adenocarcinoma prostático hormonoterapia: quando? como? Pedro Gomes Monteiro Introdução identificação da testosterona em 1935 identificação dos androgénios como factores de crescimento da próstata com base em estudos de modelos animais (Burkhart 1940) involução rápida após castração cirúrgica recrescimento sob administração de testosterona exógena testosterona como principal androgénio circulante, DHT como principal androgénio activo na glândula prostática conversão intra-prostática irreversível pela 5α-reductase concentração 10X superior na próstata afinidade 10X superior para receptor androgénico apenas <5% dos androgénios circulantes com origem adrenal Introdução resposta mitogénica das células prostáticas dependente da expressão do receptor androgénico, proteína intracelular codificada por gene em Xq11-12 (Chang & Lubahn 1988) ligação androgénio-receptor no citoplasma translocação para o núcleo formação de complexos reguladores da transcrição mecanismo complexo envolvendo função parácrina e interacção estroma-célula (Cunha 2004) resultando em respostas diversas tecido prostático normal: inibição da proliferação e indução de diferenciação adenocarcinoma: indução da proliferação e imortalização alteração da função como ponto fulcral da oncogénese, provavelmente em células epiteliais de camadas intermédias Introdução células de adenocarcinoma prostático podem sintetizar androgénios ou converter testosterona por mecanismo intrácrino 5% de tumores não expressam receptores androgénicos células de tecido prostático normal ou de adenocarcinoma expressam receptores estrogénicos, provavelmente envolvidos na carcinogénese – ERα com efeito potenciador da acção dos androgénios Primórdios castração cirúrgica – técnica padrão para remoção dos androgénios circulantes nadir em 3H níveis de testosterona utilizados como termo de comparação para outras técnicas (<50ng/dl) Primórdios demonstração da eficácia dos estrogénios no tratamento do adenocarcinoma avançado (Huggins & Hodges 1941) privação androgénica conseguida com castração cirúrgica ou dietilestilbestrol efeito endócrino sistémico de inibição da produção de androgénios (via hipófise) efeito local mediado por receptores estrogénicos variáveis clínicas a exibir vantagem paliação da dor de metástases ósseas redução do resíduo pós-miccional melhoria da qualidade de vida rápida e consensual aceitação da hormonoterapia como tratamento do adenocarcinoma prostático avançado Prémio Nobel em 1967 Primórdios VACURG – conjunto de ensaios clínicos aleatorizados sobre tratamento do adenocarcinoma prostático (1959-75) toxicidade cardio-vascular dose-dependente do DES DES tão eficaz quanto castração + DES em doença avançada (sobrevida) sugestão post-hoc de vantagem no início precoce do bloqueio androgénico em doença avançada (sobrevida) abandono do DES devido à toxicidade CV quando comparado com alternativas Evolução supressão da testosterona com exposição crónica a LHRH, resultado de dessensibilização dos receptores LHRH a nível hipofisário e redução da LH síntese de análogos agonistas mais potentes por substituição no péptido 6 leuprorrelina triptorrelina buserelina goserelina histrelina leuprorrelina equivalente a DES na obtenção de níveis de testosterona equivalentes à castração com menor toxicidade cardio-vascular flare como principal limitação dos agonistas LHRH – agravamento sintomático quase imediato provavelmente resultante de rápido crescimento tumoral associada à subida transitória dos níveis de testosterona Evolução demonstração histórica de benefício clínico na realização de adrenalectomia bilateral aquando de progressão da doença após castração (Huggins 1945) desenvolvimento de inibidores competitivos do receptor androgénico esteroides – ciproterona não-esteroides – flutamida, nilutamida, bicalutamida nenhum efeito nos níveis circulantes de testosterona com fármacos não-esteroides, redução até 75% com ciproterona menor impacto na vida sexual mas menor benefício clínico que agonistas LHRH ou castração (monoterapia) Evolução desenvolvimento mais recente de antagonistas do receptor LHRH (abarelix, degarelix) mesma capacidade de induzir níveis de castração sem indução de flare mecanismo de acção teoricamente mais sedutor, mas sem verdadeira vantagem demonstrada na maioria dos casos em comparação com agonistas Problemática actual privação androgénica de pedra e cal no tratamento de doença metastática sintomática 70A depois de Huggins & Hodges ainda está por definir um esquema terapêutico ideal benefício do bloqueio máximo papel do bloqueio intermitente controlo dos efeitos adversos outras indicações para privação androgénica timing para início benefício de manipulações hormonais 2ª linha Indicações indicação consensual em doença metastática sintomática – paliar sintomas e reduzir riscos associados, sem contudo demonstrar benefício a nível de sobrevida outras indicações para tratamento doença metastática assintomática – adiar a progressão doença ganglionar – prolongar a sobrevida livre de doença doença localmente avançada – prolongar a sobrevida livre de doença parte de esquemas multimodais, associada à radioterapia 1ª linha agonista LHRH ou antagonista LHRH (em casos seleccionados com metastização óssea sintomática) sobrevida dependente de diversos factores num grupo muito heterogéneo bom prognóstico – 54 meses prognóstico intermédio – 30 meses mau prognóstico – 21 meses efeitos adversos da privação androgénica líbido diminuída disfunção eréctil degradação cognitiva, depressão atrofia muscular osteoporose anemia afrontamentos Bloqueio completo conversão intraprostática dos androgénios de origem adrenal como racional da adição de um anti-androgénio ao agonista LHRH (ou antagonista ou castração) discutível vantagem marginal em sobrevida em doença metastática, comparado com bloqueio simples (agonista LHRH) nas meta-análises mais recentes <5% de benefício apenas ao fim de 5 anos maior ensaio aleatorizado até à data não demonstrou qualquer benefício (Eisenberger 1998) considerado primeira manipulação hormonal 2ª linha perante demonstração de resistência à castração simples Alternativas monoterapia com anti-androgénios bicalutamida (alta dose – 150mg/d) nilutamida escassa desvantagem em sobrevida global demonstrada face a castração ou bloqueio completo em doentes M+ (Tyrrell 1998) nenhuma desvantagem em sobrevida global em doentes M0 (Iversen 2000) vantagens teóricas ao nível da esfera sexual perdem progressivamente o apelo face ao carácter continuamente progressivo dos efeitos adversos com impacto na imagem corporal – ginecomastia renascido interesse nos estrogénios devido ao menor risco de perda de massa óssea mas ainda longe da aplicação clínica Terapêutica intermitente tentativa de minimizar as desvantagens da privação androgénica impacto na esfera sexual osteoporose e riscos associados selecção de clones androgénio-independentes diversos estudos em curso, resultados já publicados são consonantes na ausência de desvantagem dos esquemas intermitentes em termos de tempo até progressão indução de bloqueio durante pelo menos 6-9 meses e PSA<4ng/ml (M+) ou PSA<0.5ng/ml (>T3) critérios utilizados para retoma do bloqueio progressão clínica da doença doença metastática – PSA=10-15ng/ml doença localmente avançada – PSA=4-10ng/ml Outras medidas modificações do estilo de vida recomendáveis face à necessidade de terapêutica de privação androgénica de longa duração controle dos factores de risco para patologia cardio-vascular adopção de programas individualizados de exercício físico controle inicial e periódico da densidade de massa óssea Imediato versus diferido início do bloqueio obviamente imediato em doença metastática sintomática problema em casos de doença M+ assintomática dada a ausência de benefício em termos de sobrevida opção 1: iniciar assim que se diagnostica opção 2: aguardar pelas manifestações clínicas ligeiro benefício na indução precoce do bloqueio doença metastática – tempo para progressão doença localmente avançada – sobrevida global mas não sobrevida específica (+ doentes jovens, + terapêutica local associada) escassez de estudos aleatorizados de qualidade, os melhores já da era pré-PSA guidelines mais recentes não se pronunciam sobre a oportunidade de indução do bloqueio ou afirmam não ser presentemente possível fazer qualquer recomendação Esquemas multimodais demonstrada superioridade da combinação de radioterapia com hormonoterapia neo-adjuvante (comparada com radioterapia isolada) em diversos ensaios aleatorizados, com ligeiras diferenças na selecção dos subgrupos estudados EORTC 22863 RTOG 94-08 / 86-10 benefício em termos de sobrevida global em doença de alto risco com bloqueio prolongado Parar controvérsia quanto à necessidade de prolongar o bloqueio depois de demonstrada a resistência à castração longe de ser resolvida