1 Neoplasia 1.1 Estatísticas Importantes e Fatores Cada caso é único, tem uma individualidade própria num hospedeiro, não é certo associar comportamentos clínicos a diferentes diagnósticos. Cada vez mais se sabe que a forma como o cancro evolui depende muito da forma como este consegue interagir com o hospedeiro. Estatisticamente, o cancro aumentou em muito a sua incidência na população mundial, Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Portugal, etc. Tal deve-se a dois principais motivos, o envelhecimento da população, pois esta incidência é mais frequente na terceira idade, tendo vindo a aumentar acima dos 65 anos e abaixo dos 75 anos; e o padrão de vida da população ocidental. Para os cancros mais frequentes em Portugal, cancro do cólon, cancro da mama e cancro da próstata, não há um agente causal comum. À parte disto, o cancro do pulmão, também entre os cancros mais frequentes, tem uma grande ocorrência devido ao consumo do tabaco. Um fator que se sabe estar muito relacionado, e para o qual não há uma explicação bioquímica, é o índice de massa corporal e, consequentemente, a alimentação e o exercício físico. Mesmo assim, alguém com alto grau de suscetibilidade ao cancro, por ocorrência na família, pode ter os melhores hábitos de vida que estará condenado a uma grande probabilidade de expressar cancro. A mortalidade relativa por cancro diminuiu, sobretudo no cancro da mama. No caso do cancro do pulmão a taxa diminuiu nos EUA, mas não em Portugal, devido às medidas preventivas quanto ao consumo de tabaco. Neste caso, há uma relação direta com o consumo do tabaco, e tal redução influenciaria em cerca de 25% a taxa de mortalidade do cancro, por não influenciar apenas o cancro do pulmão. A taxa de mortalidade do cancro da mama tem vindo a diminuir nas duas últimas décadas por dois motivos principais, os diagnósticos ocorrem mais cedo e há um melhor tratamento e cada vez mais cedo, o chamado tratamento adjuvante. Em Portugal, por ano, morrem 1500 mulheres de cancro da mama. Ilustração 1 - Taxas de mortalidade causadas por cancro nos últimos 50 anos. 1 1.1.1 Causa de Morte e Mortalidade Há uma distinção que tem de ser feita entre a principal causa de morte e principal causa de mortalidade. Hoje em dia há cancros que são menos frequentes mas são altamente mortais. Por exemplo, 13% dos casos de cancro nas mulheres são casos de cancro do pulmão em contraste com os 32% de casos de cancro da mama. Contudo, 23% de mulheres morrem devido ao cancro do pulmão, pelo facto de há alguns anos as mulheres verem o consumo de tabaco como um ato de emancipação, em contraste com um valor mais baixo de mortes por cancro da mama. Tal também se deve há possibilidade de detetar um cancro da mama mais cedo que o cancro do pulmão, pelo que, num mesmo estadio, é mais fácil curar um cancro da mama que um cancro do pulmão. Aplicando o mesmo conceito, mas agora relativamente aos homens, através da comparação com dados estatísticos do cancro da próstata com o cancro do pulmão, verifica-se que o primeiro tem uma maior incidência no sexo masculino, mas o segundo apresenta uma maior taxa de mortalidade. Hoje em dia, o cancro da próstata é a segunda causa de morte nos homens. Ilustração 2 - Exposição de estimativas de causas de morte e causas de mortalidade. 1.1.2 Evidence Basic Medicine Temos um espectro variado de decisões que se os médicos tomam diariamente. Para tal é necessária experiência e estudos clínicos a suportá-las. Em oncologia, tais decisões denominam-se por Evidence Basic Medicine (EBM), ou seja, a medicina baseada em evidências, tendo como objetivo aplicar as melhores provas disponíveis, a partir do método científico, para assim se tomar uma decisão clínica. Procura-se avaliar a força da evidência dos riscos e benefícios dos tratamentos (incluindo a falta de tratamento) e testes de diagnóstico. Desta forma, a descoberta de um produto que é adequado e correto para um tratamento leva 5 a 10 anos a estar disponível no mercado. Anos de investigação, milhares de doentes analisados, procurar fatores secundários raros que possam influenciar são passos obrigatórios a toda a comercialização dos medicamentos. 2 1.2 Neoplasia, Tumor e Cancro 1.2.1 Definições Neoplasia é o crescimento ou proliferação anormal de um conjunto de células, tanto maligno como benigno. A neoplasia é algo palpável, visível em imagem. Há uma distinção entre tumor maligno e benigno, e quando se faz referência a cancro é porque se trata de um tumor maligno. A fronteira entre um tumor maligno e um benigno é a sua potencialidade de produzir metástases. Os tumores benignos não têm invasão de agentes circundantes em contraste com os malignos, levando a que um tumor maligno metastize. Um doente quando morre por cancro é devido à formação das metástases. Os tumores malignos têm características como a autonomia, tal como os benignos, e a indiferenciação, ou seja, os graus e as classificações que os distinguem que dizem respeito à relação fenotípica que há com a célula de origem. Estes graus relacionam-se com o distanciamento progressivo da sua indiferenciação. Os tumores têm origem em células, os cancros têm em apenas uma célula. 1.2.2 Crescimento e Desenvolvimento O crescimento de um tumor também é variável, podendo ser muito lento, por exemplo, um doente com cancro no pâncreas neuroendócrino bem diferenciado consegue sobreviver durante 5 anos ou mais. Os tumores benignos têm um crescimento mais lento que os malignos, tendo, habitualmente, limites bem definidos, contudo os últimos têm uma fase de crescimento igualmente lenta. Mas nem sempre é assim, os tumores têm uma taxa de crescimento elevada também pelo facto da reparação celular e o crescimento celular dos indivíduos. Por exemplo, se um doente tiver uma úlcera no estômago, as células adjacentes crescem e proliferam de forma a constituir o epitélio gasto. Assim que este está restaurado, o crescimento é suspenso através da comunicação entre células. Tal processo não acontece no cancro, pois as células cancerosas têm uma lógica interna diferente dos restantes tecidos. Por exemplo, a proliferação cancerígena num ducto da mama apenas causa a morte da mulher quando não é retirado o tumor, não é tratado, ocorrendo a invasão. A proliferação vai então preencher o ducto, mas a membrana basal circundante está intacta, chamada lesão prémaligna. Desta forma, não coloca a doente em risco para morrer, somente se não for detetada nem removida e se evoluir para um evasivo. A partir do momento que atravessa a membrana basal, passa a ser capaz de fazer invasão por via vascular ou linfática, podendo mesmo assim ser curável, apesar do elevado risco de metastização. Não é possível a identificação de um conjunto de genes que evite o desenvolvimento de metástases. Um tumor até metastizar passa por muitos passos como sair do órgão em que foi originado, entrar em circulação, sobreviver ao sistema imunitário e ao stress imunodinâmico, do próprio fluxo sanguíneo, selecionar um órgão para crescer. Este último passo é importante. Por exemplo, 70% dos cancros da mama, 80% dos cancros da próstata e 5-10% dos cancros do cólon, quando metastizam, dão origem a metástases ósseas. Um cancro do pulmão metastiza frequentemente na supra-renal. Esta diferença não está relacionada com a circulação. As células têm moléculas de adesão que reconhecem endotélios determinados, sendo capazes de interagir com as células desse órgão, constituindo a sua nova população tumoral. 3 Mais uma vez, os casos dependem de muitos fatores, da deteção rápida, da eficiência do tratamento logo após à cirurgia, e toda a investigação é em torno de curvas que devolvem o grau de sobrevivência, de um determinado do estádio e fase. A doente acima referida irá viver os próximos anos sem saber se tem uma probabilidade de sobrevivência entre os 30 e os 70%. Não há qualquer exame a fazer para saber em que percentagem de sobrevivência se encontra. Imaginando uma doente com tumor com 5mm, com microinvasão, sem invasão dos gânglios linfáticos, de grau I, tem 98% de sobrevivência. Em contraste, se for uma senhora com tumor de 2mm, com invasão nos gânglios e o tumor no estado III, já tem uma taxa de sobrevivência de 50 a 60%. Outro parâmetro a salientar no cancro, que não existe entre mais nenhuma doença, é o paralelismo com o desenvolvimento embrionário. Como é sabido, surgimos de uma única célula e 9 meses depois é nos permitido ter cerca de 2.800 a 3 kg de células, que migraram e foram pluripotenciadas para constituir órgãos. A célula adulta que está no estômago tem os mesmos genes da primeira célula que nos deu origem, mas não se comporta como uma tentativa de formar um outro ser. Os genes estão presentes mas diferenciados, a chamada expressão genómica. Já uma célula cancerosa vai então crescer ao seu ritmo e comportar-se com uma lógica diferente, criando os seus próprios órgãos que são as metástases. Todos os tecidos em que esteja presente DNA podem originar cancro, mas os tecidos mais suscetíveis são os que mais necessitam de renovação celular, pois se um tecido necessita de frequentes episódio de renovação, há uma maior probabilidade de ocorrerem sequências de erros e assim despontar numa célula neoplásica. Além deste processo de replicação, há ainda um conjunto de agentes que podem provocar estes erros. É por isto que os cancros são mais frequentes no tubo digestivo e menos frequentes no tecido muscular. 1.2.3 Classificações Os carcinomas e os adenomas são os tumores malignos e os tumores benignos que nascem no tecido epitelial, respetivamente. Os sarcomas são os tumores malignos que nascem no tecido conjuntivo e os fibromas são os tumores benignos que nascem no mesmo local. Os tumores líquidos são os tumores nas células hematopoiéticas, como linfomas e leucemias. Estes tumores também se distinguem em tumores benignos e malignos. Por exemplo, um limpoma é um tumor benigno e um limposarcoma um tumor maligno. Os carcinomas são as neoplasias mais frequentes e dividem-se segundo o tipo de tecido onde são originados e que reveste o órgão. Um doente que tem cancro que nasceu no epitélio brônquico é designado por tumor pavimentocelular, se por outro lado nasceu numa unidade brônquica distal é um adenocarcinoma (origem no epitélio glandular). Estas distinções de nomenclaturas são importantes pois, ao se saber, por exemplo, que se trata de um pavimentocelular sabe-se que é quase sempre devido ao consumo do tabaco, se for no pulmão. O que antes se achava ser um preciosismo de classificações, atualmente sabe-se que a classificação histológica de um tumor está intimamente relacionada com o conjunto de características moleculares, que se transmite na informação do grau de agressividade do tumor. Por exemplo, ao se considerar um carcinoma da bexiga, sabe-se que, habitualmente, 4 também é um pavimentocelular. Contudo há carcinomas na bexiga que podem ter um padrão diferente das células de transição, sabendo que os últimos são ainda mais agressivos. Mas neste caso concreto não há ainda a explicação molecular para o efeito na bexiga. Como ocorre o cancro? Como é que a célula vai do normal para o radicalmente anormal? Num exemplo comum de fumadores, se o doente se queixa com tosse e tem queixas persistente, ao fazer uma broncoscopia, é permitido perceber a existência ou não de cancro e as alterações pré malignas já existentes e, se as causas persistirem, vão evoluir para carcinoma. Assim, pode-se afirmar que as células já sofrem de displasia tendo alterações na sua morfologia, ou já se trata de um carcinoma in situ, sem potencial metastático, sendo o passo seguinte desenvolver-se num carcinoma invasivo, Ilustração 3 - Diferenças entre o funcionamento normal da célula e cancro in situ, invasivo e metastático. com potencial metastático. Este último passo torna o cancro mortal e, quando uma pessoa é fumadora, provoca alterações químicas e biológicas que desencadeiam mutações aumentando muito a probabilidade de contrair cancro. A partir do momento que o tumor se instala no hospedeiro e sobrevive torna-se geneticamente independente, precisando do hospedeiro para ter nutrientes. 1.2.4 Causas A maior parte dos cancros são devidos a causas exógenas. Apenas 8% dos casos de cancro dizem respeito a pessoas que sofreram alterações genéticas e têm um altíssimo risco para ter cancro. A maior parte dos cancros são doenças genéticas adquiridas. O potencial das células adultas se tornarem em células neoplásticas está presente em todas as células. A exposição a agentes cancerígenos a que diariamente somos expostos, acrescentando à suscetibilidade que herdámos, é que decide se teremos ou não esta doença. Quando expostos a um agente cancerígeno, temos polimorfismos na forma como metabolizamos estes agentes e a grande maior parte destes agentes são pró-cancerígenos. Há pessoas que são metabolizadores lentos e há quem seja um metabolizador mais rápido. Muitos agentes cancerígenos requerem cofatores, por exemplo, um cofator para o tabaco no cancro da laringe é fumar e beber. O álcool é um grande indutor enzimático. Praticamente não há cancro na laringe em pessoas que não fumam e não bebem. Desta forma, conclui-se que há carcinogéneos que induzem o cancro e estes são detetados por estudos epidemiológicos, por 5 uma avaliação do risco ocupacional, exposição direta acidental, efeitos carcinogénicos em animais, efeito transformador de culturas celulares. Há agentes cancerígenos químicos como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, tabaco, anilinas, agentes virais, Vírus da hepatite B e C, papiloma vírus humano (HPV); cancerígenos físicos como radiações ionizantes, radiações ultravioletas; hormonas como estrogénio, por exemplo, o cancro da mama mais frequentes em senhoras mais obesas; fungos como aflatoxinas; bactérias como H.pylori; e parasitas como Shistosomíase. O tabaco tem cerca de 90% de compostos cancerígenos. N-nitrosaminas são absorvidas pelo epitélio brônquico, andam em circulação e são tóxicas. Desta forma, os fumadores têm maior incidência de cancro não só do pulmão, como do esófago, do pâncreas, da bexiga e do rim. Entre outros, distinguem-se ainda paraminobenzenos, aminas aromáticas, aldeídos, benzenos, compostos inorgânicos. O álcool pode aumentar o efeito carcinogéneo da Nnitrosodimetilamina e leva à formação de acetaldeído (composto reativo que interfere com a reparação do DNA). 1.2.5 Prevenção Estamos sempre passos atrás da doença. Há uma tentativa de alertar a população. Esta prevenção divide-se em prevenção primária e secundária. Como primária diz respeito a alertar a população em geral e a população em risco, isto é, quem possui história familiar, se tem lesões pré-malignas, ou mesmo se atingiu uma idade que é necessário um cuidado acrescido. Como secundária trata-se de explicar ao doente as complicações terapêuticas e o risco de recidiva. Por exemplo, o maior fator de risco para ter cancro da mama é já ter tido um. Relativamente ao cancro do cólon, a alimentação descuidada, rica em gordura, que leva a uma vida sedentária e os hábitos alcoólicos estão na base da sua grande incidência, aumentando de geração em geração. O álcool provoca modificações aos grupos metil do DNA. O índice de massa corporal também se pensa estar relacionado mas não está confirmado. Ilustração 4 - Hábitos Físicos vs Hábitos Sedentário. 6 1.2.6 Carcinogénese A carcinogénese é um processo com 5 etapas, a iniciação, lesão das moléculas, a promoção, a conversão, fenótipo neoplástico, propagação, expansão clonal e a progressão, acumulação de outras alterações genéticas. Ilustração 5 - Carcinogénese. Desde que o agente cancerígeno começa a atuar até que há uma neoplasia formada podem ocorrer anos. Para que uma célula normal se torne uma célula tumoral tem de haver ativação de oncogenes e perda de função de genes oncossupressores. Os oncogenes são os genes que permitem às primeiras células constituir uma população para formar os órgãos e os proto-oncogenes são os genes que regulam o crescimento e diferenciação das células normais. Este último quando é convertido em oncogene, passa a ser um gene anormal e permite a uma célula ter um comportamento neoplásico. Tal leva a um crescimento não controlado, perda de diferenciação, capacidade de invasão e metastização. Outros exemplos de oncogenes: Oncogenes Tumores em que estão ativos Fator de transcrição myc Linfoma e esófago Fator de crescimento PDGF Recetor para fator de crescimento C-cerbB2 Mama e ovário Atividade GTPase K-ras Pâncreas, cólon, pulmão Tabela 1 - Exemplos de oncogenes. Alguns destes estão localizados como proteínas transmembranares, recebendo sinais do exterior, e cuja amplitude é muito pequena, em comparação com as restantes proteínas. Outro exemplo é o c-kit, uma proteína transmembranar com um ligante, que se sofre uma mutação no exo-O não precisa do ligante para hidrolisar a proteína cinase, dando origem a um tumor GIST. Os oncossupressores têm como objetivo a deteção de células que estão a morrer programando a sua apoptose ou reparando-as quando possível. Quando há incidência de cancro, há disfunção dos agentes cancerígenos anulando os oncossupressores. Relativamente aos 8% de cancros genéticos, devem-se geralmente à modificação dos genes oncossupressores nas células germinativas e acrescentando aos estímulos que toda a gente é sujeita, têm então maior incidência de cancro. O oncossupressor mais importante nas nossas células é o P53. Um cancro da mama, por exemplo, que tenha uma alteração no P53 torna-o mais grave e mais resistente à terapêutica. O P53, estando mutado, facilita o aparecimento do cancro, mas quando se quer atacar as células tumorais, se o TP53 não está funcional, não se consegue encaminhar a célula para a 7 apoptose, nem com quimioterapia. Este é um facto relativamente recente. Em muitas neoplasias não se sabe o agente que levou ao desencadeamento do tumor, há vários. Quando é permitido saber o único, o tratamento tem uma maior taxa de sucesso. Como outros exemplos de oncossupressores há o BRCA1 e BRCA2. Estes dois últimos, quando estão mutados, oferecem grande suscetibilidade para o cancro da mama. Não podemos reparar oncossupressores, mas podemos inativar oncogenes. Biologia da célula tumoral Uma vez transformada a primeira célula, esta gera as células filhas, também com características de células neoplásicas (herdaram as alterações genéticas da célula mãe). Gerase assim a população tumoral. Esta população tem como características ser clonal, autónoma, anaplásica e capaz de invadir e metastizar. Como indicadores de transformação das células neoplásicas temos: Aumento da atividade glicolítica ( consumo de glicose, produção de lactato); Perda da inibição por contacto; Estimulação autócrina do crescimento; Produção anormal de proteínas e síntese de proteínas anormais (hormonas ectópicas, -fetoproteína, antigénio carcinoembrionário-CEA). Por exemplo, o gene ABL é um gene que codifica a tirosinacinase, essencial às nossas células para fosforilação de substratos e sinalização para as células se multiplicarem. Ao ocorrer um erro na translocação nos cromossomas provoca uma expressão diferente. Assim forma-se uma proteína com atividade tirosinacinase sempre na posição on, que não é regulável. Isto dá origem à mielóide crónica, uma leucemia que dura anos. Estes doentes possuem anemia e uma contagem de glóbulos brancos astronómica. Num ser humano é normal existirem cerca de 8000 glóbulos brancos e estes doentes podem ultrapassar os 80000. Os glóbulos brancos passam a ter essa modificação, estando a célula a fazer sempre um estimulo constante para ser replicada. A parte metabólica das células tumorais tem aspetos muito importantes. Vamos apenas expor o exame PET. As células tumorais costumam ter um maior consumo de glicose, e utilizam uma via glicolítica, levando a uma maior conservação de lactato, tendo elevações de LDH. Esta análise é feita com a injeção no indivíduo, utilizando um análogo da glicose marcado com um agente, o SDG com flúor, sendo reconhecido o tumor no spot mais quente. É necessário ter muito cuidado com esta análise, pois estes spots podem também ser apenas células inflamatórias, que também consomem mais glicose. Ilustração 6 - Exame que evidencia os spots representativos de tumor. 8 1.2.7 Metastização óssea Como se formam as metástases ósseas? Como é que uma célula tumoral destrói osso? As células tumorais produzem fatores de crescimento que vão controlar os osteoblastos e os osteoclastos, células responsáveis pela remodelação óssea. Desta forma, as células tumorais induzem os osteoblastos a produzir osso anormal e os osteoclastos a destruir osso, criando um tecido completamente novo. Hoje em dia sabe-se que se bloquear os osteoblastos há uma diminuição das consequências das metástases no organismo, alterando mesmo o processo de quimioterapia, radioterapia, fraturas provocadas, entre outras consequências. Por vezes as células tumorais induzem mais a função dos osteoclastos e outras vezes a função dos osteoblastos. Quando o cancro se encontra já na fase de existência de metastização há uma utilização de recursos biológicos muito elevada, e a capacidade de discriminação das células tumorais é muito baixa. Supondo uma doente com cancro de 1.5cm e 3 gânglios na mama que está no estádio II, tem muito maior risco de metastização comparado com o cancro em estádio I. Os órgãos mais frequentemente atingidos por metástases são o Fígado, o Osso, o Pulmão e o Cérebro, mas depende do cancro em questão. As metástases cerebrais podem originar dores de cabeça, convulsões, cefaleias e alterações no comportamento. Como exames complementares ao diagnóstico temos o TAC crânio encefálico e a ressonância magnética. O problema das metástases cerebrais é o facto de Ilustração 7 - Localizações mais estarem alojadas num local inextensível, havendo um conflito frequentes para metastização no carcinoma da mama (fígado, osso, de espaço físico, ficando as estruturas comprimidas. gânglios). Ilustração 8 - Metástase cerebral num caso de carcinoma da mama (à esquerda) e Derrame pleural metastático e infiltração pulmonar neoplásica (à direita). As manifestações clínicas das metástases ósseas são a dor, fratura patológica, compressão medular, hipercalcemia. Do pulmão/pleura distinguem-se como manifestações a dispneia, a tosse e a hemoptise, infiltração pulmonar e derrame. 9 1.2.8 Diagnóstico e Tratamento Esta não é uma curva exponencial, o hospedeiro não morre por o tumor assumir grandes dimensões ou por conflito do espaço físico. As pessoas morrem por competição biológica, por ficaram fracas, pela disfunção de múltiplos órgãos, fazem complicações gravíssimas. Este conflito entre o tumor e o hospedeiro está pouco entendido. Através da análise desta curva, percebe-se que os tumores de menores dimensões têm uma taxa de Ilustração 9 - Curva Gompertziana do crescimento elevada sendo que a taxa de replicação de crescimento tumoral. um tumor de maiores dimensões é menor. Assim os primeiros são de mais difícil eliminação. Há um limite para deteção das micro-metástases e dos tumores de pequenas dimensões como está evidenciado na curva. Há um intervalo entre os tratamentos químicos e radiológicos ao doente de forma a deixá-lo recuperar da toxicidade a que é submetido, podendo o tumor recrescer no tempo intermédio. O plano e a dose de tratamento têm de ser cumpridos à risca. Todas as decisões tomadas na terapêutica de um doente têm de ser cuidadosas, pois estas terão reflexões enormes em todo o processo e na sua finalização. Ilustração 10 - Lesão detetada na mamografia e que correspondia a carcinoma da mama. De forma a saber quais são os sintomas que um doente tem podemos subdividi-los segundo os efeitos locais do tumor primário, efeitos à distância das metástases e efeitos paraneoplásicos, isto é, os tumores são capazes de produzir fatores (péptidos) que atuam em órgãos à distância e causar um quadro clínico. Nesta última divisão dos efeitos destacam-se efeitos pela competição biológica com o hospedeiro e efeitos provocados pela produção hormonal ectópica. 10 1.2.8.1 Manifestações Os tumores primários podem manifestar-se por anemia, nomeadamente o cancro do cólon. O cancro apresenta manifestações sistémicas como emagrecimento, anorexia, adinamia, febre, alteração do “Performance status” (a forma como o cancro consegue ser ativo naquele hospedeiro e com a sua produção de fatores bioquímicos que vai alterar e atuar nas terminações nervosas naquele local), anemia, imunodepressão e hipercalcemia, entre outras. Em todos os cancros há aquisições fenotípicas comuns: Instabilidade genética; Alteração de circuitos de regulação (por exemplo, alteração da TP53); Manutenção de telómeros ( da sobrevida); Estimulação mitogénica ( dependência de fatores de crescimento); Angiogénese. A angiogénese é a capacidade que as células têm de produzir os seus próprios vasos. Uma massa tumoral não pode crescer para além dos 2mm3 sem formar novos vasos. Para que ocorra uma eficiente transferência de nutrientes para as células tumorais, estas não devem distar mais do que 200 m dos capilares sanguíneos. A cicatrização é a angiogénese controlada dos tecidos normais. Nas células endoteliais do tumor há recetores importantes, capazes de ser sinalizados pelo VEGF, o ligando. 1.2.8.2 Terapêuticas Anti-neoplásicas A cirurgia e a radioterapia são terapêuticas que atuam a nível local, sendo necessária uma estratégia sistémica para manutenção desta terapia, como uma estratégia a adjuvante ou a estratégia paliativa, das quais se destacam a quimioterapia, a hormonoterapia e a Target Therapy. Cirurgia – Remove as massas tumorais conhecidas a nível local; um passo fundamental na cura do cancro, mas somente na região que se consegue visualizar. Radioterapia – Mata células em divisão, incluindo as que estão adjacentes ao tumor. Quimioterapia – Mata as células que estão em divisão/replicação rápida. A quimioterapia atua numa base de logaritmo no cancro. Muitas vezes é feita quimioterapia a adjuvante. Hormonoterapia – Inibe o crescimento e a sobrevivência das células tumorais hormonodependentes. Suprimir/ antagonizar a ação das hormonas que estimulam o crescimento da neoplasia. Target Therapy – Inibe processos específicos, necessários à sobrevivência das células tumorais. Por exemplo, num doente com metastizações ósseas cheio de dores, ao fazer hormonoterapia, a taxa de diminuição da dor é muito elevada e muitas vezes sente-se erroneamente que está curado. As metástases nem desapareceram do raio-x nem da cintigrafia óssea, mas deixaram de ter atividade metabólica. 11 É importante saber se o doente está em estádio loco regional ou em estádio de doença metastática, sendo importante o primeiro para saber se valerá a pena fazer terapia a adjuvante, dependendo do caso do doente. Por exemplo, uma doente com cancro da mama de grau I, libertação de estrogénio e progesterona positivos, sem gânglios invasivos na axila, com índice proliferativo baixo, que é cerne negativo, terá como tratamento adequado a hormonoterapia, aumentando a probabilidade de total recuperação. Hoje em dia, tendo à disposição estes tratamentos, a sua escolha passa não só pela poupança da pessoa aos mesmos, como a sua eficácia em cada caso. O tratamento correto não passa por erradicar todas as células possíveis mas sim encontrar o alvo certo a abater. Intuito Curativo O objetivo é eliminar toda a população neoplásica (a local e as eventuais micro-metástases). Se o tumor é localizado, doenças loco regionais, implica quase sempre o recurso à cirurgia. Algumas doenças oncológicas, mesmo em estádio avançado são curáveis com terapêutica sistémica, como tumores germinativos (por exemplo, tumor nos testículos). Intuito Paliativo O objetivo consiste em melhorar a qualidade de vida do doente e prolongar a sobrevida, mas não cura o doente. Resulta do balanço entre a eficácia na terapêutica antineoplásica e os efeitos adversos provocados. A cirurgia oncológica é fundamental pois é eficaz no controlo da doença, é o menos mutilante possível e é informadora sobre o estado do loco regional. Estas características são obtidas por serem conjugadas terapias no sentido da qualidade de vida do doente, havendo uma discussão do caso clínico em todas as vertentes, qual a estratégia, que mutações têm, que tratamento seguir. Por exemplo, um doente com tumor no reto que ao ser operado teria de ficar com uma colostomia. O tratamento passa por quimioterapia ou radioterapia antes da cirurgia, diminuindo substancialmente a sua área de expansão, diminuindo ainda o risco de ter uma recisiva após a cirurgia e de ter metástases. Como o tumor ficou mais pequeno permitiu que o doente não ficasse com a colostomia. Radioterapia divide-se a adjuvante (a mais do que o local onde o cancro teve origem, por exemplo uma doente com cancro da mama e muitos gânglios fará radioterapia porque o médico poderá não ter tirado todos este gânglios), neoadjuvante (radioterapia que se conjuga com outra terapia) sendo que estas terapias se conjugam antes da cirurgia. A radioterapia paliativa é fundamental no cérebro. Os medicamentos não ultrapassam a barreira hematoencefálica. A radioterapia faz a lesão direta do DNA, fazendo a ionização da água e havendo a libertação continuada de radicais livres. A ação da radioterapia prolonga-se além do efeito do tempo de tratamento. Na base deste tratamento está a otimização da eficácia com a menor toxicidade. 12 Este gráfico indica a margem de tratamento que se tem para se conseguir saber a concentração da dose e as complicações consequentes. Ilustração 11 - Relação dose-resposta na radioterapia: ação antineoplásica e risco de complicações. Quimioterapia Tumores em estado avançado com indicação para quimioterapia paliativa: Cancro da mama, Cancro do ovário, Cancro do cólon e reto, Cancro do estômago, Cancro da cabeça e pescoço e Cancro do pulmão. Terapêutica molecular: Anticorpos monoclonais (ex.Trastuzumab); Inibidores de tirosina cinases: se bloquear a função de tirosinacinase do c-kit deixa de haver sinalização no sentido mitogénico. Há possibilidade de atuar numa causa que permita resultados palpáveis? Harald zur Hausen recebeu o prémio Nobel em 2008 pela sua investigação na relação entre um vírus e o desenvolvimento de um determinado tipo de cancro, o vírus oncogénico. O seu estudo baseou-se num vírus que persiste no hospedeiro, produz proteínas virais, S6 e S7. A S6 vai inibir o TP53, eliminando-se o oncossupressor, e a S7 ativa o ciclo celular e os oncogenes. Desta forma, é importante saber quais os genótipos virais que mais frequentemente produzem estas proteínas. Apesar de ser difícil determinar a causa de muitos tumores, o seu estudo é essencial e muito importante. 13