R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -1- Novos Aspectos do Pré Operatório de Cirurgia Refrativa: A importância da Análise da Frente de Onda Dr. Renato Ambrósio Jr O Dr. Renato Ambrósio Jr é pós graduando em nível de Doutorado na Universidade de São Paulo, coordenador do Departamento de Cirurgia Refrativa do Hospital de Olhos do Méier, médico do Instituto Benjamin Constant (preceptor voluntário nos Setores de Córnea e Catarata) e do corpo clínico do Instituto de Olhos Renato Ambrósio (Rio de Janeiro). A avaliação pré operatória adequada é de vital importância para o sucesso de qualquer tipo de cirurgia. Especificamente no caso da cirurgia refrativa, um ‘screening’ adequado dos candidatos à cirurgia irá evitar os temidos resultados insatisfatórios que causam frustração tanto para o paciente como para o cirurgião. A indicação da cirurgia é um ato médico e para fazê-lo, o oftalmologista deve estar baseado numa avalaição do paciente como um todo. Além do exame oftalmológico adequado, é fundamental que todos os pacientes sejam devidamente orientados quanto aos benefícios e potenciais riscos desses procedimentos de modo a assinarem o termo de consentimento informado. Com isso, a relação médico-paciente fica mais fácil pois estará sendo estabelecida com bases clínico-científicas sólidas e não, com R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -2- base em conceitos que banalizam a cirurgia refrativa. A rotina pelo qual cada paciente deve passar antes da cirurgia deve ser devidamente padronizada e documentada de forma que esta seja realizada em todos os casos. Além isso, o registro dessa rotina realizada no pré operatório pode consistir em um elemento de defesa chave numa situação de processo por erro médico. A refração deve ser realizada de forma meticulosa tanto no estado dinâmico como sob cicloplegia pois esses dados serão fundamentais para a programação da cirurgia. Além da refração, o exame pré operatório consiste num exame oftalmológico comum, de modo a determinar se o paciente apresenta alguma anormalidade (ex.: estrabismo, glaucoma, doenças da retina, etc). Como em qualquer consulta de rotina, exames complementares específicos podem ser necessários para definição do diagnóstico. Entretanto, há algumas peculiaridades no exame do paciente candidato à cirurgia refrativa, uma vez que alguns exames complementares específicos são indispensáveis para a seu planejamento. Com os dados obtidos no pré operatório, o cirurgião pode determinar as opções de tratamento para cada caso, o que pode variar dependendo da tecnologia empregada e a experiência de cada centro. Não há duvidas que a videoceratoscopia computadorizada (topografia de córnea) e a paquimetria são fundamentais no pré operatório de qualquer cirurgia refrativa, principalmente nas realizadas na córnea. Outros tipos de cirurgias refrativas, como o implante de lentes intraoculares fácicas requerem medidas e exames específicos diferentes para o planejamento. No caso das cirurgias realizadas com o Excier laser, a espessura da córnea deve ser avaliada de modo a se verificar se esta é suficiente para realização da cirurgia lamelar. A ablação de superfície é uma excelente alternativa para os pacientes com com a topografia corneana normal e valores paquimétricos baixos que não permitem deixar um leito de estroma R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -3- residual mínimo adequado. Aceita-se que 250 micra de estroma posterior seja adequado para estabilidade da arquitetura da córnea pós LASIK. Porém, há uma variação na resistência da córnea entre cada paciente. Essa variável (bioelasticidade) não pode ser avaliada com os métodos disponíveis. Tal incerteza faz com que alguns cirurgiões planejem o LASIK de modo a deixar no leito estromal residual pelo menos 300 micra ou ½ do valor da espessura corneana central. A topografia corneana deve ser realizada para detectar casos de ectasia e “warpage” induzido por lente de contato. Em um levantamento retrospectivo em mais de 1.300 pacientes que realizaram consulta no departamento de Cirurgia Refrativa da Universidade de Washington, observamos que cerca de 1% dos casos apresentava ectasia de córnea. Apesar dessa incidência ter diminuído muito em relação ao valor de 5% encotrado por Wilson & Klyce em 1994, 1% ainda é muito maior que o valor encontrado na população geral - 1 caso de ceratocone para 2.000 habitantes. É importante chamar a atenção que maioria dos casos de ectasia entre candidatos à cirurgia refrativa apresenta uma visão corrigida normal (melhor ou igual a 20/20), sendo a topografia de córnea o método ideal para identificação desses casos. Diversos relatos comprovam as cirurgias que diminuem a resistência da córnea (ex.: ceratotomia radial, LASIK) são contra-indicadas em córneas com distrofias ectáticas pois o resultado é imprevisível e insatisfatório, determinando a progressão da doença que geralmente encontrava-se estável. A indicação de PRK ou outra modalidade de ablação de superfície é ainda ponto de controvérsia, sendo conduta do autor desaconselhar esses pacientes a realizar cirurgia por Excimer laser nos casos de ectasia corneana. Uma das maiores preocupações da atualidade é a qualidade da visão pós cirurgia refrativa. Diversos relatos de pacientes com sintomas incapacitantes em condições de baixa R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -4- luminosidade têm sido publicados tanto na imprensa médica como leiga. Recentemente, destaca-se o caso judicial do piloto de avião comercial (Arizona, EUA) que apresentava visão não corrigida melhor que 20/20 em ambos os olhos após LASIK mas, devido a sintomas visuais, teve que descontinuar sua carreira. Com base no fato de que tal paciente não deveria ter sido considerado como candidato à cirurgia divido ao tamanho de sua pupila e essa medida fora erroneamente realizada no pré operatório, o centro de cirurgia refrativa envolvido foi condenado a pagar que 4 milhões de dólares como indenizações. Além da medida do diâmetro pupilar em conidições de baixa luminosidade (destacada na Edição 82 de 2002 da Oftalmologia em Foco) a análise da frente de onda nos fornece informações extremamente importantes que podem previnir casos como esse do piloto americano. Há vários tipos de aparelhos que utilizam métodos diferentes para análise da frente de onda e cada um apresenta suas vantagens e desvantagens. Muitos deles nos dá o valor do diâmetro pupilar que pode ser obtido em condições mesópicas ou mesmo escotópicas. A fotoablação tradicional é programada de acordo com a refração esfero-cilíndrica realizada no pré operatório e é muito eficaz em tratar essas aberrações de segunda ordem (astigmatismo e desfoco). As aberrações de ordens mais elevadas não são tratadas pela ablação tradicional. Além disso, diversos estudos mostram que as aberrações de ordens mais elevadas podem aumentar significativamente sua magnitude após LASIK ou ablação de superfície. Há uma correlação clínica entre alguns dos sintomas visuais reportados e certos tipos específicos de aberrações ópticas. Por exemplo, as aberrações de terceira ordem tipo coma estão relacionadas com a visão de “sombras” ou “imagens fantasmas” e a aberração esférica, R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -5- que é uma aberração de quarta ordem, está relacionada com a visão de halos ao redor de luzes. É importante termos em mente que existe um processamento da imagem a nível cortical e, consequentemente, a mesma aberração pode determinar uma sensação visual distinta em indivíduos diferentes. Além disso, é comum verificarmos que um determinado tipo de aberração pode ter um efeito benéfico “neutralizando” outras aberrações existentes num dado sistema óptico. O exame de “wavefront” ou análise da frente de onda é o único recurso propedêutico capaz de nos trazer informações objetivas das aberrações ópticas além da refração tradicional (aberrações de ordens mais elevadas). Muito tem sido comentado em relação ao papel da análise da frente de onda como base para o cálculo de ablações personalizadas. Entretanto, esse é um exame complementar que vem a trazer informações importantes que servem tanto para o diagnóstico como para definição da conduta de todos os pacientes com erros refrativos. O estudo da frente de onda determina uma refração esfero-cilíndrica com sensibilidade de 0.01 dioptrias, em contraste com 0.25 dioptrias obtido na refração tradicional. Há quem chame esse exame de “super autorefrator” pois esses sitemas nos dão medidas semelhantes. Essas medidas form validadas em diversos centros, sendo obtidas com diversos aparelhos diferentes. Com isso, essa medida pode ajudar no planejamento da cirurgia, bem como na avaliação dos resultados (Figura 1). As aberrações ópticas são descritas de acordo com as equações matemáticas descritas por Frits Zernike (1888-1966), matemático holandês e ganhador do Prêmio Nobel em 1953. Essas equações definem superfícies geométricas que servem para descrever aberrações ópticas – polinômios de Zernike. Cada polinômio representa uma determinada forma geométrica (Figura 2-A). É possível dissociarmos as aberrações e determinarmos R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -6- índices globais de todas as aberrações, bem como de cada uma individualmente. Como cada aberração pode ter um valor positivo ou negativo, convenionou-se calcular a raíz quadrada da magnitude da aberração elevada ao quadrado e utilizar esse valor como um índice de aberrações (RMS – Root Mean Square). Clinicamente calcula-se o RMS global, ou seja, de todas as aberrações e o RMS das aberrações de ordens mais elevadas. Com isso, podemos quantificar o papel que cada aberração está exercendo em um determinado olho. Além disso, com o conhecimento da magnitude das aberrações ópticas do olho, é possível determinar como a imagem de um ponto é formada na retina (PSF – “point spread function”). Esse cálculo pode ser realizado para cada aberração individualmente. Em outras palavras, é possível calcular como seria a função de visão de um ponto de um olho caso sejam tratadas (removidas) as aberrações de segunda ordem (Figura 2). Esse tipo de informação é extremamente relevante na indicação de um tratamento fotoablativo baseado na refração esfero-cilíndrica. Por exemplo, se um paciente tenha aberrações de ordens mais elevadas numa magnitude significativa, ele não será uim bom candidato à cirurgia tradicional. Mesmo que a acuidade visual de 20/20 seja obtida ao se corrigir o erro de refração com óculos, esse paciente tem teoricamente um grande risco de ficar insatisfeito com o resultado da cirurgia devido aos sintomas visuais ligados às aberrações de ordens mais elevadas (Figuras 2 A e B). Esses casos irão se beneficiar de uma ablação personalizada baseada na análise da frente de onda. A indicação de retratamentos com o Excimer laser também pode ser influenciada pela análise da frente de onda. Talvez sejam esses os casos que mais se beneficiem de uma ablação personalizada. O estudo das aberrações ópticas numa população míope com olhos considerados como normais mostra que as aberrações de ordens mais elevadas têm uma distribuição tipo R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -7- Gaussiana (curva em forma de sino). Portanto, há pacientes com mais aberrações de ordens mais elevadas que outros e esses casos geralmente apresetam visão corrigida normal. Esses casos devem ser identificados no pré operatório de modo a serem encaminhados para o tratamento personalizado que já é uma realidade em nosso meio. Acredita-se que ao desaconselhar que esses pacientes a se submetam à cirurgia tradicional, estaremos evitantdo casos de complicações, aumentando o patamar de segurança desses procedimentos. Legenda das Figuras: Figura 1 – Exemplo de um paciente com astigmatismo misto que apresenta mais de 67% dos problemas ópticos nas aberrações de ordens mais elevadas (destaque no círculo). O exame foi obtido com o sistema Tracey, que usa análise do “ray tracing” de 64 projeções de laser sequenciais na retina. R. Ambrósio Jr. - A importância da Análise da Frente de Onda no Pré Operatório de Cirurgia Refrativa – Oftalmologia Em Foco Maio 2003 -8- Figura 2 – Ao se remover digitalmente as aberrações de segunda ordem (A – Simulação de uma cirurgia realizada com sucesso para tratamento do astigmatismo misto) , notar que o PSF (“Point Spread Function”) se mantém distorcido(B). Tal fato mostra que esse caso tem grandes chances de apresentar queixas visuais pós LASIK ou ablação de superfície tradicional. Esse caso pode se beneficiar de ablação personalizada baseada no estudo da frente de onda.