EVENTOS O futuro da cesta básica Lilian Araujo A cesta básica chega a representar quase que toda a alimentação para 58% das famílias participantes da frente de trabalho criada pelo governo para gerar empregos, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo secretário estadual de Emprego e Relações de Trabalho do Estado de São Paulo, Walter Barelli, durante o “Seminário Abracesta, realizado em 29 de setembro passado em São Paulo e promovido pela Associação Brasileira dos Produtores e Distribuidores de Cestas de Alimentos Básicos do Trabalhador. “Ou seja, estamos com um programa para geração de empregos, mas a pobreza é tanta que os alimentos da cesta são a totalidade da alimentação disponível para estas pessoas”, afirmou Barelli na palestra de abertura, “Políticas Públicas de Alimentação”, na qual ele falou sobre a necessidade de articulação em torno das políticas públicas de benefícios sociais ao trabalhador, além de sua experiência na participação no programa Alimenta São Paulo. Segundo Barelli, o quadro definido pela política nacional de alimentação e nutrição, em 1999, mostrou que 10,5% das crianças menores de 5 anos de idade no Brasil apresentam déficit de altura em relação à idade e que 5,7% dessas crianças apresentam déficit de peso em relação à idade. E acrescentou: “É grande o contingente de crianças na faixa de 6 a 23 meses de idade que ainda apresentam desnutrição, mesmo considerando o grande avanço do país na última década”. O secretário destacou a anemia por carência de Ferro como “o problema de maior magnitude no País”, sobretudo em crianças menores de 2 anos, das quais cerca de 50% são atingidas; e gestantes, atingindo cerca de 35%. A deficiência de vitamina A é outro problema 34 endêmico em grandes áreas das regiões Norte e Nordeste e nas áreas de pobreza da região Sudeste do país. Convivendo com esse quadro social, a evolução epidêmica da obesidade no País, na opinião de Barelli, se deve ao incre- mento de hábitos e práticas alimentares não adequados e ao baixo nível de conhecimento da população em relação à alimentação e hábitos de vida saudável. “Deve existir um trabalho de informação, por meio de jornais e revistas entregues junto com as cestas básicas, porque só o alimento não adianta: é preciso saber preparar, combinar e difundir hábitos apropriados”, defendeu. Ele destacou também a baixa capacidade operacional da Vigilância Sanitária no que concerne à efetiva fiscalização dos alimentos produzidos e comercializados no País, incluindo os alimen- tos importados. “Estudos de consumo alimentar familiar realizados em 7 capitais mostram a adequação média de energia, proteínas e vitamina A e a deficiência alimentar em Cálcio”. Para Barelli, a situação de segurança alimentar e nutrição exige cada vez mais mobilização da sociedade e dos governos e, em busca disso, o governo de São Paulo criou um programa que envolve várias secretarias e a iniciativa privada: o Alimenta São Paulo. O programa pretende integrar a vida produtiva ao pleno exercício da cidadania de pessoas que moram há mais de dois anos nos municípios onde é implantado e que tenham renda inferior a meio salário mínimo. “O Alimenta São Paulo começa a atender 60 mil famílias entre 2000 e 2001, ampliando para 80 mil famílias em 2002. A base desse programa é a cesta básica. Por meio da doação de uma cesta básica por mês, durante 12 meses, o programa tem como meta a incorporação dessas famílias num processo de cidadania, qualificação e preparação para o mercado de trabalho”. Diante dos dados definidos pela política nacional de alimentação e nutrição, Barelli terminou sua palestra defendendo a importância das entidades se organizarem no sentido de desenvolver programas para educação alimentar, mas afirmou que a vitória ainda está muito longe de acontecer. Cesta de alimentos certificada A segunda palestra, “Importância da Certificação da Cesta de Alimentos”, foi ministrada pelo Diretor de Credenciamento e Qualidade (DQUAL) do Inmetro, Alfredo Carlos Orphão Lobo. Segundo ele, as empresas que atuam na área de cestas de alimentação procuraram recentemente o Comitê Brasileiro de Certificação com o objetivo de criar um programa que certiBRASIL ALIMENTOS - N° 5 - Nov/Dez de 2000 ridades do setor. ficasse as cestas de E concluiu: “O dealimentos. safio é fazer desse proO comitê, então, grama algo que seja desenvolveu um proefetivamente adequado grama observando alaos objetivos dos progumas etapas: a prigramas de avaliação, ou meira delas foi a elaseja, que torne a conboração de um regulacorrência justa e que mento técnico por parproteja o consumidor. te do Ministério de E nosso primeiro desaAgricultura e Abastecifio é fazer isso no memento. Esse regulanor tempo possível”. mento definirá os requisitos que serão obUm direito servados ao se realizar do trabalhador a certificação das ces- Secretário Estadual Walter Barelli tas de alimentação. O coordenador-geral do PAT (Programa Aprovado pelo Ministério, o regulamento será submetido a uma avaliação técnica de Alimentação do Trabalhador), André por parte de um comitê de certificação, ou Luiz Morais Cardoso, falou sobre “Os Deseja, uma comissão de representantes de safios para o Crescimento do Acesso aos diferentes segmentos da sociedade — do Beneficiários do PAT”. Na opinião do setor produtivo ao meio acadêmico. A eta- palestrante, a tarefa de encarar esse depa seguinte, segundo Lobo, é a publicação safio é de toda a sociedade: governo, emde uma portaria do Ministério que vai con- pregadores, empresas atuantes no setor, profissionais da área e trabalhadores. ferir caráter oficial ao regulamento. Para ele, o PAT tem de ser cada vez mais “Logo em seguida será definido, pela comissão técnica, o modelo de avaliação discutido pela sociedade, uma vez que aproe, nesse momento, serão observados as- ximadamente 7,5 milhões de trabalhadopectos técnicos, econômicos, sociais e le- res são atendidos pelo programa. “Nosso gais, e será definido qual o melhor modelo grande desafio é atender 15 milhões de trabalhadores até o final do ano”, disse. de intervenção”, disse Lobo. Cardoso afirmou ainda que o programa conSegundo ele, será analisado se a empresa ta hoje com 78 mil empresas participantes. que produz a cesta conta com fornecedores “Outros 2 milhões de empresas ainda não adepreviamente qualificados, se adota uma arriram ao programa de alimentação. Essas emmazenagem adequada de forma a preservar presas geralmente são de porte menor e com as propriedades dos alimentos e sem risco um número menor de trabalhadores”. de contaminação microbiológica, se realiza Segundo o palestrante, as pequenas e inspeção de recebimento, se há um processo médias empresas que hoje não estão no proadequado de embalagem, se não ocorrem grama têm a opção de adotar uma das cinco danos aos alimentos durante o transporte e modalidades do prose há o teor nutrigrama, dentre elas a cional mínimo adecesta. “Entendo que a quado aos usuários. cesta de alimentação “Basicamente, o é a modalidade que que se vai fazer é uma mais se adequa à pecertificação do proquena e média emprecesso de elaboração sa”, afirmou. da cesta”, afirmou. Definido o modelo, o Para uma alimenInmetro dará um temtação saudável po de 12 meses às empresas para se adeDocente e pesquiquarem, podendo ser sadora do Departareduzido para 6 meses mento de Nutrição da ou ampliado para 18 Faculdade de Saúde ou 24 meses, depenPública da USP, a dendo das particula- Alfredo Lobo, diretor do Inmetro BRASIL ALIMENTOS - N° 5 - Nov/Dez de 2000 35 EVENTOS André Cardoso, coordenador do PAT professora Sonia Tucunduva Philippi falou sobre “Guia alimentar para populações saudáveis”. Sonia é autora do software Virtual Nutri e da Pirâmide Alimentar para a População Brasileira. Segundo a professora, alimentação saudável é a planejada com alimentos de todos os tipos, de procedência conhecida e, de preferência, em sua forma natural, preparada de modo a se preservar seu valor nutritivo e seus aspectos sensoriais. Os alimentos, disse ela, devem estar qualitativa e quantitativamente adequados e ser consumidos em refeições durante o dia, em ambiente calmos. “Hoje, com toda a turbulência da vida urbana, acho que essa é uma recomendação altamente eficaz”, afirmou. A partir do guia alimentar norte-americano desenvolvido em 1992 e atendendo à demanda das pessoas que a consultavam sobre o assunto na Faculdade de Saúde Pública, Sonia adaptou o modelo americano à realidade da população brasileira, baseada nos estudos de consumo realizados pelo Departamento de Nutrição da Faculdade. Segundo ela, basicamente, o que difere na pirâmide americana, em relação à brasileira, é o número de porções consumidas durante o dia. Na pirâmide brasileira há três dietas definidas com valores calóricos distintos, em torno de 1.600 kcal, 2.200 kcal e 2.800 kcal. O primeiro nível da pirâmide, chamado de alimentos básicos, é composto por arroz, pão, massas e batata. O segundo nível é formado pelas verduras, legumes e frutas; o terceiro por leite, queijo e iogurte. E o quarto grupo é formado pela carne, ovos e pelo grupo dos feijões. “Resolvemos quantificar as porções para óleos e 36 gorduras, açúcares e doces, estabelecendo um nível mínimo e um máximo”, disse. O grupo do arroz, batata e massas vai contribuir com a maior parte das calorias; as hortaliças entram com as proteínas vegetais. Já o leite, queijo e iogurtes são fontes de proteína, cálcio e vitamina E. Quanto aos óleos e gorduras, a professora recomenda uma certa moderação. Existe também uma orientação no sentido de que os alimentos não devem ser substituídos por alimentos de outros grupos, porque todos são considerados importantes. “Um exemplo é a xícara de leite, cujo total de energia equivale, por exemplo, a um copo de iogurte ou a uma fatia de queijo minas, em termos de energia”, afirmou. “Na base da pirâmide temos de 5 a 9 porções e o estabelecido foi que cada porção deste grupo de alimentos equivaleria a 150 kcal. Traduzindo isso em alimentos, eu tenho um pão francês (150 kcal), quatro colheres de sopa de macarrão (150 kcal). Na composição das dietas diárias isso significa que, para uma dieta de 1600 kcal eu preciso de cinco porções, optando, por exemplo, por um pão francês, quatro colheres de sopa de macarrão, uma e meia batata cozida, dois biscoitos recheados, ou ainda duas xícaras e meia de pipoca com sal. Assim, eu já esgotei minhas necessidades de carboidratos com essas cinco porções”, exemplificou. No caso dos legumes e verduras, por terem uma quantidade baixa de calorias, permitem 15 folhas de alface, 2 folhas de acelga, um tomate e assim por diante, até duas colheres de sopa de vagem cozida. Para frutas, segue a mesma orientação: a porção sempre média é de 35 kcal, o que eqüivale a meia banana, meia pêra ou 11 bagos de uva. Já a xícara de leite eqüivale a 120 kcal, bem como um copo de iogurte e uma fatia de queijo. “Nós estabelecemos como mínimo três porções desse grupo de alimentos e podemos eleger três alimentos que já estariam complementando a necessidade, com exceção para idosos e adolescentes, que necessitam de uma porção maior”. Para carnes e ovos a porção é de 190 kcal, o que equivale a um ovo frito, um hambúrguer, quatro nuggets de frango ou 11 fatias de salame. De uma forma geral, o guia alimentar por meio da pirâmide é uma forma de orientação para o consumidor. “Se formos trazer esse pensamento para o nível individual, é possível estabelecer uma dieta saudável puramente sustentável, de acordo Sonia Tucunduva, professora da USP com a alimentação habitual”. Sonia alertou que o Brasil convive hoje com duas situações preocupantes: a da desnutrição e a situação de sobrepeso e obesidade, tendo ambas situações graves complicações sobre a saúde dos indivíduos. O guia alimentar permite que o usuário consiga planejar sua refeição e mostra também quantas vezes um alimento que parece tão “inocente” pode fornecer uma quantidade excessiva de calorias. “Existe a possibilidade de corrigir os hábitos alimentares que não são desejáveis e de reforçar os que são desejáveis para a manutenção do orçamento”, disse a professora. Isso porque o consumidor é orientado quanto à seleção de uma dieta saudável de acordo com os recursos econômicos disponíveis e com a disponibilidade dos alimentos. Segundo a nutricionista, a nível institucional, um guia alimentar fornece as diretrizes para o desenvolvimento de programas sociais de alimentação e nutrição e unifica a mensagem sobre alimentação e nutrição: dá uma informação básica que deve ser incluída em programas de educação e ainda traz diretrizes para que os agentes de saúde transmitam mensagens adequadas sobre alimentação e nutrição. “É claro que a alimentação e a nutrição sozinhas não vão resolver os problemas nutricionais da população. Mas a alimentação é um direito do cidadão, um resgate da cidadania e estamos aqui, neste momento, convocados por um empresariado preocupado em provocar uma discussão sobre esse assunto. Na realidade, o que temos que estar pensando é sobre a necessidade de fazer acontecer a decisão política neste sentido”, concluiu. v BRASIL ALIMENTOS - N° 5 - Nov/Dez de 2000