seguidas à catástrofe, enquanto o aumento na mortalidade permaneceu mais alto até oito semanas após o terremoto, em relação ao índice basal de eventos cardiovasculares.7 Nesse mesmo terremoto foram também descritas anormalidades eletrocardiográficas, como ondas T negativas simétricas e profundas, assim como aumento da atividade simpática cardíaca por cintilografia com metaiodobenzilguanidina (MIBG).8 Outro estudo japonês encontrou forte correlação entre a extensão da destruição provocada por um terremoto e o aumento das taxas de morbidade para doenças agudas, como pneumonia e úlcera péptica, e também para doenças crônicas, como a asma.9 Ademais, sob a perspectiva de doenças respiratórias, piora nos casos de asma foi relatada após o terremoto de Tottoir-Ken Seibu, em 2004, e as crises de asma tenderam a ser mais frequentes na primeira semana após o terremoto.10 Corroborando essas evidências, a insuficiência respiratória aguda e crônica e exacerbação dos casos de asma brônquica foram responsáveis por 6,8% do total de admissões hospitalares por problemas respiratórios após um mês do terremoto Great Hanshin, em 1995.11 Terremotos podem, inclusive, desencadear e exacerbar úlceras gástricas tendo o relato de sangramento gastrintestinal como frequente complicação.12,13 Outros estudos demonstraram que os terremotos afetaram negativamente pacientes portadores de doença renal crônica ao ponto de precisarem de diálise.14,15 Sob a perspectiva metabólica, o terremoto Turkey´s Marmara, em 1999, foi correlacionado às reduzidas taxas de controle glicêmico e piora da qualidade de vida em pacientes com diabetes tipo 1,16 enquanto o terremoto de Kobe, através do aumento do estresse emocional crônico, piorou os índices de HbA1c em pacientes com diabetes mellitus.17-19 I Médico, doutorando em farmacologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e médico cooperador do Laboratório e Ambulatório de Hipertensão Refratária da Unicamp. Diagn Tratamento. 2010;15(3):110-3. RDT v15n3.indb 110 20.10.10 12:49:01 Leandro de Mattos Boer Martins Todos esses estudos também revelaram que os índices de qualidade de vida pré-terremoto apenas foram estabilizados após prolongados períodos. O aumento no número de diagnósticos de novos casos de diabetes também foi reproduzido em dois países com perfis populacionais bastante distintos: Estados Unidos (terremoto de Los Angeles)20 e Armênia,21 respectivamente. Como se não bastasse a possibilidade de envolvimento de gatilhos emocionais no aumento do número de eventos cardiovasculares, a própria avaria dos sistemas de atendimento pode predispor as populações já portadoras de doenças crônicas ao aumento do número de desfechos fatais e não-fatais. Em 2004, avaliando-se os estados de saúde da população idosa portadora de doença cardiovascular, diabetes ou incapacidade física antes e após o furacão Charley, um estudo conduzido pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) demonstrou aumento de até 32% de desfechos fatais e não-fatais em algumas áreas.22 Todavia, nem todos os estudos que buscaram demonstrar a correlação entre terremotos e eventos cardiovasculares trouxeram evidências positivas. Em contraste com o acontecido no terremoto Northridge (Los Angeles) às 4 horas e 31 minutos, o terremoto Loma Prieta que se instalou na área da baía de São Francisco às 17 horas, em outubro de 1989, não foi associado com o aumento de infartos agudos do miocárdio.23 Postula-se que essa diferença de resultados em relação ao terremoto Northridge, como também o de Hanshin-Awaji, se deve ao despertamento súbito e traumático de suas respectivas populações do período de sono, enquanto o terremoto de Loma Prieta, por ter ocorrido ao final da tarde, não contou com esse fator externo.24 Balizando-se por outros possíveis complicadores dos índices de eventos cardiovasculares nas catástrofes naturais, credita-se às estações climáticas o aumento da mortalidade por doença arterial coronariana. Durante a nevasca de Massachusetts, em 1978, os epidemiologistas que acompanharam os resultados creem que o esforço para cavar ou lidar com o excesso de neve tenha aumentado a demanda miocárdica por oxigênio, contribuindo para sua isquemia.25 Por outro lado, ondas de calor, como as que sobrevieram a Chicago, em 1995, foram correlacionadas com aumento da mortalidade cardíaca,26 replicando assim o que já havia sido documentado nos verões da década de 50, em Dallas.27 Os mecanismos patofisiológicos sugeridos para essa influência sazonal são a estase sanguínea arterial pela exacerbada desidratação cutânea e o aumento do débito cardíaco (e consequente aumento da demanda de oxigênio) pela insolação e hipertermia.24 Temporalmente, o índice de mortalidade cardiovascular é expressivamente maior na primeira semana após a catástrofe, mas, curiosamente, pode permanecer elevado por até três anos antes de retornar aos índices epidemiológicos prévios ao evento.28 A persistência dos índices de eventos cardiovasculares por períodos prolongados não angaria tantas evidências quanto à 111 robustez dos índices na fase aguda da catástrofe. Entretanto, nota-se, pelo aprimoramento das metodologias de estudos epidemiológicos somado à maior atenção dos órgãos de saúde pública, que essa hipótese é factível e pode influenciar futuros programas de atendimento às comunidades vitimadas pelas catástrofes. Corroborando essa afirmação, um estudo29 unicêntrico retrospectivo, ainda interpretando a vastidão dos dados coletados após a destruição do furacão Katrina, em 2005, avaliou os índices de pacientes admitidos em um centro de intervenção coronariana percutânea primária nos dois anos antes do furacão Katrina em comparação com os dois anos após a reabertura do hospital (cinco meses para reconstrução). Os autores encontraram aumento de três vezes na incidência de infartos agudos do miocárdio por mais de dois anos após o furacão Katrina. Quando os grupos de infartados dos dois períodos avaliados (pré e pós-catástrofe) foram comparados, salientou-se maior deterioração do status socioeconômico dos pacientes infartados após a catástrofe. Algumas características demográficas desse grupo também foram discriminadas: os pacientes infartados pós-catástrofe eram menos cobertos por seguros de saúde ou patrimônio e com maior proporção de desemprego. Ademais, essa mesma população demonstrou menor adesão a estilos de vida saudáveis tendo índices de tabagismo e abuso de substâncias psicoativas significativamente maiores que os pacientes infartados antes do desastre natural. Dessa forma, sabemos que a mortalidade dos recentes terremotos poderá ultrapassar os números estimados pela ONU, pois os desastres são só o começo de uma série de prejuízos emocionais e sociais. Infartos do miocárdio pós-terremoto virão quando nossas mentes estiverem preocupadas com outras informações que os noticiários editarão. Cicatrizes da arquitetura são tratadas com cimento e betume, já as da alma... Podemos extrair muitos dados dessas informações. Dados preciosos à economia e ao planejamento da reconstrução de uma cidade ou país assolado pelo terremoto. Em dezembro de 2009, completou-se o quinto aniversário do maremoto do Oceano Índico conhecido popularmente como “tsunami da Tailândia e Indonésia”. Dos noticiários pulularam boletins informativos e vários países encaminharam mantimentos e recursos financeiros para o auxílio das comunidades vitimadas. A ciência também se dispôs a fazer sua parte: o Centro Cochrane, organização vanguardista em tratativas de evidências científicas, disponibilizou rapidamente em seu website, após um mês da catástrofe, a ferramenta Evidence Aid.30 Essa importante iniciativa visa fornecer evidências científicas para otimização da alocação de recursos financeiros e humanos em medidas que gerem significativa recuperação da saúde pública das áreas impactadas pelo desastre. À medida que as evidências sobre o impacto no longo prazo em doenças crônicas — como o desencadeamento de eventos cardiovasculares — atingirem maior robustez, é provável que sejam consideradas pelo Centro Cochrane para auxílio mais abrangente da saúde pública. Diagn Tratamento. 2010;15(3):110-3. RDT v15n3.indb 111 20.10.10 12:49:01 112 Catástrofes naturais e eventos cardiovasculares Pode-se, por exemplo, prever um orçamento maior para cuidar de pacientes com eventos cardiovasculares nos três anos subsequentes à catástrofe — informação imprescindível para melhor aproveitamento dos recursos doados por outros países.31 Mas podemos também usar os mesmos dados para manter uma atitude de ajuda humanitária mais regular e contínua a essas vítimas de países em desenvolvimento. Remover escombros e sepultar as vítimas é só o começo da ajuda que a humanidade pode promover nesse período de intenso (e duradouro) estresse psíquico. Ironicamente, no caso de terremotos, “colocar uma pedra sobre o problema” é mais difícil do que imaginávamos. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Novartis Biociências S.A. Setor Farma Av. Prof. Vicente Rao, 90 São Paulo (SP) CEP 04636-000 Tel. (11) 5532-4389 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflito de interesse: Gerente médico da Novartis Biociências S.A. Data de entrada: 6/10/2009 Data da última modificação: 29/12/2009 Data de aceitação: 13/5/2010 REFERÊNCIAS 1. Freeman PK. Infrastructure, natural disaster, and poverty. Austria: International Institute for Applied Systems Analysis (ILASA). Disponível em: http://www.iiasa.ac.at/Research/RMS/june99/papers/freemansolo.pdf. Acessado em 2010 (8 abr). 2. Tofler GH, Muller JE. Triggering of acute cardiovascular disease and potential preventive strategies. Circulation. 2006;114(17):1863-72. 3. Leor J, Poole WK, Kloner RA. Sudden cardiac death triggered by an earthquake. N Engl J Med. 1996;334(7):413-9. 4. 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Os índices de infarto agudo do miocárdio podem permanecer mais elevados que os índices pré-catástrofe por até três anos. 5. As alterações climáticas extremas, como frio e calor intensos, podem exacerbar os efeitos deletérios provocados pelas catástrofes naturais. 6. A ciência biomédica, por meio de iniciativas como o projeto Evidence Aid do Centro Cochrane, pode auxiliar na reconstrução de uma comunidade vitimada pela catástrofe natural por fornecer evidências científicas que respaldem a alocação de recursos financeiros e humanos de forma otimizada. Diagn Tratamento. 2010;15(3):110-3. RDT v15n3.indb 113 20.10.10 12:49:02 Interesse geral Dispepsia funcional: revisão de diagnóstico e fisiopatologia Nilce Mitiko MatsudaI Celso Costa MaiaII Luiz Ernesto de Almeida TronconIII Departamento de Cirurgia e Anatomia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP) Dispepsia é definida como um distúrbio da digestão caracterizado por um conjunto de sintomas relacionados ao trato gastrointestinal superior, como dor, queimação ou desconforto na região superior do abdômen, que pode estar associado à saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos, timpanismo, sensação de distensão abdominal, cujo aparecimento ou piora pode ou não estar relacionado à alimentação ou ao estresse.1-3 O aparecimento da dispepsia ou sintomas dispépticos pode estar associado a vários distúrbios do trato gastrointestinal superior, como, por exemplo, doença ulcerosa péptica, doença do refluxo gastrointestinal, gastrites, neoplasias do trato gastrointestinal superior, doença do trato biliar e dispepsia funcional.1-3 Dispepsia funcional ou dispepsia não ulcerosa ou síndrome dispéptica é uma desordem heterogênea caracterizada por períodos de abrandamentos e exacerbações, e seu diagnóstico é em geral empregado quando, em uma avaliação completa em um paciente que apresenta dispepsia, não se consegue identificar a causa para os seus sintomas. O mecanismo fisiopatológico ainda é desconhecido e o tratamento ainda não totalmente estabelecido.1-3 Embora várias definições sejam usadas para descrever dispepsia funcional, a mais comum, de acordo com os consensos Roma II e Roma III (Tabela 1), é aquela de dor, queimação ou desconforto crônico ou recorrente com sensação subjetiva desagradável, que pode estar associada a saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos, timpanismo, distensão abdominal, localizados no abdômen superior, com a ausência de provável doença orgânica que justifique os sintomas e ausência de evidências de que os sintomas melhorem ou estejam associados a alterações no ritmo ou nas características das evacuações intestinal. Além disso, os sintomas apresentam duração mínima de 3 meses (12 semanas), contínuos ou intermitentes, e apresentam no mínimo 6 a 12 meses anteriores de história de acordo com os consensos Roma II e III.1-4 De acordo com o consenso Roma III, os principais sintomas observados na dispepsia funcional são: empachamento pós-prandial, saciedade precoce, dor epigástrica e queimação epigástrica e, em uma investigação em 438 pacientes com diagnóstico de dispepsia funcional, o sintoma de empachamento pós-prandial foi observado em 87,6% dos pacientes, saciedade precoce em 59,9%, dor epigástrica em 62% e queimação epigástrica em 50,1%.5 Dispepsia funcional é uma desordem gastrointestinal muito comum observada na população geral, nos ambulatórios de clínica médica geral e nos ambulatórios de especialidade, é causa muito comum de vários tratamentos, de vários exames laboratoriais e inclusive de internação hospitalar. A dispepsia funcional também está associada ao uso de vários medicamentos, automedicação, absenteísmo e perda de produtividade.1-4 Apesar de os mecanismos fisiopatológicos não estarem totalmente esclarecidos, diferenças relacionadas ao gênero foram observadas em vários estudos. Algumas investigações mostraram que há uma diferença na esfera psicossocial das mulheres com dispepsia, tanto relacionadas à sensação de bem-estar como com associação à história de abuso na infância ou adolescência quando comparados com homens com sintomas de dispepsia funcional. Diferenças relacionadas ao gênero também foram observadas em alguns estudos tanto de prevalência dos sintomas como em função motora proximal e esvaziamento gástrico anormal na dispepsia funcional.1-6 O efeito do gênero no mecanismo da dispepsia funcional, na apresentação dos sintomas e na resposta ao tratamento é uma área de crescente interesse e de vários estudos. Portanto, apesar de os mecanismos fisiopatológicos e a causa não estarem totalmente esclarecidos, parece haver algumas características específicas relacionadas ao gênero na dispepsia funcional.1-6 Esvaziamento gástrico lento ou gastroparesia primária ou idiopática é uma condição em que ocorre um retardo no esvaziamento gástrico na ausência de obstrução mecânica. Esta condição pode ocorrer em até 30% dos pacientes com diagnóstico de dispepsia funcional e pode contribuir para os sintomas. I MD, PhD. Professora assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e pesquisadora colaboradora do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP). MD, Mestre em cirurgia. Professor assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). III MD, PhD. Professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Universidade de São Paulo (USP). II Diagn Tratamento. 2010;15(3):114-6. RDT v15n3.indb 114 20.10.10 12:49:02 116 Dispepsia funcional: revisão de diagnóstico e fisiopatologia pylori, bem como alterações nos sintomas após a erradicação da bactéria no nosso meio, de forma que estudos detalhados para determinar as alterações nos sintomas e na qualidade de vida dos pacientes que foram submetidos ao tratamento para erradicação de H. pylori precisam ser feitos. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Nilce Mitiko Matsuda Departamento de Cirurgia e Anatomia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) Universidade de São Paulo (USP) Av. Bandeirantes, 3.900 Ribeirão Preto (SP) CEP 14049-900 Tel. (11) 3234-3509 E-mail: [email protected] Fonte de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP processo no 2006/50084-2) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq processo no 474531/2008-2) para NM Matsuda Conflito de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Drossman DA. The functional gastrointestinal disorders and the Rome III process. Gastroenterology. 2006;130(5):1377-90. 2. Suzuki H, Nishizawa T, Hibi T. Therapeutic strategies for functional dyspepsia and the introduction of the Rome III classification. J Gastroenterol. 2006;41(6):513-23. 3. Tack J, Lee KJ. Pathophysiology and treatment of functional dyspepsia. J Clin Gastroenterol. 2005;39(5 Suppl 3):S211-6. 4. Tack J, Talley NJ, Camilleri M, et al. Functional gastroduodenal disorders. Gastroenterology. 2006;130(5):1466-79. 5. Fischler B, Tack J, De Gucht V, et al. 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Dispepsia funcional é definida como um distúrbio da digestão caracterizado por um conjunto de sintomas relacionados ao trato gastrointestinal superior. É um distúrbio gastrointestinal comum observado na população geral. 2. Sintomas observados: saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos, timpanismo, distensão abdominal. 3. Vários medicamentos, associados ou não, podem ser empregados. 4. Corresponde a mais de 25% do atendimento no ambulatório de especialidade. Diagn Tratamento. 2010;15(3):114-6. RDT v15n3.indb 116 20.10.10 12:49:03 Dermatologia Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Sílvio Alencar MarquesI Mariana Ferreira de RezendeII Regina Célia Molina ButtrosII Luciane Donida Bártoli MiotII Mariangela Esther Alencar MarquesIII Departamento de Dermatologia e Radioterapia e Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) INTRODUÇÃO Psoríase é enfermidade inflamatória, de evolução crônica, mediada por fenômenos imunes, de distribuição universal. Ocorre igualmente entre homens e mulheres e estima-se que acometa entre 1% a 2% das populações adultas dos Estados Unidos (EUA), Alemanha e Inglaterra, e 5% da população adulta na Noruega.1-3 É considerada rara em negros da África Ocidental e em afroamericanos. A incidência é baixa no Japão e bastante rara entre indígenas da América do Norte e do Sul.1-3 Dados de ocorrência específica no estado de Minnesota nos EUA mostram incidência de 62.3 casos/100.000 habitantes em adultos com idade igual ou maior que 18 anos de idade, com tendência crescente ao longo das três últimas décadas.4 A idade de início do quadro é bimodal, isto é, há um pico de incidência na segunda década de vida e outro na quinta década, associando-se a antígenos de histocompatibilidade distintos.5 Quando se inicia na infância-adolescência, a psoríase tem alta incidência de histórico familiar. A psoríase tem etiologia multifatorial, em que fatores genéticos e influências ambientais levam à disfunção imunecelular responsável pelo quadro inflamatório crônico característico. Exemplos da contribuição genética é a taxa de concordância de desenvolvimento da enfermidade de 70% entre gêmeos monozigóticos e de 23% a 30% entre gêmeos dizigóticos.2,6 E a presença de conexões genéticas entre a psoríase e a doença de Crohn, em que a psoríase correlaciona-se com o cromossomo 6, na região 6p21 (psoriasis susceptibility gene 1, PSORS-1) e a doença de Crohn com a região 6p23 (infl amatory bowel disease 3, IBD3). Esses genes são vizinhos do gene que codifica o fator de necrose tumoral-alfa (tumor necrosis factor-alpha, TNF-α), cuja transcrição está aumentada em ambas as doenças e que faz parte da fisiopatogênese de ambas as enfermidades.7 Admite-se que o processo inflamatório que dá origem à estimulação imunológica crônica na psoríase decorra da captação de moléculas antigênicas por células dendríticas da epiderme. Pós-fagocitose de possíveis antígenos, as células dendríticas migram para linfonodos regionais. No linfonodo, interagem com células T (CD4+) precursoras, indiferenciadas (naïve T cells), que se transformam em células T ativadas. Essas células T ativadas proliferam e também se transformam em células de memória central e de memória efetora e em células efetoras para aquela específica molécula antigênica. Em relação à psoríase essa fase pode ser denominada de “fase de sensibilização”. Subpopulações de células T com trânsito na pele ao serem subsequentemente ativadas, produzem série de moléculas, incluindo citocinas do tipo Th1 (T helper 1), Th2 (T helper 2) ou Th17 (T helper 17), em particular, e especificamente as citocinas seguintes: TNF-α, γ-INF (γ-interferon), IL-1b (interleucina-1b), IL-2 (interleucina-2), IL-12p19 (interleucina-12p19), IL-23p40 (interleucina-2p40), GMCSF (fator estimulante de colônia de macrófagos granulócitos), ICAM-1 (molécula de adesão intercelular-1), VCAM-1 (molécula-1 de adesão de célula vascular) e E-selectina. Portanto, considera-se que a psoríase seja uma enfermidade imunomediada e imunoestimulada por citocinas do espectro Th1 e Th17.7-10 Importante ressaltar que a psoríase apresenta caráter evolutivo crônico, recidivante e que pode levar a importantes repercussões clínicas sistêmicas associadas a diferentes comorbidades. O impacto negativo na qualidade de vida e sua alta prevalência fazem da psoríase uma doença de forte impacto social.5 A frequência ou a prevalência da psoríase em pacientes com infecção pelo HIV/aids varia, segundo os escassos relatos (Tabela 1). Em São Francisco (EUA), em 2.000 pacientes HIV-positivos (HIV+), a prevalência de psoríase foi de 2,5%, I Professor livre-docente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Médica dermatologista do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). III Professora livre-docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). II Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21. RDT v15n3.indb 117 20.10.10 12:49:03 118 Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids Tabela 1. Estratégias de busca utilizadas para a pesquisa “psoríase associada à infecção pelo HIV/aids” Base de dados Lilacs Estratégia de busca “Psoríase” [DeCS] AND “HIV OR Síndrome da Imunodeficiência Adquirida” Resultado total da busca 6 relatos de casos 1 série de casos (n ≥ 5 casos) PubMed “Psoriasis”[MeSH] AND “Acquired Immunodeficiency Syndrome”[MeSH] 35 relatos de casos 7 relatos de série de casos (n ≥ 5 casos) Artigos realmente relacionados 4 relatos de caso 1 série de casos (n ≥ 5 casos) 2 resenhas narrativas 21 relatos de casos 7 relatos de série de casos (n ≥ 5 casos) 11 ensaios/resultados terapêuticos 3 discussões sobre etiopatogenia dois artigos com relatos de caso de psoríase associada à infecção pelo HIV foram encontrados em revisão da literatura nas bases de dados Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online).14,15 O objetivo do presente relato é enfatizar a gravidade potencial da psoríase em paciente com infecção pelo HIV, bem como salientar a importância da investigação de possível infecção pelo HIV em pacientes com psoríase de início abrupto, manifestando-se com quadro grave e rapidamente evolutivo. Figura 1. Psoríase: lesão exulcerada, exsudativa de localização na dobra supra-auricular. Figura 2. Psoríase: lesões em placas múltiplas, eritêmatovioláceas, recobertas por crostas de aspecto rupioide e localizadas na região glútea. semelhante à observada na população geral.11 Porém, em 700 pacientes HIV+ estudados na Alemanha, a prevalência de psoríase foi de 5%, acima do observado na população geral de referência, que foi de 2,5%.12 Na Espanha, em coorte de 1.161 pacientes HIV+, dos quais 74% eram usuários de drogas ilícitas, acompanhados por 38 meses, a prevalência da psoríase foi de 4%, acima do observado na população espanhola, que é de 1,5%.13 Não há dados de literatura nacional sobre a prevalência de psoríase em paciente HIV+ e apenas RELATO DE CASO Paciente do sexo masculino, de 39 anos de idade, motorista de caminhão, foi encaminhado ao serviço de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) com queixa de lesões cutâneas presentes há quatro meses. O quadro iniciou-se na região periungueal das mãos e pés com rápida progressão para outras localizações. Queixava-se igualmente de febre, edema das mãos e das grandes articulações, com dor espontânea nesses locais. Há dois dias havia consultado com médico dermatologista que formulou as hipóteses de tinea corporis generalizada com infecção secundária associada a possível imunossupressão HIV-induzida. De antecedentes pessoais, referia consumo abusivo de álcool e era tabagista de 20 maços por ano. Referia inúmeros episódios de relações sexuais heterossexuais sem o uso de preservativos com parceiras ocasionais. Ao exame clínico-dermatológico, observou-se paciente febril, com aspecto emagrecido e fácies revelando sofrimento. As lesões cutâneas eram múltiplas, tipo placas eritêmato-violáceas, algumas exsudativas, outras recobertas por crostas rupioides e localizadas no couro cabeludo, face, tronco e membros (Figuras 1 e 2). Nas localizações periungueais das mãos e pés, as lesões proximais apresentavam aspecto vegetante e as distais eram exulceradas e exsudativas (Figura 3). Havia eritema e edema das articulações metacarpofalangianas e interfalangianas das mãos e dos pés e edema das articulações de ambos os cotovelos e joelhos. No exame das mucosas, apresentava quadro compatível com candidíase oral e genital. A hipótese diagnóstica de entrada foi de psoríase associada à infecção pelo HIV/aids corroborada pelas investigações laboratoriais que mostraram as seguintes alterações: sorologia Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21. RDT v15n3.indb 118 20.10.10 12:49:03 Sílvio Alencar Marques | Mariana Ferreira de Rezende | Regina Célia Molina Buttros | Luciane Donida Bártoli Miot | Mariangela Esther Alencar Marques positiva para infecção pelo HIV, hemograma com discreta leucopenia de 3,6 x 103/μl (valor de referência 4,0 -11,0 x 103/μl) e linfócitos T CD4+ = 173 cels/mm3, CD8+ = 1162 cels/ mm3, relação CD4/CD8 = 0,14 e carga viral = 4,0 log. Nos demais testes de rotina, sorologia para vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV) e radiografia de tórax foram normais ou negativos. O exame anatomopatológico de biópsia de lesão cutânea da região glútea confirmou o diagnóstico de psoríase com exuberante infiltrado neutrofílico da epiderme (Figura 4). O tratamento foi realizado com acitretina na dose de 0,5 mg/kg por dia. A medicação antirretroviral constituiu-se de AZT (zidovudina), 3TC (lamivudina) e nelfinavir. Para a psoríase, medicações tópicas emolientes e quimioprofilaxia com sulfametoxazol e trimetoprima, associadas às orientações gerais e nutricionais. A evolução foi bastante satisfatória, com resolução gradativa do quadro dermatológico, com controle das lesões após seis meses de tratamento. Houve igualmente recuperação do peso e das condições gerais e melhora dos valores de linfócitos CD4 para 781 cels/mm3, CD8 = 851 cels/mm3, CD4/CD8 = e carga viral indetectável após 18 meses de tratamento antirretroviral. DISCUSSÃO Enfermidades cutâneas são observadas em praticamente todos os pacientes com infecção pelo HIV/aids em algum momento de suas evoluções.13 A maioria das manifestações dermatológicas observadas é consequência direta das alterações imunes induzidas pela infecção viral, mas pode também ser consequentes aos efeitos adversos das diversas intervenções terapêuticas ao longo da história clínica desses pacientes. Das dermatoses associadas ao estado de infecção pelo HIV, a maioria delas é de caráter infeccioso, mas enfermidades de base inflamatória, como a dermatite seborreica, a dermatite atópica e a psoríase são igualmente passíveis de ocorrer com maior frequência ou maior gravidade.13 No caso específico da psoríase em associação à infecção pelo HIV, as possibilidades são de a psoríase já existir quando de instalação e progressão da infecção pelo HIV e as alterações imunes alterarem o comportamento da psoríase.16,17 Ou, como no presente caso, a psoríase de evolução atípica e grave se manifestar pela primeira vez em paciente já com infecção pelo HIV e se manifestar como sentinela de estado imune alterado subjacente. Ou seja, psoríase de evolução rápida e atípica pode ser sinal de alerta para possível infecção pelo HIV.16 Psoríase é, usualmente, enfermidade de evolução lenta, com períodos longos de estabilidade clínica intercalados com períodos de piora ou melhora classicamente associadas a influências de ordem ambiental. Episódios de piora aguda na história natural da psoríase se observam quando de tratamento tópicos capazes de provocar dermatite de contacto por irritação primária, por exemplo, com o uso de coaltar em 119 Figura 3. Psoríase: lesões eritêmato-descamativas e lesão exulcerada localizadas nas regiões periungueais e interdigitais dos quirodáctilos. Figura 4. Psoríase: detalhe de infiltrado neutrofílico e linfocitário da epiderme e de pústula espongiforme de Kogoj (hematoxilina-eosina, 400 X). concentração alta ou, quando de tratamentos com corticosteroides sistêmicos, após a suspensão ou redução deles. Ou seja, há elementos na história clínica que tornam plausíveis as razões da piora e da gravidade clínica. Mas, quando a psoríase surge desde o início como enfermidade de expressão atípica, agressiva e grave, a investigação de infecção subjacente pelo HIV se impõe.16,17 Como a psoríase é enfermidade imunomodulada por citocinas de padrão Th1 e Th17, sua exacerbação associada à infecção pelo HIV é, em princípio, paradoxal, dado o efeito de depleção tanto quantitativa quanto qualitativa exercido pelo HIV sobre o linfócito CD4+. Em um dos estudos sobre associação psoríase e aids com 96 pacientes HIV+, a presença de psoríase se associou com número de células CD4 abaixo de 200 cels/mm3 e com a conclusão de que a imunossupressão daí decorrente configuraria um risco nove vezes Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21. RDT v15n3.indb 119 20.10.10 12:49:07 120 Psoríase associada à infecção pelo HIV/aids maior de aparecimento ou agravamento da psoríase.18 Esta observação é coerente com o argumento de que o aparecimento da psoríase ou seu agravamento estaria associado aos altos níveis plasmáticos de TNF-α evidenciados no transcurso da infecção pelo HIV e que se correlacionam com a progressão da infecção viral não tratada.17,19 Tais observações permitiriam a inclusão da psoríase como mais uma das manifestações indesejáveis da produção exacerbada de TNF-α nas fases avançadas da infecção pelo HIV, tais como a febre, a caquexia, as lesões de afta e a fadiga. Outra linha de raciocínio imputa aos predisponentes genéticos a ocorrência de psoríase grave nesses pacientes. Estudo isolado mostrou que a prevalência do alelo Cw∗0602 esteve presente em 79% dos pacientes em que havia associação psoríase e HIV contra a presença de Cw∗0602 em apenas 29% daqueles apenas com a infecção pelo HIV.20 A presença do mesmo alelo Cw∗0602 também está associada ao aparecimento de psoríase em gotas (“gutata”) em crianças e jovens pós-infecção estreptocócica das amígdalas.21 O tratamento da psoríase associada à infecção pelo HIV depende da gravidade clínica, sendo que os casos com quadro de moderado a grave podem se beneficiar da fototerapia e do uso da acitretina. Fármacos com atuação imunomoduladora como o metotrexato e a ciclosporina estão, em princípio, contraindicados. Porém, imunomodulação com fármacos antiTNF-α têm sido empregados para o tratamento de artrite psoriásica ou mesmo de quadros de artrites inflamatórias, lato sensu, associados à infecção pelo HIV, com bons resultados tanto em relação à eficácia quanto à segurança.22,23 O número de casos tratados foi pequeno, apenas nove pacientes na soma das duas publicações, mas revela coerência com o papel próinflamatório exercido pelo TNF-α na patogenia da psoríase. Há de se ressalvar, entretanto, que, segundo o Consenso Brasileiro de Psoríase, editado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia em 2009, o uso de imunomoduladores antiTNF-α é contraindicado em paciente portador de infecção pelo VHB e utilizado com cautela nos casos de infecção pelo HIV.24 Outro dado de interesse é que a melhoria das condições imunológicas decorrente da terapêutica antirretroviral seria, por si só, suficiente para a melhora clínica da psoríase.14,15 Tais observações mostram concordância com o raciocínio de que os altos níveis de TNF-α no paciente com atividade viral plena exerceriam papel fisiopatogênico sobre o surgimento ou o agravamento da psoríase no paciente com infecção pelo HIV em franca atividade. Em síntese, há que se avaliar a possibilidade de existência de imunodeficiência HIV-induzida nos casos de psoríase com evolução rápida e grave e de se valorizar o agravamento de psoríase em paciente sabidamente HIV+, pois tais manifestações da psoríase, podem ser entendidas como sentinela de infecção viral ativa e de imunodeficiência pronunciada, cursando com altos níveis de TNF-α circulantes. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Silvio Alencar Marques Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu Distrito de Rubião Junior, s/no Botucatu (SP) CEP 18618-970 Tel./Fax. (14) 3882-4922 Cel. (14) 9671-0241 E-mail: [email protected] Fonte de fomento: nenhuma Conflito de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Elder JT, Nair RP, Voorhees JJ. Epidemiology and the genetics of psoriasis. J Invest Dermatol. 1994,102(6):24S-27S. 2. Christophers E. Psoriasis--epidemiology and clinical spectrum. Clin Exp Dermatol. 2001;26(4):314-20. 3. Gudjonsson JE, Elder JT. 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A psoríase grave e rapidamente evolutiva pode ser a manifestação clínica sugestiva de infecção pelo HIV subjacente e insuspeita. 6. O tratamento antirretroviral e a consequente recuperação imune contribuem para melhoria clínica da psoríase associada à infecção pelo HIV. Diagn Tratamento. 2010;15(3):117-21. RDT v15n3.indb 121 20.10.10 12:49:10 Nutrologia Vitamina A Hernani Pinto de Lemos JúniorI André Luis Alves de LemosII Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), Centro Cochrane do Brasil Vitamina A é encontrada na natureza nos alimentos de origem animal (fígado, leite, ovos, óleo de peixe) na forma de retinol e nos alimentos de origem vegetal (vegetais folhosos verde-escuros, legumes e frutas amarelados e/ou verde-escuros) na forma de carotenoides. Ambos são absorvidos no intestino delgado e dependem da ingestão de gorduras e da ação dos sais biliares e esterases pancreáticas para absorção intestinal.1-5 Após absorção, são transportados através do sistema linfático até o fígado, onde são estocados em grande quantidade. No sangue, circulam ligados à proteína carreadora de retinol e a transtirretina. Por isso essas proteínas podem ser utilizadas como indicadoras do estado nutricional da vitamina A.1-5 Como é uma vitamina lipossolúvel, pode ocorrer déficit por baixa ingestão de gorduras, assim como por síndromes disabsortivas ocasionadas por doenças hepáticas, pancreáticas, vias biliares e intestinais. Os sinais e sintomas clínicos dessa deficiência são: cegueira noturna, xeroftalmia, queratinização de células epiteliais, alterações no crescimento e diminuição da atividade das células que atuam na imunidade.1-5 No jejum, a vitamina A e os carotenoides circulantes no plasma são reduzidos somente quando a reserva hepática está quase depletada. A depleção do estoque hepático é de 0,5% ao dia. A deficiência dessa vitamina pode ocorrer na desnutrição, tornando-se um problema de saúde pública nos países não desenvolvidos.1-5 O uso excessivo de vitamina A pode ser prejudicial. Ele pode levar a náusea, icterícia, irritabilidade, anorexia, vômitos, visão turva, cefaleia, perda de cabelo, dor muscular e abdominal, fraqueza, sonolência e alterações do estado mental. A toxicidade aguda ocorre em doses até 25.000 UI/kg de peso corpóreo, enquanto toxicidade crônica ocorre com ingestão de até 4.000 UI/kg de peso corpóreo, diariamente por 6 a 15 meses. Entretanto, toxicidade hepática pode ocorrer em doses tão baixas como 15.000 UI/dia até 1,4 milhão de UI/dia. Em pessoas com insuficiência renal, 4.000 UI podem causar substancial dano. Ingestão exagerada crônica de vitamina A pode estar associada com osteoporose e fraturas do quadril. Isso I II pode ser devido ao fato de que excesso de vitamina A pode bloquear a expressão de certas proteínas que são dependentes da vitamina K. Isso poderia hipoteticamente reduzir a eficácia da vitamina D, que tem um papel provado na prevenção de osteoporose e também depende de vitamina K para própria utilização.6-9 Diante do exposto acima, procuramos na literatura, na biblioteca Cochrane, evidências científicas atuais sobre o uso da vitamina A e encontramos cinco revisões sistemáticas10-14 focando aspectos imunológicos em gestantes e crianças portadoras de infecções. Dois estudos antigos citaram que recém-natos prematuros que desenvolveram doença pulmonar crônica tinham baixas concentrações de vitamina A quando comparados com crianças semelhantes sem a pneumopatia.15,16 Foram demonstradas modificações histopatológicas no epitélio do trato respiratório em animais de laboratório carentes em vitamina A, que foram revertidas com a reposição adequada dessa vitamina. Alterações histopatológicas semelhantes foram observadas em neonatos com doença pulmonar crônica, levando à suposição de que a deficiência de vitamina A poderia ser a responsável pela doença e que a suplementação da vitamina poderia ajudar na recuperação e cura dessa criança.17,18 Uma revisão recente concluiu que a relação entre a dosagem de vitamina A e seu estado funcional não foi estabelecida em crianças prematuras.19 Uma revisão sistemática da colaboração Cochrane realizada com oito estudos avaliou a eficácia e segurança da vitamina A. Avaliação do desenvolvimento neurológico em 85% das crianças sobreviventes não mostrou diferenças entre o grupo da vitamina A e o grupo placebo até 22 meses. A metanálise mostra que a suplementação com vitamina A é benéfica na redução da mortalidade ou uso de oxigênio até 30 dias de idade [risco relativo (RR) 0.93 (95% intervalo de confiança, IC, de 0.88, 0.99), diferença de risco (DR) -0.05 (95% IC -0.10, -0.01), número necessário para tratar (NNT) 20.10 Sarampo é uma das causas de morbidez e mortalidade na infância e a deficiência de vitamina A é um fator de risco reco- Médico, mestre e doutor em Medicina Interna e Terapêutica e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Médico pesquisador do Centro de Pesquisas em Revisões Sistemáticas do Centro Cochrane do Brasil. Professor de Semiologia e Clínica Médica na Universidade Nove de Julho em São Paulo. E-mail: [email protected] Médico, mestre e doutorando em Medicina Interna e Terapêutica e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). E-mail: [email protected] Diagn Tratamento. 2010;15(3):122-4. RDT v15n3.indb 122 20.10.10 12:49:10 Hernani Pinto de Lemos Júnior | André Luis Alves de Lemos nhecido para infecções de sarampo grave. A Organização Mundial de Saúde recomenda uma dose oral diária de vitamina A por dois dias para crianças com sarampo que vivem em áreas onde a deficiência de vitamina A pode estar presente, devido a baixa ingestão. Uma revisão sistemática da colaboração Cochrane11 objetivou determinar se a vitamina A previne mortalidade, pneumonia ou outras complicações em crianças com sarampo já diagnosticado. Oito estudos com 2.574 participantes foram analisados. Não houve significante redução no risco de mortalidade no grupo da vitamina A (RR 0.70; 95% IC 0.42 a 1.15). A evidência mostra que a vitamina A em dose única não está associada com risco reduzido da mortalidade, porém, é possível que os estudos incluídos na revisão não estejam nas áreas de recomendação da OMS.12 A suplementação de vitamina A tem sido recomendada na gravidez para melhorar desfechos que incluem morbidade e mortalidade materna. Uma revisão sistemática da colaboração Cochrane objetivou verificar a efetividade da suplementação da vitamina A durante a gravidez, sozinha ou em combinação com outros suplementos. Cinco estudos com 23.426 mulheres foram incluídos e, por causa da heterogeneidade dos estudos com relação ao tipo de suplementos dados, duração do uso do suplemento e desfechos diferentes, a metanálise não pôde ser feita. Uma grande população em estudo no Nepal12 mostrou um efeito benéfico na mortalidade maternal após suplementação de vitamina A semanal. Nesse estudo com suplementação da vitamina A, houve uma redução de todas as causas de mortalidade em 12 semanas pós-parto (RR 0.60, 95% IC 0.37 a 0.97). Cegueira noturna foi avaliada em um estudo de caso-controle dentro desse estudo e foi encontrada uma redução dos casos, porém, sem dados estatísticos.12 Três estudos examinaram o efeito da suplementação de vitamina A nos níveis de hemoglobina e mostraram uma efetiva resposta nas mulheres que eram anêmicas (hemoglobina < 11.0 g/dl). Após suplementação, a proporção de mulheres que se tornaram não anêmicas foi 35% no grupo da vitamina A, 68% no grupo suplementado com ferro, 97% no grupo suplementado com vitamina A e ferro, e 16% no grupo placebo.12 Dois estudos realizados na Malawi não confirmam esses achados positivos.12 Infecções respiratórias agudas, principalmente na forma de pneumonia, são causas principais de morte em crianças abaixo de cinco anos de idade em países com baixos níveis econômicos. Alguns estudos clínicos demonstraram que a suplementação de vitamina A reduz a gravidade das infecções respiratórias e a mortalidade em crianças com sarampo.20;21 Uma revisão sistemática da colaboração Cochrane objetivou determinar se a suplementação de vitamina A é efetiva em crianças diagnosticadas com pneumonia não provocada pelo sarampo. Seis estudos envolvendo 1.740 crianças foram incluídos e não houve significante redução na mortalidade 123 associada com pneumonia em crianças tratadas com vitamina A comparadas com aquelas crianças que não foram tratadas (odds ratio (OR) 1.29; 95% IC 0.62 a 2.69); tampouco houve diferença estatisticamente significante no tempo de internação hospitalar (média 0.08; 95% IC -0.43 a 0.59). A suplementação de vitamina A foi relacionada com redução de 39% da falência antibiótica, porém, sem significância estatística (OR 0.65; 95% IC 0.42 a 1.01). A gravidade da doença após suplementação de altas doses de vitamina A foi significantemente pior quando comparada com placebo. Entretanto, baixa dose de vitamina A significantemente reduz a taxa de recorrência da broncopneumonia (OR 0.12; 95% IC 0.03 a 0.46).13 Na era pré-antibiótico, a vitamina A chegou a ser considerada como um agente anti-infeccioso.22 Estudos mais recentes da década passada enfatizam o papel da vitamina A como essencial para as funções imunológicas.23,24 Uma revisão sistemática da colaboração Cochrane objetivou verificar se a suplementação de vitamina A diminuiria o risco de transmissão do vírus HIV ao neonato gerado por gestante soropositiva. Quatro estudos com 3.033 gestantes infectadas por HIV foram incluídos nessa revisão. Estudos realizados na África do Sul (632 mulheres: RR 0.98, 95% IC 0.73 a 1.31- 3 meses) e Malawi (492 mulheres: RR 0.84, 95% IC 0.64 a 1.11- 24 meses) não encontraram evidências de que a suplementação de vitamina A tivesse efeito protetor contra a transmissão materno-fetal do HIV;12 um estudo realizado na Tanzânia encontrou que a suplementação de vitamina A aumentava o risco de transmissão do HIV para o feto (898 mulheres: RR 1.35, 95% IC 1.10 a 21.65- 24 meses).12 Em resumo, essa revisão não mostrou evidências de que a suplementação de vitamina A no pré-natal seja efetivo na diminuição da transmissão do HIV para o feto (RR 1.05, 95% IC 0.78 a 1.41).14 Concluindo, a vitamina A é essencial para o bom funcionamento do nosso organismo e sua fonte única em condições de saúde é a alimentação. Quando uma doença está presente, sua utilização deve ser avaliada adequadamente diante de fatores socioeconômicos, culturais e principalmente diante das evidências científicas presentes, lembrando sempre que o uso indiscriminado e abusivo é tóxico e pode causar mais malefícios que benefícios. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Centro Cochrane do Brasil Rua Pedro de Toledo, 598 Vila Clementino — São Paulo (SP) CEP 04039-001 Tel. (11) 5575-2970/5579-0469 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflito de interesse: nenhum Diagn Tratamento. 2010;15(3):122-4. RDT v15n3.indb 123 20.10.10 12:49:10 124 Vitamina A REFERÊNCIAS 1. Olson JA. Vitamin A, retinoids and carotenoids. In: Shils ME, Olson JA, Shike M, editors. Modern nutrition in health and disease. Malvern: Lea & Febiger; 1994. p. 287-307. 2. Olson JA. Vitamin A. In: Ziegler EE, Filer Jr LJ, editors. Present knowledge in nutrition. Washington: ILSI Press; 1996. p.109-19 3. Clark SF. Vitamins and trace elements. 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RDT v15n3.indb 124 20.10.10 12:49:10 POEMs: Patients-oriented evidence that matters Ferro endovenoso melhora sintomas de pacientes com insuficiência cardíaca que têm deficiência Autores da tradução: Pablo Gonzáles BlascoI Marcelo Rozenfeld LevitesII Cauê MônacoIII Sociedade Brasileira de Medicina de Família QUESTÃO CLÍNICA A reposição endovenosa de ferro melhora os resultados de pacientes portadores de insuficiência cardíaca que têm deficiência de ferro? RESUMO Em pacientes portadores de insuficiência cardíaca crônica sintomática que têm uma fração de ejeção ventricular reduzida e evidência de deficiência de ferro, o tratamento prolongado com ferro endovenoso melhora os sintomas, a capacidade funcional e a qualidade de vida. Esse benefício é observado em pacientes com e sem anemia. Nível de evidência: 1b = ensaios clínicos aleatórios controlados. DESENHO DO ESTUDO Ensaio clínico aleatório controlado. CASUÍSTICA Pacientes ambulatoriais (de atenção primária) com diagnóstico de insuficiência cardíaca crônica sintomática e evidência de deficiência de ferro. DISCUSSÃO Esses pesquisadores recrutaram pacientes com os seguintes critérios: insuficiência cardíaca congestiva NYHA (New York Heart Association) classe II com fração de ejeção ventricular de menos de 40% ou NYHA III com uma fração de ejeção de menos de 45%, um nível de hemoglobina entre 9,5 e 13,5 g/dl e níveis reduzidos de ferritina.1 Os pacientes que tinham hipertensão não controlada, insuficiência hepática clinicamente significativa ou insuficiência renal ou outra doença cardíaca ou ainda sinais de inflamação (pela possibilidade de aumento da ferritina) foram excluídos. Os 459 pacientes foram pareados ao início do estudo, com fatores de risco cardiovascular semelhantes, uma média de idade de 67 anos, fração de ejeção média de 32% e valor basal de hemoglobina de 11,9 g/dl. Mais de 80% de ambos os grupos eram classe III da NYHA ao início do estudo. Os pacientes foram aleatoriamente distribuídos por meio de um programa de computador em uma proporção de 2:1 para receberem solução salina ou carboximaltose férrica endovenosa contendo 200 mg de ferro. A depender do déficit de ferro calculado, os pacientes receberam essa dose semanalmente por 8 a 12 semanas durante a fase de correção e depois a cada quatro semanas durante a fase de manutenção, por um total de 24 semanas. Apenas os profissionais responsáveis pela administração da droga em estudo estavam cientes da distribuição dos grupos, mas eles não participaram de nenhuma das avaliações. Mais de 85% dos pacientes de ambos os grupos completaram o acompanhamento de 24 semanas. A análise foi por intenção de tratamento. Os pacientes que receberam o ferro endovenoso demonstraram melhora em ambos os desfechos primários aferidos: uma escala de autoavaliação global (Patient Global Assessment) e a classe funcional da NYHA a 24 semanas. No grupo de tratamento, mais pacientes relataram que haviam melhorado “muito ou moderadamente” na escala de avaliação global do que os pacientes do grupo controle (50% versus 28%; número necessário para tratar [NNT] = 5; intervalo de confiança, IC de 95%: 3,3-8,0; P < 0,001). De maneira similar, mais pacientes do grupo tratado melhoraram para classes II e I da NYHA do que os do grupo controle (47% versus 30%; NNT = 6; 3,2-10; P < 0,001). Esse benefício foi observado ao longo de todos os grupos especificados, incluindo aqueles com e sem anemia. As I Médico de família, doutor em Medicina, diretor científico e membro-fundador da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). Médico de família e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). Médico de família, membro ativo da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). II III Diagn Tratamento. 2010;15(3):125-6. RDT v15n3.indb 125 20.10.10 12:49:10 Linguagens Médico — ou, e, versus, & — técnico Alfredo José MansurI Unidade Clínica de Ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Acontecimentos da prática médica cotidiana estimulam reflexões sobre os aspectos médico e técnico da atuação clínica. Esses aspectos dizem respeito à atuação médica e à atuação técnica, as quais, por sua vez, são fundamentadas no conhecimento médico e no conhecimento técnico. Este tende a ser mais operacional, prático, executivo, menos abrangente e se exerce como conhecimento médico aplicado. Essas modalidades do conhecimento não deveriam ser entendidas como antagônicas, mas mutuamente potencializadoras e harmônicas. Para a atuação clínica, não deveríamos conceber uma modalidade do conhecimento sem a outra. O desequilíbrio e o predomínio da polaridade técnica em detrimento do aspecto médico da atuação clínica têm sido comentados tanto na imprensa leiga quanto em prestigiosos periódicos científicos. Em entrevista publicada em jornal de grande circulação, foi atribuído ao Ministro da Saúde do País, o comentário “(...) O médico está virando um tecnólogo – e isso é muito ruim, empobrece a medicina. (...)”.1 Editorial recente sobre iniciativa de aprimoramento do treino profissional na Residência Médica em outro país salientou: “It is the act of reflection that helps residency become a genuine educational experience, not merely technical training.2” Portanto, admite-se que se restringir ao aspecto “meramente” técnico e operacional da prática médica seja uma perda para a Medicina e não seja um método genuíno de formação profissional. Cotejar os aspectos médico e técnico da atuação clínica pode ser objeto de exercício (Tabela 1). O adjetivo tecnólogo deriva da tecnologia, que em geral associamos com a ideia do progresso, do bem e de várias formas de poder. De fato, muito do bem-estar alcançado hoje pela humanidade foi possível graças às conquistas que a tecnologia tem possibilitado, ainda que esse bem-estar não tenha ainda contemplado parte considerável da população — sustentabilidade econômica e ambiental à parte. A tecnologia, por sua vez, resultou das compe- Tabela 1. Aspectos médicos e técnicos da atuação Tempo de formação Relação Compromisso Atuação Ouvir e interpretar Exame físico Interpretação de exames complementares Diagnóstico Causalidade Algoritmos, protocolos, diretrizes Individualização Frente à indicação de intervenções recebida de outras instâncias Terapêutica Responsabilidade sobre efeitos colaterais Denominação corriqueira Aspecto médico Mais longo Médico-paciente Com todo o processo Diagnóstico e terapêutica Mediante anamnese; abertura tanto para o conhecido ou informado quanto para o desconhecido, não informado, não previsível ou individual Competência para exame físico geral Interpreta o exame a partir do contexto do paciente Aspecto técnico Mais curto Técnico-cliente Com uma etapa do processo A partir do diagnóstico Lidar com o que é informado pelo paciente, conhecido, ou com dados de questionário de itens com perguntas específicas Exame físico restringe-se a sistema, função ou órgão Interpreta o paciente a partir do exame Do paciente Diagnóstico etiológico Discernir algoritmos, protocolos ou diretrizes aplicáveis ao caso individual Obrigatória Avaliar a necessidade, manter ou modificar a indicação Discernir, escolher Sim Do sistema, da função, do órgão Diagnóstico funcional Atuação posterior à definição do algoritmo, protocolo ou diretriz aplicáveis Norma geral, menor individualização Atender a indicação Administrar Variável em função da atuação “o clínico”* “o superespecialista”† † *As aspas denotam quão necessário é o profissional com visão abrangente do paciente; As aspas denotam o mau uso do termo nessa acepção. I Livre-docente em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Diretor da Unidade Clínica de Ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP. Diagn Tratamento. 2010;15(3):127-8. RDT v15n3.indb 127 20.10.10 12:49:12 128 Médico — ou, e, versus, & — técnico tências adquiridas pelas sociedades que investiram tempo e recursos na formação e construção do conhecimento. Distante desse paradigma de construção de conhecimento que desemboca no domínio tecnológico, está o aplicador, operador ou comprador de tecnologia ou conhecimento, que caracteriza o fazer técnico, ainda que seja importante em muitos setores da sociedade industrial, inclusive na área da saúde e no cuidar de pacientes. Às vezes confundem-se os conceitos da atuação técnica com o conceito de especialista. O médico especialista é aquele que, a partir de uma formação geral de base, se dedicou a aprofundar o conhecimento em uma área de atuação. O conhecimento técnico não tem a formação geral de base, dedica-se a uma área delimitada e específica de atuação e enfrenta maior dificuldade de situá-la em contextos não definidos previamente. É conveniente considerarmos que o denunciado predomínio da polaridade técnica sobre a polaridade médica da atuação clínica não deve ser atribuído estritamente aos médicos, que muitas vezes são os operadores finais dos processos de cuidado à saúde. Pode-se invocar que tenha sido mesmo durante um longo tempo uma aspiração de nossa época, e como tal podem ser analisadas sob amplo espectro filosófico, sociológico, econômico, antropológico, de cientistas políticos, entre outros. Também é oportuno lembrar que o eventual desequilíbrio entre os aspectos médico e técnico na prática clínica pode resultar do fato de que uma das polaridades se atenuou, se atrofiou ou se omitiu, sem representar que a outra tenha tomado o seu lugar ou substituído. Há algumas ações humanas insubstituíveis – assim o foram obras de grandes cientistas, artistas ou pensadores. Mas, mesmo em situações clínicas consideradas comuns, o aspecto médico tem sido, e poderá continuar a ser, pelo menos por uma fração de tempo, insubstituível no contexto de cada paciente. O fato de essas ações deixarem de serem exercidas, seja pela razão que for, não significa que elas serão substituídas. O vazio que fica pode ser percebido. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Unidade Clínica de Ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 São Paulo (SP) CEP 05403-000 Tel. InCor (11) 3069-5237 Consultório: (11) 3289-7020/3289-6889 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflito de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Racy S. Encontros com o Estadão. Coluna Direto da Fonte. O Estado de São Paulo, 10 de maio de 2010. p. D2. 2. Ludmerer KM. Redesigning residency education--moving beyond work hours. N Engl J Med. 2010;362(14):1337-8. Data de entrada: 7/6/2010 Data da última modificação: 7/6/2010 Data de aceitação: 16/6/2010 Diagn Tratamento. 2010;15(3):127-8. RDT v15n3.indb 128 20.10.10 12:49:12 Residência e ensino médico Ainda o valor da autópsia no ensino da medicina Jorge MichalanyI Museu de História da Medicina da Associação Paulista de Medicina Conforme relatei no meu artigo anterior “O problema da autópsia no ensino médico” [Diagnóstico e Tratamento. 2009;14(4):162], quando fui titular de Anatomia Patológica da Escola Paulista de Medicina (1970-1986), eu obrigava grupos de alunos a executar a autópsia comigo ou um assistente. É preciso salientar que essa operação permite ao aluno ver os órgãos a fresco, como no vivo e no ato cirúrgico, porque na anatomia normal ficam alterados pela fixação com o formol. Por ter sido médico geral no início da minha carreira antes de ser anatomopatologista, apliquei na autópsia os princípios da técnica cirúrgica, isto é, manuseio correto do instrumental e presença de um auxiliar encarregado de apresentar os órgãos e fazer a limpeza do campo, enxugando o sangue derramado ou qualquer outro líquido. Em vez de gaze cirúrgica, faz-se, na autópsia, o enxugo com esponja natural ou artificial. Cheguei a colocar no ato até um instrumentador, como foi o caso do então aluno Luiz Carlos Uchoa Junqueira. O necroscopista, tal como o cirurgião, deve ser auxiliado por um médico ou estudante e não pelo servente, a não ser que tenha sido adestrado para o mister. Esclareça-se que a quase totalidade dos atuais patologistas e legistas no Brasil transferem a abertura do cadáver e a extração das vísceras ao servente, limitando-se apenas ao exame dos órgãos. Outra maneira de o médico furtar-se do ato da autópsia é usar a técnica de Rokitansky – extração em bloco das vísceras torácicas e abdominais — feita pelo servente e não a técnica isolada de Virchow, que obriga o patologista executar a autópsia e não o servente. Em suma, a técnica em bloco economiza o tempo do patologista para sua atual preocupação com patologia experimental no biotério. No Brasil, com a pletora de faculdades de medicina deficientes, a maioria dos alunos não teve a oportunidade de assistir a uma autópsia, o que pode ser embaraçoso para um médico do meio rural, tal como comprovo com o seguinte exemplo. Em 1952, eu estava com a família de minha mulher na fazenda do meu concunhado em Angatuba (SP), e meu cunhado Reginaldo, acompanhado de três amigos ansiosos para caçar. Um deles cutucou um cupim com a coroa da espingarda, que I disparou e atingiu Reginaldo. Fui chamado, mas ao chegar onde ocorreu o acidente, o rapaz já estava morto. Levamos o cadáver à polícia e o delegado, além de confirmar a morte do rapaz, exigiu que pelo menos queria ver a bala e convocou um médico da cidade para o ato porque eu, pela ética, não poderia autopsiar, somente auxiliar. O único instrumento que o médico tinha era um bisturi e não uma faca e eu, com muito cuidado, pedi licença para ampliar a abertura até o abdômen com a faca do meu cunhado. A bala perfurou o fígado e atingiu o pulmão direito, provocando enorme hemotórax. Apalpando o pulmão, eu, e não o médico, encontrei a bala. O colega, um tanto acanhado, confessou que nunca fizera ou assistira a uma autópsia na sua faculdade em outro estado. Não estivesse eu presente, duvido que o médico encontraria a bala. A respeito de meu artigo “O problema da autópsia no ensino médico”, tive a satisfação de receber a carta do meu exaluno e médico legista Ruggero Bernardo Guidugli na qual concorda plenamente com o artigo e acrescenta o seguinte descaso à autópsia: “Há uma tendência em fechar e não abrir Serviços de Verificação de Óbitos como ocorreu no Hospital Ipiranga, e obrigar médicos a fornecerem atestados de óbito apesar de não terem a certeza da causa da morte”. Por minha parte, acrescento que há legistas não médicos, apadrinhados de delegados, que não sabendo fazer um protocolo de autópsia pedem a um anatomopatologista, tal como ocorreu com meu filho nos primórdios de sua vida profissional antes de dedicar-se à dermatopatologia. Os atuais professores de anatomia patológica, talvez com raras exceções, desprezam a célebre frase de Rokitansky “Motui vivos docent” em favor de suas pesquisas experimentais. Esclareço também que, nos Estados Unidos, o legista necroscopista tem de ser obrigatoriamente também anatomopatologista. EDITOR RESPONSÁVEL POR ESTA COLUNA Olavo Pires de Camargo. Professor titular, Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Curador do Museu de História da Medicina da Associação Paulista de Medicina (APM) e professor titular aposentado da Escola Paulista de Medicina. Diagn Tratamento. 2010;15(3):129-30. RDT v15n3.indb 129 20.10.10 12:49:12 130 Ainda o valor da autópsia no ensino da medicina INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Museu da Associação Paulista de Medicina (APM) Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 – 5o andar Bela Vista — São Paulo (SP) CEP 01318-901 Tel. (11) 3188-4304 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflitos de interesse: nenhum Data de entrada: 11/5/2010 Data da última modificação: 11/5/2010 Data de aceitação: 9/6/2010 ADDENDUM1 Para incrementar o desprezo pela autópsia haverá, em outubro, o concurso para obtenção do título de especialista em patologia outorgado pela Sociedade Brasileira de Patologia. Realmente, as provas serão: 1. Prova teórica. 2. Prova de macroscopia e citopatologia. 3. Prova de patologia cirúrgica. Esquecem os organizadores desse concurso que a patologia, ou melhor, anatomia patológica, nasceu numa mesa de autópsia com Morgagni. Alegam que, para muitos concursados, não haveria cadáveres suficientes. Isso não ocorreu comigo quando anos atrás 1 dirigi a prova prática na Escola Paulista de Medicina (EPM). Demonstrei a abertura de um cadáver e mandei os concursados repetirem a técnica. Believe it or not (acredite ou não) havia uns que nem sabiam manejar o instrumental. Isso ocorreu há 25 anos, quando eu era titular na EPM. Mas agora, pelo visto, o necroscopista é o servente, o citopatologista, o biomédico, que já estão querendo fazer diagnósticos histopatológicos! Ademais esses invasores da medicina e os fisioterapeutas estão se mobilizando contra a Lei do Ato Médico que tramita no Congresso. O meu fisioterapeuta, além de ser contra esse Ato, abrirá um consultório e como “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, não há dúvida de que passará a receitar! Por causa disso, despedi-o! Em suma, os próprios médicos de hoje estão permitindo a invasão de estranhos à sua profissão. Isso não acontece com advogados porque jamais permitiriam que um oficial de justiça ou cartório se intrometesse em suas causas. Enfim, o desprezo pela autópsia, o sine qua non da anatomia patológica, será responsável por limitar o conhecimento do patologista e o exame citopatológico acabará nas mãos dos biomédicos. E os clínicos e ortopedistas que tomem cuidado com os fisioterapeutas! Mais uma vez eu proclamo: Quo vadis Aesculapius? Prof. Dr. Jorge Michalany, Curador do Museu de História da Medicina da Associação Paulista de Medicina. Diagn Tratamento. 2010;15(3):129-30. RDT v15n3.indb 130 20.10.10 12:49:12 Eletrocardiograma Bloqueio atrioventricular total e exercício físico José GrindlerI Antonio Américo FriedmannII Carlos Alberto Rodrigues de OliveiraIII Alfredo José da FonsecaIII Serviço de Eletrocardiologia da Clínica Geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo Mulher assintomática de 36 anos foi encaminhada para realizar teste ergométrico no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Referia presença de arritmia cardíaca desde a infância, o que não a impedia de realizar atividades esportivas, tendo inclusive participado de diversas provas de corrida de 5 km e de 10 km. Negava qualquer sintoma cardiológico e não referia histórico de hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes, obesidade ou tabagismo. O eletrocardiograma (ECG) de repouso revelou bloqueio atrioventricular total (BAVT) com QRS estreito e frequência ventricular de 56 bpm (Figura 1). Foi realizado o teste ergométrico utilizando-se o protocolo de Bruce, não sendo atingida a frequência cardíaca (FC) submáxima, mas evidenciando bom desempenho físico até o quarto estágio do protocolo (Tabela 1), registrando-se FC de 127 bpm quando a paciente solicitou a suspensão do exame por exaustão. Verificou-se bloqueio atrioventricular total (BAVT) (Figuras 2 e 3) durante todo o exame, com déficit cronotrópico discreto (Figura 4) e suficiente para sustentar o esforço alcançado. Não se observaram alterações de ST-T ou arritmia esforçoinduzida. Figura 1. Eletrocardiograma inicial em repouso com bloqueio atrioventricular total e frequência ventricular de 56 bpm. I Médico supervisor do Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (HCFMUSP). Livre-docente, diretor do Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (HCFMUSP). Médico assistente do Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (HCFMUSP). II III Diagn Tratamento. 2010;15(3):131-4. RDT v15n3.indb 131 20.10.10 12:49:12 132 Bloqueio atrioventricular total e exercício físico Tabela 1. Pressões arteriais (sistólica e diastólica), duplo produto e frequência cardíaca durante os quatro estágios do exercício e na recuperação Estágio Repouso 4,0 Km/h 12,0% 5,5 Km/h 14,0% 6,8 Km/h 16,0% 6,8 Km/h 16,0% Recuperação Recuperação Recuperação Recuperação Recuperação Tempo (minutos: segundos) 0:00 05:00 07:55 10:35 10:36 00:01 00:32 01:08 03:31 04:00 Pressão arterial sistólica (mmHg) 110 110 120 120 120 120 130 130 110 110 Pressão arterial diastólica (mmHg) 70 70 70 70 70 70 70 70 70 70 Duplo produto (bpm x mmHg) Frequência cardíaca (bpm) 7.150 9.790 12.600 15.240 15.000 14.400 13.260 11.050 7.260 6.710 65 89 105 127 125 120 102 85 66 61 Figura 2. Eletrocardiograma no pico do esforço com persistência do bloqueio atrioventricular total e frequência ventricular de 125 bpm. Concluímos tratar-se de BAVT persistente, com déficit cronotrópico pequeno, não elegível para colocação de marcapasso cardíaco artificial, tendo em vista o desempenho atingido. DISCUSSÃO Bloqueio atrioventricular (AV) total ou de terceiro grau é definido como bradiarritmia, em que o ritmo de base é idioventricular de escape, fixo e totalmente dissociado da atividade atrial. Esta tem frequência maior que a ventricular e nenhum estímulo atrial despolariza os ventrículos. Quando o bloqueio AV de terceiro grau é adquirido, por cardiopatia ou degeneração senil do sistema de condução, o paciente quase sempre tem sintomas de baixo fluxo cerebral ou de diminuição do débito cardíaco, como tonturas, síncopes e insuficiência cardíaca, porque o foco ventricular se mantém bradicárdico e a FC não aumenta com o exercício. No BAVT congênito, o estímulo ventricular é alto, próximo da junção AV, com QRS estreito e graus variáveis de resposta simpática, por vezes suficiente para manter o paciente assintomático por muitos anos. Diagn Tratamento. 2010;15(3):131-4. RDT v15n3.indb 132 20.10.10 12:49:13 José Grindler | Antonio Américo Friedmann | Carlos Alberto Rodrigues de Oliveira | Alfredo José da Fonseca 133 Figura 3. Eletrocardiograma aos quatro minutos da fase de recuperação com bloqueio atrioventricular total e frequência ventricular de 61 bpm. Figura 4. Gráficos das variações da frequência cardíaca (em bpm), das pressões arteriais (sistólica e diastólica em mmHg), do desnivelamento do segmento ST medido no ponto Y (em mV) e do duplo produto (frequência cardíaca x pressão arterial sistólica em bpm x mmHg) durante o teste ergométrico. Observe os incrementos progressivos e uniformes da frequência cardíaca (FC) e do duplo produto durante os 10 minutos do exercício e o descenso rápido nos primeiros 4 minutos da recuperação. Diagn Tratamento. 2010;15(3):131-4. RDT v15n3.indb 133 20.10.10 12:49:15 134 Bloqueio atrioventricular total e exercício físico Sempre devemos investigar eventual doença familiar associada, principalmente as doenças difusas do tecido conectivo, sendo que a pesquisa de anticorpos anti-RO e anti-LA na mãe é de fundamental importância.1 Em alguns casos, como este apresentado, não há registro de histórico familiar de colagenose, não se podendo, portanto, definir etiologia. Com relação ao teste ergométrico, a resposta cronotrópica é considerada adequada quando a FC ultrapassa 50% da FC basal, ou o pico de esforço ocorre com mais de 100 bpm. Finalmente, o implante de marcapasso cardíaco é contraindicado nesse caso, considerado classe III na última diretriz nacional para implante de marcapasso artificial,2 tendo em vista os seguintes fatores: aceleração adequada ao esforço, ausência de cardiomegalia, arritmias esforço-induzidas ou QT longo. CONCLUSÃO A importância clínica deste caso é a constatação de que BAVT não é sinônimo de indicação para marcapasso artificial definitivo. O comportamento da FC e o ECG durante o esforço comprovam esta assertiva. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Hospital das Clínicas da FMUSP Prédio dos Ambulatórios Serviço de Eletrocardiologia Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 São Paulo (SP) CEP 05403-000 Tel. (11) 3069-7146 Fax. (11) 3069-8239 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado REFERÊNCIAS 1. Buyon JP, Hiebert R, Copel J, et al. Autoimmune-associated congenital heart block: demographics, mortality, morbidity and recurrence rates obtained from a national neonatal lupus registry. J Am Coll Cardiol. 1998;31(7): 1658-66. 2. Andrade JCS, Ávila Neto V, Braile DM, et al. Diretrizes para o implante de marcapasso cardíaco permanente [Guidelines for permanent cardiac pacemaker implantation]. Arq Bras Cardiol. 2000;74(5):475-80. Diagn Tratamento. 2010;15(3):131-4. RDT v15n3.indb 134 20.10.10 12:49:16 Medicina baseada em evidências A integração da pesquisa e prática clínica em psicologia médica Décio Gilberto Natrielli FilhoI Décio Gilberto NatrielliII Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), Santa Casa de São Paulo e Comitê Multidisciplinar de Psicologia Médica da Associação Paulista de Medicina (APM) PSICOSSOMÁTICA E PSICOLOGIA MÉDICA É provável que nenhuma interface real existisse entre psiquiatria e medicina até o início do século 20. O desenvolvimento histórico da psicossomática teve início com grandes psicanalistas (Sigmund Freud, Sandor Ferenczi e Franz Alexander), psicofisiologistas (Walter Cannon, Hans Selye, Meyer Friedman), além dos estudos socioculturais e da teoria dos sistemas (Karen Horney, John Cassel, Adolph Meyer, Zibigniew Lipowski, George Engel). Com a ampliação e a absorção dos psiquiatras para o hospital geral, novos conceitos sobre a interação mente-corpo foram propostos e, atualmente, temos disponíveis campos de estudo que se intersectam e têm suas raízes na psicossomática, tais como a interconsulta psiquiátrica e a psicologia médica.1 Como forma didática, Melo Filho2 resume que a psicossomática evoluiu em três fases: (1) Inicial ou psicanalítica, com predomínio dos estudos sobre a gênese inconsciente das enfermidades, sobre as teorias da regressão e sobre os benefícios secundários do adoecer, entre outras; (2) Intermediária ou behaviorista, caracterizada pelo estímulo à pesquisa em homens e animais, tentando enquadrar os achados à luz das ciências exatas e dando um grande estímulo aos estudos sobre o estresse; (3) Atual ou multidisciplinar, em que vem emergindo a importância do social e da visão psicossomática como uma atividade essencialmente de integração, de interconexão entre profissionais de saúde. É um fato notável, apesar de nem sempre reconhecido, que o conceito básico da medicina psicossomática que guiou o seu desenvolvimento durante o século passado sofreu uma mudança radical com a publicação, em 1980, da terceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM). Esta mudança está puramente refletida na transformação da categoria “desordens psicofisiológicas” da segunda edição do I DSM em “fatores psicológicos que afetam condições médicas” na terceira edição do DSM. Enquanto a primeira definição carregava a implicação dos fatores psicológicos como importantes desencadeadores, no sentido etiológico, das “doenças do corpo”, nas suas revisões mais recentes os fatores psicológicos foram alocados desempenhando um papel secundário como meros elementos auxiliares, levando a complicações no curso de doenças somáticas fisiopatologicamente pré-existentes.3 Esta última e mais recente definição reflete a ênfase do pensamento psiquiátrico atual acerca dos aspectos biológicos dos transtornos mentais, um foco de interesse que nos permitiu, nos últimos anos, acumular ricas e importantes informações sobre as doenças psiquiátricas e também sobre as complicações psicológicas das doenças em geral.3 EVIDÊNCIAS E SUBJETIVIDADE A medicina baseada em evidências (MBE) é uma das responsáveis por essa evolução no pensamento clínico dos transtornos mentais e continua a fornecer significativas contribuições para a prática psiquiátrica, bem como para a uniformização das pesquisas e dos critérios nosológicos para a inclusão de pacientes em protocolos de pesquisa. A psicologia médica, praticada por profissionais médicos com especialização em psiquiatria, é uma das áreas ou subdivisões de uma especialidade que se beneficia da metodologia da MBE. Houve uma fase da medicina, do século anterior, na qual a estatística ainda não havia sido aperfeiçoada e absorvida pelos campos da saúde mental e até das neurociências. Valorizavamse mais os relatos, observações e estudos de pequenos grupos de pacientes, sem homogeneidade diagnóstica e metodológica. Entretanto, estudava-se o indivíduo, sua história ou biografia, o seu desenvolvimento, suas particularidades, tudo dentro de conceitos teóricos sobre os modelos do desenvolvimento humano e da personalidade – podemos citar Sigmund Freud, Erik Erikson, Jean Piaget, Karl Abraham, dentre outros. Médico psiquiatra assistente e preceptor dos residentes de Psiquiatria da Santa Casa de São Paulo e do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE). Médico psiquiatra e presidente do Comitê Multidisciplinar de Psicologia Médica da Associação Paulista de Medicina (APM). II Diagn Tratamento. 2010;15(3):135-7. RDT v15n3.indb 135 20.10.10 12:49:16 136 A integração da pesquisa e prática clínica em psicologia médica Nas supervisões médicas em psiquiatria e psicologia médica, temos que aprender a conciliar “números com subjetividade”, balancear e compreender de forma global o quantitativo e o qualitativo, integrar estatísticas com a realidade da prática clínica, escalas categoriais de diagnósticos com modelos nosológicos dimensionais. Valorizamos os dois lados, tentamos encontrar uma média ou um mínimo múltiplo comum, dentro de princípios éticos e de valorização do indivíduo. Na prática, encontramos um gap. De um lado, os ensaios clínicos controlados, com pacientes preenchendo critérios rigorosos de inclusão e exclusão, respondendo às categorizações diagnósticas e recebendo, por exemplo, aquele tratamento a ser investigado, comparado ao placebo ou outra medicação. Do outro lado, temos pacientes em ambientes clínicos (ambulatoriais, hospitalares, enfermarias, hospital-dia, pronto-socorro), com múltiplas comorbidades, prejuízos nas esferas familiar, social e laborativa. Muitas vezes, já passaram por diversas tentativas frustras de tratamento, apresentando sintomatologia refratária e de difícil manejo. Se esses pacientes não responderem, devemos continuar tentando, investigando e estudando novas propostas terapêuticas, agregando sempre profissionais de outras áreas (psicologia, enfermagem, terapia ocupacional, assistente social). Não há um ambiente controlado e os dados estatísticos tornam-se mais incertos. INTEGRAÇÃO DE CONCEITOS EM PSICOLOGIA MÉDICA Obviamente, os dois modelos não se excluem, mas complementam-se. Necessitamos das pesquisas, com controles e homogeneidade, com grupos representativos e de diversos centros, para adotarmos referenciais clínicos e éticos. Na prática clínica, agregamos os conhecimentos de pesquisas a dados subjetivos adquiridos com uma observação voltada para elementos únicos daquele indivíduo. Ninguém discordaria que cada indivíduo é único e singular, mesmo na sua relação com a doença ou na forma de adoecer. Tomamos emprestado o pensamento de Prestrello, ainda atual: “A relação transpessoal é uma relação viva. Todo ato médico é, consequentemente, um ato vivo, por mais que se lhe queira emprestar caráter exclusivamente técnico. Não existe ato puramente diagnóstico. Todas as atitudes do médico repercutem sobre a pessoa doente e terão significado terapêutico ou antiterapêutico segundo as vivências que despertarão no paciente e nele, médico, também. A isso me referi anos passados, quando em um trabalho denominei de psicoterapia implícita as atitudes do clínico no seu relacionamento com o doente, dirigidas a um fim terapêutico, independentemente da natureza das medidas de ordem material que tivesse de recomendar. Aliás, o pensamento de que todo médico, consciente ou inconscientemente, faz psicoterapia, velha frase já proferida por Freud em 1905, não quer dizer outra coisa; nos últimos tempos, porém, com o que hoje já se sabe, as implicações são muitíssimo mais numerosas. Através do que diz e do que não diz, do que faz e do que não faz, do que expressa ou não expressa em sua fisionomia, o médico está fazendo psicoterapia, boa ou má, mas estará praticando-a. Melhor dizendo: através disso tudo, estará encaixando-se no doente, ou permitindo que este se encaixe nele, de forma benéfica ou maléfica”.4 Por mais que busquemos a neutralidade científica, não podemos negligenciar o fato de que trabalhamos com “mentes vivas”, e a isso se subordina qualquer metodologia. Nenhuma epistemologia é capaz de dar conta da interação de duas consciências, de dois indivíduos com suas complexidades.5 Esta é a grande dificuldade, as oscilações e imprecisões da medicina. Se exagerarmos no polo do que podemos chamar de “estatístico” ou se hipertrofiarmos nossa visão de “subjetividade”, corremos o risco de criar dogmas, doutrinas, modelos inflexíveis e, ainda mais grave, selecionarmos ou excluirmos nossos pacientes por não se adequarem aos nossos modelos, e isto, com certeza, não queremos para aqueles que cuidamos nem para nossa prática. Citamos também Michael Balint: “O remédio ainda mais prescrito é o médico. Ouça o paciente, ele lhe está dizendo qual o diagnóstico. Toda doença é o veículo de um pedido de amor e de atenção. A medicina se pratica sob a forma de medicina a uma pessoa”.5 Buscamos a integração, e este é um ideal (no sentido de conceito médico) que tende a agregar, conciliar, investigar e se adaptar às demandas do paciente. Não passa de uma metáfora, utilizando aquilo que já se pratica e se produz cientificamente para renovarmos nossos olhares para o que estamos criando, observando, estudando e tratando. Vimos falando, em outras palavras, sobre a relação médicopaciente, um dos principais focos da psicologia médica. O processo de humanização e de desenvolvimento é feito de relações interpessoais: o sujeito não pode criar-se a si mesmo, ele necessita do outro para conscientizar-se, ser, estar e sentir no mundo. Até pouco tempo atrás os referenciais biopsicosocioculturais do homem eram regidos pelos valores de certezas. Era aceita a concepção universal de causalidade, isto é, toda causa corresponderia a um determinado efeito, numa epistemologia explicável pelo raciocínio lógico. Com o incremento contínuo de informações e pesquisas, algumas genuínas, outras ainda carentes de metodologias adequadas e não replicáveis pelo método científico, esses referenciais biológicos, psicológicos, sociais e culturais tornaram-se mais frágeis, questionáveis, influenciando as relações humanas, principalmente daqueles que trabalham e interagem com pessoas, ou seja, os médicos e profissionais da saúde. A psicologia médica, pesquisando e se embasando em informações fornecidas pela MBE, pode também contribuir estudando esses fenômenos envolvendo as relações humanas diante daquilo que as pessoas vêm chamando de avanços na ciência. Todo pesquisador sabe que não temos verdades absolutas, lidamos com paradigmas ou modelos temporários, e esta é nossa condição. Devemos, portanto, manter nossa in- Diagn Tratamento. 2010;15(3):135-7. RDT v15n3.indb 136 20.10.10 12:49:17 Décio Gilberto Natrielli Filho | Décio Gilberto Natrielli cessante busca por uma abordagem integrada que possa devolver aos pacientes a capacidade de sentir, falar, formar imagens e fantasias, com o intuito de restaurar e transformar o indivíduo e seu mundo, onde a consciência é capaz de desenvolver capacidades superiores de abstração e simbolização, para uma melhora das suas relações, interpretações, vivências, experiências e qualidade de vida. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Serviço de Psiquiatria do Hospital do Servidor Público Estadual Rua Pedro de Toledo, 1.800 Vila Clementino — São Paulo (SP) CEP 04039-901 Tel. (11) 5088-8121/5088-8190 Cel. (11) 9261-3776 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflito de interesse: nenhum 137 EDITOR RESPONSÁVEL POR ESTA SEÇÃO: Álvaro Nagib Atallah. Médico. Professor titular e chefe da Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Diretor do Centro Cochrane do Brasil e Diretor da Associação Paulista de Medicina (APM). E-mail: [email protected] REFERÊNCIAS 1. Lipsitt DR. Consultation-liaison psychiatry and psychosomatic medicine: the company they keep. Psychosom Med. 2001;63(6):896-909. 2. Melo Filho J. Introdução. In: Melo Filho J, editor. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992. p. 19-27. 3. Nemiah JC. A psychodynamic view of psychosomatic medicine. Psychosom Med. 2000;62(3):299-303. 4. Perestrello D. A medicina da pessoa. 2a edição. Rio de Janeiro: Atheneu; 1974. 5. Natrielli Filho DG, Natrielli DG, Goes RD. Contribuições para a prática da psiquiatria, psicodinâmica e psicologia médica. São Paulo: Leitura Médica; 2008. Data de entrada: 17/5/2010 Data da última modificação: 17/5/201 Data de aceitação: 9/6/2010 RESUMO DIDÁTICO 1. Com a ampliação e a absorção dos psiquiatras pelo hospital geral, novos conceitos sobre a interação mente-corpo foram propostos e, atualmente, temos disponíveis campos de estudo que se intersectam e têm suas raízes na psicossomática, tais como a interconsulta psiquiátrica e a psicologia médica. 2. Houve uma fase da medicina do século anterior na qual a estatística ainda não havia sido aperfeiçoada e absorvida pelos campos da saúde mental e até das neurociências. 3. Necessitamos das pesquisas, com controles e homogeneidade, com grupos representativos e de diversos centros, para adotarmos referenciais clínicos e éticos. Mas ninguém discorda que cada indivíduo é único e singular, mesmo na sua relação com a doença ou na forma de adoecer. 4. Por mais que busquemos a neutralidade científica, não podemos negligenciar o fato de que trabalhamos com “mentes vivas”, e a isso se subordina qualquer metodologia. 5. Buscamos a integração, e este é um ideal (no sentido de conceito médico), que tende a agregar, conciliar, investigar e se adaptar às demandas do paciente. 6. Todo pesquisador sabe que não temos verdades eternas, lidamos com paradigmas ou modelos temporários e esta é nossa condição. Diagn Tratamento. 2010;15(3):135-7. RDT v15n3.indb 137 20.10.10 12:49:17 Medicina sexual Parceiros sexuais nos últimos 12 meses e parceiros significativos ao longo da vida, segundo o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro Marco de Tubino ScanavinoI Carmita Helena Najjar AbdoII Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo INTRODUÇÃO Uma revisão referente a programas de abstinência sexual (como intervenção preventiva às doenças sexualmente transmissíveis/aids – DST/aids) em países com elevada renda per capita revelou que não são afetados: a frequência de sexo vaginal, a incidência de sexo vaginal desprotegido, o número de parceiros sexuais, a iniciação sexual e o uso de preservativos.1 O Brasil possui um programa de prevenção às DST/aids que preconiza estratégias de sexo seguro e não abstinência sexual. Dados epidemiológicos recentes revelam resultados positivos e a epidemia da aids no Brasil apresenta tendência à estabilização. Porém, diferenças regionais se acentuam e a epidemia avança em certos segmentos como populações que vivem no interior do país, em mulheres, entre heterossexuais e na população de baixas renda e escolaridade.2 O número de parceiros sexuais tem sido associado em diversas pesquisas à maior frequência de comportamento sexual de risco. É um indicador de aumento da possibilidade de contato com um portador do agente infeccioso.3,4 Além disso, o número de parceiros sexuais é um indicador de risco de adquirir DST, frequentemente referido em diversos estudos.5-7 Entre mulheres, observa-se forte associação do número de parceiros com infecção pelo papilomavírus humano (HPV).5-7 Por sua vez, a infecção pelo HPV no colo do útero está fortemente associada à malignização em mulheres cada vez mais jovens.8 O câncer de colo de útero no Brasil é a segunda maior causa de morte por câncer entre mulheres.9 Nos países em desenvolvimento, o comportamento sexual de risco em mulheres é adotado predominantemente no contexto de relacionamentos afetivos, enquanto que, em homens, é mais frequente em relacionamentos sem vínculo ou compromisso (“casos”) ou relações com parceiras eventuais, sem afeto associado.10 I II A associação entre número de parceiros sexuais e problemas de saúde pública, tais como DST, aids e câncer cervical, bem como a necessidade de pesquisas brasileiras acerca do número de parcerias, deu ensejo a esta pesquisa. O objetivo deste estudo é obter as frequências do número de parceiro(a)s sexuais nos últimos 12 meses e do número de parceiro(a)s significativo(a)s ao longo da vida entre os participantes do Estudo da Vida Sexual do Brasileiro (EVSB),11 investigando a distribuição de acordo com a faixa etária, escolaridade e estados brasileiros. MÉTODOS O EVSB11 resultou de amostra da população, com desenho de corte transversal. Tal amostra foi selecionada por conveniência em parques, praças, praias e shoppings centers das capitais de 11 estados brasileiros (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Pará e Mato Grosso do Sul), Distrito Federal e estado de São Paulo (capital e cidades de Santos, Campinas, São Caetano do Sul, São Bernardo e Diadema). Homens e mulheres alfabetizados com 18 anos ou mais podiam participar. O instrumento utilizado foi um questionário anônimo e autorresponsivo de 87 questões de múltipla escolha sobre práticas, hábitos e dificuldades sexuais. Tal questionário foi inicialmente testado quanto à clareza e à consistência em um grupo piloto de 30 indivíduos de diferentes níveis socioeconômicos. A pesquisa de campo desenvolveu-se de novembro de 2002 a fevereiro de 2003. Uma equipe de aplicadoras (cinco especialistas em sexualidade) acompanhou o preenchimento dos questionários. Neste trabalho são descritos os números de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses e o número de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida de acordo com faixas etárias, Psiquiatra, doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Responsável pelo Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) e do Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (ProAMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC) da FMUSP. Médico assistente do ProSex e do Hospital-Dia Adulto do IPq-HC-FMUSP. Psiquiatra, livre-docente e professora associada do Departamento de Psiquiatria da FMUSP. Fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC) da FMUSP. Diagn Tratamento. 2010;15(3):138-42. RDT v15n3.indb 138 20.10.10 12:49:17 Marco de Tubino Scanavino | Carmita Helena Najjar Abdo escolaridade e estados brasileiros. Parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida correspondem àqueles(as) marcantes na vida da pessoa, com o(a) qual conviveu no contexto de um relacionamento afetivo. Na análise estatística, o teste ANOVA (analysis of variance) one-way com distribuição normal foi utilizado para pesquisar a associação entre as médias das variáveis dependentes – parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses e parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida – e as variáveis independentes (faixa etária, escolaridade, estados brasileiros). As diferenças foram consideradas significativas para valores correspondentes a P < 0,05. RESULTADOS Dos 7.103 indivíduos pesquisados pelo EVSB11 (54,6% homens e 45,4% mulheres), 6.217 (87,5%) responderam à questão sobre número de parceiras(os) nos últimos 12 meses e 5.925 (83,4%) responderam à questão sobre número de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida. Na Tabela 1 pode-se observar que, no Brasil, os homens apresentam em média duas vezes mais parceiras(os) sexuais nos últimos 12 meses e mais que 50% de parceiras(os) significativas(os) ao longo da vida, quando comparados às mulheres (P < 0,001). Na Tabela 2 é mostrado que a média de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses de homens e mulheres diminui na faixa etária dos 26 aos 40 anos, comparada com a faixa etária dos 18 aos 25 anos (P < 0,001). Por sua vez, diminui novamente na faixa dos 41 aos 50 anos (P < 0,001), mantendo-se estável nas faixas posteriores. Quanto à média de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida, observa-se que se eleva entre as brasileiras de 26 a 40 anos (P < 0,001), comparada à faixa etária dos 18 aos 25 anos, mas depois mantém-se em níveis semelhantes nas faixas dos 41 aos 50 e dos 51 aos 60, diminuindo entre as mulheres com 61 anos ou mais. Entre os homens brasileiros, observa-se que se eleva sucessivamente nas 139 faixas de 26 aos 40 e dos 41 aos 50 (P < 0,001), estabilizandose nas faixas subsequentes. Na Tabela 3 se observa que a média de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses diminui quanto mais aumenta a escolaridade das brasileiras (P < 0,001). Não se observou diferença estatística significante na distribuição dos homens brasileiros quanto à média de parceiras(os) sexuais e associação com escolaridade (P > 0,05). Quanto à média de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida não se observou diferença estatística significante na distribuição dos brasileiros e brasileiras de acordo com a escolaridade (P > 0,05). Quanto aos resultados por estados, a menor e a maior média de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses são, respectivamente, a da mulher paulista/paraense (1,2) e a da pernambucana (4,4); enquanto a menor e a maior média de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida são, respectivamente, a da mulher mineira (2,1) e a da gaúcha (3,5) (Figura 1). Entre os homens, a menor e a maior média de parceiras(os) sexuais nos últimos 12 meses são, respectivamente, a do paulista (2,2) e a do gaúcho (4,7); enquanto a menor e a maior média de parceiras(os) significativas(os) ao longo da vida são, respectivamente, a do paulista/paranaense (3,7) e a do carioca/paraense (5,6) (Figura 2). Na Tabela 4 se observa que mulheres e homens de São Bernardo do Campo e Diadema apresentam as menores médias de parceiros(as) sexuais e significativos(as) ao longo da vida, comparadas às outras cidades paulistas pesquisadas. A Tabela 1. Média do número de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses e média do número de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida, de acordo com o sexo Sexo Mulheres Homens Parceiros sexuais Média* n DP 1,5 2.739 3,60 3,0 3.478 6,27 Parceiros significativos Média* n DP 2,7 2.781 3,11 4,2 3.144 5,42 n = número de participantes; DP = desvio-padrão; *P < 0,001. Tabela 2. Média do número de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses e média do número de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida de homens e mulheres, de acordo com a faixa etária Sexo Mulheres Homens Faixa etária 18-25 26-40 41-50 51-60 61+ Total 18-25 26-40 41-50 51-60 61+ Total Média* 1,7 1,4 1,2 1,1 1,1 1,4 4,0 2,9 2,6 2,2 2,3 3,0 Parceiros sexuais n 735 1.055 576 255 90 2.711 760 1.370 651 402 251 3.434 DP 4,19 1,51 0,89 1,11 1,08 2,45 8,07 5,23 6,68 4,55 6,40 6,29 Média* 2,3 3,1 2,8 3,1 2,2 2,8 3,5 4,1 4,8 4,8 4,6 4,2 Parceiros significativos n 774 1.014 570 278 120 2.756 737 1.257 588 343 190 3.115 DP 2,34 3,70 2,36 3,96 2,68 3,12 4,56 4,95 6,31 6,27 6,46 5,42 n = número de participantes; DP = desvio-padrão; *P < 0,001. Diagn Tratamento. 2010;15(3):138-42. RDT v15n3.indb 139 20.10.10 12:49:17 Marco de Tubino Scanavino | Carmita Helena Najjar Abdo 141 Tabela 4. Média do número de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses e média do número de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida de homens e mulheres, de acordo com a capital e outras cidades paulistas Cidade Parceiros sexuais Parceiros significativos* São Paulo São Caetano do Sul São Bernardo/Diadema Santos Campinas Total São Paulo São Caetano do Sul São Bernardo/Diadema Santos Campinas Total Média 1,2 1,1 1,1 1,5 1,3 1,2 2,7 2,3 2,0 2,5 2,7 2,6 Mulheres* n 647 122 138 202 161 1.270 712 106 132 204 157 1.311 DP 1,00 0,69 0,40 1,45 0,79 1,00 2,84 1,87 1,70 1,75 2,22 2,46 Média 2,1 2,7 1,7 2,8 2,2 2,3 4,0 3,2 3,0 3,3 3,7 3,7 Homens n 845 197 124 120 166 1.452 784 163 109 112 149 1.317 DP 3,45 6,43 2,12 4,10 3,57 3,98 4,83 2,74 3,07 3,31 4,24 4,32 n = número de participantes; DP = desvio-padrão; *P < 0,05. DISCUSSÃO De forma geral, o padrão de parcerias dos brasileiros e das brasileiras está de acordo com as tendências internacionais. O comportamento sexual masculino se manifesta mais frequentemente em contextos desapegados de ligações afetivas, resultando em maior frequência de troca de parcerias, enquanto o comportamento sexual feminino permanece mais associado a relacionamentos afetivos.12 Estudo analisando o comportamento sexual em 59 países observou que apenas nos mais industrializados o número de parceiros(as) no último ano se assemelha entre homens e mulheres.12 A atividade sexual entre homens responde por parte da discrepância do número de parceiros(as) entre os sexos em diversas regiões do mundo.13 Ao longo da vida decresce o número de parceiros(as) sexuais que se tem no período de um ano, ao passo que há tendência ao aumento discreto do número de parceiros(as) significativos(as), o que está de acordo com a norma evolutiva fisiológica. Menor média de parceiros(as) significativos(as) entre mulheres com 61 anos ou mais no Brasil pode ser resquício do período anterior aos anos 60 (surgimento do anticoncepcional oral), quando as mulheres viviam sob forte repressão sexual. O dado está de acordo com outros estudos.14 Menor número de parceiros(as) sexuais entre mulheres com 60 anos ou mais está relacionado a maior incidência de viuvez e divórcio, numa etapa do ciclo vital na qual a mulher não é estimulada ao exercício da sexualidade nem a buscar novos parceiros(as). O sexo pago também é mais acessível e aceito em homens do que em mulheres.15 A escolaridade mostrou associação estatística significante com média de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses apenas entre as mulheres, sugerindo que aquelas com menor nível de instrução apresentam menos restrições para se engajar em relacionamentos sexuais com novos parceiros(as), quando comparadas às mais instruídas. A análise por estados demonstrou diferenças estatisticamente significantes quanto a média do número de parceiros(as) nos últimos 12 meses e do número de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida entre os brasileiros e brasileiras. Por outro lado, diante das diferenças de hábitos e costumes de cada região do país, não se observou padrão regional da média de parceiros(as) sexuais e significativos(as). Em polos extremos do Brasil, encontram-se os estados com homens (Rio Grande do Sul) e mulheres (Pernambuco) com maior média de parceiros sexuais. Exceto as pernambucanas, as mulheres dos demais estados referem número de parceiros sexuais próximo ao da média nacional. Entre os homens, exceção aos gaúchos e catarinenses, os demais referem número de parceiras sexuais próximo ao da média masculina nacional. Homens e mulheres cariocas, baianos e paraenses referem número de parcerias significativas ao longo da vida maior que a média calculada por sexo no EVSB.11 No estado de São Paulo, as maiores médias de parceiros(as) sexuais se concentraram na cidade portuária de Santos, o que é característico de locais onde se observa grande fluxo de pessoas com permanência temporária. Em outros países também é observada distinção no comportamento sexual de acordo com o gênero. Aspectos culturais, jurídicos, religiosos e socioeconômicos colaboram para estas diferenças.16 Os estados com média mais elevada de parceiros sexuais poderão ser alvo de estudos futuros, visando a investigação do comportamento sexual de risco. Espera-se que este estudo forneça subsídios para novas investigações e que o número de parceiros sexuais, bem como suas implicações nos processos de adoecimento e de saúde no Brasil sejam melhor conhecidos. Diagn Tratamento. 2010;15(3):138-42. RDT v15n3.indb 141 20.10.10 12:49:18 142 Parceiros sexuais nos últimos 12 meses e parceiros significativos ao longo da vida, segundo o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro INFORMAÇÕES: Endereço para correspondência: Marco de Tubino Scanavino Rua Mato Grosso, 306/614 Higienópolis — São Paulo (SP) CEP 01239-040 Tel. (11) 3207-6184 E-mail: [email protected] Fonte de fomento: O Estudo da Vida Sexual do Brasileiro (EVSB) teve apoio da Eli Lilly do Brasil Conflito de interesse: Nenhum REFERÊNCIAS 1. Underhill K, Operario D, Montgomery P. Abstinence-only programs for HIV infection prevention in high-income countries. Cochrane Database Syst Rev. 2007;(4):CD005421. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Resposta positiva 2008. A experiência do programa brasileiro de DST e Aids. Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/documents/storedDocuments/%7BB8EF5DAF23AE-4891-AD36-1903553A3174%7D/%7B0CAD21C6-B31E-4358-B67E4896EAFAAC9E%7D/resposta_2008.pdf. 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Data de entrada: 28/5/2010 Data da última modificação: 1o/6/2010 Data de aceitação: 9/6/2010 RESUMO DIDÁTICO 1. A epidemia da aids avança em certos segmentos populacionais, tais como naqueles que vivem no interior do país, em mulheres, entre heterossexuais e na população de baixas renda e escolaridade. 2. O número de parceiros sexuais é um indicador de risco de adquirir doenças sexualmente transmissíveis, frequentemente referido em diversos estudos. 3. No Brasil, a média de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses de homens e mulheres diminui na faixa etária dos 26 aos 40 anos, comparada com a faixa etária dos 18 aos 25 anos. 4. Quanto à média de parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida, observa-se que se eleva entre as brasileiras de 26 a 40 anos, comparada à faixa etária dos 18 aos 25 anos, mas depois mantém-se em níveis semelhantes nas faixas dos 41 aos 50 e dos 51 aos 60, diminuindo entre as mulheres com 61 anos ou mais. 5. Entre as mulheres brasileiras, a média de parceiros(as) sexuais nos últimos 12 meses diminui quanto mais aumenta a escolaridade. 6. Diante das diferenças de hábitos e costumes de cada região do país, não se observou padrão regional tanto da média de parceiros(as) sexuais como parceiros(as) significativos(as) ao longo da vida. Diagn Tratamento. 2010;15(3):138-42. RDT v15n3.indb 142 20.10.10 12:49:18 Orientações baseadas em evidências para os pacientes Exposição à radiação durante exames de imagem: dúvidas frequentes Wagner IaredI David Carlos ShigueokaII Disciplina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM) INTRODUÇÃO É crescente a utilização de exames de imagem na prática médica. Se tomarmos como exemplo os exames de tomografia computadorizada nos Estados Unidos, o número passou de 2 milhões por ano em 1980 para 65 milhões em 2003. A estimativa para o ano atual (2010) é de 100 milhões de exames.1 Outros exames que se valem de menor dose de radiação são usados de maneira rotineira para o rastreamento de doenças como o câncer de mama e a osteoporose. E há pessoas que sofrem de doenças crônicas ou condições clínicas que exigem acompanhamento médico prolongado e acabam sendo submetidas a grande número de exames de diagnóstico por imagem ao longo da vida. Surge então a dúvida quanto ao risco de exposição à radiação. Veremos abaixo algumas dúvidas frequentes de médicos e pacientes sobre o assunto. 1. Se jamais formos submetidos a exames ou terapias que envolvam radiações ionizantes nunca estaremos expostos? Todos os seres vivos sofrem ação da radiação ionizante presente no ambiente, como a do gás radônio encontrado em nossas casas e a proveniente dos raios cósmicos. Essa radiação de fundo é diferente em diversos pontos geográficos do globo. Em países industrializados, chega a 3,0 mSv ao ano.2 2. A excessiva exposição a radiações no presente pode aumentar o risco de câncer ou outros problemas no futuro? As radiações ionizantes podem provocar lesões na estrutura das células. Altas doses de raios X, aplicadas de maneira focada a pequenas áreas do corpo e por tempo prolongado, podem ser utilizadas para o tratamento de certos tipos de câncer (radioterapia). Nesse caso, o objetivo é provocar a morte das células tumorais, que têm alta taxa de proliferação e são, por isso, mais sensíveis à radiação ionizante que as células normais. As doses de radiação utilizadas nos exames diagnósticos não têm o potencial de provocar morte celular. Mas poderiam, eventualmente, provocar mutações genéticas com potencial de I II provocar câncer ou doenças congênitas na prole. Acredita-se que esses efeitos são dependentes da dose recebida ao longo da vida. É o que chamamos de efeito cumulativo. Há aumento do risco para a maioria dos tumores sólidos pela exposição à radiação ionizante. A associação entre radiação e o surgimento de tumores é mais evidente em alguns tipos, como o câncer da tireoide e a leucemia.3-6 3. Há evidências claras sobre baixas doses de radiação capazes de provocar danos celulares que levem a malformações ou ao câncer no futuro? A maioria dos estudos que avaliam os efeitos da exposição de seres humanos à radiação ionizante é baseada nas observações de populações sobreviventes de explosões nucleares como Hiroshima e Nagasaki, acidentes nucleares, como Chernobyl, ou em pacientes submetidos à radioterapia. E, enquanto os pacientes submetidos a exames diagnósticos são expostos a pequenas doses de radiação em diferentes momentos, as pessoas das populações estudadas naqueles trabalhos foram submetidas a doses bem maiores de radiação em um determinado momento. Há poucos estudos avaliando o risco de câncer em populações expostas à radiação em testes diagnósticos.3,5,7,8 4. É seguro realizar exames periódicos que envolvam radiações como as radiografias convencionais, a mamografia e a densitometria óssea? Alguns exames expõem o paciente a níveis muito baixos de radiação. Por exemplo, uma radiografia do tórax expõe o paciente a 0,1 mSv. Isso equivale a 10 dias de exposição à radiação ambiente. Uma cintilografia óssea usa uma dose de radiação de cerca de 0,05 mSv – o equivalente a cerca de seis dias de exposição à radiação ambiente. Para a mamografia, a dose é de 0,7 mSv – o equivalente a três meses de exposição à radiação ambiente. A densitometria óssea e radiografias de extremidade – como a do antebraço, por exemplo – geram uma dose equivalente a menos de um dia de exposição à radiação ambiente (0,001 mSv). Por isso há tanta confiança na segurança do uso da mamografia e a densitometria ós- Médico radiologista, membro titular do Colégio Brasileiro de Radiologia, chefe da coordenadoria de Ultrassonografia do Departamento de Diagnósticos por Imagem da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), Pós-graduando da Disciplina de Medicina de Urgência da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). E-mail: [email protected] Médico radiologista, membro titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e professor afiliado e chefe do setor de Radiologia de Urgência do Departamento de Diagnósticos por Imagem da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). E-mail: [email protected] Diagn Tratamento. 2010;15(3):143-5. RDT v15n3.indb 143 20.10.10 12:49:19 144 Exposição à radiação durante exames de imagem: dúvidas frequentes sea para o rastreamento do câncer de mama e da osteoporose, respectivamente.2,9 5. Então não há razão para preocupação quanto à dose de radiação em exames de imagem que envolvam radiações? Exames como a tomografia computadorizada, especialmente as mais modernas, com várias fileiras de detectores, submetem o paciente a doses maiores de radiação e devem ter sua indicação limitada a situações mais específicas. Para exemplificar, uma tomografia computadorizada de abdome e pelve oferece uma dose de radiação efetiva de 10 mSv a 14 mSv, o equivalente a cerca de quatro anos de exposição à radiação de fundo.2,9 Alguns autores preconizam inclusive a indicação de exames de ressonância magnética (de maior custo) como alternativa, devido à alta dose de radiação da tomografia.10 6. Gestantes e crianças são mais suscetíveis aos efeitos nocivos das radiações? Há grupos de pacientes que merecem consideração especial quanto ao risco de exposição: as gestantes e as crianças. Isso porque as células jovens do embrião, do feto e das crianças estão em desenvolvimento acelerado e há maior expectativa de tempo de vida para que alterações tardias possam se manifestar.3 7. Não se devem realizar exames que envolvem radiações em gestantes e crianças? Apesar do maior risco para o feto e para crianças, como dissemos anteriormente, o risco individual é muito pequeno e o benefício potencial do exame, quando bem indicado, justifica o procedimento diagnóstico. Exames da cabeça, pescoço e extremidade das gestantes podem ser realizados com alguns cuidados especiais, praticamente isentando o feto de radiação ionizante significativa. Eventualmente, exames que envolvem o abdome podem ser necessários. Nesse caso, os médicos dão preferência a exames que não utilizem radiação ionizante, como a ultrassonografia. Mas se mesmo assim houver justificativa para um estudo radiológico, as evidências apontam ser muito baixo o risco individual de algum malefício potencial. Cuidados especiais para a redução da dose, como protocolos otimizados de tomografia computadorizada e aventais de chumbo para proteger o feto ou órgãos suscetíveis de radiação espalhada devem ser tomados nesses casos. É importante que a mulher grávida mencione sua condição de gestante ao médico ou ao técnico que realizará o exame.11-13 8. Qual a percepção dos médicos em relação a risco de malformações associadas a exposição de gestantes a exames radiológicos e tomografias computadorizadas? Um estudo canadense verificou que tanto médicos de família quanto obstetras têm percepção exagerada quanto ao risco de malformações fetais em gestantes expostas a exames radiológicos e tomografias computadorizadas. Essa percepção exagerada se transmite para pacientes e familiares e tende a determinar ansiedade desnecessária ou mesmo a não realização de um exame importante para a definição do diagnóstico.14 9. Quais os princípios da proteção radiológica? Os médicos radiologistas, tecnólogos e técnicos são treinados para limitar a exposição do paciente à menor dose de radiação necessária para o diagnóstico correto. São três os princípios básicos da proteção radiológica: justificação, limitação da dose e otimização. O princípio da justificação diz respeito à indicação do exame. Somente se deve indicar um exame que exponha o paciente a radiação ionizante se os benefícios potenciais trazidos pelos resultados dos exames superem os riscos envolvidos. A limitação da dose é estabelecida na legislação. No Brasil, o órgão responsável pela regulamentação das doses de radiação é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A otimização quer dizer que devem ser utilizadas doses tão baixas quanto razoavelmente exequíveis, considerando os fatores econômicos e sociais. É o princípio ALARA (as low as reasonably achievable). Em suma, a proteção radiológica deve ser levada em conta desde a indicação do exame, passando pela colimação (foco) do feixe de raios X, excluindo áreas fora do interesse diagnóstico, filtros para evitar raios X de baixa energia que não contribuam para o diagnóstico, e equipamentos de proteção radiológica. Entre os equipamentos, há óculos plumbíferos, protetores de tireoide, luvas e aventais plumbíferos. Há preocupação especial em proteger as pessoas cujo trabalho envolve a exposição diária a fontes de radiação ionizante. Esses trabalhadores fazem uso de um dispositivo que calcula a dose acumulada de radiação a que foram expostos: o dosímetro.15,16 10. A realização de exames de ultrassonografia pode prejudicar o feto? Nem todos os exames de diagnóstico por imagem utilizam radiações ionizantes, que são as radiações com potencial de provocar lesão celular. A ultrassonografia não se vale de raios X ou isótopos radioativos para a formação das imagens. O paciente é exposto a ondas sonoras de alta frequência e não a radiações ionizantes. Nunca foi demonstrado que as intensidades de ultrassom utilizadas para exames diagnósticos estivessem associadas a algum tipo de efeito indesejado ao feto. De fato, a ultrassonografia é um exame seguro à gestante e ao feto.17 11. A ressonância magnética gera radiações nocivas? Na ressonância magnética o paciente é submetido a um forte campo magnético, e posteriormente a ondas de radiofrequência, sem a utilização de radiação ionizante e seus efeitos secundários. Muitas das aplicações clínicas são idênticas às da tomografia computadorizada e, assim, pode representar uma alternativa adequada, exceto para pacientes com contraindicações específicas.10 12. A ressonância magnética é segura para todas as pessoas? Embora não haja riscos relacionados a radiações ionizantes, há contraindicações para sua realização. Indivíduos que usam marcapassos cardíacos e clipes cirúrgicos intracranianos, por exemplo, correm riscos devido à exposição ao forte campo magnético. O paciente a ser submetido a exames de ressonância magnética deve ser avaliado quanto a estes e outros fatores que possam contraindicar o exame.18 Diagn Tratamento. 2010;15(3):143-5. RDT v15n3.indb 144 20.10.10 12:49:19 Wagner Iared | David Carlos Shigueoka INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Wagner Iared Centro Cochrane do Brasil Rua Pedro de Toledo, 598 Vila Clementino — São Paulo (SP) CEP 04039-001 Tel./Fax. (11) 5575-2970 — (11) 5579-0469 E-mail: [email protected] Fonte de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado Esta seção é um serviço público da Revista Diagnóstico & Tratamento. As informações e recomendações contidas neste artigo são apropriadas na maioria dos casos, mas não substituem o diagnóstico do médico. Para informações específicas à sua condição pessoal de saúde, sugerimos que consulte o seu médico. Esta página pode ser fotocopiada não comercialmente por médicos e outros profissionais de saúde para compartilhar com os pacientes. REFERÊNCIAS 1. Hall EJ, Brenner DJ. Cancer risks from diagnostic radiology. Br J Radiol. 2008;81(965):362-78. 2. Radiology Info. The Radiology Information Resource for Patients. Safety. Radiation exposure in x-ray examinations. Disponível em: http://www. radiologyinfo.org/en/safety/index.cfm?pg=sfty_xray. Acessado em 2010 (12 abr). 3. Kleinerman RA. Cancer risks following diagnostic and therapeutic radiation exposure in children. Pediatr Radiol. 2006;36 Suppl 2:121-5. 4. Rice HE, Frush DP, Farmer D, Waldhausen JH; APSA Education Committee. Review of radiation risks from computed tomography: essentials for the pediatric surgeon. J Pediatr Surg. 2007;42(4):603-7. 5. Moysich KB, Menezes RJ, Michalek AM. Chernobyl-related ionising radiation exposure and cancer risk: an epidemiological review. Lancet Oncol. 2002;3(5):269-79. 6. Damber L, Johansson L, Johansson R, Larsson LG. Thyroid cancer after X-ray treatment of benign disorders of the cervical spine in adults. Acta Oncol. 2002;41(1):25-8. 145 7. Wall BF, Kendall GM, Edwards AA, Bouffler S, Muirhead CR, Meara JR. What are the risks from medical X-rays and other low dose radiation? Br J Radiol. 2006;79(940):285-94. 8. Little MP. Cancer and non-cancer effects in Japanese atomic bomb survivors. J Radiol Prot. 2009;29(2A):A43-59. 9. Stanford Dosimetry, LLC. RADAR medical procedure radiation dose calculator and consent language generator. Disponível em: http://www.doseinfo-radar. com/RADARDoseRiskCalc.html. Acessado em 2010 (12 abr). 10. Semelka RC, Armao DM, Elias J Jr, Huda W. Imaging strategies to reduce the risk of radiation in CT studies, including selective substitution with MRI. J Magn Reson Imaging. 2007;25(5):900-9. 11. D’ippolito G, Medeiros RB. Exames radiológicos na gestação [X-ray examinations during pregnancy]. Radiol Bras. 2005;38(6):447-50. 12. McCollough CH, Primak AN, Braun N, Kofler J, Yu L, Christner J. Strategies for reducing radiation dose in CT. Radiol Clin North Am. 2009;47(1):27-40. 13. Schulze-Rath R, Hammer GP, Blettner M. Are pre- or postnatal diagnostic X-rays a risk factor for childhood cancer? A systematic review. Radiat Environ Biophys. 2008;47(3):301-12. 14. Ratnapalan S, Bona N, Chandra K, Koren G. Physicians’ perceptions of teratogenic risk associated with radiography and CT during early pregnancy. AJR Am J Roentgenol. 2004;182(5):1107-9. 15. Prasad KN, Cole WC, Haase GM. Radiation protection in humans: extending the concept of as low as reasonably achievable (ALARA) from dose to biological damage. Br J Radiol. 2004;77(914):97-9. 16. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 453, de 01 de junho de 1998. Aprova o Regulamento Técnico que estabelece as diretrizes básicas de proteção radiológica em radiodiagnóstico médico e odontológico, dispõe sobre o uso dos raios-x diagnósticos em todo território nacional e dá outras providências. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 02 de junho de 1998. Disponível em http://e-legis.anvisa. gov.br/leisref/public/showAct.php?id=1021. Acessado em 2010 (12 abr). 17. Miller DL. Safety assurance in obstetrical ultrasound. Semin Ultrasound CT MR. 2008;29(2):156-64. 18. Götte MJ, Rüssel IK, de Roest GJ, et al. Magnetic resonance imaging, pacemakers and implantable cardioverter-defibrillators: current situation and clinical perspective. Neth Heart J. 2010;18(1):31-7. Data de entrada: 9/2/2010 Data da última modificação: 10/2/2010 Data de aceitação: 13/5/2010 RESUMO DIDÁTICO 1. É fato que as radiações ionizantes apresentam potencial lesivo às células, mas nas doses utilizadas para exames de imagem esse potencial é bastante reduzido. 2. Deve-se ter cuidado especial quanto à dose de radiação em gestantes e crianças. 3. Os benefícios dos exames de diagnóstico por imagem adequadamente indicados superam em muito os riscos potenciais. 4. Há exames de diagnóstico por imagem que não fazem uso de radiação ionizante, como a ultrassonografia e a ressonância magnética, que podem constituir alternativas seguras. 5. Os médicos radiologistas, tecnólogos e técnicos em radiologia são treinados a limitar a exposição à radiação ao mínimo necessário para obter os resultados necessários. Diagn Tratamento. 2010;15(3):143-5. RDT v15n3.indb 145 20.10.10 12:49:19 Opinião Fúria no trânsito Qual a razão das agressões gestual, verbal e física? Por que tamanho desrespeito ao homem e à vida? Dirceu Rodrigues Alves JúniorI Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) A fúria no trânsito é o somatório do estresse físico, psicológico e social com a direção agressiva acompanhada de distúrbio comportamental e característica própria de cada um, podendo ter agregada doença mental adormecida. Esses componentes estão presentes invariavelmente em todos os conflitos de trânsito e que são estampados na mídia como fato policial. A explosão de tudo isso acontece porque o indivíduo perde a capacidade adaptativa e defensiva e parte para o ataque, que pode caracterizar-se por gesto obsceno, palavrões, luta corporal, agressão com artefatos encontrados no meio ou mesmo uso de alguma arma, com consequências desastrosas. Milhares de vítimas de brigas de trânsito ocorrem em todo o mundo. Na cidade de São Paulo, o telefone 190 da Polícia Militar recebe em média 30 chamadas por dia para incidentes desse tipo. Estimamos que 15% a 20% dos motoristas sejam portadores de distúrbio psicológico e doença mental primária e que jamais deveriam ter sido habilitados para a direção veicular.1 Em torno de 18% não conseguem adaptar-se ao estresse provocado pelo trânsito evoluindo para uma fase defensiva que terminará com as agressões gestuais e verbais.1 Outros 12% comportamse evidenciando a direção agressiva, dando fechada, invadindo farol fechado, não respeitando sinalização horizontal e vertical, colando na traseira, jogando farol alto, buzinando etc.1 Concluímos que 50% dos nossos motoristas necessitam melhor avaliação psicológica e psiquiátrica.1 Tornam-se intolerantes, repressivos e sempre na posição de ataque. Claro que não é agradável ficar preso no trânsito, mas transformar esse desconforto em agressividade é ultrapassar os limites do respeito, da tolerância, de humanidade, do carinho, da gentileza daquele que igualmente sofre as consequências do engarrafamento, da lentidão. A máquina, sabemos ser perigosa quando fixa. Quando móvel, na mão desses 50% vira uma arma extremamente perigosa. Não podemos aceitar que máquinas móveis extremamente perigosas possam transitar conduzidas por portadores de distúrbios que os levam à agressividade, a perda do equilíbrio já que esses fatores são incompatíveis com a direção. Há que se ter ações mais rígidas na seleção de tais indivíduos que, como dissemos, necessitam além de uma boa avaliação clíni- ca, avaliação psicológica detalhada e alguns até encaminhamento ao psiquiatra para tornarem-se motoristas. O teste psicológico não evidencia o suficiente, necessitamos de etapas prolongadas dessa avaliação com objetivo de estudar impulsividade, compulsão, agressividade, distúrbios comportamentais diante de situações, chegando-se a doente em potencial. Nem todos têm as condições mínimas para a direção veicular. No entanto não conhecemos casos de reprovação; se existem devem corresponder a 0,05%. Necessitamos, para contribuir na redução dos 40.000 óbitos, 380.000 vítimas e 100.000 sequelados no trânsito, seleção mais adequada com um filtro potente capaz de impedir o acesso e remover aqueles que já dirigem por esse Brasil afora em condições anormais. Necessitamos de correções na legislação para que a especialidade de psicologia possa ter progressões no seu trabalho, ampliando horizonte a ponto de estudar detalhadamente o perfil do candidato com amplo apoio do psiquiatra. Esses são os agressores do nosso transporte. É o jovem que faz racha, que usa o veículo para exibicionismo e eventuais conquistas, é o que xinga, que gesticula de maneira ostensiva, que agride, que dá fechada e que é capaz de matar ou morrer em meio ao trânsito tão complexo. O veículo é seu carro de combate. Nem todos os indivíduos que se candidatam a piloto de avião, de navio, maquinista de trem e outros estão aptos. Da mesma forma, posso afirmar que nem todos estão aptos a dirigir um veículo sobre rodas. A comunidade europeia evolui para o acidente zero. A Alemanha consagra o ensinamento do trânsito de veículos e pedestres desde os primeiros passos nas escolas. Evolui doutrinando seus jovens para o risco da direção veicular, dos critérios a serem adotados para que se tenha o mínimo de incidentes e acidentes. Acompanha o motorista habilitado, fiscaliza, pune, mantém educação continuada, corrige atitudes viciosas. É extremamente exigente quanto ao perfil físico e mental. O Brasil, na contramão dessa direção, viaja conduzindo seus motoristas, fazendo reavaliações de saúde física e mental a cada três ou cinco anos e doentes incapacitados para a direção veicular circulam livremente sem o gerenciamento dos órgãos governamentais e principalmente dos psicólogos e também dos psiquiatras, que nem são envolvidos. I Diretor do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). Diagn Tratamento. 2010;15(3):146-7. RDT v15n3.indb 146 20.10.10 12:49:19 Dirceu Rodrigues Alves Júnior INFORMAÇÕES REFERÊNCIA Endereço para correspondência: Dirceu Rodrigues Alves Júnior Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Abramet Associação Brasileira de Medicina de Tráfego Rua Dr. Amâncio de Carvalho, 507 Vila Mariana — São Paulo (SP) CEP 04012-090 Tel. (11) 2137-2700 E-mail: [email protected] URL: http://www.abramet.com.br 1. Alves Júnior DR. Manual de saúde do motorista profissional. São Paulo: Abramet; 2009. 147 Data de entrada: 23/11/2009 Data da última modificação: 17/5/2010 Data de aceitação: 20/5/2010 Fontes de fomento: Nenhuma Conflito de interesse: Nenhum RESUMO DIDÁTICO 1. A falta de tempo e profundidade na abordagem do candidato a motorista pelo serviço de psicologia e a ausência do psiquiatra na equipe de avaliação faz com que grande parcela dos habilitados seja de indivíduos portadores de distúrbios psicossomáticos, comportamentais e mesmo psiquiátricos. 2. A necessidade de avaliação prolongada se faz necessária não só na primeira habilitação como nas revalidações. 3. Motoristas com distúrbios incompatíveis com a direção veicular não conseguem se sociabilizar no dramático trânsito das grandes cidades. A direção ofensiva provocada por tais motoristas desestabiliza a harmonia, gentileza e generosidade que deveriam estar presente em todos os momentos. Diagn Tratamento. 2010;15(3):146-7. RDT v15n3.indb 147 20.10.10 12:49:19 Destaque Cochrane Reduzindo as incertezas sobre os efeitos da quimiorradioterapia para o câncer do colo do útero: metanálise de dados individuais.* Sumário Clínico do Cochrane Journal Club.† Autora da tradução: Rachel RieraI Autor dos comentários: Wagner José GonçalvesII O câncer cervical é o segundo câncer mais comum entre mulheres no mundo inteiro e é o principal câncer que afeta as mulheres na África subsaariana, América Central e Centro-Sul da Ásia Central. Nos países onde programas de rastreamento eficazes têm sido implementados há algum tempo (América do Norte, partes da Europa, Austrália e Nova Zelândia), tem havido um declínio significativo na incidência de câncer de colo uterino e mortalidade associada. No entanto, para aquelas mulheres que são diagnosticadas com câncer cervical que não pode ser removido de maneira eficaz por cirurgia isoladamente (volumosos no início da doença ou localmente avançados), o pilar do tratamento até 1999 era a radioterapia radical. Nesse ano, os resultados de cinco estudos randomizados fizeram com que o National Cancer Institute (NCI) recomendasse a quimiorradioterapia concomitante em mulheres com câncer cervical, e desde então essa se tornou a conduta padrão. Uma revisão Cochrane realizada por John Green e colaboradores1 concordou com esta recomendação, mas os resultados da análise e as conclusões dos autores sugeriram que importantes questões só poderiam ser respondidas por meio da coleta de dados individuais e reanálise dos dados dos ensaios clínicos incluídos. Além disso, dos cinco ensaios nos quais a orientação do NCI foi baseada, três utilizaram tratamentos adicionais para o grupo controle, o que tornou difícil avaliar o verdadeiro efeito da quimiorradioterapia quando comparado à radioterapia. Havia também outras diferenças clínicas entre os ensaios e heterogeneidade estatística nos achados da revisão. Portanto, esta nova revisão Cochrane2 foi iniciada com base em dados individuais. Os investigadores encontraram 25 estudos elegíveis que tinham comparado quimiorradioterapia concomitante (com ou sem cirurgia), com a mesma radioterapia isoladamente (com ou sem cirurgia), assim como três outros esI II tudos posteriores que utilizaram tratamentos adicionais para os grupos controle, mas que haviam contribuído com a orientação do NCI. Não foi possível obter dados de 10 estudos (incluindo 1.113 pacientes) ou porque não foi conseguido contato com os investigadores, ou porque os pesquisadores originais não foram capazes de localizar os dados. Os dados foram obtidos de 18 estudos incluindo 4.818 mulheres. As principais análises basearam-se em 15 ensaios que tinham uma comparação isenta de fatores confundidores entre a quimiorradioterapia e a radioterapia isolada. Os outros três ensaios utilizaram tratamentos diferentes ou adicionais no grupo controle e por isso não eram elegíveis para a análise principal, mas foram incluídos em uma análise de sensibilidade separadamente. Onze ensaios usaram quimiorradioterapia baseada em cisplatina, três utilizaram regimes não baseados em cisplatina e um estudo comparou um grupo baseado em cisplatina, outro não baseado e um terceiro grupo controle. Todos utilizaram esquemas similares de radioterapia, apesar de um estudo não ter utilizado quimiorradioterapia por braquiterapia, pois a radioquimioterapia foi dada antes da cirurgia radical. Dois dos 11 ensaios de quimiorradioterapia baseada em cisplatina utilizaram quimioterapia adicional após a quimiorradioterapia. Para a sobrevida global, a revisão de dados individuais encontrou um benefício da quimiorradioterapia. Houve diferença significativa no tamanho do benefício, considerando-se toda a quimioterapia foi dada exclusivamente com radioterapia (razão de risco, RR = 0,81; intervalo de confiança 95%, IC = 0,71-0,91; P = 0,0006), ou se a quimioterapia adicional foi dada após a quimiorradioterapia (RR = 0,46; IC 95% = 0,32 - 0,66; P = 0,00002). As análises subsequentes foram restritas aos grupos de estudos que deram quimioterapia apenas concomitante à radioterapia (13 ensaios no total). Esses estu- Assistente de pesquisa do Centro Cochrane do Brasil. Coordenador Científico do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Associação Paulista de Medicina (APM). Diagn Tratamento. 2010;15(3):148-9. RDT v15n3.indb 148 20.10.10 12:49:19 Raquel Riera | Wagner José Gonçalves dos não encontraram nenhuma evidência de que o tamanho do benefício da quimiorradioterapia possa ter variado de acordo com a escolha do agente quimioterápico utilizado, dose de radioterapia ou duração previstas, dose de quimioterapia ou duração do ciclo. No entanto, o poder dessas análises foi mais limitado e a radioterapia utilizada em todos esses estudos foi muito semelhante. Esse mesmo grupo de 13 ensaios mostrou benefícios da quimiorradioterapia na sobrevida livre da doença e no tempo para recorrência local ou à distância, embora tenha havido um efeito menor e menos convincente no tempo de recorrência à distância. O efeito foi consistente em subgrupos de pacientes definidos pela idade, tipo histológico, grau e se havia ou não o comprometimento de linfonodos pélvicos. No entanto, houve a sugestão de variação no tamanho do benefício de acordo com o estágio do tumor, com menor benefício para os pacientes com estágios mais avançados do tumor. Infelizmente, havia poucos dados disponíveis sobre as complicações tardias de tratamento para apoiar uma análise formal. Todos os dados dos três ensaios foram obtidos para a análise de sensibilidade (1.366 mulheres), que mostrou um grande aumento na heterogeneidade quando esses ensaios foram incluídos ao lado dos 13 ensaios da análise principal, de modo que houve uma diferença significativa no tamanho do efeito do tratamento, tanto para o grupo de estudos usando hidroxiureia adicional para o grupo controle (teste de interação P = 0,029) quanto para o único ensaio que utilizou radioterapia com campo estendido para o grupo controle (teste de interação = 0,004). Os revisores também observaram que a sobrevida das mulheres do grupo controle nesses três ensaios foi menor do que no grupo principal de 13 ensaios. Os resultados desta revisão, incluindo dados de 18 ensaios de 11 países, fornecem uma estimativa, livre de fatores confundidores, do efeito da quimiorradioterapia comparada com a radioterapia isolada para mulheres com câncer cervical. Os resultados endossam as recomendações feitas pelo NCI, em 1999, mas com maior confiabilidade e precisão em relação aos benefícios da quimiorradioterapia. O efeito da quimiorradioterapia parece ser consistente se esta for ou não baseada em cisplatina, oferecendo uma opção para mulheres intolerantes à cisplatina. O benefício da quimiorradioterapia em todos os resultados parece consistente para todas as doses e esquemas de radioterapia, duração do ciclo ou intensidade da dose de quimioterapia empregada, de modo que não há evidências suficientes para sugerir qualquer tratamento em detrimento a outro. Além disso, o benefício é consistente para as mulheres de todas as idades, tipo histológico, grau, ou envolvimento linfonodal pélvico, embora este benefício possa ser menor para as mulheres em estágios mais avançados da doença. Finalmente, estes resultados sugerem benefício adicional na administração de quimioterapia adicional após a quimiorradioterapia, o que requer futuros ensaios clínicos randomizados. 149 REFERÊNCIAS 1. Green J, Kirwan J, Tierney J, et al. Concomitant chemotherapy and radiation therapy for cancer of the uterine cervix. Cochrane Database Syst Rev. 2005;(3):CD002225. 2. Cochrane Journal Club: Reducing uncertainties about the effects of chemoradiotherapy for cervical cancer: individual patient data meta-analysis [Clinical summary]. Disponível em: http://www.cochranejournalclub.com/ chemoradiotherapy-for-cervical-cancer-clinical/. Acessado em 2010 (20 mai). Notas: * Metanálise de dados individuais: Uma metanálise “convencional” é desenvolvida a partir de dados publicados (agregados), enquanto uma metanálise de dados individuais valida e reanalisa os dados “brutos” de todos os ensaios clínicos relacionados a uma pergunta clínica comum e obtidos por meio do contato com os responsáveis pelos estudos originais. Cochrane Collaboration Individual Patient Data Meta-analysis Methods Group. Disponível em http://www.ctu.mrc.ac.uk/cochrane/ipdmg/faq. asp#faq1. Acessado em 2009 (15 abril)). † About Cochrane Journal Club: Cochrane Journal Club is a free, monthly publication that introduces a recent Cochrane review, together with relevant background information, a podcast explaining the key points of the review, discussion questions to help you to explore the review methods and findings in more detail, and downloadable PowerPoint slides containing key figures and tables. You can even contact the review authors with your questions. Aimed at trainees, researchers and clinicians alike, every Cochrane Journal Club article is specially selected from the hundreds of new and updated reviews published in each issue of The Cochrane Library representing diverse clinical topics, and each one focuses on a review of special interest, such as practice-changing reviews, new methodology and evidencebased practice. The Journal Club is now available from http:// www.cochranejournalclub.com. INFORMAÇÕES: Tradução e adaptação: Centro Cochrane do Brasil Rua Pedro de Toledo, 598 Vila Clementino — São Paulo (SP) CEP 04039-001 Tel. (11) 5579-0469/5575-2970 E-mail: [email protected] http://www.centrocooohranedobrasil.org.br/ Responsável pela edição desta seção: Centro Cochrane do Brasil A revisão completa está disponível em: http://www.mrw.interscience.wiley. com/cochrane/clsysrev/articles/CD008285/frame.html. COMENTÁRIOS Esta é uma excelente metanálise do tratamento do câncer do colo uterino localmente avançado. A revisão ratificou o melhor resultado do tratamento da radioterapia associada à quimioterapia sensibilizante em relação à radioterapia, especialmente quanto à sobrevida e ao intervalo livre de doença. Diagn Tratamento. 2010;15(3):148-9. RDT v15n3.indb 149 20.10.10 12:49:20 Carta ao editor Repercussão do sono sobre o trabalho Dirceu Rodrigues Alves JúniorI Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) INTRODUÇÃO Sono, por que ocorre? O sono acontece muitas vezes independentemente da vontade, pela produção do hormônio chamado melatonina. É um neuro-hormônio produzido pela hipófise na ausência de luz. Ao fecharmos os olhos ou num ambiente de penumbra, a hipófise começa a produzir tal hormônio, que induz ao sono. A melatonina é uma idolamina oriunda do triptofano e da serotonina e funciona como um antioxidante, retardando o processo de envelhecimento. Devido à produção constante desse hormônio em ciclos, passamos um terço da vida dormindo. A maior produção de melatonina ocorre no período das zero às seis horas, sendo o momento de pico entre duas e três horas. Esse hormônio também pode ser produzido quando se ingerem carboidratos (massa, açúcar, farinhas), após um banho morno prolongado e também na exposição a raio solar.1 No período da tarde entre 12 e 18 horas, e mais intensamente entre 14 e 15 horas, sentimos sonolência pelo mesmo mecanismo.1-3 O sono é muito importante na nossa vida e se não dormimos não conseguimos sobreviver. A importância do sono é que, quando estamos dormindo, o organismo regula o sistema imunológico, o sistema hormonal e recompõe os neurotransmissores. Consequentemente o sono é uma necessidade básica como é comer, ingerir líquidos etc. O sono determina sucesso diurno porque melhora o humor, a vigília (atenção), a energia, o raciocínio, a produtividade, a segurança, a saúde e a longevidade. Sinais de sonolência: pálpebras pesadas, cabeça caindo, esfregar os olhos, bocejos, visão borrada, piscamentos fortes e frequentes, dificuldade para focalizar, virar os olhos para os lados.2 Nada substitui o sono. Se não dormimos deixamos de regular o organismo. O fato de não dormir hoje e dormir o fim de semana todo não compensa, não repõe o que se deixou de regular. Tendo esta conduta, estamos deixando o organismo vulnerável. Aparecerão sinais e sintomas que produzirão Tabela 1. Concentração de melatonina no sangue (ng/ml) (nano grama/mililitro)3 Pré-puberdade Adulto Idoso Período diurno 21,8 18,2 16,2 Período noturno 97,2 77,2 36,2 alterações que não conseguiremos corrigir e, logicamente, doenças as mais variadas. O hormônio melatonina é produzido em grande quantidade no jovem. É por isso que ele dorme mais, a ponto muitas vezes de passar o dia inteiro dormindo e ter difículdade de deixar o leito (Tabela 1). Já o idoso dorme bem menos, a produção da melatonina cai quase à terça parte do que o jovem produz. REFEIÇÃO No pós-refeição o que acontece é a distensão do tubo digestivo, aumentando o fluxo de sangue para as vísceras para promoção do processo digestivo. Ao mesmo tempo ocorre produção da melatonina por estímulo dos carboidratos ingeridos, daí o aparecimento de sonolência que se intensificará se o ambiente tiver pouca luz. É fácil entender se compararmos o torpor e sonolência que acontece após almoço e jantar. No jantar ficamos mais sonolentos porque é noite, ocorre grande redução da luz ambiente. Curiosamente, se após o almoço houver exposição aos raios solares seremos induzidos também ao sono. O trabalho no terceiro turno se torna extremamente perigoso porque involuntariamente o sono aparece e o indivíduo tem que buscar estímulos contrários, o que não é recomendável. No caso do motorista, após quatro horas de iniciado o trabalho, ocorre lapso de atenção. Após oito horas surge déficit de atenção e o risco de acidente aumenta em duas vezes.1,3,4 Os distúrbios do sono são responsáveis por essas falhas de atenção que invariavelmente levam ao acidente. Entre os distúrbios do sono temos: privação do sono e sonolência excessiva diurna. A privação do sono é decorrente dos problemas individuais e sociais. Além de trabalhar, o indivíduo precisa ir para a escola, chega muito tarde, vai dormir à meia-noite e tem que acordar às cinco horas da manhã. Dorme na verdade quatro ou cinco horas quando a sua necessidade era muito maior. Sem ter dormido o suficiente, no dia seguinte enfrenta nova jornada e durante todo esse dia terá indisposição, baixa produtividade, raciocínio embotado, mau humor etc.4 A falta de sono diminui em 50% a concentração, a produção e a qualidade do trabalho. Sabemos que 56% dos trabalhadores adormecem no trabalho e 42% são privados do sono.3 A sonolência excessiva diurna pode ter várias causas: síndrome da I Diretor do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). Diagn Tratamento. 2010;15(3):150-2. RDT v15n3.indb 150 20.10.10 12:49:20 Dirceu Rodrigues Alves Júnior apneia obstrutiva do sono, síndrome da limitação de fluxo, narcolepsia, síndrome depressiva, movimento periódico de membros, hipersonia idiopática, abstinência de estimulantes, sono inadequado, sedativos e hipersonia pós-traumática. Quando tratamos de direção veicular a causa mais importante da sonolência excessiva diurna é sem dúvida a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). O que ocorre nesta síndrome é a parada respiratória (apneia) durante o sono devido à obstrução da via respiratória. O indivíduo ronca durante o sono e faz pausas respiratórias, seguidas de agitação, que o faz respirar novamente. A característica principal do paciente é que é um roncador, quase sempre com peso acima do ideal. Tratase de uma doença crônica, evolutiva e incapacitante, que pode levar à morte súbita durante o sono e é a segunda mais comum doença respiratória, sendo que a primeira é a asma. Não se consegue aprofundar o sono e se superficializa ainda mais quando se agita e volta a respirar; com isso o sono não é repousante. Acorda-se como se tivesse dormido pouco e no resto do dia isso será notado pelo portador e pelas pessoas que estiverem ao seu redor. O indivíduo terá um dia com todos os sinais de sonolência e será capaz de dormir em qualquer local, sob qualquer condição. Detectado pelo médico, será considerado incapacitado para o trabalho na direção veicular. Do universo de motoristas, 15% são portadores desse quadro.4 A suspeita diagnóstica vem da história do paciente ou do acompanhante ao referirem os sinais descritos anteriormente, pelo índice de Epiworth, o índice de massa corpórea (IMC) e pelo perímetro cervical (quanto maior o perímetro maior o peso sobre a traqueia quando em decúbito). A polissonografia é o exame que define o diagnóstico.5 Na história é comum como queixa principal o ronco, a parada da respiração, a agitação ou se bater durante o sono, às vezes cianose (cor roxa na face) e, durante o dia, dormir sem motivo aparente. No índice de Epiworth, pergunta-se ao paciente por meio de um impresso se dorme em determinadas condições, como, por exemplo, sentado na sala de espera do médico, na fila do banco etc. Cada resposta terá valor de zero a três dependendo da intensidade da ocorrência. Quando o somatório é maior que nove dizemos que o índice de Epiworth é positivo, sendo então suspeito de ser portador da SAOS.4,5,7 O índice de massa corpórea (IMC) é igual ao peso em quilogramas sobre a altura ao quadrado (em metro quadrado). Sendo maior que 27,2 kg/m² na mulher e 27,8 kg/m² no homem serão considerados suspeitos da SAOS.5 O perímetro cervical maior que 38 cm na mulher e 43,2 cm no homem também serão suspeitos. O único exame que comprova a Sindrome da Apneia Obstrutiva do Sono é a polissonografia. Monitora-se o paciente durante o sono e acompanha-se a evolução. A Resolução 80/98 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran7 recomenda que todo candidato a motorista seja avaliado com relação à síndrome da apneia obstrutiva do sono. 151 Toda essa preocupação com relação a esta síndrome justificase porque ela aumenta de três a sete vezes o risco de acidente. Sabemos ainda que o motorista fica em média 60 ou mais horas na direção por semana, o que propicia a fadiga que, por sua vez, facilita o aparecimento dos sinais e sintomas decorrentes dos distúrbios do sono – 42% dos acidentes são causados pelo sono e 18% são causados pela fadiga. Outros fatores concorrentes para indução ao sono e que os motoristas são submetidos são o ruído uniforme e contínuo, a vibração de corpo inteiro e o movimento pendular do tronco e cabeça quando na direção veicular. O somatório desses fatores gera torpor e sonolência e é como se o indivíduo estivesse sendo embalado como uma criança no colo da mãe. Isso, somado à fadiga e ao sono produzido pelos outros fatores citados, é igual a sinistro. O tratamento da síndrome da apneia obstrutiva do sono pode ser feito com medicamento, mudança de comportamento, uso de equipamento mecânico, cirurgia e combinações desses tratamentos. LOCAL DO SONO É comum vermos motoristas dormindo no interior do veículo, no bagageiro, na rede, na boleia, no dormitório da empresa e dentro da garagem onde é feita manutenção mecânica e funilaria. Muitas vezes dormem em dormitórios coletivos, onde entram e saem a todo momento múltiplas pessoas, onde o falatório é constante, não se conseguindo o repouso desejado. Tudo isso impede que o sono seja bem aproveitado, repousante e que recomponha o corpo e a mente para uma nova jornada. O ambiente deve ser no máximo com dois leitos, penumbra, bem ventilado, higienizado e sem ruído. QUANTAS HORAS DE SONO? A duração do sono é individual, uns necessitam mais e outros menos, mas costumamos recomendar que se aproveite pelo menos oito horas de sono, isso imediatamente antes de iniciar a jornada de trabalho. TURNO DE TRABALHO É comum na atividade de motorista existir a alternância de turno de trabalho. Precisamos lembrar que o organismo tem o seu relógio biológico que funciona respeitando toda a característica individual. Desta forma precisamos entender que há necessidade de adaptação e treinamento para desenvolver atividade nas mudanças de turno. O tempo é essencial para essa adaptação e uma vez adaptado, jamais deverá ser trocado sem o tempo hábil para adequação orgânica. POR QUANTO TEMPO SE DEVE DIRIGIR? O trabalho é penoso porque submete o motorista a estresse físico, psicológico e social, além dos riscos inerentes, como o ruído, vibração, variações térmicas, vapores, gases, poeiras, fu- Diagn Tratamento. 2010;15(3):150-2 RDT v15n3.indb 151 20.10.10 12:49:20 152 Repercussão do sono sobre o trabalho ligem e condições ergonômicas desfavoráveis. Recomendamos que a jornada seja de no máximo seis horas e que a cada duas horas haja pausa, quando o motorista desce do veículo, faz uma caminhada ao redor, faz ainda um alongamento e, após 10 a 15 minutos, reassume a atividade. As jornadas de 12 e até 14 horas são absurdas, incompatíveis com trabalho seguro e de qualidade. Nesses casos, a saúde do motorista estará comprometida. COM QUE INTERVALO? O intervalo entre uma jornada e outra deve ser de 18 horas, reservadas para o lazer, atividade social e dormir. Muitas vezes os motoristas fazem duas jornadas por dia, uma no horário de pico da manhã (das 4 horas às 12 horas) e outra à tarde (das 16 horas às 22 horas), o que é totalmente condenado. CONCLUSÃO É preciso que todos estejam conscientizados do trabalho extremamente penoso desenvolvido na direção veicular. Empresários e motoristas conscientes da missão e dos riscos do trabalho que desenvolvem deverão atuar de maneira preventiva com objetivo de melhorar a qualidade do trabalho e reduzir acidentes. Hoje sabemos que 93% dos acidentes na área de transporte são causados por falha humana7; a fadiga e o sono correspondem a 60%.7 REFERÊNCIAS 1. Paxinos G, Watson C. The rat brain in stereotaxic coordinates. Sydney: Academic Press; 1997. 2. Racine RJ. Modification of seizure activity by electrical stimulation. II. Motor seizure. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1972;32(3):281-94. 3. Alves Júnior DR. Manual de saúde do motorista profissional. São Paulo: Bartira Gráfica e Editora; 2009. 4. Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep. 1991;14(6):540-5. 5. Brasil. Ministério das Cidadades. DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito. Resolução no 267 de 15 de fevereiro de 2008. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: http://www.denatran. gov.br/download/Resolucoes/RESOLUCAO_CONTRAN_267.pdf. Acessado em 2010 (16 abr). 6. Bland JM, Altman DG. Measuring agreement in method comparison studies. Stat Methods Med Res. 1999;8(2):135-60. 7. Brasil. Ministério das Cidadades. DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito. Resolução no 80 de 19 de novembro de 1998. Altera os Anexos I e II da Resolução no 51/98-CONTRAN, que dispõe sobre os exames de aptidão física e mental e os exames de avaliação psicológica. Disponível em: http:// www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/resolucao080_98.doc. Acessado em 2010 (16 abr). Data de entrada: 20/2/2010 Data da última modificação: 15/4/2010 Data de aceitação: 20/4/2010 INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Dirceu Rodrigues Alves Júnior Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Abramet Associação Brasileira de Medicina de Tráfego Rua Dr. Amâncio de Carvalho, 507 Vila Mariana — São Paulo (SP) CEP 04012-090 Tel. (11) 2137-2700 E-mail: [email protected] URL: http://www.abramet.com.br Fonte de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado RESUMO DIDÁTICO 1. Trabalhadores, chefes, empresários, serviço de engenharia de segurança e medicina do trabalho devem ser alertados para os perigos e consequências das jornadas longas de trabalho ao volante, horas extras e mudanças de turno de trabalho. 2. A alimentação, o repouso, as necessidades biológicas do indivíduo que opera uma máquina móvel extremamente perigosa para si, para o usuário, pedestre e a sociedade como um todo devem ser regulados. 3. A equipe de segurança e medicina do tráfego precisa voltar-se para os sinais e sintomas muitas vezes subjetivos, mas importantes na prevenção de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. 4. Quantos acidentes são causados todos os dias pelo sono e quanto tempo é necessário para o indivíduo se recuperar de uma jornada de trabalho? Diagn Tratamento. 2010;15(3):150-2. RDT v15n3.indb 152 20.10.10 12:49:20 Carta ao editor Mudança dos critérios Qualis! A Associação Médica Brasileira (AMB), preocupada com o futuro das publicações científicas brasileiras, depois da divulgação dos novos critérios Qualis da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), vem desde agosto de 2009 organizando uma série de encontros em sua sede em São Paulo, em parceria com a Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC Brasil). Os encontros resultaram em um editorial denominado “Classificação dos periódicos no sistema QUALIS da CAPES – a mudança dos critérios é URGENTE!” Este foi assinado por 62 editores de revistas científicas e publicado na íntegra em todas elas e em outras inúmeras, principalmente na área da saúde, evidenciando uma sensibilização e um envolvimento cada vez maior dos periódicos nacionais em discutir problemas comuns.1 A comunidade científica continua preocupada com as perspectivas, os rumos e o futuro dos periódicos brasileiros.2,3 Assim, na reunião do último dia 18 de março, os editores presentes puderam avaliar as repercussões do primeiro editorial que serviu de base para discussões em eventos e reuniões científicas pelo país. Esta última reunião contou com a participação da doutora Lilian Caló, Coordenadora de Comunicação Científica e Avaliação do SciELO (Scientific Electronic Library Online), que apresentou estudo comparativo dos periódicos brasileiros na referida base classificados por dois critérios: o primeiro, conforme o fator de impacto ISI/JCR (Institute for Scientific Information/Journal Citation Report), que usa somente as revistas indexadas na base Thomson Reuters, e segundo, um índice composto pela somatória simples dos fatores de impacto ISI/ JCR e do SciELO. O fator de impacto SciELO, que também considera citações de todos os periódicos da sua base, modifica significativamente o número de citações obtidas e, consequentemente, eleva o fator de impacto dos periódicos brasileiros. Este fato ficou mais evidente com a demonstração apresentada pela doutora Caló do ganho percentual obtido pelos periódicos com a adoção do índice composto. Fica claro que associar outros índices, criar equivalências ou alternativas diversas podem favorecer a qualificação das revistas nacionais, melhorando sua visibilidade e favorecendo a indexação internacional. Também se deve considerar que os pesquisadores nacionais estão preferindo publicar seus conteúdos em revistas estrangeiras em vez de fazê-los em revistas nacionais. Essa escolha melhora a qualificação do programa de pós-graduação aos quais estão inseridos, que conquistam fator de impacto mais elevado e aumentam o índice H; tudo isso única e exclusivamente por conta dos novos critérios adotados pela Capes. A busca de maior visibilidade e qualidade da produção nacional não deve ser avaliada somente pelos artigos, mas também por maior qualificação de nossos periódicos para que eles sejam reconhecidos internacionalmente. Considerando que para a atual avaliação trienal da Capes os critérios já estão definidos, os editores reunidos decidiram elaborar um novo editorial contendo uma lista de sugestões a ser encaminhada para a coordenação da Capes para a próxima avaliação. A lista de sugestões que complementam a do primeiro editorial é a seguinte: - revisão dos critérios usados pela Capes para classificação dos periódicos, sugerindo que seja adotado o fator de impacto composto pela somatória dos fatores de impacto ISI/JCR e SciELO; - obtenção de um assento para a ABEC Brasil no Conselho Técnico Científico da Capes, para que os editores possam ser ouvidos no processo; - solicitação da “Bolsa do Editor” junto ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para auxílio à editoração científica destinada a editores de revistas brasileiras que recebem apoio da referida agência de fomento. Este recurso tem por objetivo aprimorar a qualidade das revistas, obtendo maior dedicação de seus editores às funções editoriais; Além disso, os editores reunidos decidiram obter apoio da Academia Brasileira de Ciências, da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e do deputado Eleuses Vieira de Paiva para suas reivindicações e sugestões. Num segundo momento, os editores solicitarão ao CNPq detalhamento dos resultados e dos critérios adotados para distribuição dos recursos dos editais para auxílio à editoração (EAE). Com essas informações, os editores pretendem construir um banco de dados com informações sobre orçamentos anuais dos periódicos brasileiros, que será útil para análise comparativa e cooperação mútua. A divulgação dos dois editoriais e sua discussão continua sendo nossa meta em buscar o reconhecimento que os periódicos nacionais necessitam e merecem. REFERÊNCIAS 1. Classificação dos periódicos no sistema Qualis da Capes – a mudança dos critérios é urgente! [Classification of journals in the Qualis system of Capes –urgent need of changing the criteria!]. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):12843. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v56n2/a01v56n2.pdf. Acessado em 2010 (10 jun). 2. Lucena AF, Tibúrcio RV. Qualis periódicos: visão do acadêmico na graduação médica [Qualis periodical: view of an academic on medical gradution]. Rev Assoc Med Bras (1992). 2009;55(3):247-8. 3. Rocha-e-Silva M. O novo Qualis, ou a tragédia anunciada: [editorial]. Clinics. 2009;64(1):1-4. Diagn Tratamento. 2010;15(3):153-4. RDT v15n3.indb 153 20.10.10 12:49:20 154 Mudança dos critérios Qualis! ASSINAM ESTA CARTA AO EDITOR: Luís dos Ramos Machado Arquivos de Neuro-Psiquiatria Adagmar Andriolo Luiz Augusto Casulari Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial Brasilia Médica Alfredo José Afonso Barbosa Luiz Eugenio Garcez Leme Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial Geriatria & Gerontologia Arnaldo José Hernandez Luiz Felipe P. Moreira Revista Brasileira de Medicina do Esporte Arquivos Brasileiros de Cardiologia Aroldo F. Camargos Luiz Henrique Gebrim Revista Femina Revista Brasileira de Mastologia Benedito Barraviera Marcelo Madeira Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases Revista Brasileira de Mastologia Bogdana Victoria Kadunc Marcelo Riberto Surgical & Cosmetic Dermatology da Soc. Brasileira de Dermatologia Revista Acta Fisiátrica Bruno Caramelli Marcus Bastos Revista da Associação Médica Brasileira Jornal Brasileiro de Nefrologia Carlos Brites Mário Cícero Falcão Brazilian Journal of Infectious Diseases Revista Brasileira de Nutrição Clínica Dejair Caitano do Nascimento Mario J. da Conceição Hansenologia Internationalis Revista da Sociedade Brasileira de Anestesiologia Domingo M. Braile Mauricio Rocha e Silva Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular Revista Clinics Dov Charles Goldenberg Milton Artur Ruiz Revista Brasileira de Cirurgia Plástica Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia Edmund Chada Baracat Milton K. Shibata Revista da Associação Médica Brasileira Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia Edson Marchiori Mittermayer Barreto Santiago Revista Radiologia Brasileira Revista Brasileira de Reumatologia Eduardo de Paula Vieira Nelson Adami Andreollo Revista Brasileira de Coloproctologia Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva Eros Antônio de Almeida Nivaldo Alonso Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica Brazilian Journal of Craniomaxilofacial Surgery Flávia Machado Osvaldo Malafaia Revista Brasileira de Terapia Intensiva Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva Geraldo Pereira Jotz Olavo Pires de Camargo Revista Brasileira de Cirurgia Cabeça e Pescoço Acta Ortopedica Brasileira Gianna Mastroianni Kirsztajn Paulo Manuel Pêgo Fernandes Jornal Brasileiro de Nefrologia São Paulo Medical Journal Gilberto Camanho Regina Helena Garcia Martins Revista Brasileira de Ortopedia Brazilian Journal of Otorhinolaryngology Gustavo Gusso Renato Soibelmann Procianoy Medicina Família e Comunidade Jornal de Pediatria Ivomar Gomes Duarte Ricardo César Pinto Antunes Revista de Administração em Saúde Revista da Sociedade Brasileira de Cancerologia Izelda Maria Carvalho Costa Ricardo Fuller Anais Brasileiros de Dermatologia Revista Brasileira de Reumatologia João Ferreira de Mello Júnior Ricardo Guilherme Viebig Brazilian Journal of Otorhinolaryngology Arquivos de Gastroenterologia Joel Faintuch Ricardo Nitrini Revista Brasileira de Nutrição Clínica Dementia & Neuropsychologia José Antônio Baddini Martinez Rogério Dedivitis Jornal Brasileiro de Pneumologia Revista Brasileira de Cirurgia Cabeça e Pescoço José Antônio Livramento Ronaldo Damião Arquivos de Neuro-Psiquiatria Urologia Contemporânea José Eduardo Ferreira Manso Rosângela Monteiro Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular José Eulálio Cabral Filho Sergio Lianza Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil Revista Medicina de Reabilitação José Heverardo da Costa Montal Sigmar de Mello Rode Revista da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego Brazilian Oral Research José Luiz Gomes do Amaral Tarcísio E. P. Barros Filho Revista da Associação Médica Brasileira Acta Ortopedica Brasileira José Luiz Martins Wallace Chamon Archives of Pediatric Surgery Arquivos Brasileiros de Oftalmologia Jurandyr Moreira de Andrade Winston Bonetti Yoshida Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia Jornal Vascular Brasileiro Leonardo Cançado Monteiro Savassi Zuher Handar Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade Revista Brasileira de Medicina do Trabalho Diagn Tratamento. 2010;15(3):153-4. RDT v15n3.indb 154 20.10.10 12:49:20 Instruções aos autores A Revista DIAGNÓSTICO & TRATAMENTO (ISSN 1413-9979) tem por objetivo oferecer atualização médica, baseada nas melhores evidências disponíveis, em artigos escritos por especialistas. Seus artigos são indexados na base de dados Lilacs. A revista aceita revisões acadêmicas em clínica médica, clínica cirúrgica, pediatria, saúde mental, ginecologia e obstetrícia, e em temas gerais que devem enquadrar-se nas normas editoriais dos manuscritos submetidos a revistas biomédicas (do International Committe of Medical Journal Editors*). Os artigos devem ser enviados ao setor de Publicações Científicas da Associação Paulista de Medicina [Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 − 7o andar − CEP 01318901 − São Paulo (SP). Fone (11) 3188-4310 ou 3188-4311, ou via internet, para [email protected]]. Após a recepção do artigo pelo setor de Publicações Científicas, e se este estiver de acordo com as Instruções, os autores receberão um número de protocolo. Este número serve para manter a comunicação entre os autores e o setor de Publicações Científicas. Em seguida, o artigo será lido pelo editor, que verificará se está de acordo com a política e o interesse da revista. Em caso afirmativo, o artigo será submetido a dois relatores para análise e aprovação pelo sistema de revisão aberta (a menos que os relatores declarem que preferem a revisão fechada); as discordâncias serão resolvidas pelo editor. Revisão aberta significa que os relatores assinarão o julgamento e que eles conhecem os nomes dos autores. Os pareceres dos revisores serão transmitidos aos autores pelo setor de Publicações Científicas. Se os autores concordarem com as correções sugeridas pelo Conselho Editorial, os artigos deverão ser reescritos e enviados novamente à revista. Somente depois de aprovados entrarão em pauta para a publicação e seguirão para revisão editorial, em que novas correções poderão ser sugeridas. O MANUSCRITO O manuscrito deve ser enviado em formato digital, em extensões “.doc” ou “.rtf ” (nenhum outro formato será aceito), com uma cópia impressa, para o setor de Publicações Científicas, ou via internet, para [email protected]. Os artigos deverão ser desenvolvidos em no máximo 8 laudas ou 11.200 caracteres com espaços (ou 2.200 palavras) em português, baseando-se nas melhores evidências científicas existentes e, se possível, que venham acompanhados de ilustrações explicativas, quando necessário. As imagens devem ter boa resolução (preferencialmente 300 d.p.i) e ser gravadas em extensões “.jpg” ou “.tif ”. Não anexar as imagens em documentos do programa Microsoft PowerPoint. Se anexar as fotos no arquivo do Microsoft Word, enviar também as imagens originais impressas em separado e, no seu verso, o número correspondente e o título do trabalho. Gráficos devem ser feitos no programa Microsoft Excel (não enviar em formato de imagem) e acompanhados das tabelas com os dados que o geram. O número de ilustrações não deve ultrapassar metade do número total de páginas menos um. Abreviações não devem ser utilizadas, mesmo aquelas de uso comum. As drogas devem ser indicadas pelo nome genérico, evitando-se termos comerciais. Os agradecimentos, se necessários, devem ser colocados após as referências. Encaminhar declaração dos autores de que o artigo não foi e nem será publicado em nenhum outro veículo com a assinatura de TODOS os autores. A Diagnóstico & Tratamento apóia as políticas para registro de ensaios clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), reconhecendo a importância dessas iniciativas para o registro e divulgação internacional de informação sobre estudos clínicos, em acesso aberto. Sendo assim, somente serão aceitos para publicação, a partir de 2008, os artigos de pesquisas clínicas que tenham recebido um número de identificações em um dos Registros de Ensaio Clínico validados pelos critérios estabelecidos pela OMS e ICMJE, cujos endereços estão disponíveis no site do ICMJE (http://www.icmje.org/). O número de identificação deverá ser registrado ao final do resumo. Primeira página. A primeira página deve conter: 1) o título do artigo, que deverá ser conciso, mas informativo; 2) classificação do artigo (clínica médica, clínica cirúrgica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, saúde mental, interesse geral, carta ao editor); 3) o nome de cada autor (não abreviar), sua titulação acadêmica mais alta e a instituição onde trabalha, 4) o local onde o trabalho foi desenvolvido; 5) o endereço completo e telefone do autor para contato sobre o manuscrito; 6) o endereço completo, telefone, e-mail, do autor principal para publicação; 7) Fontes de fomento na forma de financiamentos, bolsas, equipamentos, drogas; 8) Conflitos de interesse de cada autor. Segunda página. A segunda página deve incluir de 5 a 10 frases-chave que são os pontos mais importantes do artigo. Devem ser frases que fazem sentido por si só. Elas formarão quadros no artigo publicado e servirão de síntese das informações mais importantes que devem ser lembradas e destacadas sobre o assunto. ARTIGOS ORIGINAIS (REVISÕES ACADÊMICAS) O texto deve ser estruturado e, sempre que possível, deverá conter os itens: 1) Introdução. Iniciar definindo a situação clínica, sua freqüência e importância, destacando a relevância do tema. 2) Diagnóstico. Descrever o quadro clínico e destacar os itens da anamnese e do exame físico que são importantes no diagnóstico clínico, quais os exames complementares pedidos, em que ordem e como deve ser sua interpretação. Apresentar, para cada um dos itens, a sensibilidade, especificidade e os valores preditivos positivos e negativos, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%), sempre que possível. Se adequado, subdividir os itens em exame clínico e exames complementares. 3) Tratamento. Enumerar as opções terapêuticas existentes. E a partir de cada uma, descrever quais seus princípios e fundamentos. Se necessário subdividir o item em tratamento clínico e cirúrgico. Descrever também o prognóstico para cada um dos tratamentos. Para cada uma das intervenções apresentar os resultados como redução na proporção de eventos em um grupo em relação ao outro (redução de risco relativo, RRR) e o número de doentes que necessita ser tratado para prevenir um evento (número necessário a tratar, NNT) com os respectivos intervalos de confiança de 95%. Para cada uma das terapêuticas, determinar qual o nível de evidência que a suporta: • Nível A - Revisões sistemáticas da literatura; • Nível B - Ensaios clínicos randomizados; • Nível C - Estudos prospectivos com controle não-randomizado; • Nível D - Estudos retrospectivos; • Nível E - Opinião de especialista e decisão de consenso. 4) Considerações finais. Esta última parte do texto deve ser o arremate final sobre o tema, indicando o que deve ser feito na prática clínica, baseado nas melhores evidências disponíveis. ARTIGOS DE INTERESSE GERAL São de formato livre, cabendo ao autor estruturá-lo da melhor forma possível. Os temas poderão ser doenças ou aspectos da saúde em que a estrutura dos itens do Artigo Original não é adequada para seu entendimento. CARTAS AO EDITOR É uma parte da revista destinada à recepção de comentários e críticas e/ou sugestões sobre assuntos abordados na revistas ou outros que mereçam destaque. REFERÊNCIAS As referências devem ser editadas nas últimas páginas do texto e numeradas de acordo com a ordem de citação no texto. Referências citadas em legendas de tabelas e figuras devem manter a seqüência com as referências citadas no texto. Listar todos os autores se forem menos de seis; acima disso, citar os três primeiros, seguido de “et al.”. Exemplos de referências: Artigo em periódico • Lahita R, Kluger J, Drayer DE, Koffler D, Reidenber MM. Antibodies to nuclear antigens in patients treated with procainamide or acetylprocainamide. N Engl J Med. 1979;301(25):1382-5. Capítulo de livro • Reppert SM. Circadian rhythms: basic aspects and pediatric implications. In: Styne DM, Brook CGD, editors. Current concepts in pediatric endocrinology. New York: Elsevier; 1987. p. 91-125. Texto na internet • Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Available from: URL: http://www.cdc.gov/uncidod/EID/eid.htm. Accessed in 1996 (5 jun). * International Committee of Medical Journal Editors. Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals. Ann Intern Med 1997;126:36-47. Disponível em: www.icmje.org. Diagn Tratamento. 2010;15(3):155. RDT v15n3.indb 155 20.10.10 12:49:21