P.º n.º C.P. 88/2011 SJC-CT Edificação por fases. Registo da propriedade horizontal e do título constitutivo de empreendimento turístico em propriedade plural. PARECER 1. Perante o propósito de desenvolvimento de um conjunto de projetos urbanísticos para instalação de empreendimentos turísticos e a necessidade de se proceder à execução e comercialização faseada das frações autónomas, é perguntado ... se pode o registo de propriedade horizontal ser convertido em definitivo à medida que vão sendo concluídos os edifícios que compõem cada um dos empreendimentos, considerando-se, para o efeito, os seguintes dados: - Os empreendimentos turísticos projetados apresentam categorias diversas; - Cada empreendimento turístico deverá ser instalado num único lote; - Sobre os edifícios destinados à instalação do empreendimento turístico, pretende-se a constituição da propriedade horizontal consubstanciada no título constitutivo do empreendimento turístico em propriedade plural. 2. Tendo em conta o solicitado, vem ... formular consulta sobre a viabilidade da conversão parcial do registo da propriedade horizontal quando esteja em causa um conjunto imobiliário e se verifique a conclusão de uma fase deste, que corresponda a um edifício com autonomia bastante para «não pôr irremediavelmente em causa todo o regime da propriedade horizontal», propondo, na esteira do processo CP 41/98 DSJ-CT, que «nas situações em que estejamos perante um conjunto imobiliário de execução faseada» o vocábulo «prédio» referido no artigo 92.º/1/b) do CRP seja entendido como correspondendo aos vocábulos «edifício» ou «fase do conjunto». 3. Mais questiona ... da influência da conversão parcial do registo da propriedade horizontal no registo do título constitutivo do empreendimento turístico em propriedade plural (inscrito como provisório por natureza nos termos do artigo 92.º/2/b) do CRP), propendendo para o entendimento de que, pelas mesmas razões de fluidez do comércio jurídico e «numa área crucial à economia nacional como é o turismo», também este merece conversão parcial. 1 Pronúncia Propriedade horizontal de conjuntos de edifícios – do regime jurídico 1. Sobre o problema da propriedade horizontal de conjuntos de edifícios, do seu regime jurídico, bem como do seu ingresso no registo, tivemos já oportunidade de nos pronunciar, no processo CP 1/2011 SJC-CT, ficando a constar de parecer maioritariamente aprovado a interpretação dada ao artigo 1438.º-A do Código Civil (CC), as situações materiais cobertas pelo preceito legal e o modo por que o registo há de acompanhar o plano substantivo, de forma a clarificar nas tábuas as ligações e as autonomias parciais existentes sem romper com a unicidade predial envolvida mas logrando refletir a adaptação reclamada pelo artigo 1438.º-A do CC. 1.1. Destacamos, pois, do dito parecer, com relevo para a economia da presente consulta, que: - De acordo com o artigo 1438.º-A do CC, podem ser objeto de propriedade horizontal os conjuntos de imóveis urbanos materialmente descontínuos mas funcionalmente ligados entre si através de elementos comuns; - O que permite e, de certo modo, legitima a unidade fundiária não é, como no grupo de edifícios, uma afetação estrutural comum do edificado ou uma afetação envolvente ou de cobertura, mas é a ligação entre os vários edifícios que é feita através de partes do prédio, as quais, pela função que exercem, revestem interesse coletivo e são objetivamente necessárias à ideia de conjunto imobiliário contida no artigo 1438.º-A do CC, sendo, por isso, comuns a todos os condóminos, ainda que sirvam apenas alguns deles; - Cabem, por isso, no âmbito da propriedade horizontal, as situações materiais representadas por um conjunto de unidades imobiliárias (edifícios autónomos) com independência estrutural mas funcionalmente ligadas entre si pela existência de partes comuns (o designado supercondomínio), em que o regime da propriedade horizontal não se afastará muito do seu recorte usual, embora aqui não haja um único edifício ou bloco de edifícios (estruturalmente ligados entre si), mas várias construções autónomas, e não tenha de existir senão ligação (não dependência) funcional entre elas; 2 - E cabem, outrossim, os conjuntos de edifícios divididos através de planos horizontais ou verticais e materialmente separados entre si, ou ainda os conjuntos formados por edifícios fracionados e unidades imobiliárias (por exemplo, moradias) também desligados do ponto de vista estrutural, porém, funcionalmente unidos pela existência de partes comuns a todos eles (condomínio complexo), os quais, pela complexidade de elementos que apresentam não prescindem já de uma adaptação de regime mais expressiva e abrangente; - A diferença entre o dito supercondomínio e o condomínio complexo não está, pois, na pluralidade de elementos, mas na sua complexidade, demandando que se considere, de um lado, o regime atinente às partes comuns que estabelecem a ligação funcional pressuposta no artigo 1438.º-A em análise e, do outro, o regime aplicável às partes comuns atinentes a cada edifício fracionado por andares ou em planos verticais, o qual, importando ao estatuto desse edifício, naturalmente, se destaca do estatuto condominial unitário do conjunto imobiliário. - Para além da alteração de estatuto do conjunto imobiliário, que deixa de ser tratado como objeto unitário de direitos, dando lugar a uma multiplicidade de coisas (frações autónomas), e do regime específico regulador daquelas partes comuns que pertencem a todos os condóminos e que, à luz do disposto no artigo 1438.º-A do CC, consentem a constituição do direito, efeito do ato constitutivo desta propriedade horizontal há de ser também a criação de um estatuto privativo para cada edifício fracionado, que se particulariza no direito de que cada condómino deste edifício é titular e se analisa num conjunto de determinações que só a este grupo de titulares diz respeito1. 1.2. Do que antecede se conclui que o título constitutivo do empreendimento turístico em propriedade plural pode bem ser o título constitutivo da propriedade horizontal a que se refere o artigo1438.º-A do CC, ponto é que se observem todos os requisitos de forma e de substância a que se referem os artigos 54.º e 55.º do Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJIEFET), aprovado pelo Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de março (e suas alterações). 1 Sobre os constrangimentos de ordem informática à realização do registo de constituição de propriedade horizontal sobre um conjunto imobiliário complexo sublinha-se o expendido no parecer proferido no processo C.P. 17/2007 DSJ-CT, na informação aprovada no processo CP 157/2009 SJC, e no parecer proferido no processo C.P. 1/2011 SJC-CT. 3 Da edificação por fases 2. No referido parecer, foi ainda analisada a questão da edificação por fases, e tudo quanto aí se disse parece responder à questão central desta consulta, qual seja a de saber se a previsão da norma contida no artigo 92.º/1/b) do CRP consente adaptação quando o objeto da propriedade horizontal não seja já o estatuto de um edifício ou grupo de edifícios, como no recorte clássico da figura jurídica, mas o de um conjunto imobiliário edificado por fases, campo privilegiado de possibilidade prática de aplicação do artigo 59.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE)2. 2.1. Temos por adquirido que do ponto de vista urbanístico não se coloca obstáculo à execução faseada das obras de edificação, desde que a cada fase corresponda a uma parte da edificação passível de utilização autónoma (artigo 59.º do RJUE), nem à emissão de uma autorização de utilização tendo por objeto cada uma das frações autónomas do edifício ou do conjunto imobiliário, posto que estejam também em condições de ser utilizadas as partes comuns do edifício e ou do conjunto (artigo 66.º do RJUE). 2.2. E não é do regime próprio da instalação dos empreendimentos turísticos que surge impedimento a que assim seja, porquanto se prevê expressamente, no artigo 30.º/9 do RJIEFET, a instalação por fases e, no artigo 5.º, se manda aplicar a disciplina jurídica contida no RJUE à realização das operações urbanísticas nela envolvidas. 2.3. Não obstante, ao registo predial têm de interessar, antes de mais, a natureza jurídica da propriedade horizontal e o seu traço legal, pelo que, para efeitos de inscrição provisória (artigo 92.º/1/b)) e da sua conversão, a execução por fases das obras de edificação do conjunto imobiliário só poderá assumir relevância num quadro de ponderação da natureza complexa do condomínio, da multiplicidade de efeitos jurídicos que uma constituição de propriedade horizontal deste tipo acarreta e das características do objeto, designadamente a autonomia estrutural dos imóveis, enquanto especificidades que, também na dimensão registal deste direito, demandam adaptações3. 2 Neste sentido, Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, Coimbra, 2006, p. 324. 3 Sabemos que são muitas as interseções entre o direito público e o direito privado, sobretudo no domínio do urbanismo, e de modo nenhum declinamos o papel fundamental do registo predial na articulação entre os regimes que compõem o estatuto do prédio. Contudo, temos por fundamental que não pode esta articulação 4 2.4. Convocamos, pois, a linha de fundamentação ínsita no parecer proferido no processo CP 1/2011 SJC-CT, para dizer que: - O artigo 59.º/2 do Código do Notariado (CN) permite a realização do negócio jurídico constitutivo da propriedade horizontal antes de concluído o edifício ou iniciada a sua construção, porém, enquanto o prédio urbano cujo estatuto se modifica não existir como coisa presente, o registo deste facto jurídico não é admitido senão como provisório por natureza (artigo 92.º/1/b) do CRP); - Considerando que a propriedade horizontal sobre um edifício ou sobre um grupo ou bloco de edifícios pressupõe uma afetação estrutural comum, uma afetação de envolvente ou de cobertura comum, e uma afetação de comunicação e funcional também comum (artigo 1421.º do CC), bem se compreende, portanto, que a causa da provisoriedade a que alude o artigo 92.º/1/b) do CRP se ligue à existência do prédio (com as frações autónomas e as partes comuns), já que só esta existência garante a aplicação e a subsistência do regime assim criado. - E assim é, à luz dos princípios constitucionais dos direitos reais, porque nem o regime da propriedade horizontal, enquanto regulador da situação jurídica do prédio (do novo estatuto do edifício) e definidor do conteúdo do direito que tem por objeto cada parte autónoma do edifício, nem, consequentemente, os atos que integram a situação jurídica real própria pretendida para cada parte autónoma do edifício logram eficácia enquanto estiver pendente a conditio iuris de conclusão do edifício (princípio da atualidade ou da imediação). - A constituição da propriedade horizontal sobre o conjunto imobiliário, por seu turno, tem como efeito jurídico a alteração do estatuto do prédio, dando lugar à criação das partes comuns que estabelecem a ligação funcional entre os imóveis e à criação de frações autónomas como unidades imobiliárias independentes ou partes de edifícios fracionados em planos horizontais ou verticais, e tem como corolário a definição de um regime específico regulador das relações entre os condóminos daquelas partes comuns e, no caso do condomínio complexo, de um regime específico regulador da propriedade horizontal enquanto situação jurídica de cada edifício, que, naturalmente, carece de ser servir para descaracterizar o direito real implicado ou, a pretexto da tão propalada fluidez do comércio jurídico ou da premência económica, desvirtuar no registo a sua natureza ou estrutura jurídica. 5 articulado e compatibilizado com o anterior (o que se aplica às partes comuns do conjunto). - Logo, quando nos propomos aplicar o artigo 92.º/1/b) do CRP à constituição da propriedade horizontal sobre conjunto imobiliário projetado ou em construção, é esta estrutura de efeitos jurídicos que tem de ser considerada, fazendo-se depender o registo definitivo do ato (uno) de constituição da propriedade horizontal da verificação de todos os efeitos jurídicos relevantes para o registo atrás referidos. - Há, contudo, uma diferença fundamental entre a propriedade horizontal sobre o conjunto imobiliário e a propriedade horizontal clássica que não permite marcar o direito da mesma forma e que precisamente impõe adaptações de regime, como sugere o artigo 1438.º-A do CC. - É que, no conjunto imobiliário, os edifícios têm autonomia estrutural e as partes necessariamente comuns são apenas as que estabelecem a ligação funcional dos edifícios entre si, pelo que o regime da propriedade horizontal é aqui sustentado, apenas, por esta afetação funcional comum, e a subsistência do direito não exige senão a existência de, pelo menos, dois edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem. - Ora, é precisamente esta singularidade da propriedade horizontal de conjuntos de edifícios face ao tipo que, a nosso ver, permite considerar a conversão da inscrição provisória prevista no artigo 92.º/1/b) do CRP por fases, acompanhando o desenvolvimento da operação urbanística implicada. Ponto é que se mostrem concluídas as partes comuns que asseguram a ligação funcional entre os edifícios (que, portanto, se verifique a conditio iuris a que estava subordinado o regime do condomínio respetivo), e se encontrem concluídos dois ou mais imóveis estruturalmente autónomos e contíguos, que definitivamente garantam os pressupostos de aplicação da norma contida no artigo 1438.º-A do CC4, e permitam, se for o caso, a sua autonomização, em bloco e como unidade predial face ao remanescente5. 4 O que, do ponto de vista urbanístico, pode equivaler à conclusão de uma ou mais fases de execução da obra, consoante os imóveis projetados para cada uma delas (artigo 59.º do RJUE). 5 Sobre as consequências em caso de não conclusão definitiva das obras, cfr. processos C.P. 41/98DSJ-CT e C.P. 51/2005 DSJ-CT. 6 - É essencialmente esta a adaptação de regime que julgamos caber no plano registal, ligando-se a causa da provisoriedade prevista no artigo 91.º/1/b) à falta de conclusão do conjunto imobiliário, mas permitindo-se a conversão parcial da inscrição quando se mostrarem concluídas as partes comuns do conjunto imobiliário (conditio iuris de eficácia do regime sobre o conjunto) e construídos, pelo menos, dois edifícios estruturalmente autónomos e contíguos, que definitivamente garantam os pressupostos de aplicação da norma contida no artigo 1438.º-A do CC, admitindo-se, a partir daí, uma conversão parcial da inscrição alinhada com a execução faseada da obra, que respeite a uma ou mais unidades imobiliárias autónomas e ou a um ou mais edifícios fracionados por andares ou em planos verticais6. - Quer isto dizer que a falta de renovação da inscrição, ou da sua conversão dentro do prazo referido no artigo 92.º/3 do CRP, não pode deixar de valer como extinção total do registo, quando não esteja tabularmente sinalizada a existência das partes comuns a que alude o artigo 1438.º-A do CC e de dois ou mais imóveis contíguos que garantam a subsistência da modalidade de propriedade horizontal em causa, com a consequente inutilização das descrições subordinadas que não suportem quaisquer factos jurídicos inscritos a coberto do artigo 92.º/1/c) do CRP. - Mas quer também dizer que, uma vez publicitada a existência das partes comuns e de dois ou mais imóveis contíguos, a caducidade parcial da inscrição não traduzirá já o apagamento tabular do facto jurídico constitutivo da propriedade horizontal ou do regime jurídico do conjunto imobiliário, e, portanto, não autorizará prosseguir com o trato sucessivo anterior (aquele que incidia sobre o prédio antes de constituída a propriedade horizontal), versando agora sobre a parte do solo por edificar. - Sendo que a impossibilidade de conclusão de parte do conjunto imobiliário que corresponda a uma ou mais fases de construção previstas no projeto de arquitetura terá, em princípio, de ser debelada através da autonomização da parcela correspondente, com observância das disposições legais atinentes à operação de transformação fundiária pretendida e mediante modificação da propriedade horizontal, de forma a permitir que 6 Obviamente, não se concebe a conversão parcial em face da conclusão de uma fração autónoma que pertença a um edifício fracionado por andares ou seccionado em planos verticais, mas apenas diante da conclusão de todo o edifício, porque nesse caso é a subsistência do regime de propriedade horizontal enquanto regulador da situação jurídica do edifício (do seu estatuto privativo) e definidor do conteúdo do direito que tem por objeto cada parte autónoma desse edifício, que está em tabela. 7 sobre ela passe a incidir outro direito real (de propriedade) e que sobre o remanescente ocorram os ajustamentos necessários à nova configuração do objeto (conjunto imobiliário). Do registo do título constitutivo do empreendimento turístico em propriedade plural 3. O outro problema colocado nos autos radica na ligação entre o registo provisório da constituição da propriedade horizontal e o registo do título constitutivo de empreendimento turístico em propriedade plural, perguntando-se da viabilidade de uma conversão parcial deste, por dependência da conversão parcial do primeiro, também como forma de favorecer a fluidez do comércio jurídico relativo às frações autónomas já concluídas. 3.1. Pode acontecer, com efeito, que para haver propriedade plural, determinando a elaboração do título mencionado no artigo 54.º do RJIEFET e o seu registo (artigo 2.º/1/z) do CRP), tenha de haver constituição prévia ou simultânea da propriedade horizontal; basta para tanto que se trate de um empreendimento turístico a instalar num só lote ou unidade predial, como são os que ilustram a consulta em apreço. 3.2. Nestes casos, só a constituição da propriedade horizontal permitirá a substituição do edifício, grupo de edifícios ou conjunto imobiliário implantado ou a implantar no lote ou unidade predial autónoma por uma multiplicidade de coisas em sentido jurídico (frações autónomas e partes comuns), sem que deva ocorrer, portanto, o fracionamento do lastro fundiário respetivo. 3.3. Não obstante ser uno o recurso predial exclusivamente destinado à instalação do empreendimento turístico, passa a ser plural o domínio que sobre ele incide, porquanto, com a constituição da propriedade horizontal, onde antes havia um direito de propriedade singular ou uma compropriedade tendo por objeto material o prédio, passa a haver tantos direitos (de propriedade horizontal) quantas as coisas (frações autónomas) criadas, e são estas, com as partes comuns a que se encontram indissociavelmente ligadas, que passam a ser agora objeto de uma situação jurídica real própria e constituem o suporte imobiliário do dito empreendimento. 3.4. Esta “pluralidade dominial”, que é efeito real da constituição da propriedade horizontal, é, pois, o pressuposto da elaboração do título constitutivo de empreendimento turístico instalado num único lote (rectius: unidade predial), pelo que da sua inscrição definitiva no registo dependerá outrossim a inscrição definitiva a que se refere o artigo 2.º/1/z) do CRP atinente ao aludido empreendimento. 8 3.5. Tratando-se de edifício ou grupo de edifícios projetado ou em fase de construção, o efeito real, de extinção do direito de propriedade singular sobre o prédio e constituição de novos direitos (de propriedade horizontal), pertencentes embora à mesma pessoa, sobre cada uma das coisas com individualidade jurídica própria (frações autónomas), vaise produzindo à medida que o objeto for surgindo (artigo 408.º/2 do CC), porém, só o registo definitivo da constituição da propriedade horizontal permite patenteá-lo e, como vimos, só a conclusão do edifício, não apenas de alguma ou algumas das suas frações autónomas, consente a conversão em definitivo da inscrição (provisória por natureza) respetiva. 3.6. O mesmo se passa, de resto, em termos de publicitação da pluripropriedade criada, quando o registo definitivo da constituição da propriedade horizontal sobre edifício ou grupo de edifícios já concluído dependa da remoção de dúvidas ou de outra causa de provisoriedade, porquanto, em qualquer caso, o efeito real só se consolida no registo através daquela inscrição definitiva, ainda que se consinta o ingresso provisório de factos jurídicos respeitantes a frações autónomas, reconhecendo-se, deste modo, a divisão jurídica do prédio e a sua substituição, enquanto objeto de direitos, por uma multiplicidade de coisas (as frações autónomas) objeto, cada uma delas, de uma situação jurídica real própria (princípio da especialidade ou da individualização). 3.7. Nos casos em que o empreendimento turístico compreenda frações autónomas de um ou mais edifícios implantados num único lote ou unidade predial, é pois, da autonomização jurídica das ditas frações autónomas (coisas em sentido jurídico que servem de suporte ao empreendimento) e da inscrição definitiva da propriedade plural, que a constituição da propriedade horizontal produz, que desde logo depende o registo definitivo do título constitutivo do empreendimento turístico, embora, para que assim suceda, tenham de estar concluídos o edifício ou o grupo de edifícios. 4. Mas mesmo quando já exista propriedade plural consolidada no registo, em virtude de o empreendimento turístico ter como lastro fundiário duas ou mais unidades prediais, o registo definitivo da propriedade horizontal continua a ser condição indispensável para o registo definitivo do título constitutivo do empreendimento turístico, não porque, em abstrato, falte o pressuposto (propriedade plural) para a elaboração deste, mas porque está por patentear no registo, em termos definitivos, a pluripropriedade concretamente 9 considerada e a individualização jurídica do objeto (“lotes” e frações autónomas ou frações autónomas de diversos prédios) de algum ou alguns dos direitos que a integram7. 4.1. Com efeito, o título constitutivo do empreendimento turístico em propriedade plural constitui um regulamento que, dentro do espaço de liberdade consentido pela lei, modela os direitos e deveres dos proprietários e impõe um dado regime de administração, pretendendo, pois, definir uma disciplina jurídica para o acervo de relações de que os proprietários e a administração são sujeitos e que intercedem no âmbito da utilização, da conservação, da fruição e da administração daquela unidade funcional (que é o empreendimento turístico em propriedade plural, tal como se encontra definido no artigo 52.º/1 do RJIEFET). 4.2. O que neste título constitutivo do empreendimento turístico em propriedade plural se estabelece é, pois, um estatuto unitário ou um regime específico, indivisível para o conjunto de coisas (frações autónomas e ou prédios) necessárias à consecução do projeto turístico, que se particulariza no conteúdo dos correspondentes direitos de propriedade8, pelo que não cabe ao registo predial senão publicitá-lo nestes termos, ou seja, a coberto de um só pedido de registo, envolvendo todas as descrições que integram o empreendimento turístico (artigo 95.º/1/ab) do CRP) e com uma qualificação de sentido único9. 7 O registo do título constitutivo do empreendimento turístico fica então afetado, todo ele, pela provisoriedade da propriedade horizontal, porquanto se trata do mesmo facto, e dos mesmos efeitos jurídicos, versando sobre o conjunto dos elementos prediais envolvidos, em suma, de um estatuto unitário, que há de ingressar nas tábuas a coberto de uma só apresentação e seguindo um só regime de vigência. 8 A semelhança do regime da propriedade horizontal, o regime do empreendimento turístico em propriedade plural pode ser considerado em dois planos ou momentos: enquanto regulador da situação jurídica do empreendimento turístico e, por conseguinte, do conjunto incindível de coisas (unidades prediais e ou frações autónomas) nele compreendidas, e enquanto modelador do conteúdo do direito que tem por objeto cada uma dessas coisas. São estes dois planos que, julgamos nós, a lei quer ver sinalizados no registo predial, tanto a nível descritivo (artigo 90.º-A/1/c) do CRP) como no âmbito do registo a que alude o artigo 2.º/1/z) do CRP, ao mandar indicar todas as descrições prediais dos lotes e das frações autónomas que integram o empreendimento turístico (cfr. artigo 95.º/1/ab) do CRP), e parece ser esta a forma encontrada para delimitar no registo a ideia de unidade funcional e económica, com um certo estatuto, que, atenta a propriedade plural existente, se projeta através da situação jurídica de cada um dos imóveis nela integrados. 9 Esta incindibilidade de estatuto pode, assim, determinar a propagação de deficiências ou obstáculos tabulares relativos a algum ou alguns dos prédios ou frações autónomas aos demais prédios ou frações autónomas que 10 4.3. Assim se afigura ser por força de uma destinação comum das coisas compreendidas no empreendimento turístico; de uma finalidade coletiva que justamente implica a conciliação dos vários interesses em presença e que, concretamente, exige a conformação de limitações ou restrições de caráter privado ao exercício de cada um dos direitos envolvidos, tudo de forma a garantir a consolidação e a continuidade do estabelecimento turístico10. Instalação do empreendimento turístico por fases 5. Ainda que o projeto turístico preveja uma execução faseada das operações urbanísticas envolvidas e, desta forma, se logre obter a emissão de um alvará de utilização para fins turísticos para cada uma fases, assegurando-se o funcionamento autónomo (abertura ao púbico) de cada uma delas, não deixamos de estar perante um estatuto unitário, que envolve todas as coisas (frações autónomas e ou “lotes”) postas como suporte do projeto turístico, mesmo que num dado momento (o da elaboração do título ou o do seu registo) a cada uma delas corresponda um nível de desenvolvimento urbanístico diferenciado11. 5.1. Parece, na verdade, ser esta uma opção declarada do legislador, porquanto o que pesa é o interesse em salvaguardar a estabilidade e continuidade do empreendimento, garantindo-se desde logo a interdependência funcional e económica entre todas as unidades prediais e ou frações autónomas que suportam o empreendimento turístico e a regulação jurídica vinculante de todos os proprietários; não o plano de eficácia do regime, vale dizer, a suscetibilidade de ser aplicado à medida que vão sendo concluídas as obras e obtidas as licenças necessárias à abertura faseada ao público (cfr. o artigo 55.º/1/h) do RJIEFET). integram o empreendimento, como atrás se frisou a propósito da provisoriedade do registo da propriedade horizontal. 10 É o que encontramos escrito em Empreendimentos Turísticos –Implicações Registais, Temas Cedoua, Almedina, citado pela consulente. 11 Em face do que alegam os interessados, parece ser esta a visão partilhada pelo Turismo de Portugal, pois, no dizer daqueles, admite-se a edificação por fases e a concessão de uma autorização de utilização para cada fase, mas não se prescinde da elaboração e aprovação de um título constitutivo único, versando sobre todo o empreendimento, tal como consta do projeto turístico gizado. 11 5.2. Como atrás se disse, a falta de conclusão das obras ou da opção de execução faseada pode constituir um problema quando o empreendimento turístico compreenda frações autónomas ainda por construir, mas isso porque, substantiva e tabularmente, falta consolidar o direito de propriedade que sobre cada uma delas impende e a sua condição de coisa juridicamente individualizada, e não porque tal circunstância constitua impedimento à elaboração do título constitutivo respetivo12. 5.3. De todo o modo, é como facto unitário, tendo por escopo preservar e garantir a estabilidade e a continuidade da unidade funcional representada pelo empreendimento turístico, e tendo por conteúdo um estatuto uno e específico, versando sobre todas as unidades prediais e ou frações autónomas que o integram, que o título constitutivo do empreendimento turístico deve, a nosso ver, ingressar e manter-se no registo, subordinado, portanto, a um só regime de caducidade e à mesma natureza, até que, uno tempore, possa ser convertido em definitivo13. 5.4. O mesmo é dizer que o título constitutivo do empreendimento não deve ser definitivamente registado enquanto não estiver estabilizada a base imobiliária e dominial nele considerada, e, como regime unitário do conjunto de frações autónomas e ou “lotes” que integram o empreendimento e estatuto específico dos correspondentes direitos de propriedade que é, não deve outrossim ser objeto de ingresso faseado no registo ou de conversão parcial, porquanto a tal se opõe a unicidade de efeitos jurídicos, e doutra forma se compromete a manifestação nas tábuas da unidade funcional e económica em que o empreendimento se traduz14. 12 Diante do que dispõem os artigos 54.º e 55.º do RJIEFET, não é a conclusão das obras, a existência física dos imóveis projetados em cada unidade predial de suporte do empreendimento turístico, ou sequer a sua entrada em funcionamento que determina a elaboração do título constitutivo do empreendimento turístico, mas a necessidade de assegurar a subsistência da unidade funcional e económica, tal como foi planeada e aprovada. 13 Daí que, para superar as dificuldades de comercialização das frações autónomas antes da conversão total do registo da propriedade horizontal e dependendo da tipologia em causa, apenas se vislumbre como solução jurídica converter cada uma das fases num empreendimento turístico autónomo, atenta a possibilidade de numa mesma unidade predial coexistirem diversos empreendimentos turísticos. 14 Figuremos a hipótese de o registo do título constitutivo do empreendimento turístico caducar quanto a algum ou alguns dos prédios compreendidos no empreendimento turístico e haver, em relação a estes, registos subsequentes de factos jurídicos diversos daqueles que estão previstos no artigo 54.º do RJIEFET. Que eficácia jurídica se poderá tirar em face de terceiros? Em suma, que estabilidade ou garantia de continuidade se alcança para o empreendimento turístico assim patenteado no registo? 12 5.5. Não vemos, pois, identidade de razão para admitir a conversão parcial do registo do título constitutivo do empreendimento turístico, do mesmo modo que se admite a conversão parcial do registo de constituição de propriedade horizontal sobre conjunto imobiliário, precisamente porque o que nesta não sai afetado (publicação definitiva do regime ou estatuto do conjunto imobiliário) é naquela sacrificado (em face da possibilidade de extinção do registo, por caducidade, quanto a alguma ou algumas das frações autónomas)15. Encerramento Cremos que tanto basta para dar resposta às questões colocadas e debelar as dificuldades interpretativas que mobilizam a consulta dos autos, mas não para vincular o serviço consulente, já que é este quem, em primeira instância, decide não só da técnica registal como da qualificação dos concretos pedidos de registo que os promotores dos empreendimentos turísticos entendam dever fazer. Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 23 de fevereiro de 2012. Maria Madalena Rodrigues Teixeira, relatora, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, António Manuel Fernandes Lopes, João Guimarães Gomes Bastos, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 27.02.2012. 15 Parece-nos, por outro lado, que quem admita a conversão parcial do registo do título constitutivo à medida que for sendo convertido o registo da propriedade horizontal sobre o conjunto imobiliário, terá também de aceitar que na qualificação do registo que não inclua frações autónomas nestas condições se apurem tantas resoluções quantas as descrições implicadas, podendo o facto jurídico ser inscrito como provisório por natureza quanto a certos bens, como provisório por dúvidas quanto a outros e como definitivo quanto aos demais; que o mesmo registo siga um regime de vigência diferenciado, consoante a situação tabular de cada prédio, não obstante a especificidade do facto jurídico e a interdependência dos efeitos de direito por ele produzidos; e, mais ainda, que o facto ingresse no registo a coberto de várias apresentações (abrangendo, cada uma delas, apenas algum ou alguns dos prédios compreendidos no empreendimento turístico). 13 FICHA – P.º C.P. 88/2011 SJC-CT SÚMULA DAS QUESTÕES TRATADAS Constituição de propriedade horizontal sobre conjunto imobiliário • Da construção por fases • Do registo Título constitutivo do empreendimento turístico em propriedade plural • Do registo • Da instalação por fases 14