Os radicais livres, ou espécies reativas de oxigénio (ERO)

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Adaptação, Lesão e Morte Celulares
Enquanto, por um lado, o oxigénio é importante para a respiração celular e para a nossa
sobrevivência, quando em excesso é considerado uma causa de morte celular, pois verifica-se a
formação de radicais livres que provocam lesões a nível de biomoléculas importantes para a vida.
Os radicais livres de oxigénio, ou espécies reativas de oxigénio (ERO), são produzidas através da
redução do oxigénio molecular. Embora a sua produção seja mínima em organismos com
metabolismo aeróbio, existindo um equilíbrio estável entre a formação de radicais e a sua destruição
por mecanismos antioxidantes, em condições extremas de stress oxidativo, as células são alvo de
graves danos celulares, causando necrose.
1.1 Quais as Várias Origens dos Radicais?
Os radicais livres, ou espécies reativas de oxigénio (ERO), podem ter origem ambiental ou origem
endógena. Em termos ambientais, os radicais podem formar-se devido à ação de radiações
ionizantes, luz ultravioleta, reagentes, poluentes, fumo do tabaco, xenobióticos ou medicamentos.
De origem endógena, as espécies reativas de oxigénio devem-se à resposta imunitária, respiratory
brust1, mitochondrial leak 2e a reações enzimáticas, tais como as reações de auto-oxidação.
Existem dois grandes grupos de radicais livres:
 Radicalares, os quais apresentam eletrões
desemparelhados. Exemplo: radical anião superóxido,
radical hidroxilo, óxido nítrico, entre outros;
 Não radicalares, nos quais um eletrão se
encontra numa orbital de energia superior. Exemplo:
peróxido de hidrogénio e dioxigénio singleto.
Na formação destas espécies de oxigénio (radicalares ou
não radicalares), existem várias reações que estão
intimamente implicadas: reação de dismutação (dois
aniões superóxido formam peróxido de hidrogénio),
reação de Fenton (na qual participam metais de
transição, como o ferro e o cobre), reação de HaberWeiss (na qual o peróxido de hidrogénio reage com o anião superóxido e forma um radical livre
hidroxilo, que tem um tempo de vida muito curto e vai reagir com outras moléculas quase
imediatamente) e a reação do ião peroxinitrito, que tem como base a reação com óxido de nitrito.
Ilustração 1 - Radicais livres.
1
Respiratory brust corresponde à rápida libertação de espécies reativas de oxigénio (superóxido e peróxido de hidrogénio)
por diferentes tipos de células. Verifica-se quando os neutrófilos e monócitos fagocitam bactérias.
2 Mitochondrial leak corresponde à lesão mitocondrial e que está relacionada com a morte celular por via da apoptose,
mediada pela saída de citocromo C para o meio citoplasmático.
1
Ilustração 2 - Reações implicadas na formação de radicais livres.
1.2 Que Mecanismos Antioxidantes São Responsáveis Pela Destruição de
Radicais?
Os mecanismos podem ser:
 Enzimáticos, como a superóxido dismutase, catalase, etc.;
 Não enzimáticos, como por exemplo as vitaminas E e C, flavenóides, NADH, entre outros.
Alguns alimentos são muito bons para a saúde porque têm antioxidantes, como o caso do ananás e
da papaia. Estes têm na sua constituição uma enzima, a papaína, que auxilia a digestão das proteínas.
A maçã é outra fruta rica em poder antioxidante. Outro exemplo é o vinho tinto, que apresenta
flavenóides (substância antioxidante presente nas uvas e outros frutos) e que são fundamentais para
reduzir a carga oxidante no organismo. Um estudo realizado por cientistas franceses provou que
pessoas que bebem um copo de vinho às refeições têm menor incidência de doenças
cardiovasculares – mas o mesmo não se verifica quando se bebe muito, pois devido ao efeito do
etanol, o risco de doenças cardiovasculares e cirrose hepática aumenta (curva em J).
Porém, na maioria dos estudos, em que é dado a indivíduos saudáveis alimentos ricos em
antioxidantes, tem-se verificado que o consumo de antioxidantes não tem benefícios na prática
clínica.
Quando as defesas antioxidantes do organismo estão
diminuídas ou há uma produção excessiva das espécies
reativas de oxigénio, ocorre a lesão celular e doença. A
relação entre as substâncias pró-oxidantes e
antioxidantes funciona como uma balança de dois pratos
em equilíbrio. Na doença, há um desequilíbrio em favor
das substâncias pró-oxidantes (sobrecarga oxidante).
Há algumas décadas atrás, o cientista Job McCord
descobriu a importância de uma enzima que tem um
centro ativo que dismuta o superóxido (radical anião que
origina oxigénio e lesa o eritrócito, sendo extremamente
Ilustração 3 - Compromisso entre a defesa reativo). Deu-lhe o nome de superoxido dismutase
antioxidante e a produção de espécies reativas
(SOD). Porém, esta é uma enzima de difícil isolamento e,
de oxigénio.
como tal, extremamente cara.
1.3 Mecanismos Patogénicos
Existem vários mecanismos patogénicos que podem estimular a morte celular:
1. Inflamatórios – Doença de Crone ou Artrite Reumatóide;
2
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Imunológicos – Lúpus e outras doenças autoimunes;
Genéticos – doenças como a Trissomia 21;
Agentes físicos;
Bioquímicos – fenilcetonúria (alteração do metabolismo da fenilalanina);
Nutricionais, como o excesso ou carência de alimentos;
Radicalares;
Hipóxicos – falta de oxigénio, podendo provocar isquemia (necrose celular).
Por exemplo, se se verificar uma alteração
química no metabolismo normal da célula, pode
levar à formação de inflamação. Os neutrófilos
serão responsáveis pela identificação e retenção
de determinados corpos estranhos, ou
organismos que quer destruir, em vesículas
fagocíticas, ou fagossoma, no qual liberta
enzimas hidrolíticas e espécies reativas de
oxigénio. Ora, se a fagocitose for ineficaz,
verifica-se a libertação de EROs para o meio
exterior e consequente lesão dos tecidos perto
Ilustração 4 - Mecanismos que levam à morte celular.
do neutrófilo.
Este exemplo retrata o que é comum acontecer
em indivíduos que estão diariamente em contacto com grandes quantidades de sílica (minas),
cimento e outras substâncias de pequeno calibre que se alojam nos alvéolos e bronquíolos. Como os
neutrófilos não têm capacidade para destruir o corpo estranho, verifica-se a lesão das células por
libertação de EROs para meio. Verifica-se uma grande distribuição do tecido fibroso.
1.4 O que é a Lipoperoxidação?
A degradação dos lípidos por espécies
reativas de oxigénio ocorre devido a um
processo chamado lipoperoxidação. Os
lípidos da membrana celular podem ser
oxidados, tal como lípidos quando estão
ao ar. Se se fizer reagir oxigénio com
determinados tipos de lípidos, formamse radicais de oxigénio desses mesmos
lípidos que iniciam reações em cadeia
com outros lípidos próximos. A este
processo
dá-se
o
nome
de
lipoperoxidação.
Para que este processo ocorra, é
necessário que o oxigénio reaja com
metais de transição, como o ferro ou o
cobre, que existem em pequena
Ilustração 5 - Lipoperoxidação.
concentração dentro e fora da célula. As
espécies reativas de oxigénio são geradas
3
por sistemas catalisados por
metais, através das reações de
Fenton e de Haber-Weiss.3
Nas membranas celulares, embora
se dê a lipoperoxidação, também
se verifica oxidação das proteínas.
Se uma membrana de uma célula
for atacada, tanto os seus
fosfolípidos são lesados, como as
suas proteínas. As bombas de
potássio e sódio, responsáveis pela
entrada e saída de substâncias,
podem levar a uma série de
reações lesivas devido à oxidação
excessiva da membrana.
Ilustração 6 - Efeitos da oxidação excessiva da membrana.
1.5 Sistemas de Proteção
Como já foi dito anteriormente, a célula apresenta vários tipos de reparação a lesões provocadas
por espécies reativas de oxigénio, radicais livres e espécies reativas de azoto:
 Reparação direta;
 Reparação indireta;
 Resposta adaptativa – verifica-se um aumento da expressão de determinadas enzimas
antioxidantes. Embora a célula não consiga controlar a quantidade de vitamina E, consegue
controlar a quantidade da enzima superóxido dismutase.
Quando nenhuma destas opções
resulta, então a célula está
preparada para deixar de se
multiplicar, de modo a que haja
uma reparação adequada por
fatores internos ou externos
(paragem
transitória
da
proliferação). Se não houver uma
reparação adequada, as células
morrem ou por apoptose, ou por
necrose. A necrose verifica-se
quando se verifica uma lesão
Ilustração 7 - Mecanismos de reparação de lesões.
oxidativa extremamente intensa e
as membranas celulares ficam comprometidas, havendo lise (não há capacidade de correção). Na
apoptose, a célula entra em morte celular programada, verificando-se a ativação de determinados
mediadores, como por exemplo as caspases.
3
O Professor falou muito por alto das reações, pelo que não deve ser necessário ter um conhecimento aprofundado do
tema.
4
Num estudo de Kelvin Davies, em que se cultivou fibroblastos com concentrações de peróxido de
hidrogénio específicas, este verificou que, para pequenas concentrações (entre 3 e 15 µM), as células
tendem a proliferar. Porém, à medida que se aumenta a concentração, há paragem de proliferação
com mecanismos de adaptação reversíveis (120 a 150 µM), seguida de senescência (entre 250 e 400
µM), apoptose (0,5 a 1,0 mM) e, por fim, necrose (entre 5 e 10 mM). Dependendo do estímulo de
agressão, a célula irá apresentar diferentes vias de morte celular – um menor estímulo implica
apoptose; maior estímulo leva à necrose.
1.6 Isquemia de Reperfusão
Um doente tem obstrução de uma artéria coronária, havendo apenas circulação lateral, e verifica-se
uma diminuição significativa de nutrientes e oxigénio numa parte do seu coração, apresentando
isquemia. O doente chega ao hospital a tempo e, a pedido do médico, realiza exames
complementares de diagnóstico para confirmar a hipótese. Um dos marcadores que se usa é a
creatina quinase, uma enzima que se encontra no músculo cardíaco e, quando se verifica morte
celular das células cardíacas, esta entra em circulação e pode ser quantificada.
Após os exames, verificou-se que a concentração da creatina quinase na corrente sanguínea estava a
aumentar, ou seja, o doente estava a ter um enfarte. Deste modo, o médico leva o paciente para a
sala de cateterismo e faz-lhe uma incisão na veia femoral, de modo a tentar desobstruir a coronária
que estava obstruída. O médico consegue retirar o coágulo (tronco) com sucesso, recolhe o fio e faz
novamente as análises que quantificam a creatina quinase. Embora fosse de esperar que o doente
ficasse melhor, há um agravamento da situação numa fase inicial (isquemia de reperfusão).
Mas a que se deve este agravamento?
Ilustração 8
Ilustração 9 - Isquemia de reperfusão.
O agravamento inicial do estado do doente está
intimamente ligado às espécies reativas de
oxigénio.
Em condições normais, a xantina desidrogenase é
responsável pela passagem de hipoxantina a
xantina e, ainda, a sua degradação. Nesta reação
enzimática, o aceitador de eletrões é o NAD+,
formando-se NADH, o qual não é tóxico.
Durante a isquemia, o aumento do cálcio no
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citoplasma e a diminuição de ATP e de oxigénio leva à ativação de proteases e, consequentemente,
os níveis de xantina e hipoxantina vão aumentar. Para repor os níveis de xantina e hipoxantina, a
célula vai produzir xantina desidrogenase. Porém, como há muito produto e muita enzima, a xantina
desidrogenase vai passar os eletrões não ao NAD+, mas ao oxigénio, formando-se xantina oxidase.
Ora, quando o oxigénio recebe um eletrão, este dá origem ao anião superóxido, responsável pelo
aumento da inflamação no tecido vascularizado.
Além disso, a lesão vai estimular o aparecimento de fagócitos que, por não conseguir reter as
substâncias químicas nos fagossomas, irão ser responsáveis pela libertação de enzimas e de espécies
reativas de oxigénio, havendo mais lesão tecidular.
Ao mesmo tempo, a alteração a nível do metabolismo o ácido araquidónico irá implicar uma
alteração na diferença de potencial transmembranar da mitocôndria, verificando-se a formação de
espécies reativas de hidrogénio. Por outras palavras, mais lesão na zona.
Por fim, a reação de Haber-Weiss está intimamente ligada à transformação do anião superóxido num
radical livre hidroxilo, que é extremamente reativo. Este radical irá lesionar a zona na qual se dá a
isquemia, contribuindo para a morte das células do músculo cardíaco.
Nota: O ferro tecidular, que é transportado pela transferina e está presente na hemoglobina e
mioglobina, provoca hemocromatose, a qual está por detrás da cirrose hepática, perda de função
cardíaca, diabetes (lesões a nível do pâncreas) e no tom bronzeado/acastanhado que a pele adquire.
O excesso de cobre no organismo também pode levar a lesões em vários órgãos. Qualquer uma
destas substâncias pode participar na reação de Haber-Weiss.
Ilustração 10 - Reação de Haber-Weiss.
Em conclusão, ao fazer a desobstrução do vaso, o médico fez com que chegasse muito oxigénio à
zona lesada e, como tal, houve formação de uma grande quantidade de espécies reativas de
oxigénio, lesando ainda mais a zona.
Que alternativas tem?
1. O médico inibe a xantina oxidase, utilizando alopurinol;
2. O médico dá ao doente antioxidantes, que vão tratar de reduzir a quantidade de espécies
reativas de oxigénio na zona lesada.
1.7 Artrite Reumatóide
A artrite reumatóide é uma doença inflamatória crónica autoimune na qual intervêm espécies
radioativas de oxigénio. Esta doença é caracterizada por afetar várias articulações, é destrutiva e tem
início na 4ª ou 5ª década de vida. A sua etiopatogenia é desconhecida, embora se pense que há
fatores genéticos, fatores imunológicos e fatores radicalares. O que se sabe é que os neutrófilos são
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ativados, produzindo superóxido dismutase contra a ação dos EROs, e é libertado peróxido de
hidrogénio, o qual lesa determinadas estruturas da
cartilagem.
No sentido de reduzir a atividade dos neutrófilos
junto às cartilagens, atualmente desenvolvem-se
anticorpos
monoclonais
contra
medidores
inflamatórios ou recetores membranares. Como os
neutrófilos necessitam de um recetor nos vasos
para passar dos tecidos para a circulação, ao criar
um anticorpo monoclonal contra este recetor, os
primeiros já não conseguem entrar em circulação,
não havendo inflamação.
Os principais indicadores de sobrecarga oxidante
Ilustração 11
na artrite reumatóride são:
 Produtos da lipoperoxidação no líquido sinovial, no plasma e no ar expirado;
 Produtos de degradação do ácido hialurónico no líquido sinovial;
 IgG alteradas no líquido sinovial e no plasma;
 Ferro “catalítico” no líquido sinovial (ferro que entra nas reações de Fentor e de HaberWeiss);
 Diminuição da relação ácido ascórbico/ácido desidroascórbico no líquido sinovial e no
plasma (o ácido ascórbico é um potencial regenerador antioxidante da vitamina E,
importante na inibição de processos como a lipoperoxidação);
 Maior aumento da concentração plasmática de ácido 2,3-di-hidrobenzóico após
administração de ácido acetilsalicílico.
1.8 Sobrecarga Oxidante na Aterogénese
A aterogénese é uma doença na qual se verifica a formação de placas de ateroma, em consequência
da oxidação das lipoproteínas.
As lipoproteínas de baixa densidade, ou LDL (low density lipoproteins), e de alta densidade, ou HDL
(high density lipoproteins), são responsáveis pelo transporte do colesterol. Quanto maior a
quantidade de LDL no plasma, maior a quantidade de colesterol presente nos vasos sanguíneos.
Enquanto as LDL são responsáveis pelo transporte de gorduras do fígado para a periferia, as HDL têm
como função trazer as gorduras da
periferia para o fígado.
As LDL, quando oxidadas, podem
provocar lesões a nível do endotélio dos
vasos,
aumentando
a
resposta
inflamatória. As LDL são também
responsáveis por induzir a formação de
óxido nítrico por parte das células
epiteliais.
Verifica-se,
então,
a
Ilustração 12 - Efeito de LDL oxidadas.
acumulação das LDL oxidadas e células
macrofágicas nas paredes da artéria,
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favorecendo a ocorrência de placas de arteroma. Por fim, pode-se dar a congestão dos vasos e, em
caso extremos, enfarte.
O retículo endoplasmático das células do fígado desempenha um papel fundamental na aterogénese.
No fígado, além de lípidos, a produção de proteínas é essencial e o trabalho do retículo
endoplasmático é enviar para o exterior as LDL. Ora, se ocorre uma lesão a nível do retículo
endoplasmático devido, por exemplo, à formação de resíduos tóxicos, a síntese de proteínas diminui.
Como não há formação de proteínas, as células não conseguem produzir LDL e ficam repletas de
gordura. Este é o caso do fígado gordo, o qual perdeu capacidade de produzir LDL.
Ainda para mais, o retículo endoplasmático é rico em cálcio. Tomando o exemplo anterior, com o
retículo endoplasmático lesionado, o cálcio é libertado para o citoplasma, provocando a degradação
de enzimas e a ativação de proteases, fosfolipases e lipases. A ação conjunta do aumento de cálcio
no meio citoplasmático e a diminuição da quantidade de ATP levam ao funcionamento anormal dos
transportadores transmembranares. Consequentemente, a célula morre.
1.9 Toxicidade do Tetracloreto de Carbono
O tetracloreto de carbono é uma substância que está presente nos detergentes.
Uma pessoa que lide com grandes
quantidades de detergente vai absorver
o tetracloreto de carbono, o qual a nível
hepático vai formar uma espécie reativa
que induz a formação de espécies
reativas de oxigénio. Os radicais livres
irão ser responsáveis por provocar
lipoperoxidação nos lípidos das células
do fígado. Dá-se a oxidação das
membranas celulares e a formação de
lesões no retículo endoplasmático,
inibindo-se
a
síntese
proteica.
Consequentemente, os níveis de cálcio
no interior da célula aumentam e a
Ilustração 13 - Ação do tetracloreto de carbono.
célula morre.
Apenas uma nota para o facto das enzimas que degradam o tetracloreto de carbono serem as
mesmas que degradam o álcool e, como tal, a ingestão de bebidas alcoólicas, seguida de inalação de
detergentes (limpezas), pode provocar lesão e oxidação de células hepáticas, culminando em
alterações na coagulação do sangue, olhos amarelos e estado de consciência alterado.
1.10 Toxicidade do Oxigénio
O oxigénio, tal como já foi referido, é benéfico para a saúde mas, em grandes quantidades, é tóxico.
Consequentemente, a toxicidade do oxigénio está comumente relacionada com as patologias:
retinopatia dos prematuros, lesão alveolar difusa, displasia bronco-pulmonar, neurotoxicidade, entre
outras.
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Ilustração 14
No caso de um recém-nascido prematuro, como não tem maturação adequada do sistema
respiratório, a ventilação artificial tem de ser efetuada com elevadas concentrações de oxigénio. No
entanto, se essa concentração não for a ideal, esse oxigénio pode provocar lesões a nível pulmonar
(displasia bronco-pulmonar), a nível cerebral (neurotoxicidade) e a nível dos olhos (retinopatia).
A lesão alveolar difusa está relacionada com a inalação excessiva de fumos, levando à destruição das
células que revestem os alvéolos. Esta destruição é seguida de inflamação, a qual apresenta uma fase
excedativa em que, devido à lesão, as
proteínas tendem a passar para fora dos
vasos, formando um estrato.
Qual a diferença entre exsudado e
transudado?
Exsudado – líquido orgânico de natureza
inflamatória, rico em albumina, formado
pela passagem de soro através das
paredes vasculares para os tecidos
vizinhos.
Por
outras
palavras,
modificação da permeabilidade dos vasos sanguíneos permite que as proteínas passem para o
exterior, aumentando a pressão oncótica. Esse aumento faz com que a água passe para os tecidos
vizinhos, verificando-se a formação de um edema rico em proteínas. Por exemplo, por cima de um
esfolão, forma-se sempre uma película rica em proteínas, o exsudado.
Transudado – líquido orgânico de origem plasmática acumulado por transudação numa cavidade
serosa ou nos espaços intersticiais onde não se encontra habitualmente presente. O transudado
distingue-se do exsudado pelo seu fraco teor de albumina. Por exemplo, em pessoas idosas com má
circulação periférica e obesas, as pernas ficam edemaciadas no final do dia devido ao facto de haver
um baixo retorno do sangue ao coração. Como tal, verifica-se a acumulação do sangue na
extremidade inferior dos membros, fazendo com que haja um aumento da pressão hidrostática nos
vasos. Esse aumento de pressão faz com que a água saia para fora dos vasos, embora a
permeabilidade se mantenha (não se verifica uma maior saída de proteínas). Se uma pessoa tocar e
carregar, vai ser possível remover a água do local, formando-se uma depressão que se chama sinal
de Godet.
Ilustração 15 - Lesão alveolar.
9
1.11 Doenças Associadas à Sobrecarga Oxidante
As doenças associadas ao stress oxidativo são:
1. Aterosclerose;
2. Cancro;
3. Artrite reumatóide;
4. SIDA;
5. Doença hepática alcoólica;
6. Catarata;
7. Diabetes;
8. Hemocromatose;
9. Anemias hemolíticas;
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
Doença de Parkinson;
Doença de Alzheimer;
Esclerose lateral amiotrófica;
Toxicidade do oxigénio;
Fototoxicidade;
Isquemia de reperfusão;
Choque;
Queimadura intensa.
1.12 Estratégias Preventivas e Terapêuticas
No interior do organismo, existem
sistemas de defesa antioxidante,
tais como a captação de radicais,
sequestração de metais de
transição e reparação das
estruturas lesadas. A cooperação
entre antioxidantes aumenta a
eficiência na captura de radicais
livres. Por exemplo, o tocoferol
(vitamina E) é um importante
antioxidante pois impede a
peroxidação lipídica. A vitamina T
(ácido ascórbico), embora não
seja um antioxidante que reage
diretamente com EROs, vai
regenerar a vitamina E, permitindo que esta capture mais espécies reativas de oxigénio.
Como estratégias preventivas pode-se nomear o aumento da capacidade antioxidante, a
inibição da produção de radicais livres, a captação de radicais livres e a estimulação da
capacidade de reparação.
Ilustração 16 - Estratégias preventivas e terapêuticas.
1.13 Análise do Artigo Programmed Cell Death and Cancer, por Y. Sun &
Z-L. Peng
Os objetivos da morte celular, que apresenta duas vias distintas (cancro e morte celular
programada), são os seguintes:
 Regulação do desenvolvimento;
 Eliminação de células lesadas;
 Preservação da homeostasia dos tecidos.
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É facilmente compreensível que, no caso dos mecanismos de morte celular estarem inibidos,
as células ganham um potencial de transformação e a probabilidade de se transformarem em
cancros é maior. Por exemplo, se a apoptose se encontra inibida, então existe uma maior
probabilidade de cancro ou de autofagia.
Os vários tipos de morte celular programada (apoptose, autofagia e necrose) são influenciados
por aspetos morfológicos e seguem determinados mecanismos moleculares. Sabe-se, por
exemplo, que no caso da apoptose, as células têm alterações bioquímicas com ativação de
determinadas proteases (caspases) e com a fragmentação do DNA (descrita como
internucleosoma). Na prática, isto traduz-se na diminuição do tamanho das células, as quais
ganham bolhas periféricas e o núcleo fica fragmentado. No caso da necrose, habitualmente
causada por estímulos agressores mais violentos, as células ficam edemaciadas, o núcleo
apresenta-se muito condensado e pequeno e as membranas lisam, com saída do conteúdo
citoplasmático para o exterior.
1.13.1 Apoptose
Existem duas vias principais de apoptose:
 Extrínseca, na qual se verifica a estimulação de um recetor membranar, o PAS, que
ativa a enzima caspase 8 (caspase iniciadora). Esta, por sua vez, ativa a caspase 3 (próenzima) e ambas desencadeiam todo um conjunto de processos de ativação de outras
caspases, culminando na fragmentação do DNA e na morte celular. O fator TNF atua
ao nível desta via;
 Intrínseca, a qual se inicia a nível das mitocôndrias, com uma alteração do potencial
membranar e com a libertação de citocromo C, o qual ativa a caspase 9. O citocromo C
vai ainda mediar a formação do apoptossoma, libertando-se caspases ativadas e
induzindo a apoptose.
Ambas as vias estão interligadas pelo fator DIG que, quando ativado, pode estabelece a ligação
entre ambas, potenciando o sinal de morte celular. Dependendo da localização do estímulo
que leva a morte celular por apoptose, quer seja um estímulo mitocondrial, quer seja externo
à célula, vamos ter um predomínio da via intrínseca ou extrínseca, respetivamente.
Um dos grandes reguladores da apoptose são as famílias Bac (promotor da apoptose) e Bcl
(inibidor), que são os medidores que ativam ou regulam este mecanismo. Ao passo que o Bcl
inibe a apoptose bloqueando a libertação do citocromo C (o sinal que a mitocôndrica envia
para o citoplasma é inibido), o Bac é responsável pela estimulação da libertação de citocromo
C para o meio citoplasmático. O possível controlo destes mediadores é de extrema
importância no futuro para controlar a transformação neoplásica das células.
No estudo da apoptose, é possível quantificar e identificar cada um dos intervenientes por
vários métodos, como por exemplo a técnica de Western Blotting (técnica que usa anticorpos
monoclonais para identificar/quantificar as proteínas). Neste caso, pode-se criar vários
anticorpos monoclonais contra as várias caspases presentes na célula e determinar, assim,
quais as que são ativadas ou não. Pode-se ainda aplicar esta técnica ao citocromo C para
confirmar a formação de um estímulo pro-apoptítico (inibição do Bcl ou ativação de uma
determinada caspase) dentro da mitocôndria, iniciando-se assim o mecanismo de apoptose.
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Por fim, durante a apoptose, há também um rearranjo dos fosfolípidos ao nível da membrana,
facilmente quantificado pela expressão de determinados fosfolípidos na face externa da
membrana.
1.13.2 Autofagia
Outro processo de morte celular programada referida no artigo é a autofagia, que se trata de
um mecanismo celular que tem como principal objetivo reutilizar proteínas e energia em
situações de stress. Numa situação em que haja privação de nutrientes, a célula vai criar
vacúolos (autofagossomas) com duas membranas em redor de proteínas ou organelos. Aos
vacúolos vão depois ligar-se as lisossomas, repletas de proteases, e vai haver degradação das
proteínas em aminoácidos, os quais podem ser utilizados para manter a viabilidade celular.
Portanto, a uma primeira vista, a autofagia acaba por ser um mecanismo homeostático que
tem como objetivo final a preservação da viabilidade da célula.
No caso de uma metástase, esta vai necessitar de nutrientes até formar vasos no local em que
se encontra. Enquanto isso não ocorre, as células fazem autofagia para se manterem viáveis.
Se o médico conseguir inibir essa autofagia, as células da metástase tornam-se mais sensíveis,
o que pode levar a um abrandamento do seu crescimento. Por outro lado, se o médico
conseguir ativar a autofagia num tumor primário, este irá conseguir destruir as células
neoplásicas.
No estudo da autofagia, normalmente marca-se uma proteína alvo que participa na formação
dos vacúolos (o marcador da formação pode ser o ATG 84 ou o CC3).
1.13.3 Terapêutica Fotodinâmica
Por fim, de salientar que as três vias de morte celular estão interligadas entre si.
A importância clínica do estudo destes processos é usada, por exemplo, em dermatologia
(terapêutica fotodinâmica). Este método baseia-se na aplicação de uma substância que é
captada ativamente (e exclusivamente) pelas células neoplásicas e que, quando irradiada pela
luz vermelha, leva à
formação de oxigénio
singleto (espécie reativa,
não radicalar), que as
destrói.
A
energia
fornecida ao oxigénio
provém da desexitação
dos átomos irradiados.
Novas
abordagens
terapêuticas passam pela
descoberta de novas
moléculas com potencial
citotóxico.
4
Ilustração 17 - Formação de oxigénio singleto.
Para mais informações: http://en.wikipedia.org/wiki/ATG8;
12
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