Novos Conceitos, Abordagens e Ferramentas para Implantação da Farmacovigilância Roberta Olmo Pinheiro1,3 Lusiele Guaraldo2, José Liporage Teixeira2 & Gilberto Marcelo Sperandio da Silva1,2. Resumo: O presente artigo visa identificar alguns conceitos, abordagens e ferramentas para facilitar a implantação da Farmacovigilância nas comunidades científicas que trabalham com Farmácia Hospitalar. Serão discutidos aspectos relacionados à interface epidemiologia-notificação de eventos adversos a medicamentos e o fármaco como possível agente causador de doenças. Serão apresentadas algumas dicas de “softwares” e estratégias que podem ser utilizadas. Abstract: The aim of the present article is to identify some concepts, boarding and tools to facilitate pharmacovigilance implantation in scientific communities that work in hospital pharmacy. It will be discussed mainly the interface epidemiology – drug adverse events notification and drugs as possible conditioning agent of diseases. Some examples of softwares and strategies will be presented. Palavras-Chave: Farmacovigilância, Farmacoepidemiologia, Toxicologia, Notificação, Eventos adversos a Medicamentos. Epidemiologia, Key Words: Pharmacovigilance; Pharmacoepidemiology; Toxicology, Notification, Drug Adverse Events. Epidemiology; 1. Introdução A Farmacovigilância é a ciência relativa à detecção, avaliação, compreensão e prevenção dos efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados a medicamentos (ANVISA, 2007). Entretanto o conceito clássico pode ser entendido como o acompanhamento dos eventos adversos a medicamentos, principalmente reações adversas a medicamentos após a sua colocação no mercado (TALBOT & NILSSON, 1998; GOMES & REIS, 2000). Como exemplo clássico, a referência ao trágico caso da talidomida, na década de 60, do século passado, levou à ocorrência de cerca de 4500 mortes provocadas por uma má-formação congênita, a focomelia (GOMES & REIS, 2000). Este fato ocorreu devido a grandes limitações no desenho dos estudos clínicos nas fases anteriores à liberação desse medicamento. Vale acrescentar o desafio de investigar e documentar, em termos epidemiológicos e socioeconômicos, se o perfil de segurança obtido nos estudos clínicos, em populações rigorosamente selecionadas, ainda é válido quando o medicamento é utilizado na prática clínica (DAINESI, 2005). Considerando que o tradicional conceito de que o medicamento é usado para fazer o bem, dar um cunho epidemiológico aos estudos de Farmacogilância parece não ser uma tarefa tão fácil principalmente registrando que os mesmos podem causar efeitos nocivos à saúde. Portanto, o presente trabalho visa discutir a implantação de conceitos antigos e novos, necessários para a pesquisa clínica relativa à Farmacovigilância. 2. A Epidemiologia e a Farmacovigilância. A partir das definições de Castellanos (1987) e Castiel (1989) podemos inferir que a epidemiologia estuda os problemas de saúde-doença que nesta categoria aparecem como variações entre indivíduos ou atributos individuais; e a forma habitual de definição dos mesmos é a freqüência e a gravidade de uma patologia ou acidente em particular, entre pessoas com determinados atributos de tempo, espaço ou características biológicas/sociais individuais (CASTELLANOS, 1987; CASTIEL, 1989). A partir daí percebe-se um enorme potencial em investigar a freqüência de utilização de medicamentos e, ou, agravos à saúde causados pelos mesmos ao longo do tempo e espaço. Como exemplo interessante relacionado à freqüência, pode ser citada a descoberta da SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), associada às características epidemiológicas ligadas ao aumento repentino da utilização do isocianato de pentamidina no final da década de 70 (GOMES, 2000). Em relação aos agravos, pode ser citado o chamado Cutter Incident em meados da década de 50, onde foram observados 260 casos de poliomielite vacinal e 11 óbitos após a vacinação contra poliomielite em crianças norte-americanas (GOMES, 2000). Esses fatos, associados ao trágico evento da talidomida na década de 60, vem trazer um grande impacto para a necessidade sistematização dos estudos de eventos adversos associados a medicamentos. 3- Elementos essenciais à Farmacovigilância. Dentre os métodos empregados em Farmacovigilância para a identificação de reações adversas (RAMs), destacam-se a busca ativa e a notificação espontânea de casos. A busca ativa de casos pode ser realizada em pacientes ambulatoriais ou internados selecionados através de critérios pré-definidos como por exemplo: em pacientes de alto risco para infecção hospitalar, com diagnósticos específicos (leucemia, linfoma, granulocitopenia, diabetes, SIDA e dermatose extensa, entre outros); com exames laboratoriais alterados (hemocultura positiva, TGO, TGP, Uréia, creatinina); com tempo de internação prolongado ou ainda àqueles em uso de medicamentos para tratar as RAMs (anti-alérgicos, anti-ulcerosos, anti-diarréicos , entre outros). No método de notificação espontânea, as queixas de eventos adversos a medicamentos (EAM) provenientes de pacientes são relatadas aos profissionais de saúde para preenchimento do formulário de notificação de suspeita de evento adverso e queixa técnica relacionados ao medicamento. Os formulários utilizados nos estudos de Farmacovigilância devem apresentar, pelo menos, os campos de preenchimento propostos na Tabela 1 (ANVISA, 2007b) Tabela 1. Campos que devem apresentar em um Formulário de Notificação de Suspeita de Reação Adversa e Queixa Técnica a Medicamento para os estudos de farmacovigilância DADOS DO PACIENTE: Nome ou iniciais para proteger a identidade do paciente, idade (< 1ano/meses), peso. O número do prontuário e hospital, se for o caso; DESCRIÇÃO DA REAÇÃO ADVERSA: Deve ser Descrito o diagnóstico clínico - na sua ausência, os sinais e sintomas (ex: icterícia, náusea, tontura, choque anafilático). A data (dia/mês/ano) do início e fim da reação bem como a duração aproximada (em dias ou horas). Deve incluir dados laboratoriais relevantes. MEDICAMENTO(S) SUSPEITO(S) DE CAUSAR RAM: Deve ser notificado o medicamento que é considerado o mais provável de ter produzido a reação, descrevendo o nome genérico ou comercial. - Dose diária; - Via de administração: Informação se oral, intravenosa, subcutânea, intradérmica, ocular, sublingual, retal, tópico entre outros; - Tratamento: Data do início e fim da terapêutica (dia/mês/ano) e duração (aproximada em dias ou horas); - Motivo da indicação: causa ou sintomatologia que motivou a medicação. Caso exista mais medicamentos suspeitos, notificá-los. MEDICAMENTOS PRESCRITOS OU TOMADOS POR AUTOMEDICAÇÃO: Deve ser notificado os demais medicamentos prescritos e os utilizados nos últimos 15 dias, incluindo automedicação, excluídos aqueles utilizados para o tratamento da RAM. EVOLUÇÃO DO PACIENTE: CONDUTA: Informação sobre a terapêutica eventualmente instituída para o controle da RAM. REEXPOSIÇÃO: Informação se ocorreu a reexposição ao medicamento. DADOS DO NOTIFICADOR (Fonte: ANVISA, 2007b) A partir da construção do formulário de notificação espontânea, processa-se a coleta de dados dos pacientes com suspeita de RAM. A avaliação científica da farmacovigilância baseia-se no acúmulo e na avaliação sistemática das notificações espontâneas de reações adversas, cuja causalidade é avaliada com a aplicação de algoritmos desenvolvidos para essa finalidade, sendo o mais conhecido o de Naranjo (NARANJO & BUSTO, 1992). Na medida da consistência da hipótese de causalidade, da gravidade da reação observada, do volume de notificações e do número potencial de pessoas afetadas, são tomadas decisões quanto ao uso e comercialização do medicamento junto às autoridades sanitárias e indústrias farmacêuticas envolvidas, solicitando as medidas cabíveis, ampla informação aos profissionais de saúde ou, mesmo, ao público em geral. Para que a correta análise das suspeitas de RAMs, as notificações coletadas devem ser cuidadosamente examinadas para verificação da necessidade de informações complementares e controle de qualidade (fonte da informação, clareza, campos não preenchidos, qualidade do diagnóstico e acompanhamento), sendo em seguida numeradas e codificadas. A padronização desta análise envolve classificações posteriores tais como a classificação ATC para os medicamentos (Anatomical Therapeutical Chemical Classification, 2007, OMS), a classificação WHO-ART para as reações adversas, (World Health Organization- Adverse Reaction Terminology, 1997 – OMS, 1997) e para as doenças, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde/CID-10 (OMS, 1996). A análise dos casos deve sempre ser acompanhada de revisão bibliográfica, com busca de informações em bases de dados, tais como: Medline, Micromedex e outros, na Internet. 4- Análise Farmacoepidemiológica A análise das informações geradas pelo formulário de notificação de suspeita de evento adverso e queixa técnica relacionados a medicamentos é facilitada pela construção de um banco de dados construído por meio de “softwares” que possibilitem uma visão estatística e epidemiológica dos dados coletados, como por exemplo os programas: EPI- INFO (CDC, version 6.0) ou SPSS WIN 8.0 (© 2007 SPSS Inc.) ou Stata 7.0 (Stata Corporation, College Station,. Estados Unidos). Os dados digitados e editados com a recodificação de variáveis facilitam as análises requeridas ao estudo dos efeitos adversos (gravidade, tipo, causa provável, duração, conduta, dose de medicação e tratamento concomitante). 1. Grupo de Pesquisa do Curso de Farmácia (GFAR). Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ. 2. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC / FIOCRUZ) , Rio de Janeiro, RJ. 3. Instituto Oswaldo Cruz (IOC / FIOCRUZ) e-mail do autor responsável: [email protected] 5. Referências: ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Disponível no site http://www.anvisa.gov.br/servicos/form/farmaco/orienta.htm em 03/02/2007b. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Disponível no site http://www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/conceito_glossario.htm em 03/02/2007. CASTELLANOS, P. 1987. Sobre el concepto de Salud - Enfermedad: un punto de vista epidemiológico.Documento apresentado no V Congreso Mundial de Medicina Social Medellin, Colombia, Julio, 1987. CASTIEL, LD. 1989. O Epidemiologista e os Serviços de Saúde Coletiva no Brasil. Cad. Saúde Pública. vol.5 no.1. 17-23. DAINESI, S. 2005. Como colaborar na implantação da farmacovigilância em nosso país? Rev. Assoc. Med. Bras. 51:4. 186. GOMES, M. JVM.& REIS, AMM. 2000. Ciências Farmacêuticas - Uma abordagem em Farmácia Hospitalar, São Paulo: Atheneu. 559p. NARANJO, CA & BUSTO, UE. Desarrolo de medicamentos nuevos y regulaciones sobre medicamentos. In: Metodos em farmacologia clinica (C. A. Naranjo, P. du Souich & U. E. Busto, eds.). Washington, OPAS, 1992; 1-16. OMS (Organização Mundial Da Saúde), 1996. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português/Edusp. OMS (Organização Mundial de Saúde - WHO), 2007. Anatomical Therapeutical Chemical Classification. Uppsala: Nordic Council on Medicines. OMS (Organização Mundial de Saúde - WHO), 1997. Adverse Reaction Terminology. Uppsala: The Uppsala Monitoring Centre. TALBOT, JCC & NILSSON BS. 1998. Pharmacovigilance in the pharmaceutical industry. J Clin Pharmacol 45: 427-31.