Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.15, n.2, p.117-122, 2013 ISSN 1517-8595 117 AVALIAÇÃO DA FERMENTAÇÃO AERÓBIA PARA PRODUÇÃO DE ETANOL A PARTIR DE XILOSE POR LINHAGENS DE LEVEDURAS ISOLADAS DA CASCA DE UVA (Vitis spp) *Débora Cristina Moraes1, Cleidiane Samara Murari1, Pedro Luiz Mota Aquino1, Gisele Ferreira Bueno1, Vanildo Luiz Del Bianchi1 RESUMO Isolar micro-organismos fermentadores de xilose em etanol é um desafio para ampliar a produção deste biocombustível a partir de matérias lignocelulósicos. Para tanto neste trabalho foi testada a fermentação de xilose por linhagens de leveduras isoladas da casca de uva (vitis spp) com objetivo de produzir etanol. As levéduras foram cultivadas em fermentação submersa com xilose como fonte de carboidrato. Alíquotas foram retiradas a cada 24h para medir o crescimento celular, consumo de açúcar e produção de etanol. As leveduras tiveram uma produção média de 2,5 g/L de etanol com rendimento de (Ye/s) 0,12g/g, mostrando que possuem a capacidade de produzir etanol a partir da xilose. Palavras-chave: levedura, etanol, xilose EVALUATION OF THE AEROBIC FERMENTATION FOR ETHANOL PRODUCTION FROM XYLOSE OF YEAST STRAINS ISOLATED FROM GRAPE SKINS (Vitis spp) ABSTRACT Isolate microorganisms that fermenting xylose to ethanol is a challenge to expand production of biofuels from lignocellulosic materials. For this work was tested fermentation of xylose by yeast strains isolated from grape skins (Vitis spp) in order to ethanol produce. The yeasts were grown in submerged fermentation with xylose as a carbohydrate source. Aliquots were taken every 24 hours to measure cell growth, sugar consumption and ethanol production. The yeast had an production ethanol average of 2.5 g / L and yield (Ye / s) 0.12 g / g, showing that they have the ability to produce ethanol from xylose. Keywords: yeast, xylose, ethanol. Protocolo de14-2012-16 de 30/07/2012 1 Pograma de Pós-Graduação. em Engenharia e Ciência de Alimentos, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Rua Cristovão Colombo, nº 2265 Jardim Nazareth. São José do Rio Preto – SP. Email: *[email protected] 118 Avaliação da fermentação aeróbia para produção de etanol a partir de xilose por linhagens de leveduras ...... .Moraes et al. INTRODUÇÃO Micro-organismos O estudo da fermentação de etanol tem uma grande importância devido ao aumento na demanda por este combustível (Gomez, 1985; Cuzens & Miller, 1997; Dorta et al.,2006). A utilização de materiais lignocelulósicos para produzir o bioetanol tem sido muito pesquisada nos últimos anos (Parisi, 1989; Pandey et al., 2000; Arvanitoyannis et al.,2006; Carrion & Dorta, 2009). A maioria dos materiais lignocelulósicos (resíduos agroindustriais, incluindo a casca de uva) é composta por celulose, hemicelulose e lignina (Aguilar et al., 2002; Matos et al., 2003; Arvanitoyannis et al.,2006; Carrion & Dorta, 2009; Kipper, 2009). Estes materiais quando hidrolisados originam monômeros de açúcares que podem ser fermentados para a produção de etanol (Parisi, 1989; Cuzens & Miller, 1997; Aguilar et al., 2002; Carrion & Dorta, 2009; Moraes et al.,2010). A glicose é facilmente fermentada pela levedura Saccharomyces cerevisiae, porém a xilose não é fermentada por esta levedura, sendo necessária a busca por linhagens que sejam capazes de metabolizar esta pentose (Dellweg et al.,1984; Du Preez et al.,1986; Matos et al.,2003; Rudolf et al., 2008). Os gêneros Candida e Pichia estão entre os mais promissores para realizar este tipo de fermentação, porém devido ao fato de não tolerarem altas concentrações de etanol esse processo não é considerado muito viável (Dellweg et al.,1984; Du Preez et al.,1986; Felipe et al.,1997; Lachke, 2002; Matos et al.,2003; Rudolf et al., 2008). Algumas bactérias também vêm sendo estudadas com esse objetivo já que são mais tolerantes a inibição provocada pelo etanol, mas como as elas geralmente realizam fermentação mista, ou seja, há uma variedade de produtos formados entre eles ácidos orgânicos, ésteres, alcoóis o rendimento em etanol é muito baixo (Moraes et al., 2010). Uma alternativa seria isolar novas linhagens de micro-organismos da natureza que consigam realizar esta fermentação e apresentar rendimentos que possibilitem a sua utilização no processo de produção do bioetanol. O objetivo deste trabalho foi testar duas linhagens de leveduras isoladas da casca de uva (Vitis spp) quanto à assimilação de xilose e conseqüente produção de etanol através de fermentação submersa em condição aeróbia. Os micro-organismos utilizados no ensaio foram duas linhagens de leveduras, denominadas de RL1 e RL5, isoladas da casca de uva (Vitis spp). Estas leveduras foram mantidas em meio XA (xilose-ágar) e armazenadas a 5ºC. Os repiques foram realizados mensalmente. Meio e condições de cultivo Foi realizada uma pré-fermentação em meio líquido com xilose (1%) com volume final de 100 mL, agitação de 200 RPM, com pH 6,0, onde foram incubadas as leveduras RL1 e RL5 por 24h a 30ºC. A fermentação ocorreu no meio base: peptona 0,5%(p:v); ZnSO4.7H2O 0,02%(p:v); MgSO4 0,035%(p:v); MnSO4.H2O 0,01%(p:v); Na2HPO4 0,05%(p:v); K2HPO4 0,05%(p:v) com xilose 2% com volume final de 40 mL, pH 6,0, agitação de 150 RPM. Foram incubadas a 30°C por 96h. Alíquotas foram retiradas a cada 24h para realizar as análises. Técnicas analíticas Quantificação do crescimento por densidade ótica O crescimento celular foi determinado pela medida da absorbância a 600nm. Para calcular a concentração foi obtida uma curva de calibração entre o peso seco e absorbância obtidas para as leveduras RL1 e RL5(Silva, 2007). Fator de conversão substrato a célula (g/g) YX S X f X0 St S f onde, Xf – concentração celular final (g/L), X0 – concentração celular inicial (g/L), St – concentração de substrato total (g/L), Sf – concentração de substrato final (g/L), Y x/s – fator de conversão substrato a célula (g/g) Determinação de açúcar redutor MATERIAL E MÉTODOS Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.15, n.2, p.117-122, 2013 Avaliação da fermentação aeróbia para produção de etanol a partir de xilose por linhagens de leveduras ...... .Moraes et al. O consumo de xilose foi medido por ADNS (ácido dinitrossalicílico)16. Simultaneamente, foi feita uma curva de calibração com diferentes concentrações de xilose (P.A. Labsynth). A leitura em espectrofotômetro foi feita a 540nm. Velocidade média de consumo do substrato g/L.h A velocidade média do consumo de substrato foi calculada através da seguinte fórmula. PS St S f tf onde, Sf – concentração substrato final (g/L), St – concentração substrato total (g/L), tf – tempo total de fermentação (horas), Ps – velocidade média consumo de substrato (g/L.h) Y e/s – fator de conversão substrato a produto (g/g) Rendimento em etanol (%) (t ) Fator de conversão substrato a etanol (g/g) YE S E f E0 St S f onde, Ef – concentração produto final (g/L), E0 – concentração produto inicial (g/L), St – concentração de substrato total (g/L), Sf – concentração de substrato final (g/L), YE S 0,511 100 onde, Y e/s – fator de conversão substrato a produto (g/g), 0,511 – coeficiente de transformação de açúcar a etanol Análise dos resultados Os experimentos foram realizados em triplicata. Os dados amostrais foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e as médias comparadas pelo teste de Tukey e Kramer através do programa GRAPHPAD INSTAT (Rutgers University Camden, New Jersey). Os resultados foram considerados significativos para P<0,05. Determinação da concentração de etanol A concentração de etanol foi determinada através do cromatógrafo a gás Hewlett Packard series II modelo 5890 equipado com coluna SPB-35 e detector de ionização de chama. As temperaturas do injetor e detector serão mantidas a 230ºC. A temperatura do forno será programada inicialmente para 40ºC, sendo aumentada a uma velocidade de 20ºC/min até a temperatura final de 100ºC. Como gás de arraste será utilizado nitrogênio e uma taxa split de 1:5.. A amostra do headspace foi retirada por meio de uma seringa própria para gases. Simultaneamente, foi feita uma curva de calibração com diferentes concentrações de etanol. 119 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados estão apresentados nas Figuras 1 e 2. Os resultados da cinética de fermentação estão na Tabela 1. Tabela 1. Dados cinéticos da fermentação em aerobiose pelas leveduras RL1 e RL5 Linhagem RL1 RL5 Y x/s Ps YE/s Rendimento g/g g/L.h g/g (%) 0,255 0,20 0,12 23,4% 0,305 0,20 0,12 23,4% Para as duas linhagens RL1 e RL5 houve um rápido consumo de xilose em 24h, praticamente zerando o açúcar disponível, sendo este consumo significativo em relação às medições realizadas nos tempos posteriores (Tukey, P<0,05), porém não diferindo estatisticamente entre as linhagens RL1 e RL5 (Tukey, P>0,05) (Figuras 1 e 2). Quanto a produção de etanol as duas linhagens produziram cerca de 2,5 g/L, sendo que a maior produção 1,4 g/L para RL1 e 1,2 g/L para RL5 ocorreu no período de 48h de fermentação. Esta produção foi significativa em relação aos outros períodos medidos (Tukey, P<0,05).O rendimento (Ye/s) foi de 0,12 g/g para ambas as linhagens após as 96h de fermentação, estes resultados são inferiores aos Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.15, n.2, p.117-122, 2013 120 Avaliação da fermentação aeróbia para produção de etanol a partir de xilose por linhagens de leveduras ...... .Moraes et al. encontrados por Silva et al. 23 que encontrou 0,32 g/g com a levedura Pichia stipitis NRRL Y-7124. A levedura Pachysolen tannophilus em fermentação de xilose com aeração apresentou produção máxima de etanol de 3,2 g/L com rendimento (Ye/s) 0,15 g/g, valor este mais próximo do encontrado neste estudo. Figura 1. Biomassa pela levedura RL1. ,consumo de xilose e produção de etanol na fermentação aeróbia Figura 2. Biomassa pela levedura RL5. ,consumo de xilose e produção de etanol na fermentação aeróbia CONCLUSÃO As linhagens de leveduras isoladas da casca de uva (Vitis spp) denominadas RL1 e Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.15, n.2, p.117-122, 2013 Avaliação da fermentação aeróbia para produção de etanol a partir de xilose por linhagens de leveduras ...... .Moraes et al. RL5, foram capazes de consumir a xilose e produzir etanol a partir desta sob condições aeróbias, ainda que os rendimentos e produção tenham sido mais baixos que os encontrados na literatura, elas se mostraram micro-organismos promissores já que são poucos encontrados na literatura que possuem a capacidade de converter esta pentose a etanol. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aguilar, R.; Ramírez, J. A.; Garrote, G.; Vázquerez, M. Kinetic study of the acid hydrolysis of sugar cane bagasse. J. Food Eng, 2002, v. 55, p. 309–318. Arvanitoyannis, I. S.; Ladas, D.; Mavromatis, A. 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