ELABORAÇÃO DE SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS PARA O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – UMA PRODUÇÃO COLETIVA Vera Lúcia Lopes CRISTOVÃO Marlene Aparecida FERRARINI Célia Regina Capellini PETRECHE Maristela Miranda da SILVA (Universidade Estadual de Londrina) ABSTRACT: This work is based on the sociodiscursive interactionism (BRONCKART, 1999, 2006; SCHNEUWLY; DOLZ, 2004) and it aims at presenting an experience of collective production of didactic materials exploring genres to the teaching of English at Basic Education in state schools. We will present a general overview of the process of material production, which has been seen as a macroorganizator of the teaching work, some results that we have achieved with the material application and an evaluation of the contributions of the collaborative activity of didactic material production. The work with didactic sequences has brought contributions to a) the type of mediation created to foreign language teaching; b) several changes in the “status” of the ‘English’ subject in the schools where they have been used; c) the development and the continued education of every member of the project. KEYWORDS: didactic materials; collaborative activity; education. 1. Introdução Segundo Machado e Cristovão (2006), os trabalhos desenvolvidos na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD) no Brasil tiveram início na década de 90 no Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Para as autoras, pesquisas são desenvolvidas, desde então, de forma autônoma, em núcleos espalhados pelo Brasil como podemos observar na asserção de que: Esses estudos, em geral, têm-se caracterizado por investigar diferentes gêneros em grande variedade de contextos sociais, tendo como ponto comum a sua característica intervencionista, no seu sentido mais amplo[...] e, em especial, no campo do ensino de línguas. Uma outra característica comum é o fato de tomarem aportes desenvolvidos sobretudo por Dolz e Schneuwly (1998), no quadro da Didática de Línguas e da intervenção direta na educação suíça, em estreita relação com a reflexão teórico-metodológica de Bronckart (1999 e ss.) sobre as questões referentes ao desenvolvimento humano e sobre o papel da linguagem nesse desenvolvimento. (MACHADO; CRISTOVÃO, 2006, p.548) Assim, localizamo-nos, neste quadro, como professores-pesquisadores que têm produzido seqüências didáticas como forma de intervenção direta na educação, nos contextos de ensino em que atuamos, a escola pública, ou indireta, no caso dos participantes da universidade (professora coordenadora e alunos-professores). Este processo tem se mostrado, também, uma forma de agirmos em prol de nosso próprio desenvolvimento. Concordamos com Rego (2002, p.58) ao argumentar que: O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sócio-cultural em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo. 1959 Acreditamos que o projeto propiciou rupturas/desequilíbrios/reorganizações à medida que nos conduziu à apropriação de novos conhecimentos, novos materiais e novas práticas por eles requeridas. O objetivo central deste artigo, então, é apresentar um panorama do trabalho desenvolvido no projeto de extensão “Produção de Materiais Didáticos para o Ensino de Línguas”. Para isso, detalharemos seu funcionamento, explicitaremos alguns resultados obtidos com a aplicação do material desenvolvido e, finalmente, faremos uma avaliação das contribuições da atividade coletiva da produção de materiais didáticos, procurando revelar o modo de organização das atividades do projeto para que professoras1 da rede pública de ensino em parceria com professores e alunos-professores da universidade trabalhassem com a elaboração de seqüências didáticas com base em gêneros textuais diversificados. Essa caracterização será comparada aos desafios para a Lingüística Aplicada (GIMENEZ, 2005). 2. O projeto de extensão e a construção colaborativa das seqüências didáticas O projeto2 teve como objetivo principal oferecer condições de ensino-aprendizagem de língua estrangeira a professores e alunos da rede pública de ensino por meio da produção de materiais didáticos coerentes com as orientações oficiais para o ensino de língua estrangeira (PCN-LE, OCEM e Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná) e com o contexto local. Como objetivos específicos o projeto apresentou: a) construir conhecimento acerca de gêneros textuais a serem trabalhados no ensino fundamental e médio junto a professores da rede estadual e alunos de graduação; b) analisar o contexto de ensino de línguas a fim de produzir atividades que venham ao encontro das necessidades e objetivos locais, respeitadas as orientações oficiais para o ensino; c) envolver professores da rede estadual e alunos de graduação na elaboração de materiais didáticos com base em gêneros textuais adequados para o ensino fundamental e médio. O projeto foi desenvolvido usando os seguintes procedimentos: a) Grupos de estudo; b) Oficinas; c) Pilotagem; d) Relatórios; e) Participação em eventos científico-culturais. Cada um desses procedimentos envolveu, respectivamente, o seguinte conjunto de atividades: discussão acerca do contexto de ensino (condições da escola, condições sócio-econômicoculturais, materiais empregados nos níveis fundamental e médio, exames de admissão para o ensino superior) e das orientações oficiais; leituras; discussão de textos teóricos; seleção de textos; elaboração de materiais; aplicação do material didático; observação de aulas; feedback sobre aplicação do material; análise crítica do material aplicado; refacção das seqüências didáticas; divulgação dos resultados do projeto. A população atendida pelo projeto envolveu professoras do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino de Londrina e região, uma professora da Rede Municipal de Ensino de Joinville, alunos-professores do curso de graduação em Letras AngloPortuguesas da Universidade Estadual local, alunos das escolas em que as professoras participantes atuam. A participação, no decorrer dos três anos do projeto, deu-se da seguinte forma: 1 Nossa opção por professoras se justifica pelo fato de que todas professoras colaboradoras do projeto são do sexo feminino. Tivemos apenas um aluno-professor como participante. 2 O Projeto de Extensão Materiais Didáticos para o Ensino de Línguas para a Educação básica (NAP/UEL) teve início em abril de 2004 e término em 31/03/2007. O projeto esteve sob a coordenação da Profª Drª Denise Ortenzi durante o primeiro ano e da Profa. Dra. Vera Lúcia Lopes Cristovão durante os dois últimos anos. A proposta foi de autoria das duas docentes. 1960 Ano 1 Qtde 5 4 Ano 2 2400 15 4 Ano 3 1200 5 4 Caracterização Local Professores do Ensino Fundamental e Médio NAP da Rede Pública de Ensino de Londrina e região Alunos do curso de graduação em Letras NAP Anglo-Portuguesas da Universidade Estadual de Londrina Alunos do Ensino Fundamental e Médio da Escolas da rede pública Rede Pública de Ensino de Londrina e região ensino de Londrina região Professores do Ensino Fundamental e Médio NAP da Rede Pública de Ensino de Londrina e região Alunos do curso de graduação em Letras NAP Anglo-Portuguesas da Universidade Estadual de Londrina Alunos do Ensino Fundamental e Médio da Escolas da rede pública Rede Pública de Ensino de Londrina e região ensino de Londrina região Professores do Ensino Fundamental e Médio NAP da Rede Pública de Ensino de Londrina e região Alunos do curso de graduação em Letras NAP Anglo-Portuguesas da Universidade Estadual de Londrina de e de e Quadro 1: População atendida de acordo com o relatório final do projeto As reuniões do projeto aconteceram uma ou duas vezes por semana, e nelas as professoras do ensino fundamental e médio, estagiários do curso de Letras e a coordenadora do projeto tiveram oportunidade de desenvolver o trabalho de forma colaborativa e coletiva. Neste espaço de colaboração a opinião de todos era ouvida, analisada e aceita ou refutada pelo grupo. Um exemplo desse processo de colaboração foram as avaliações/refacções das seqüências didáticas. Nas reuniões destinadas a este fim, geralmente, uma dupla ou uma professora apresentava ao grupo a nova seqüência didática que havia sido elaborada individualmente com base nos critérios decididos pelo grupo. Os integrantes do grupo, por sua vez, acrescentavam novas idéias e críticas à proposta produzida individualmente. Desta forma, a idéia inicial para a seqüência didática, bem como a pilotagem do material nas escolas seguida de discussões sobre os resultados nos variados contextos de ensino acarretavam em novas alterações e dava novos contornos às produções iniciais. A construção do layout das seqüências didáticas é um exemplo do que afirmamos como atitude colaborativa e coletiva. No início do projeto, as seqüências didáticas eram construídas no editor de texto Microsoft Word e apresentavam algumas partes como: (i) objetivos, (ii) exploração do contexto de produção e (iii) estudo dos elementos lingüístico discursivos do gênero. Com a prática da produção das seqüências didáticas e a troca de idéias, novos elementos foram sendo agregados: (i) o material foi dividido em sessões com cores específicas, (ii) personagens passaram a apresentar os objetivos no início das unidades, (iii) ilustrações foram sendo inseridas. Enfim, nas últimas seqüências didáticas, a ferramenta inicialmente usada para a elaboração já não atendia nossas necessidades, o que nos levou a busca de novas soluções e, consequentemente, ao uso de novas ferramentas tecnológicas para a realização do nosso trabalho, o que também nos trouxe desenvolvimento neste sentido. As seqüências didáticas elaboradas no projeto levaram em conta a diversidade dos contextos de ensino dos professores/elaboradores envolvidos. Para a produção do material 1961 tomamos por base as propostas de Bronckart (1999 e 2006) e Schneuwly e Dolz (2004), dentro do quadro teórico-metodológico do ISD. Por se tratar de uma teoria que os envolvidos estavam pouco familiarizados, foram oportunizadas leituras e reflexões, que por sua vez, foram usadas na produção e discussão do material didático. Essa co-produção que estamos caracterizando como colaborativa e coletiva também foi sendo tecida com tensões, conflitos e escolhas. Tais características proporcionaram a reorganização da prática didática, o reconhecimento dos espaços criados para aprendizagem e desenvolvimento, o desafio de solucionar problemas e a reconstrução de nosso trabalho. Nosso próximo item expande os apontamentos supracitados. 3. A aplicação das seqüências didáticas e os resultados obtidos Após a elaboração das seqüências didáticas, as professoras as levavam para suas escolas e as aplicavam para que, com base nos resultados obtidos nos vários contextos e nas discussões dos grupos de estudo, alterações fossem efetuadas a fim de tornar as seqüências mais adequadas aos seus objetivos e mais coerentes com as orientações que criamos e que adotamos como norteadoras de nossa produção. Os resultados da aplicação das seqüências didáticas nas escolas e a divulgação desses resultados em vários eventos trouxeram um novo olhar, dentro dessas escolas, para a disciplina de língua inglesa. A maioria dos integrantes do projeto participou das seguintes modalidades de disseminações científicas: • 10 artigos publicados em anais de eventos, revistas e livros; • 29 comunicações, palestras e mini-cursos apresentados em eventos regionais, nacionais e internacionais; • 4 monografias de especialização em Ensino de Língua Estrangeira e em Língua Inglesa. Além disso, três das participantes do grupo entraram no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade pública local e desenvolvem seus projetos de pesquisa sobre reflexões inicialmente discutidas e originadas no projeto em questão. Como se observa nas disseminações apontadas pelo relatório final do projeto3, os resultados têm sido bastante divulgados pelos participantes. Este fato revela o empenho de todos em fazer destas experiências exemplos práticos, tanto em suas escolas como na comunidade acadêmica. Os professores passaram a ser produtores de material didático e de conhecimento científico sobre o mesmo. Nessa reflexão, apontamos para uma relação vivenciada: a prática se voltando à teoria que retorna à prática que reformula a teoria e que volta à prática. Um ciclo que implicou em construção de conhecimento e desenvolvimento. Segundo Ferrarini (2006), a participação no projeto de extensão proporcionou as seguintes mudanças na postura da professora-pesquisadora: a) o modo de encarar a produção de texto dos alunos (de produto final para processo em etapas); b) a consciência da importância da exploração das características específicas do gênero textual; c) a busca do envolvimento do aluno no processo de avaliação através da ficha de controle (atividade que objetiva a autonomia do aluno em relação ao seu aprendizado); d) mudança na visão do papel do aluno e do professor (respectivamente, de transmissor do conhecimento e receptor para participantes no processo de construção); 3 A disseminação realizada encontra-se http://www.proex.uel.br/index.php?content=qry/proj/resultcodprojeto.html 1962 na íntegra em: e) a mudança da aula tradicional enfocando o ensino de gramática e vocabulário para produção de textos pertencentes a gêneros textuais específicos. Em Petreche (2006), podemos ressaltar duas importantes conclusões: 1) o fato da mudança nas ferramentas de mediação para o ensino poder gerar mudanças no processo de ensino-aprendizagem; 2) a compreensão de que representações coletivas que circulam na esfera de sua atividade profissional podem levá-la à tomada de consciência da constituição de seu contexto e da ancoragem de seu trabalho nesse contexto. Para Robel (2006), a experiência no projeto tanto pôde envolvê-la de forma intensa e dedicada às atividades de preparação de unidades como também ofereceu ocasião de análise das diferenças entre o que é (auto) prescrito e o que é realmente realizado em sala de aula. Com essa consideração, a professora-pesquisadora chamou a atenção para a necessidade da produção ser constantemente acompanhada pela pesquisa do trabalho do professor. Na visão de Saito (2006), os resultados com o uso de seqüências didáticas produzidas no projeto indicaram que: a) o uso de textos sociais (que circulam em diferentes esferas de atividade) promoveu maior dinamismo às aulas; b) a utilização da língua materna fomentou a exploração do conhecimento prévio do aluno e c) a partilha de suas experiências com textos e situações tematizados, bem como a proposta de atividades com o texto proporcionaram espaço eficaz de compreensão. O trabalho de Silva (2006) tornou saliente o mérito da participação em projetos de parceria que possam envolver professores na mudança do estatuto do ensino-aprendizagem de inglês. Em seu depoimento, a professora-pesquisadora afirma estar obtendo os primeiros resultados positivos para essa melhoria com ações da direção da escola e a atitude de alunos. Cristovão (2005), no primeiro trabalho de análise sobre o projeto, já o situou como um viabilizador do trabalho do professor de planejar sua prática pedagógica e se responsabilizar pela produção de ferramentas que orientam suas ações docentes. A autora observou também que a colaboração na construção das seqüências didáticas contribuía para a “emancipação dos participantes alcançando práticas produtivas, críticas e reflexivas”. Estamos de acordo com a autora, pois vivenciamos, durante o decorrer do projeto, um processo de emancipação quanto ao domínio do conhecimento científico e de ferramentas tecnológicas necessárias à produção de material didático. Este processo, por sua vez, deu-se de forma gradual e contou com a contribuição de todos os integrantes do grupo. Conforme apontam Santos e Cristovão (2006), o trabalho com a educação voltada para inclusão está bastante presente nos atuais debates sobre a condução do ensino em todo o país. No entanto, alternativas em como trabalhar tais fatores em sala de aula parecem estar ainda relativamente incipientes. O ensino organizado em torno de gêneros textuais, na perspectiva na qual nos propomos a trabalhar, parece possibilitar a materialização de tais objetivos educacionais para o ensino de línguas estrangeiras de maneira produtiva. Tanto a experiência relatada quanto os resultados obtidos e comentados pelos participantes em suas investigações procuraram demonstrar a validade da proposta de organização do ensino de língua estrangeira em torno de gêneros textuais, bem como a potencialidade de desenvolvimento que a produção coletiva de seqüências didáticas propicia. As atividades que envolveram a análise da linguagem como prática social, a seleção de textos como referências de esferas de atividades escolhidas e gêneros textuais adequados aos objetivos estabelecidos e a elaboração e a refacção de atividades em torno de um projeto de uso da linguagem exploraram o conceito de gênero como megainstrumento para a proposta de desenvolvimento de capacidades de linguagem (Schneuwly e Dolz, 2004), bem como proporcionaram espaço de aprendizagem e desenvolvimento de diferentes dimensões do trabalho do professor. Para ilustrar a visão que os participantes têm de suas aprendizagens e desenvolvimento, expomos, na figura 1, a organização das atividades desenvolvidas e a 1963 interpretação construída com base em asserções produzidas (também pelos participantes) em reunião de avaliação do projeto. Plano Textual Global Oficinas Oficinas Grupos Gruposde de estudo estudo Produção Produçãocoletiva coletivaee individual individual Avaliação Avaliação Pilotagem Pilotagem Refacção Refacção Apresentação versão final e disseminação Produção final Refacção Apresentação PRÁTICAS SOCIAIS TRANSFORMADAS compromisso ético com a formação partilha de conhecimentos e de experiências , mobilização de recursos e artefatos engajamento na educação Desenvolvimento (autonomia, crescimento, aprendizagem, mudança, aproximação, segurança, contribuições, “escada para galgar degraus”) Domínio de um instrumento Figura 1 – Plano Textual Global das tarefas que compõem a atividade de produção coletiva de material e as contribuições decorrentes (comunicação apresentada por Cristovão no INPLA/2007). O domínio da construção de uma ferramenta possibilitou seu uso como instrumento para práticas sociais transformadas e para o funcionamento de uma rede que envolve o profissional docente em seu trabalho nas mais diferentes dimensões. Passaremos a tratar dessas contribuições em nosso próximo item. 4. Contribuições da atividade de produção coletiva de materiais didáticos Produzir e avaliar material de maneira coletiva foi uma experiência que trouxe uma série de vantagens como: (i) a discussão da adequação do material ao contexto, (ii) a discussão das diversas formas de agir dos professores em relação ao material, (iii) a troca de experiências em relação às reações dos alunos frente ao uso do material e (iv) desenvolvimento profissional. Autores participantes do projeto teceram reflexões sobre as vantagens proporcionadas pela participação no projeto. Petreche (2005) destaca que, com o uso de seqüências didáticas produzidas, os professores buscam meios de transformar as condutas dos alunos por meio de seu de suas ações ao mesmo tempo em que também são transformadas neste processo. Silva (2006) aponta a intenção de abandonar a idéia de que somente o uso do livro didático pode trazer resultados, pois, a pesquisa-ação acerca de gêneros textuais, suas noções de contexto de situação, produção, cultura e muitos outros elementos contextuais imbricados em um texto, têm provocado um melhor desenvolvimento da competência discursiva por parte dos alunos. Competência essa adquirida através de um trabalho com atividades e ações de linguagem significativas, contextualizadas e situadas nos variados ambientes discursivos, possibilitando uma verdadeira interação social. 1964 Robel (2005) ressaltou, ainda, a importância de iniciativas como esta para dar oportunidade aos professores de “participarem ativamente, produzindo materiais didáticos que condizem com a realidade de seus alunos”. Ferrarini (2005) aponta a participação no projeto como uma forma alternativa de desenvolvimento profissional, capaz de substituir as formas usuais de formação continuada oferecidas pela Secretarias ou Núcleos de Educação. Além dos benefícios observáveis para a formação dos profissionais envolvidos e para o processo de ensino-aprendizagem de seus alunos, expansões ainda estão sendo propostas, mesmo com o término oficial do projeto. Conforme já mencionado em Machado e Cristovão (2006), o material produzido no projeto será publicado, podendo assim contribuir para o ensino de língua inglesa em um número ampliado de contextos. Ainda referente às contribuições da atividade de produção coletiva de materiais didáticos, Cristovão (2006) analisou que as práticas desenvolvidas por meio das tarefas realizadas pelos participantes estavam lidando com alguns dos desafios da Lingüística Aplicada apontados por Gimenez (2005): base de conhecimento profissional; identidade profissional dos formadores, relevância das pesquisa, integração das formações inicial e continuada, abordagem articuladora da teoria/prática. O projeto defende o trabalho do professor de planejar sua prática pedagógica e se responsabilizar pela produção de ferramentas que possam orientar suas ações docentes. Com isso, avalio que estamos trabalhando em favor da emancipação dos participantes alcançando práticas produtivas, críticas e reflexivas. O estudo de diferentes práticas de linguagem que se desenvolvem no trabalho educacional colabora para o aprofundamento das questões teóricas e metodológicas que subjazem nossas ações. (CRISTOVÃO, 2006, 8-9) Além disso, a professora pesquisadora avalia que dois grandes desafios ainda devam ser enfrentados: a questão do impacto e sustentabilidade de propostas educacionais e a relação das pesquisas com políticas públicas de formação de professores. Com base nessa apreciação, sugere uma expansão do escopo de projetos de extensão que incorporem atividades transdisciplinares, ou seja, uma superação de fronteiras disciplinares com uma proposta de trabalho com as diversas áreas, com a escola, com a comunidade. Ademais, o trabalho do professor precisa ser considerado nas mais diversas dimensões e não restrito ao domínio do saber fazer. Enfocando-se a questão da pesquisa e da formação, sugerimos que ocupemos mais nossos espaços na ação política proporcionada pela educação. Justificamos nossa avaliação de que o espaço criado pela produção coletiva de material didático significou um avanço em seu contexto já que constituiu uma comunidade de prática que uniu futuros e atuais professores. O espaço dessa comunidade de prática procurou contemplar a perspectiva de formação proposta por Gimenez e Cristovão (2004): definição de perfil profissional, seleção e organização curricular, articulação entre os participantes do sistema educacional, prática de ensino e pesquisa. Por último, gostaríamos de concordar com Lopes-Rossi (2005, p. 79) quando afirma que “o conhecimento sobre o trabalho pedagógico com gêneros ainda é bem restrito, fora do meio acadêmico. Apesar de estarem interessados, os professores são carentes de fundamentação teórica e exemplos práticos”. Observamos que a participação no projeto despertou em nós, professoras colaboradoras, o interesse em melhorar a qualidade do material que usávamos em nossas aulas, levando-nos também a perceber nossa carência em termos de conhecimento teórico para agirmos como produtores e pesquisadores de seqüências didáticas, o que nos conduziu a vários momentos de leituras e discussões coletivas sobre as teorias que ancorariam o material elaborado e a constantes confrontações com nossa realidade em sala de aula. 1965 5. Considerações finais O trabalho de produção-aplicação-avaliação de seqüências didáticas de forma coletiva foi uma oportunidade diferenciada para nós, professoras da rede pública e demais participantes, adquirirmos referencial teórico-metodológico necessário à construção de seqüências didáticas apropriadas ao nosso contexto, bem como refletirmos crítica e constantemente acerca da nossa própria prática, do momento da elaboração à aplicação do material. Além disso, observamos que todos foram impulsionados a participar de eventos da área com comunicações e/ou publicações, aprofundando-se em seus estudos em forma de pósgraduação. Mudanças no status da disciplina de língua inglesa na escola têm sido pontuais, uma vez que o trabalho tem sido observado, reconhecido e apoiado por toda a comunidade escolar. Além disso, o professor de língua inglesa não é mais visto apenas como usuário, mas como produtor de seu próprio material. Cristovão (2005) afirma que “o estudo de diferentes práticas de linguagem que se desenvolvem no trabalho educacional colabora para o aprofundamento das questões teóricas e metodológicas que subjazem nossas ações”. Podemos dizer que em nossas produções de seqüências didáticas, na elaboração do nosso próprio material didático, fizemos e ainda continuaremos a fazer um “passeio”. Tem sido um passeio por ambientes discursivos diversos, onde ensinar inglês com base nos gêneros textuais tem nos levado, juntamente com nossos alunos, a novas descobertas, a novas ações – tanto práticas como de linguagem -, enfim, a novas formas de se aprender e de se ensinar. Estamos descobrindo e redescobrindo continuamente o sentido dos termos “interação sociodiscursiva”. Referências BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discursos: Por um interacionismo sóciodiscursivo. Trad. Ana Raquel Machado, Péricles Cunha. São Paulo:EDUC, 1999. _____ . Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. MACHADO, Ana Rachel e MATÊNCIO, Maria de L. M. (Orgs.), Campinas: Mercado de Letras, 2006. _____; MACHADO, A. R. Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho educacional. In: MACHADO, A. R (org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel: 2004. p. 131-165. CRISTOVÃO, V. L. L. Gêneros textuais e práticas de formação de professores. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 13, 2006, Recife. Anais... Recife: Endipe, 2006, p. 01-11. 1 CD. _____. Gêneros textuais, material didático e formação de professores. Signum, Londrina, v.8, n.1, p. 173-191, jan./jun. 2005. _____ ; SANTOS, L. M. A. . Inclusão social e cidadania em seqüências didáticas em torno de gêneros textuais. In: ENCONTRO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS DO PARANÁ, 14, 2006, Londrina. Cadernos de Resumos... Londrina: APLIEPAR, 2006, p. 71-71. FERRARINI, M. A. Written production and evaluation: challenge for teachers and students. In: GIMENEZ, T.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Orgs). Teaching English in context: contextualizando o ensino de inglês. Londrina: UEL, 2006, p. 67-84. FERRARINI, M. A. . O conto de fadas na aula de língua inglesa.. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 3, 2005, Santa Maria. Anais... Santa Maria, 2005. GIMENEZ, T. Desafios na formação de professores de línguas: contribuições da Lingüística Aplicada. In: FREIRE, M., VIEIRA-ABRAHÃO, M. H.; BARCELOS, A . M. (orgs.) 1966 Lingüística Aplicada e Contemporaneidade. Campinas: Pontes Editores, e São Paulo, ALAB: 2005, p.183 –201. _____.; CRISTOVÃO, V. L. L. Derrubando paredes e construindo pontes: formação de professores de inglês na atualidade. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada v.5, n.2, 2004, p. 85-95. LOPES-ROSSI, M. A. G. Gêneros Discursivos no Ensino de Leitura e Produção de Textos. In: KARWOSKI, A, M; GAYDECZKA, B; BRITO, K. S. (Org.) Gêneros Textuais: Reflexões e Ensino. Palmas e União da Vitória: Kaygangue, 2005 p. 79-93. MACHADO A. R.; CRISTOVÃO, V.L.L. A Construção de Modelos Didáticos de Gêneros: Aportes e Questionamentos para o Ensino de Gêneros. In: Linguagem em (Dis)curso.Gêneros textuais e ensino-aprendizagem.Tubarão: Unisul, v.6, n.3, p. 547 – 573, set/dez. 2006. PETRECHE, C. R. C. Students and teachers’ beliefs and the lack of interest in English classes. In: GIMENEZ, T.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Orgs). Teaching English in context: contextualizando o ensino de inglês. Londrina: UEL, 2006, p. 117-130. PETRECHE, C. R. C.. A escola pública e a transposição didática de gêneros: desafios que queremos enfrentar. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 3, 2005, Santa Maria. Anais... Santa Maria, 2005. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação. 14ª edição. Petrópolis: Vozes, 2002. Relatório final do projeto, disponível em: http://www.proex.uel.br/index.php?content=qry/proj/resultcodprojeto.html ROBEL, J. C.. Implicit issues during the application of a didactic sequence. In: GIMENEZ, T.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Orgs). Teaching English in context: contextualizando o ensino de inglês. Londrina: UEL, 2006, p. 131-140. ROBEL, J. C. Transposição didática do gênero relato de experiência vivida no ensino de língua inglesa. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 3, Santa Maria. Caderno de Resumos... Santa Maria: [s.n.], 2005, p. 48-48. SAITO, C. T. O uso do material didático baseado em gêneros textuais. In: GIMENEZ, T.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Orgs). Teaching English in context: contextualizando o ensino de inglês. Londrina: UEL, 2006, p. 141-148. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. São Paulo: Mercado de Letras, 2004. SILVA, Maristela Miranda da. Three puzzles in a day class. In: GIMENEZ, T.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Orgs). Teaching English in context: contextualizando o ensino de inglês. Londrina: UEL, 2006, p.149-160. 1967