Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática Histórico da Matemática na Perspectiva do Pensamento Analógico Historical of the Mathematics in the Perspective of the Analogical Thought Isabel Pereira dos Santos1 Resumo Este texto versa sobre pontos históricos da Matemática sob a ótica do pensamento analógico como suporte ao ensino/aprendizagem de Matemática. A fundamentação teórica principal foi ancorada em Abdounur que em sua pesquisa de doutorado relevou a importância do pensamento analógico sob o prisma da rede de significados, inteligência coletiva e inteligência como um espectro de múltiplas competências. Palavras-chaves: História da Matemática. Pensamento Analógico Abstract This text turns on historical points of Mathematics under the optics of the analogical thought as a support to teaching and learning of Mathematics. The main theoretical foundation was anchored in Abdounur that in his doctoral research revealed the importance of analogical thought from the perspective of the net of meanings, collective intelligence and intelligence as a spectrum of multiple abilities. Key-words: History of Mathematics. Analogical thought Sobre o conceito Este texto versa sobre pontos históricos da Matemática sob a ótica do pensamento analógico como suporte ao ensino/aprendizagem de matemática. A fundamentação teórica principal foi ancorada em Abdounur2 que em sua pesquisa de doutorado relevou a importância do pensamento analógico sob o prisma da rede de significados, inteligência coletiva e inteligência como um espectro de múltiplas competências. O diferencial do trabalho do autor está, de forma ampla, pautado nas relações entre a matemática e a música contextualizadas no aspecto histórico/didático. Neste texto a história da Matemática o pensamento analógico será abordado em vertentes histórico epistemológica e educacionais no contexto matemático. Para este mister torna-se oportuna a compreensão etimológica do termo analogia. Esta palavra tem sua etimologia advinda da proposição ana – segundo – acrescida do substantivo 1 2 USP. E-mail: [email protected] Referência ao livro Matemática e Música: O pensamento analógico na construção de significados. Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 2 logos – razão ou proporção, cujo significado é ―segundo proporção‖ ou ―segundo relação‖. Atribui-se ao termo o significado de: Relação proporcional entre dois ou mais termos Transferência de significados entre dois domínios Analogias aproximam-se de semelhanças, sendo que em algum aspecto, objetos semelhantes coincidem e existe coincidência entre partes quando objetos análogos se relacionam. (POLYA, 1978, p.29) Segundo Falas (1992, p. 296, apud ABDOUNUR, 2003, p. 113) ―Pelo menos em ênfase registrada, a primeira alusão ao termo analogia encontra-se num texto de Hipócrates de Quios sobre o problema da duplicação do cubo.‖ Porém, segundo Abdounur (2003, p.113) é difícil assumir esta como a única possibilidade, pois se acredita que o termo decorre do pitagorismo. José Miguel (2001) em sua tese inclui referências sobre o possível uso de analogias por Hipócrates: É muito provável que a descoberta de Hipócrates tenha sido feita em analogia com o problema da duplicação do quadrado. (...) Não se sabe qual foi o raciocínio de Hipócrates para ter reduzido o problema da duplicação do cubo ao problema de encontrar dois meios proporcionais. No entanto, é natural aceitar a analogia com o problema da duplicação do quadrado. "(...) Hipócrates pode ter usado um argumento por analogia para obter o seu propósito. Ele queria tratar um problema em aberto, na geometria tridimensional, do mesmo modo que um problema em geometria plana tinha sido resolvido muito tempo antes. Ele pode ter começado com a idéia que 'quadrado' e 'cubo' são, de certo modo, figuras análogas." (SZABÓ, 1978, pp. 97-98 apud JOSÉ MIGUEL, 2001). ―Embora não haja nenhum testemunho directo desse facto, os historiadores acreditam que Hipócrates começou por reflectir na questão da duplicação do quadrado e que, de seguida, a procurou generalizar." (ESTRADA, M. & SÁ, C. & QUEIRÓ, J. & SILVA, M. & COSTA, M., 2000, p. 310). Fonte: http://www.prof2000.pt/users/miguel/tese/capitulo2.htm De acordo com Chauí (2002), a preocupação central do pensamento das escolas présocrática era a phýsis, realidade primeira e última de todas as coisas. Mas nenhuma das linhagens do pensamento grego tomou a questão do número e, conseqüentemente de suas relações intrínsecas, como a Escola Pitagórica cujos principais representantes foram Pitágoras Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 3 de Samos, Alcmeão de Crotona, Filolau de Crotona e Arquitas de Tarento.‖ (CHAUÍ, 2002, apud SANTOS, 2004, p.33) Os pitagóricos outorgaram aspectos matemáticos ao pensamento analógico, colaborando para a disseminação desta forma de análise relacional. Sendo assim, foi possível ―aplicar e transferir a Matemática para as demais ciências pré-socráticas.‖ (ABDOUNUR, 2003, p. 116). O número era, para os pitagóricos, a gênese de todas as coisas e ―um princípio analógico por excelência.‖ Na perspectiva matemática e de acordo com uma concepção pitagórica, o pensamento analógico versa, sobre a identidade de relações ou proporções entre coisas dessemelhantes. O uso das analogias em qualquer âmbito pressupõe a relação entre os domínios de forma a relacionar meticulosa e rigorosamente os campos em questão. Esta metodologia está em sintonia com os fundamentos pitagóricos no uso da analogia. Diferentes concepções do pensamento analógico ao longo da história Pensadores Pensamento Analógico sob ótica proporcionalista Pitagóricos Supõe certo rigor matemático e medida exata dos campos conectados Clássicos Trata-se de um tipo de raciocínio não dedutivo matematicamente impreciso que busca similaridades entre objetos Epicursitas Significado de semelhança no sentido de probabilidade que considera principalmente as relações genéricas Gregos - Elemento chave no pensamento intelectual, apoiava-se em forte respaldo filosófico-conceitual - Similaridade de funções desempenhadas por duas coisas distintas em seus respectivos ambientes Euclides - Nos Elementos, livros V e VI, o termo é utilizado para se referir à semelhança proporcionada entre duas ou mais quantidades Platão - Concepção analógica do Cosmo em Timeu, além de aplicar analogias em ética e metafísica Aristóteles - Pai do silogismo e da lógica moderna, base do digital, é um dos primeiros a discutir a relevância do Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 4 pensamento analógico. Segundo ele, semelhança deve ser estudada, em primeiro lugar nas coisas que pertencem a gêneros diferentes. Devem-se estudar as coisas que pertencem a um mesmo gênero para ver se todas elas possuem um atributo idêntico. Analogia do ser. Influência sobre a escolástica Obras Homéricas Ilíada e Odisséia Thales de Mileto Estudos de Geometria e de astronomia de forma científico-prática. Píndaro, Ésquilo, Sófocles, Literatura: semelhanças e metáforas Eurípedes, Aristófanes Pré-socráticos: Thales de Usaram a analogia como elemento angular no processo Mileto, Anaximandro, de interpretação científica, filosófica e literária dos Anaxímenes, Heráclito, pensadores pré-socráticos. Parmênides, Empédocles e Demócrito (micro e macrocosmo) Fonte: ABDOUNUR, 2003, p. 113, 114 e 115 Um exemplo de analogia considerado o primeiro e um dos mais preciosos na história da Matemática é o comentário de Arquimedes a seguir: Deste teorema, segundo o qual o volume da esfera é quatro vezes o do cone tendo por base um círculo máximo da esfera e altura igual ao raio da esfera, eu concebi a idéia de que a área de qualquer esfera é quatro vezes a área de um de seus círculos máximos; pois, a julgar pelo fato de que a área de qualquer círculo é igual à de um triângulo que tem por base a circunferência e altura igual ao raio do círculo, vejo que, do mesmo modo, o volume de qualquer esfera é igual ao volume de um cone com base igual à superfície da esfera e altura igual ao raio. Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 5 De acordo com a parte final da citação anterior, Arquimedes infere que a esfera também equivale a um cone. (ÀVILA, 2007, p. 99) Discorrendo sobre o número na concepção pitagórica, Garcia Junceda afirma que: Os pitagóricos procuraram ou pelo menos, encontraram um princípio analógico e expressivo da realidade, já que as razões que os fizeram escolher o número como fundamento foram as múltiplas semelhanças encontradas entre os números e os seres, bem como o fato de que os números expressavam as propriedades, as relações e os seres. (JUNCEDA APUD FALLAS, 1992, p. 303) Concordando o acima exposto por Junceda, Manuel Maceiras Fafián, considerando igualmente sobre o número: De manera reiterada, la pretensión pitagórica quiere hacer comprensible la realidad, no en términos de identidad, reduciendo lo real a un elemento único fundamental, sino orientando el problema del ser-devenir, unidad-multiplicidad, en términos estrictamente meta-físicos, afirmando al número como principio racional por medio del cual se establece una analogía esencial entre la unidad —el uno absoluto y perfecto— y la multiplicidad de las cosas —la naturaleza, imperfecta y fluyente. El número es, por tanto, «principio metafísico» en cuanto que en cada cosa natural se manifiesta un modo de ser cuya razón suficiente es una relación que vincula esencialmente el ser natural con el uno. Fonte: http://revistas.ucm.es/fsl/02112337/articulos/ASHF8484110009A.PDF Assim sendo a analogia é intrínseca ao pitagorismo visto que ―Segundo a escola crotoniana, o número é a representação da expressão da racionalidade pitagórica em todas as coisas, sendo, portanto um princípio analógico por excelência.‖ (ABDOUNUR, 2003, p.117) Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 6 O conceito de analogia proporcionalista foi a base de todo o movimento pitagórico que teve entre seus principais seguidores Arquitas de Arento e Aristoxeno. Arquitas foi um dos primeiros a estudar as analogias, a retomar a analogia pitagórica e levou-a as últimas conseqüências. (ABDOUNUR, 2003, p. 117). As resignificação sobre as acepções analógicas de proporção e semelhança culminam nos séculos XIV, XV e XVI. Nesta época os pensadores defendiam a idéia da analogia epicurista. Historiadores e filósofos da ciência fazem referência às ocasiões onde pensamento analógico aparece, furtando-se a uma análise geral do uso da analogia na ciência bem como dos processos cognitivos advindos do seu uso. Panorama geral do uso do pensamento analógico Pensador Ano Obras Galileu 1630 Dialogue Concerning the Inseriu Two Cheief World System Analogias utilizadas duas analogias relacionadas à afirmação de que a Terra se move. Christian 1678 Treatise on Light Huygens Usou analogia entre luz e som para defender sua teoria ondulatória da luz. Newton 1687 Principia Na finalização do seu livro, usou uma analogia comparando o planeta com pedras atiradas da Terra a velocidades cada vez maiores. Desta forma conjecturou indutiva e analogicamente o movimento orbital. Lavoisier 1770 Na teoria do oxigênio para a combustão usou a analogia respiração/combustão sobre a transformação de oxigênio em gás carbônico e fornecimento de calor. Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática Sadi Carnot 1824 7 Usou analogia calor/quedas d’agua numa discussão sobre a força motriz do calor. Kakulé 1865 Sonhou com a figura de uma cobra mordendo a própria calda e usou-a para sugerir a forma circular da configuração dos átomos de carbono no benzeno. Kepler Simbolizou com a imagem de Deus criador sua teoria heliocêntrica do mundo. ―Do ponto de vista científico, a analogia não prova a veracidade de uma conjectura, mas pode refutá-la.‖ As analogias possibilitam a análise de domínios semelhantes ampliando perspectivas de entendimento e permitindo contestações. Considerações finais Este texto procurou ressaltar a História da Matemática tendo como coadjuvante o Pensamento Analógico. Este foco faz sentido na medida em que se procura refletir sobre a epistemologia da Matemática e suas implicações no âmbito do ensino/aprendizagem. Analogias descortinam as interações implícitas na rede de significados. É importante acentuar a função da analogia no que diz respeito às transformações cognitivas advindas em virtude de sua utilização no processo de entendimento de conceitos abstratos. É possível formatar uma estratégia de participação das analogias na (re)construção de significados no interior da rede de conhecimentos. É pertinente ainda manter cuidado durante determinado processo analógico para evitar desvios de significados e limitações ou simplificações nas investigações. Referências bibliográficas ABDOUNUR, Oscar João. Matemática e Música: O pensamento analógico na construção de significados. - 3ª. Edição – São Paulo: Escrituras Editora, 2003. (Coleção Ensaios Transversais) ÁVILA, Geraldo Severo de Souza. Várias faces da Matemática. São Paulo: Blucher, 2007. Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 8 GODINO, J. D. 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