Vínculo - Reflexões sobre meu trabalho com psiquiatria

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Vínculo - <B>Reflexões sobre meu trabalho com psiquiatria dinâmica</B>
Vínculo
ISSN 1806-2490 versão impressa
Vínculo v.4 n.4 São Paulo dez. 2007
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este artigo
ARTIGOS
Reflexões sobre meu trabalho com psiquiatria dinâmica
1
Reflections about my work with dynamic psychiatry
Reflexiones sobre mi trabajo con psiquiatría dinámica
2
Waldemar José Fernandes
NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações
Vinculares
SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo
Endereço para correspondência
http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902007000100007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt (1 of 13)20/04/2009 06:51:13 a.m.
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RESUMO
Inicialmente o autor introduz o tema da psiquiatria tradicional e seu percurso,
acrescentando sua frustração com os rumos da medicina atual, imediatista,
repleta de diagnósticos e que trata tudo com antidepressivos. É apresentado um
breve histórico, com a ênfase em Kraepelin, a psiquiatria biológica, contribuições
freudianas e de Roudinesco, sendo lembrado que no desenvolvimento das doenças
psiquiátricas, existem os fatores emocionais, a degeneração de células cerebrais,
determinadas por fatores constitucionais e também os desencadeantes do dia-adia. A seguir são expostos aspectos conceituais da psiquiatria dinâmica, chegando
à contribuição de Gabbard, que a conceitua como uma abordagem ao diagnóstico
e tratamento, caracterizada por um modo de pensar acerca do paciente e do
clínico - que inclui o conflito inconsciente, os déficits, as distorções das estruturas
intrapsíquicas e as relações objetais internas - sendo que é realizado um paralelo
com noções da psicanálise vincular. Finalizando, mostra como entende e trabalha
em psiquiatria dinâmica, fazendo reflexões a respeito. Não há dúvida que as
abordagens biológicas e químicas são muito importantes para a compreensão do
comportamento humano, mas não podem abranger ou explicar tudo. Propõe que
se possa tentar ajudar aqueles que procuram auxílio - a pensar, a adquirirem
autoconhecimento, a se fortalecerem em sua existência, o que inclui a melhoria da
qualidade de vida e a superação dos sintomas, quando isso for possível; quando
não for, sua mitigação e melhor convívio com o sofrimento, parecem boa opção.
Palavras-chave: Psiquiatria dinâmica, Integração corpo-mente, Medicina atual,
Conflito, Matriz vincular.
ABSTRACT
Initially, the author introduces the theme of traditional psychiatry and its
trajectory, adding his frustration with the directions of modern medicine; an
immediatist science, with a plethora of diagnosis and with a tendency to treat
everything with anti-depressants. A brief history is then presented, with an
emphasis in Kraepelin, the biological psychiatry, the Freudian contributions and
those of Roudinesco, being reminded that in the development of psychiatric
diseases, there are the emotional factors, the degeneration of brain cells,
determined by constitutional factors and also those unleashing everyday. After
that, aspects about the dynamic psychiatry are presented, up to the contribution
of Gabbard, who conceptualizes it as an approach to diagnosis and treatment,
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characterized by an specific way to reflect about the patient, the doctor, which
includes the unconscious conflict, the deficits, the distortions in intrapsychic
structures and the internal objective relations, noting that a parallel is also made
with concepts of linking psychoanalysis. To conclude, the author shows how he
understands and works in dynamic psychiatry, expressing his reflections about it.
There is no doubt that the biological and chemical approaches are very important
to the understanding of the human behavior, but they can’t comprehend or
explain everything. The proposition is that it is possible to try to help those who
seek us – so as to reflect, to acquire self-knowledge, to strengthen themselves in
their existence, which includes an upgrade on the quality of life and the
overcoming of symptoms, when this is possible; when it isn’t, its mitigation and
the management of the capacity of living daily with the suffering, seem a
reasonable choice.
Keywords:Dynamic psychiatry,Body-mind integration, Modern medicine, Conflict,
Linking matrix.
RESUMEN
Inicialmente el autor introduce el tema de la psiquiatría tradicional y su trayecto,
añadiendo su frustración con los rumbos de la medicina actual, inmediatista,
abarrotada de diagnósticos y que trata todo con antidepresivos. Presentase un
rápido histórico, con énfasis en Kraepelin, la psiquiatría biológica, contribuciones
freudianas y de Roudinesco, y se recuerda que en el desenvolvimiento de los
males psiquiátricos, existen los factores emocionales, la degeneración de las
células cerebrales, determinados por factores constitucionales e también los
desencadenantes del cotidiano. En seguida aspectos sobre la psiquiatría dinámica
son presentados, llegando hasta la contribución de Gabbard, que la conceptúa
como un abordaje al diagnóstico y tratamiento, caracterizado por un modo de
pensar acerca del enfermo, del doctor, que incluí el conflicto inconsciente, los
déficits, las distorsiones de las estructuras intrapsíquicas y las relaciones objetivas
internas, notándose que se hace un paralelo con conceptos de la psicoanálisis
vincular. Para finalizar, el autor demostra como entiende e trabaja en psiquiatría
dinámica, ponderando a ese respecto. No hay duda que los abordajes biológicos y
químicos son muy importantes para la comprensión del comportamiento humano,
pero no pueden abarcar o explicar todo. Propone que se posa intentar a ayudar
aquellos que nos procuran - a pensar, a adquirir auto-conocimiento, a se
fortalecieren en su existencia, lo que incluye la mejoría de la cualidad de vida y la
superación de los síntomas, cuando eso sea posible; cuando no sea, su mitigación
y mejor convivencia con el sufrimiento, parecen una buena alternativa.
Palabras clave: Psiquiatría dinámica, Integración cuerpo-mente, Medicina actual,
Conflicto, Matriz vincular.
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Seria muito mais fácil se pudéssemos evitar o paciente enquanto exploramos o
reino da psicopatologia; seria muito mais simples se pudéssemos nos limitar ao
exame da química e da fisiologia de seu cérebro e a tratar os eventos mentais
como objetos alheios a nossa experiência imediata, ou como meras variáveis de
uma fórmula estatística impessoal.
John Nemiah (1961, p, 4)
I. A psiquiatria tradicional e seu percurso
Introdução
Durante muitos anos, lecionando psicologia médica, lutei contra uma forma
simplista de pensar e se fazer medicina, em que somente aspectos concretos
tinham vez, e mente e corpo eram vistos como coisas separadas.
Muitas vezes combati o uso de expressões, tipo: “a úlcera gastroduodenal do leito
12, aquela reto-colite ulcerativa, o Ca de Próstata etc., e dizia que cada caso era
um caso, não existiam doenças, mas pessoas doentes” (FERNANDES, 2001, p.65).
Preocupava-me com que a medicina não voltasse ao jugo da pretensa onisciência
científica, baseada em estrutura mecanicista, com raízes apenas no modelo
metodológico físico-natural, pois, na visão puramente organicista, ao pobre
indivíduo doente só restava silenciar, deixando aos sintomas a tarefa de
comunicar seu sofrimento.
Por isso, é com tristeza e consternação que escuto hoje em dia o uso e abuso de
expressões do tipo: a depressão..., a esquizofrenia..., a síndrome de pânico, o
TOC, como se as entidades falassem por si, não importando quem seria o sujeito
portador das mesmas.
O pior é que dificilmente alguém deixa um consultório hoje em dia sem carregar
um diagnóstico, seja de fibromialgia, síndrome da fadiga crônica ou das pernas
inquietas, assim como as respectivas receitas. Nunca foram tão receitados
benzodiazepínicos e antidepressivos como atualmente.
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Sobre o percurso da psiquiatria.
A primeira nosologia descritiva científica da doença psiquiátrica, criada por
Kraepelin há mais de cem anos, era essencialmente biológica.
Desde então houve uma tendência para a compreensão psicológica do
funcionamento mental e de seus transtornos, baseada principalmente na teoria
psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud e seguidores, que manteve uma
influência importante ao longo do século, até o crescimento da psiquiatria clínica e
dos conhecimentos em neurobiologia.
No final dos anos 80 o interesse pelo biológico e pelo químico teve resultados que
mudaram a visão das doenças mentais. O advento do Prozac em 1988
desencadeou maior interesse e respeito sobre os psicofármacos e os bons
resultados em seu uso no tratamento das doenças mentais. Como uma das
principais conseqüências, a depressão passou a ser considerada, por muitos, como
um distúrbio exclusivamente bioquímico. O fato é que o uso dos inibidores
seletivos da recaptação da serotonina – ISRS, e o aumento de sua disponibilidade
na fenda sináptica, trouxeram grande alívio aos sintomas depressivos.
Desenvolveu-se então a psiquiatria biológica e o raciocínio puramente organicista.
Tal crescimento da psiquiatria biológica nas últimas duas décadas provocou na
compreensão da doença psiquiátrica um retorno para um modelo de doença mais
somático, mais bioquímico.
Houve então certo declínio das psicoterapias psicanalíticas, que podiam parecer
dispensáveis, caras e de resultados concretos duvidosos, e o correspondente
crescimento do uso desenfreado de medicações associadas ou não a psicoterapias
cognitivas e comportamentais.
Diante do impulso da psicofarmacologia, a psiquiatria abandonou o modelo
nosográfico usado até então, passando a privilegiar uma classificação
comportamental, reduzindo a psicoterapia a uma técnica de supressão dos
sintomas e dos tratamentos de emergência na linha de se há sofrimento, deve ser
aliviado, não importa a causa.
Médico especialista em psiquiatria pela ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria,
psicoterapeuta, membro titular e docente do NESME - Núcleo de Estudos em
Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares; e da SPAGESP Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. Membro da
ABRAP - Associação Brasileira de Psicoterapia.
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“Quer se trate de angústia, agitação, melancolia...., é preciso,...,
tratar o traço visível da doença, depois suprimi-lo e, por fim, evitar a
investigação de sua causa de maneira a orientar o paciente para uma
posição cada vez menos conflituosa... Em lugar das paixões, a
calmaria, em lugar do desejo, a ausência de desejo, em lugar do
sujeito, o nada, e em lugar da história, o fim da
história” (ROUDINESCO, 1999, p.41).
Apesar disso, alguns profissionais já percebiam a importância de uma concepção
psicossomática das doenças e tentavam uma integração entre o físico e o
psicológico, agregando também o social nessa visão integrada, como relata Gildo
Katz.
“Estudos mostraram evidente relação entre o estresse ambiental e as
mudanças estruturais no cérebro do indivíduo deprimido. Outras
pesquisas mostraram que tensões nas relações primitivas podem
alterar as conexões nervosas que controlam a emoção, exagerando as
respostas. Ou seja, as pesquisas sobre o cérebro validaram o ponto de
vista psicanalítico de que primitivas adversidades na infância podem
criar psicopatologias no adulto” (KATZ, 2003, p.1).
Há pouco mais de oito anos, com o uso de técnicas como a tomografia de emissão
de pósitrons - PET e outras, a origem e a fisiopatogenia da depressão vêm se
esboçando e uma revisão radical no entendimento da depressão e dos transtornos
de ansiedade vem ocorrendo, com expectativas de utilização em futuros
tratamentos.
Da mesma forma, mudanças também acontecem na compreensão das
psicoterapias. Assim, conclui Katz (2003, p.5):
“a psicoterapia de orientação analítica, modificando a conexão dos
neurônios entre si, pode transformar o cérebro dos pacientes e, desse
modo, alterar a constituição da mente. Essa reformulação neuronal
propicia mudanças na maneira do paciente produzir, integrar,
vivenciar, compreender informações, emoções e novas representações
internas de si mesmo e do outro, alterando os padrões neuronais
arraigados a relações estabelecidas na primitiva infância”.
No desenvolvimento das doenças psiquiátricas, conhecemos os fatores
emocionais, assim como a degeneração de células cerebrais, determinadas por
fatores constitucionais e também os desencadeantes do dia-a-dia. Devido a tal
interdependência entre cérebro e mente as psicoterapias que não visem somente
aplacar sintomas, associadas ao uso dos modernos psicofármacos, desempenham
importante função, já que o distúrbio bioquímico não é o único, nem mesmo o
principal causador dos transtornos de ansiedade ou depressivos (Fernandes,
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2004).
II. Psiquiatria dinâmica
Pode-se se entender a Psiquiatria Dinâmica tal como propõe Bettarello (1998,
p.26):
“1 - Uma maneira de conceber a própria Psiquiatria; 2 - Um esquema
referencial que, fundamentado em conceitos psicodinâmicos, procure
integrar os fatores biológicos, psicológicos e sociais; 3 - Uma
perspectiva que, centrada na personalidade, permita melhor
compreender a doença (o doente) e, conseqüentemente, a saúde (o
hígido) mental”.
Não podemos perder de vista que a compreensão ampla da condição humana tem
como referente último o homem em situação, isto é o homem e seus vínculos, em
sua dimensão intra, inter e transubjetiva.
A psiquiatria dinâmica já existe há mais de cem anos e deve seu maior tributo à
contribuição de Freud, pois está fundamentada no conhecimento e na teoria
psicanalítica. Durante muito tempo a psiquiatria dinâmica moderna foi considerada
o ramo da psiquiatria que explicava o fenômeno mental como resultante do
desenvolvimento do conflito. O conflito originar-se-ia a partir de poderosas forças
inconscientes que buscam expressão e requerem monitorização constante de
forças opostas que impedem sua emergência.
O psiquiatra Glen O. Gabbard é um dos expoentes da psiquiatria dinâmica
moderna, exercendo a clínica e a docência em psiquiatria e psicanálise em Kansas,
e autor de inúmeros livros; tem procurado mostrar a importância do estudo
integrado do corporal, psicológico e social.
Para ele, acima de tudo, a psiquiatria psicodinâmica é um modo de pensar - não
apenas sobre o paciente, mas também acerca de si próprio no campo interpessoal
entre o paciente e o terapeuta.
“De fato, a fim de caracterizar a essência da psiquiatria dinâmica, é
preciso utilizar a seguinte definição: a psiquiatria dinâmica constitui
uma abordagem ao diagnóstico e tratamento, caracterizada por um
modo de pensar acerca do paciente e do clínico, que inclui o conflito
inconsciente, os déficits e as distorções das estruturas intrapsíquicas e
as relações objetais internas” (GABBARD, 1994, p.24).
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Sendo a psicoterapia tão eficaz para modificar o funcionamento do cérebro como
as drogas antidepressivas, a psicanálise e as neurociências devem continuar a
importante interlocução que vem existindo entre si, pois, nesse trabalho conjunto
se amplia a compreensão, para, cada vez mais, se entender a complexidade do
funcionamento mental, o nível simbólico da mente humana, e a influência das
estruturas neuro-hormonais.
No estudo dos vínculos - cujo componente mais importante é a experiência
emocional, e, portanto, a fantasia inconsciente - sabe-se que há um nexo entre
corpo e emoção, organizando os processos cognitivos, e também, conectando as
mentes e os corpos entre os indivíduos.
Para a neurociência, a maior parte das emoções ocorre longe da consciência, o
que a psicanálise vem dizendo há certo tempo.
“Visto que a transformação do cérebro é um processo célula a célula,
a psicoterapia de orientação analítica pode, de fato, transformar
significativamente a mente... com o passar do tempo. À medida que
vão sendo obtidos progressos na terapia, principalmente pela análise
sistemática da transferência, o paciente começa a adquirir insight
adicional e a efetuar mudanças por conta própria” (KATZ, 2003, p.5).
Nós nos relacionamos a partir de modelos de vínculos - as matrizes vinculares. O
bebê introjeta as estruturas vinculares a partir do mundo externo, começando
pelos pais, e passa a conservá-las como padrão.
“Cada um de nós traz dentro de si as representações psicológicas das
figuras significativas do passado, as quais se elaboram como uma
rede complexa de representações e vinculações intra-subjetivas que
constituem uma constelação particular de cada indivíduo, o que temos
chamado matriz vincular (matriz relacional interna - M. Rita Leal)
(matriz pessoal de grupo - Foulkes) - introjetada a partir da relação
do bebê com a mãe” - Fernandes, In (FERNANDES, W.J.; SVARTMAN,
B.; FERNANDES, B. S. 2003, p.146).
Outra forma de dizer o que acabei de afirmar é como faz Gabbard, que ainda
acrescenta como as mudanças podem ocorrer:
“A experiência molda o cérebro; há fases críticas para esse processo;
a interação com os pais molda padrões de relacionamento
interpessoal, que são armazenados na memória de procedimento
implícita (inconsciente); tais padrões repetem-se na transferência
analítica; a psicoterapia pode mudar a memória implícita por meio de
experiências afetivamente significativas, que modificam a memória de
procedimento” (GABBARD, G. O. 2000).
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III. Como trabalho em psiquiatria dinâmica.
Há alguns anos venho atendendo pessoas em psicoterapia, individualmente ou em
grupo, e, ao mesmo tempo, se necessário, eu as medico. Como isso ocorre? Em
primeiro lugar faço as consultas iniciais, onde é discriminado o conjunto de
sintomas, relações prováveis com a vida em seu corte longitudinal (desde o
nascimento) e a situação atual, quando pensamos juntos sobre os possíveis
desencadeantes. Costumo então informar sobre condições de psico-higiene,
preventivas e auxiliares no tratamento, como atividade física, encaminhamento a
outros especialistas, endocrinologista, cardiologista etc., e tratamentos paralelos,
como terapia de casal ou família, quando necessário.
Só então vamos discutir sobre medicação e psicoterapia. Geralmente informo que
não acredito em tratamento só com psicofármacos, e me posiciono quanto ao que
entendo por evolução, crescimento, amadurecimento, não ficando disponível para
tratamento apenas sintomático. No caso de medicá-las, evito os
benzodiazepínicos, devido à dependência química, e, no caso de antidepressivos,
explico como seu uso poderia ajudá-los a tolerar os sintomas, aliviá-los
parcialmente, dando oportunidade de darem um primeiro passo em seu
desenvolvimento psicoterápico. Deixo claro que não daria remédios
indefinidamente. Nessas alturas, alguns clientes já se decidiram por outra forma
de tratamento, com outros colegas.
Quando o paciente se decide pelo tratamento comigo - e é necessário medicá-lo,
por estar excessivamente ansioso, deprimido ou com sintomas produtivos de
cunho psicótico - então passamos a avaliar a medicação em algumas consultas
isoladas e iniciamos a psicoterapia concomitante, com horários fixos, geralmente
algumas sessões individuais, que serão mantidas ou posteriormente, combinamos
grupoterapia.
Freqüentemente recebo cientes que tomam remédios há oito ou dez anos,
continuando com os sintomas, agravados por dependências químicas e
psicológicas, tendo tomado quase todos os produtos que existem no mercado,
sempre em doses crescentes, o que me preocupa. Pessoalmente não me sentiria
útil trabalhando assim, pois não vejo possibilidades de crescimento para os
pacientes nessas condições.
Não pretendo entrar em confronto com os colegas que procedem dessa forma,
mas, realmente, prefiro estudar caso por caso, não me contentando com a cura
dos sintomas.
Na psiquiatria dinâmica, tal como fazem alguns outros colegas, utilizo uma ampla
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variedade de intervenções que dependem de como avalio as necessidades de cada
cliente.
“A psiquiatria dinâmica simplesmente fornece uma fundamentação
conceitual coerente dentro da quais todos os tratamentos são
prescritos. Independente de o tratamento ser psicoterapia dinâmica
ou farmacoterapia, ele é dinamicamente fundamentado. O psiquiatra
dinâmico atual deve clinicar no contexto dos impressionantes avanços
nas neurociências, integrando o insight psicanalítico com a
compreensão biológica das enfermidades” (GABBARD, 1994, p.24).
Comentários finais
Um dos fatos mais lamentáveis na visão da saúde mental atual é a polarização
entre os psiquiatras biologicamente e psicodinamicamente orientados. Isso é um
resquício do dualismo corpo-mente.
Conforme Nemiah (1961, p.9):
“para um entendimento prático do ser humano, algumas vezes é a
linguagem da psicologia, e outras vezes a linguagem da fisiologia e da
bioquímica que se mostra mais pertinente; e quando temos sorte,
ocasionalmente vislumbramos as inter-relações complexas entre estes
modos de discurso”.
Dessa forma, se nos comportarmos de modo exclusivamente psicologista,
negligenciando a dimensão biológica da experiência ou biologicamente obcecados,
recusando a compreensão psicológica, seremos em ambos os casos, culpados de
reducionismo e visão estreita.
Se pudéssemos conciliar e aliar o extraordinário desenvolvimento da neurociência
e o grande avanço da psicofarmacologia, ao conhecimento que Freud, Bion,
Winnicott e outros tantos pensadores que trouxeram sua contribuição sobre o
mundo mental, aí sim, teríamos um trabalho integrado.
Como já enfatizado por Freud, todo médico que estiver exercendo a medicina
plenamente, estará fazendo psicoterapia, ainda que não saiba ou que não tenha
essa intenção...; do contrário, estará fazendo psico-hiatrogenia, como citou Marco
Antônio Brasil em seus comentários, no XXIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria
(2006).
Podemos tentar ajudar aqueles que nos procuram - a pensar, a adquirir
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autoconhecimento, a se fortalecerem em sua existência, o que inclui a melhoria da
qualidade de vida e a superação dos sintomas, quando isso for possível; quando
não for, sua mitigação e melhor convívio com o sofrimento, parecem boa opção.
É importante para o profissional de saúde uma visão do ser humano do tipo
binocular, com perspectiva reversível, como propõe Bion, apud Fernandes
(FERNANDES, W. J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, B. S. 2003, p.133-134) que nos
permite ver cada parte e ver o todo, dependendo do olhar a cada momento. Da
mesma forma, indivíduo e grupo se confundem e podem se mostrar mais
enfaticamente, conforme nossa visão das partes e do todo. A verdade não é
parcial, mas está na integração e nas diferentes perspectivas possíveis, de
qualquer situação, seja da pessoa doente, seja do ser no mundo.
As abordagens biológicas e químicas são muito importantes para a compreensão
do comportamento humano, mas não podem abranger ou explicar tudo. Para
tentar penetrar na mente de nossos clientes precisamos enveredar pelos caminhos
de suas associações e experiências emocionais, sendo necessário que tal estudo
seja realizado no vínculo conosco, pesquisando os afetos envolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Lemos editorial, 1998, 363p.
BRASIL, M. A. (2006) Psiquiatria: Medicina, Humanismo e Neurociências.
Comentários. Texto editado Psiquiatria Hoje. Ano XXVIII – n.5. 2006, p.21
FERNANDES, W.J. (2001) Medicando Pacientes em Processo Grupanalítico atendendo pessoas. Anais do IV Congresso de Psicanálise das Configurações
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FERNANDES, W. J. (2003) Crescimento mental e modelos no processo grupal. As
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GABBARD, G. O. (1994) Psiquiatria psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed, 2. ed.
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GABBARD, G. O. (2000) Br. J. Psychiatry 2000 Aug; 177: 117-22.
KATZ, G., (2003) A atualidade da psicoterapia de orientação analítica: além da
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Psicoterapia, pré-XXI Congresso Brasileiro de Psiquiatria, Goiânia, out./2003.
NEMIAH, J. (1961) Foundations of Psychopathology. New York: Oxford
University Press, 1961.
ROUDINESCO, E. (1999) Por que a Psicanálise? Jorge Zahar Editor, RJ, 2000,
163p.
Endereço para correspondência:
E-mail: [email protected]
Recebido em: 20/01/2007
Aceito em: 10/03/2007
1
XVII Congresso Latino-Americano FLAPAG; VI Congresso do NESME; VIII
Jornada da SPAGESP - Mesa Redonda: "Diálogos entre Psiquiatria e Psicanálise”.
Santos, Maio/junho 2007.
2
Médico especialista em psiquiatria pela ABP - Associação Brasileira de Psiquiatria,
psicoterapeuta, membro titular e docente do NESME - Núcleo de Estudos em
Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares; e da SPAGESP Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. Membro da
ABRAP - Associação Brasileira de Psicoterapia.
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Vínculo - <B>Reflexões sobre meu trabalho com psiquiatria dinâmica</B>
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http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902007000100007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt (13 of 13)20/04/2009 06:51:13 a.m.
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