MAÇONARIA E EDUCAÇÃO POPULAR: ESPAÇOS DE CIRCULAÇÃO DO IDEÁRIO EDUCACIONAL MAÇÔNICO (1870/1889) Milena Aparecida Almeida Candiá UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, NITERÓI - RJ – BRASIL [email protected] Palavras-chave: Maçonaria, Educação Popular, Conferências Públicas O presente estudo tem como temática de investigação a atuação da Maçonaria no cenário cultural e educacional brasileiro, no período de transição entre Império e República. Nosso objetivo tem sido compreender de que forma as Conferências Populares da Glória – preleções públicas realizadas em escolas da freguesia da Glória (RJ) - tornaram-se um espaço privilegiado para a circulação e concretização de um projeto educacional maçônico. Experiência que teria, garantido, em certa medida, ações concretas em prol da expansão da escolarização popular na Corte entre os anos de 1874 a 1889, dentre as quais citamos a fundação da Associação Promotora da Instrução (1874), instituição que protagonizou, entre outras iniciativas, a criação da Escola Senador Corrêa (1883) e do Museu Escolar Nacional (1883). Além disso, a pesquisa tem buscado compreender o papel da organização maçônica no movimento associativista do final do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, divisando em que medida o princípio de associação serviu como norte para a consolidação das propostas de expansão da escolarização popular neste período. Nesse sentido, tem-se procurado entender o espaço das Conferências Populares como uma das instituições-chave pelas quais se manifestaram e se evidenciaram os princípios norteadores de um projeto de sociedade do qual a educação popular teria ganhado centralidade. Um espaço fundamental para a transmissão e recepção de uma cultura política gestada dentro das lojas maçônicas. De acordo com Carvalho (2007), as Conferências Populares da Glória foi a primeira iniciativa de êxito de promover debates abertos sobre temas de interesse público. Instituídas em 23 de novembro de 1873, sob a coordenação do Conselheiro Manoel Francisco Correia (1831-1905)1, seu idealizador, essas conferências estenderam-se até a República. Realizadas em um salão das escolas públicas da Freguesia da Glória, no Rio de Janeiro, tiveram o intuito, segundo seu organizador, de estabelecer um espaço para a divulgação da ciência, das artes e da cultura em geral. Os levantamentos minuciosos realizados inicialmente por Fonseca (1996) e posteriormente por Carula (2007), no período de 1873 a 1880 registram um total de 354 conferências com a participação de cerca de 90 conferencistas, os quais eram, em sua maioria, médicos e bacharéis reconhecidos em outros círculos letrados e institucionais. Muitos deles atuavam junto ao Conselheiro, seja no parlamento, na Associação Promotora da Instrução, na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro ou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; estando esses intelectuais, de alguma maneira, engajados com a causa educacional. Para Carula (2007), tais preleções, tomadas pela elite letrada carioca como um novo espaço de sociabilidade, transformaram-se em um locus privilegiado de formação de opinião pública. Segundo a autora, a tribuna da Glória ganhara destaque na imprensa, que trazia artigos sobre as ideias ali difundidas pelos intelectuais presentes naquela tribuna, visibilidade que teria garantido, em certa medida, a legitimidade deste novo espaço de sociabilidade, colaborando, assim, para a disseminação e cristalização das ideias apresentadas. Sua divulgação pela imprensa teria permitido, ainda, a diluição das contundentes críticas expostas pela comunidade católica, deixando transparecer o acirramento do embate ideológico entre Igreja e pensamento liberal evidente no período. No tocante ao caráter educativo dessas conferências, Bastos (2002), sustenta que essas preleções poderiam ser consideradas como uma modernização intelectual, a qual se procurava corresponder às mudanças socioeconômicas do período. Elas estiveram intimamente vinculadas à ampliação do mercado editorial, em especial no campo educativo, como também à expansão das iniciativas de criação das bibliotecas populares e pedagógicas no final do século XIX. Karoline Carula (2007) em seu estudo já nos aponta uma possível interseção entre as Conferências Populares da Glória com a Maçonaria. Para a pesquisadora, a Imprensa, ao dar visibilidade às Conferências Populares, na década de 1870, colaborando para a legitimação desse espaço, o que teria repercutido também de forma polêmica. Representada pelo jornal O Apóstolo, a Igreja Católica, desde o início, posicionou-se frontalmente contra tal iniciativa. Foi a partir do periódico que a Igreja procurou evidenciar a relação entre as Conferências e a Maçonaria. Para os católicos do O Apóstolo, a realização desses eventos representava mais uma afronta dos maçons contra a Igreja (CARULA, 2007, p. 32-33). A autora reforça a interseção Maçonaria e Conferências populares ao registrar, em seu levantamento, a ocorrência de preleções públicas organizadas pelo Grande Oriente anteriores às da Tribuna da Glória. Alguns oradores que teriam discursado no templo maçônico, posteriormente, atuaram também na Tribuna da Glória o que reforçaria uma possível ligação desses conferencistas com a Maçonaria. Apesar de Carula (2007) não aprofundar tais assertivas, seu trabalho serviu como ponto de partida para nossas investigações. De fato, pelo que pudemos levantar até o presente momento, dos conferencistas listados pela autora, que estiveram presentes nos dois espaços aludidos anteriormente, todos eram filiados à Maçonaria do período, como veremos mais à frente. Diante do exposto, buscamos neste trabalho evidenciar o engajamento de intelectuais maçons que atuaram na idealização e efetivação das Conferências Populares da Glória. Sustento a hipótese de que essas conferências teriam servido como um espaço privilegiado de circulação de um ideário educacional maçônico. Em especial, o projeto de expansão da escolarização popular por intermédio da mobilização da sociedade civil pelo princípio da associação. A título de contextualização, vale ainda ressaltar que a atuação maçônica no território brasileiro, apesar de ininterrupta, ocorreu em ritmo bastante peculiar. No decorrer de seu processo de institucionalização e expansão no século XIX, cisões e conflitos marcaram a dinâmica desta organização, evidenciando limites e contradições. Tais conflitos tornaram-se mais evidentes com a divisão da Ordem em dois pólos de ação, quando, no período entre 1863 e 1883, a Maçonaria transformou-se em um campo de disputa entre diferentes concepções sobre a forma de atuação na sociedade. Observa-se neste período uma acirrada polarização de seu poder central, dividido entre duas potências distintas: O Grande Oriente do dos Beneditinos (mais tarde Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil), afinados mais claramente com as orientações republicanas e liderado por Saldanha Marinho e o Grande Oriente do Brasil, do Vale do Lavradio, de orientação monarquista, liderado pelo Visconde do Rio Branco. De acordo com Barata (1999), a primeira Obediência citada acima sofria grande influência da corrente maçônica francesa, adepta a uma atuação mais vigorosa e política da maçonaria na sociedade, enquanto, a segunda, com maior influência da corrente inglesa, sustentava a ideia de que a maçonaria deveria se identificar com a fraternidade universal, restringindo sua ação à filantropia, à beneficência e ao aperfeiçoamento moral e intelectual das massas. No entanto, podemos sustentar que essas discordâncias não impediram, em certa medida, que a Maçonaria apresentasse um projeto de ação mais ou menos coeso no período. Para Barata (1999), a “alta política” empreendida por esta instituição pode ser observada a partir de seu engajamento nos grandes temas que agitaram o cenário político e social da época, como o movimento abolicionista e o movimento republicano, como também seu envolvimento em projetos sociais, dos quais a expansão da escolarização popular. Como suporte empírico a pesquisa tem se apoiado em fontes documentais diversas. A imprensa maçônica, sobretudo, tem se configurado como matéria-prima essencial para a investigação, a qual tem permitido a identificação de uma rede de intelectuais maçons que protagonizaram o movimento associativo maçônico nas décadas de 1870 e 1880. Os dados que ora apresentamos são o resultado de nossa pesquisa documental nas publicações do Boletim do Grande Oriente do Brasil (1871-1880) e, de forma mais lacunar, nas do Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo do Brasil (1873-1877). Utilizamos como principal registro sobre as Conferências, a revista Conferências Populares, de 1876, é uma compilação de uma série de Conferências proferidas naquele ano como de anos anteriores. Apoiamos, ainda, para um efetivo cruzamento de dados, nas publicações Almanak Administrativo Laemmert, no Dicionário bibliographico brasileiro de Sacramento Blake e o Jornal do Comércio. Apresento a seguir os primeiros resultados da pesquisa, guardando a devida atenção ao caráter ainda introdutório dos mesmos. “Pão. Lição e Moral” Da caridade à expansão da educação elementar pela Maçonaria no Brasil (1870-1889) Instrução e educação Sejamos coerentes. Digamos ao mundo de fora, que nos não conhece, o que somos e para que nos congregamos, mas, sem frases, com fatos, tão somente.. [...]. A desventura que nos contempla com olhar suplicante, que assiste á nossas dissidências tonantes, que põe as mãos ante o vulto da beneficência que representamos, quer pão para o corpo e pão para a alma. Nós, povo livre e sensato reunido em nome de Deus, que é sê- lo em nome da Suprema Verdade devemos à realidade de nossa Instituição Soberana os melhores esforços nossos, que nos traduzam perante o vulgo, para que esse mesmo vulgo saiba o que o ultramontanismo a nosso respeito, pretende em vão ocular. Nós, povo de antigas tradições, [...] temos rigorosos deveres a cumprir para que nossa Ordem seja o que não são as demais ordens profanas. A plena liberdade do homem só nasce no pleno conhecimento de seus deveres e estes deveres só os compreende quem é policiado nas doutrinas humanas, de que diariamente a inteligência alarga os limites. Ler, escrever e contar é apenas o balbuciar do cultivo intelectual: é apenas só o instrumento que abre o livro, a alavanca que subleva o cálculo, o maquinismo dos sentidos que tem de explorar os domínios psicológicos, para que o homem compreenda o seu corpo e saiba entender a sua alma. [...] O povo que não sabe, quer a instrução para saber. O povo ávido de saber não se importa ir ouvir a lição na escola, no templo ou na oficina do trabalho. O povo, que tem sido enganado até hoje pela indolência ou má vontade, tem hoje, mais do que nunca,foros cristãos que lhe dão direitos a compartilhar o cabedal da instrução, que é tão alimento da humanidade que pensa quanto o pão é alimento do corpo que tem fome. [...] Somos justos, pois pondo em prática todos os meios para esclarecer a mente de nossos semelhantes, sobretudo daqueles que não têm meios materiais para sujeitar-se aos estatutos de escolas públicas e particulares. E são esses desprotegidos os nossos discípulos naturais aqueles que devemos chegar a nosso coração afetuoso. Somos honestos e da honestidade reconhecendo todas as supremas vantagens, em sociedade culta e adiantada, porque é cristã, corre-nos o dever imperioso de disciplinar costumes e usos ao mesmo tempo em que damos cabedal de ciência. Educar e instruir. Saber e não ser educado; ser educado e não ser instruído são dois estados defeituosos, dois absurdos humanos, que nada os desculpa. Mais e muito mais do que se pensa, deve-se a esses dois absurdos as grandes desgraças não só, mas também a grande corrupção de que anda a nossa humanidade presente eivada. Levantemos um obstáculo sério a esses desregramentos, já que está em nossas forças fazê-lo; mas façamo-lo com a mais completa boa fé, e com largas vistas generosas de futuro próspero. O óbolo que cai na bolsa da beneficência significa pão, lição e moral. Exercitemos a caridade como deve ela ser, para que seja, não esmola, mas uma santa realidade. Quando dermos esta chamada esmola, dessa sorte, ela não fará mendigos; mas do mendigo sairá um novo homem renascido em vivas crenças. E porque não teremos nós a grande satisfação de sermos coerentes? A ideia revolve-se no nosso seio maçônico. A luz aparece no horizonte de nossos fastos. Seja ela a estrela que guie á redenção, á nós que temos fé viva na possibilidade de fazer da verdadeira educação e instrução duas grandes potências do bem. E isso faremos porque somos coerentes.(Boletim do Grande Oriente do Brasil,Agosto/ Setembro 1872, pp. 333-336. O recorte acima esboça em boa medida o projeto educacional empreendido pela maçonaria no período recortado pela pesquisa. A temática educacional aparece de forma recorrente nos boletins oficiais maçônicos, o que nos sugere não só o grande interesse pelo assunto, mas um esforço de concretização de tal projeto. Imbuídos pelas idéias de “progresso e liberdade”, o entusiasmo maçônico em torno da causa educacional foi bastante difundido dentro e fora do país. Tomavam sobre si a tarefa de civilizar a humanidade, entendida a instrução-educação como alimento do espírito, assim como o era o pão para o corpo. Os maçons adotaram como principais frentes de ação a propagação da educação elementar por intermédio da criação de escolas, bibliotecas populares, liceus de artes e ofícios, asilos de orfandades, entre outras instituições educativas, bem como a fundação de jornais e a realização de conferências públicas. O ensino livre foi, muitas vezes, tomado como a primeira alavanca para se obter a união e a ordem social dos homens. As escolas livres e gratuitas deveriam garantir uma sólida instrução através da qual se atingiria maior tolerância entre os credos e se desembaraçaria a ciência do dogmatismo religioso. A importância da instrução da mulher e de seu papel na formação das novas gerações também foi tema recorrente nas propostas educacionais maçônicas no período, aparecendo como tema central em vários discursos e conferências. São inúmeros os registros de iniciativas por parte de lojas maçônicas de fundação e manutenção de instituições educativas. São criadas na Corte e nas províncias escolas de primeiras letras bem como escolas, e aulas noturnas destinadas às classes trabalhadoras, algumas delas atendendo a filhos de escravos e também cativos. A maioria dessas escolas funcionava nos próprios templos das lojas maçônicas, as quais muitas vezes criavam também bibliotecas populares. Observa-se ainda registros de doações em dinheiro à Sociedades e associações mantenedoras de.instituições de assistência e instrução à infância. Merece destaque a Imperial Sociedade Amante da Instrução (1831) que teve em seu quadro administrativo diversos maçons, entre eles o Senador Francisco Balthazar da Silveira, José Librerato Barroso, Antonio Álvares Coruja, Luiz Antonio da silva Nazareth. Cabe destacar a criação da Associação Promotora da Instrução (1874) (de meninos e meninas) presidida pelo Conselheiro Manoel Francisco Correia e que até o final do Império manteve diversas escolas em diferentes bairros do município da Corte. A criação dessas instituições, tanto aquelas voltadas para os filhos de maçons quanto aquelas destinadas à infância desvalida ou a classe trabalhadora, em parte, pode ser entendida como uma estratégia de ação frente ao acirramento do conflito ideológico entre maçonaria e Igreja Católica desencadeado pela Questão Religiosa (1872). A efetivação de um projeto de escolarização das classes populares foi uma tentativa de fazer valer seu lugar na sociedade enquanto uma instituição de valores progressistas e civilizatórios. . Assim, podemos afirmar que neste período, a Maçonaria se esforçava em consolidar sua função social enquanto uma instituição filantrópica e de auxílio mútuo, visando neutralizar as acusações difundidas pela Igreja, na sua maioria de cunho conspiratório. Inserido neste projeto de difusão das luzes, um tema bastante recorrente foi a realização de Conferências públicas maçônicas. Do que pudemos levantar, fica claro que era prática bastante difundida na década de 1870 a ocorrência de conferências dentro da Maçonaria, sejam aquelas organizadas no âmbito de Lojas ou por grupo de maçons fora dos limites da instituição. Vale citar como exemplo, neste período, as Conferências Democráticas do Cassino2, série de preleções realizadas em Lisboa em 1871, organizadas por um grupo de intelectuais, liderados por Antero de Quental. No Brasil citamos as Conferências do Grande oriente Unido e aquelas realizadas na loja 18 de Julho. Sob a influência da maçonaria francesa, verdadeiro centro de difusão do ideário maçônico no período, e movidos por uma tônica fortemente anticlerical, os intelectuais estiveram voltados não apenas em difundir os preceitos maçônicos, mas, sobretudo, transformar esses espaços de debates em verdadeiros veículos de propagação da instrução popular. Assim, discursaram sobre temas pertinentes à época, como a secularização do Estado, casamento civil, a família, o ensino laico, a educação das classes operárias, o princípio de associação e o papel da mulher na sociedade. Desse modo, propunham: Imitemos os nossos irmãos franceses promovendo em nossas lojas conferências, onde sejam admitidos os profanos, ou seja, então elas feitas em lugares públicos para que todos conheçam o que somos e o que pretendemos, e uma vez por todas respeitem-nos como amigos da humanidade, sem os preconceitos calculadamente instigados pelos modernos jesuítas. É um meio de fazer conhecer em toda a sua pureza em toda a sua glória a Maçonaria que, não deve somente instruir os seus filhos, mas propagar também a instrução em todas as classes.3. Em maio de 1873 inauguraram conferências públicas no edifício do Grande Oriente Unido (dos Beneditinos). Tomadas como meio de ensino e propaganda, preconizado pelos exemplos das nações mais cultas, essas conferências abordaram em especial temas concernentes á questão religiosa. Nos dois primeiros meses de realização dessas preleções, estiveram presentes entre outros oradores os maçons Conselheiro Dr. José Liberato Barroso, cuja conferência versou sobre O espírito do cristianismo; Joaquim Nabuco, abordando o tema.A invasão ultramontana; Dr. Thomaz Alves Júnior discursando sobre A separação da igreja e do Estado ; Pedro Meirelles com o tema Formação e decadência da igreja: a verdade sobre os jesuítas, os quais também atuaram na Tribuna da Glória. Além dos já citados aparecem no Boletim do Grande Oriente Unido como conferencistas os maçons Jose Antonio Fernandes Lima, João Pizzaro Gabizo e Augusto Cezar Miranda de Azevedo, Rodrigo Octavio, todos presentes posteriormente no espaço das ConferênciasPopulares da Freguesia da Glória. 4 Atento a tais iniciativas, registrou o boletim do círculo dos Beneditinos: A bela, feliz e grandiosa iniciativa de conferências públicas, inauguradas pelo grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil na Corte, se tem propagado como semente fecunda em muitas localidades do império. A heróica província do Rio Grande do Sul inaugurou por sua vez essas conferências e o mesmo se tem feito em S. Paulo, Minas, Pernambuco, e até no Ceará, graças à força de vontade das lojas maçônicas daquelas províncias. Já por diversas vezes temos procurado despertar entre nós o interesse por esse gênero de instrução fecunda, agradável e gratuita. De novo lembramos principalmente aos bons maçons a inauguração das conferências públicas. Não nos esqueçamos que ao lado do óbolo que dispensamos aos necessitados de pão para o sustento do corpo, devemos dar com mais profusão o pão intelectual para o desenvolvimento e sustento do espírito que carece de vida e de luz. Lembremo-nos que a instrução ampla e gratuita, por qualquer forma dada ao povo, será a base sólida da maçonaria. Os que se instruem raro se esquecem da gratidão que devem a quem os instruiu. Lembremo-nos ainda que a maçonaria é uma vasta escola da mais pura filosofia. A instrução é seu principal desideratum. Nos templos abramos os livros da verdade, pois importa muito que sejamos instruídos. No mundo profano abramos escolas, instituamos conferências francas para o povo; daí virá o grandioso futuro compensar as fadigas do presente.5 No tocante à difusão das conferências públicas no seio da Maçonaria, cabe ainda ressaltar a iniciativa da Loja Dezoito de Julho, filiada ao círculo do Lavradio. Pelo que tudo indica foi esta oficina pioneira na realização de sessões voltadas para as discussões filosóficas dentro do círculo. Tal evidência tornou-se relevante para a presente investigação, uma vez que eram membros atuantes desta Loja alguns conferencistas da tribuna da Glória. Além do próprio Conselheiro Manoel Francisco Correia, idealizador e organizador das conferências Populares, citamos como membros efetivos da Loja o Desembargador Tristão de Alencar Araripe, os médicos Dr. Luiz Correia de Azevedo, Dr. Soeiro Guarany, todos atuantes naquela tribuna. Já em 1871 essa loja realizou algumas discussões sobre pontos filosóficos de interesse maçônico, com o intuito de induzir seus membros aos estudos dos “mistérios” da Ordem. Posteriormente, tais discussões constituíram-se na principal ordem do dia dos trabalhos da Loja, franqueando suas sessões aos obreiros das outras oficinas dos Círculos. Mais tarde, no mesmo período da inauguração das conferências do círculo dos beneditinos, estende suas preleções ao público profano, com a presença também do público feminino. Sobre sua iniciativa original, assinalou o articulista do Boletim do Grande Oriente do Brasil, em seu 2º número, em janeiro de 1872: Fazemos votos para que ela não esmoreça em tão louvável intuito: com tais esforços consegue-se robustecer a têmpera do espírito em lutas lealmente travadas e do embate das armas da inteligência do estudo sempre faíscam centelhas de saber e de ciência, incentivo muito mais nobre sem dúvida do que as discussões pessoais e mesquinhas que apenas concorrem para que o gelo da descrença e do desânimo invada o coração dos verdadeiros Filhos da Viúva. (Grifos do autor). 6 Ainda não foram encontrados registros que justifiquem a iniciativa de intelectuais maçons de criar um novo espaço para a realização de conferências públicas, visto que tais eventos já eram difundidos por lojas maçônicas. Como veremos a seguir, alguns desses intelectuais também estiveram à frente da criação e administração da Associação Promotora da Instrução, sociedade a qual coube, mais tarde, a organização das Conferências Populares da Glória. A hipótese que levanto, ao considerar o contexto de crise entre Maçonaria e Igreja no período, é a de que se buscou, a partir da efetivação da Tribuna da Glória, garantir, ao mesmo tempo, a ampliação e popularização de tais práticas culturais quanto a sua legitimidade, garantida pelo caráter de neutralidade das mesmas, já que neste espaço “teoricamente” era vedada qualquer discussão de ordem política ou religiosa. Outra hipótese que levantamos seria a de que não havia consenso por parte das Altas oficinas do grande oriente do lavradio na liberação para a abertura de seu edifício para a realização de sessões com a presença do público profano, ao contrário do oriente dos Beneditinos, o que teria levado o Conselheiro Correia, filiado ao grande oriente do lavradio estender esta proposta a um espaço profano. Outro indício que reforça a relação entre a Maçonaria e a realização das Conferências Populares revela-se na disposição das lojas Dezoito de Julho e de sua filial Igualdade Beneficência, de realizarem doações, no ano de 1874, para a Associação Promotora da Instrução, instituição criada em janeiro de 1874 no salão das Conferências Populares, por iniciativa do Conselheiro Correia e de um grupo de intelectuais composto por conferencistas, alguns identificados como maçons da já citada Loja Dezoito de Julho. Assim, procuramos no item seguinte, apresentar os resultados preliminares de desta pesquisa sobre a atuação desses intelectuais em prol da expansão da escolarização popular na Corte nas últimas décadas do Império. Conferencistas maçons na Tribuna da Glória (1873-1880) Conferencista Profissão Manoel Francisco Correia (Junior) (1831-1905) Bacharel em Direito (SP) Antenor Augusto Ribeiro Guimarães Augusto Cezar de Miranda Azevedo(1851-1907) Luiz Joaquim DuqueEstrada Teixeira (1836-1884) João Batista da Silva Gomes Barata(?/?) Tristão de Alencar Araripe (1821-1908) João Pizarro Gabiso Joaquim Nabuco Barreto de Araújo (1849- 1910) José Liberato Barroso (1830-1885) Alexandre José Soeiro de Faria Guarany Luiz Alves Leite de Oliveira Bello(1848-1915) Galdino Emiliano das Neves (?-?) Affonso Celso de Assis Figueiredo(1836- 1912) Thomaz Alves Júnior (1830-1895) Luiz Correia de Azevedo (? /1879) Francisco Antônio de Carvalho (1855- 1879) Rozendo Muniz Barreto(1845-1897) Rodrigo Octávio de Oliveira Menezes(1839-1882) Pedro Rodrigues Soares de Meirelles (1849-1882) Eliseu de Souza Martins(?/?) José Antônio Fernandes Lima(?-?) Hilário Soares de Gouvêa(1843-1923) Affonso Celso de Assis Júnior(1860-1938) Filiação maçônica e outras Sociedades Loja Dezoito de Julho (Lavradio) Ass. Promotora da Instrução Ass. Mantenedora do Museu Escolar Instituto Histórico e Geográfico Sociedade de Geografia do RJ Nº de conferências Médico Grande Oriente dos Beneditinos 13 Médico Grande Oriente dos beneditinos 12 Bacharel em Direito (São Paulo) Político Associação Promotora da instrução 11 Grande Oriente dos Beneditinos 06 Bacharel em Direito Médico Instituto Histórico e Geográfico 04 Grande oriente dos Beneditinos 03 Bacharel em Direito Loja América Academia Brasileira de Letras 03 Bacharel em Direito (recife) Médico Grande Oriente dos Beneditinos 03 02 41 Bacharel em Loja Dezoito de Julho (lavradio) Academia Nacional de Medicina Grande Oriente dos Beneditinos Direito (SP) Sociedade Pártenon Literário Médico Loja Amor ao próximo (lavradio) 01 Político Loja amizade 01 Bacharel em direito (São Paulo) Médico Grande Oriente dos Beneditinos 01 Loja Dezoito de Julho (Lavradio) Academia Nacional de Medicina 01 Loja Protetora das Artes (Lavradio) 01 Grande Oriente do Brasil (Lavradio) 01 Político Grande Oriente dos Beneditinos 01 Advogado Grande Oriente dos Beneditinos 01 Político Grande Oriente dos Beneditinos 01 Grande Oriente dos Beneditinos 01 Grande Oriente dos Beneditinos 01 Academia Brasileira de Letras 01 Bacharel em Ciências sociais e jurídicas (São Paulo) Médico 02 As conferências Populares e a Associação Promotora da Instrução (1874). Das diversas conferências que tiveram como tema a educação, observa-se a tônica dada ao papel das associações particulares como elementos de difusão da instrução popular, temática que esteve presente de forma bastante sistemática nas preleções do Conselheiro Manoel Francisco Correia. Em seu discurso, ao se referir à instrução pública como um assunto do maior interesse social e de progresso individual, demonstra sua preocupação com o estado lastimável em que se encontrava esse ramo da administração. Segundo o orador, para uma nação prosperar não bastaria apenas cuidar dos “melhoramentos materiais”, mas era indispensável também cuidar do desenvolvimento intelectual da nação, uma vez que tais elementos não podiam ser tomados de forma dissociada. Desse modo, amparado em levantamentos estatísticos sobre a realidade educacional do país e da realidade financeira das províncias, sustentou a necessidade da reunião de todos os esforços possíveis para que, em matéria de instrução, o país saísse da letargia em que se encontrava. Diante disso, argumenta o orador: O que cumpre então fazer para alterar profundamente uma situação que não pode trazer crédito ao Brasil? Cumpre que associações particulares operem virilmente a transformação que os algarismos estão exigindo neste ramo de serviço, cujo atraso não pode deixar de ferir o sentimento de pundonor nacional. E, assim, reforça o orador que “aquele que se isola em censurável egoísmo, não procurando senão o bem-estar individual mutila o nobre fim da criatura humana, a quem a Divina Providência, para dar-lhe maior realce, fez a um tempo membro de uma família e cidadão de um Estado” (CORREIA, 1876).7 Diríamos que o Conselheiro Correia utilizou a tribuna da Glória como espaço de mobilização de seus pares no sentido de sustentar ações para a concretização de projetos de expansão da escolarização popular, dos quais faziam parte a criação e manutenção de escolas e bibliotecas. Nessa direção, como parte desta iniciativa, em janeiro de 1874, no espaço das Conferências Populares da Glória, foram criadas duas associações voltadas para educação popular. A Associação Promotora da Instrução de Meninos e a Associação Promotora da Instrução de Meninas. Sobre isso, publicou o Jornal do Commercio, em 1º de janeiro de 1874: Instalou-se hoje, às 11 horas da manhã, no edifício das escolas da Glória, duas associações, uma de senhoras e outra de cavalheiros, que tomam a si o patriótico empenho da difusão do ensino popular. Esperamos que as províncias imitem este nobre exemplo...8 A Associação Promotora da Instrução de Meninos teve como presidente o próprio Conselheiro Manoel Francisco Correia, mantendo-se neste cargo mesmo com a junção das duas associações em 1881. De acordo com os dados até agora levantados, há fortes indícios de que o Conselheiro Manoel Francisco Correia permaneceu nesta função até a extinção da associação no início da República. Outros conferencistas fizeram parte desta associação, seja como membros de sua Administração ou de seu Conselho. Cita-se aí, além do próprio Conselheiro Correia, presidente da associação, os conferencistas Luís Joaquim Duque-Estrada, Dr. Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Conselheiro Tristão de Alencar Araripe, Dr. Feliciano Bittencourt e o professor Manoel Jesuíno Ferreira, tendo esse último ocupado o cargo de Superintendente das aulas do Curso Noturno de São Cristovão, primeiro estabelecimento mantido por esta associação. O Curso Noturno Gratuito de S. Cristovão foi fundado em 1875, no morro do Pedregulho, bairro de São Cristovão, transferindo-se logo em seguida para a Praça D. Pedro I, neste mesmo bairro, local onde funcionou por vários anos. No ano de sua fundação teve como diretor o Dr. Joaquim José de Amorim de Carvalho. Em 1877, assume esta função o Dr. Manoel Cândido da Veiga e Souza. Neste mesmo ano o Almanak publicou o seguinte registro sobre o curso: Associação Promotora tem procurado, tanto quanto lhe permitem suas forças, o maior impulso possível a fim de que o curso ocupe em breve um dos primeiros lugares entre os estabelecimentos dessa ordem. Acha-se em organização uma biblioteca que será oportunamente franqueada ao público. Com o intuito de que sejam as aulas aproveitadas por todas as classes da sociedade, funciona uma aula exclusivamente destinada a escravos. As aulas funcionam todos os dias das 4 horas da tarde às 9 horas da noite, ensinando-se as seguintes matérias: instrução primária, português, francês, aritmética e geografia. A matrícula em geral, no presente ano de 1877, já atinge ao número de 70, nas diversas aulas inauguradas em janeiro. (grifos nossos).9 A publicação traz, ainda, os nomes dos professores responsáveis pelas aulas oferecidas: Professor de instrução primária: Francisco das Chagas Pereira de Oliveira, aulas de francês: Dr. Augusto Moreira da Silva; de Aritmética: Francisco de Assis Silva Lorena e de Geografia, interinamente, seu diretor, Manoel Cândido V. Souza. Nos três anos seguintes, o Almanak repete basicamente o mesmo texto, sendo que no ano de 1880 não consta mais a aula destinada aos escravos e nem os nomes dos professores, tendo, neste mesmo ano e no seguinte, o diretor assumido interinamente todas aquelas disciplinas. Ao analisar o texto da publicação citada anteriormente, alguns pontos tornam-se significativos para nossa pesquisa, os quais acabam por suscitar novas perguntas e direcionamentos. O funcionamento de uma aula exclusiva para escravos nos chama a atenção. Ainda que desconheçamos o público atendido por este Curso, o texto nos revela a intenção, por parte da associação, de marcar sua posição diante da escolarização de uma parcela da população, cuja condição cativa contradiz à condição de classe social denotada pelo texto. O que se revela por trás da intenção de registrar tal proposta? Porque teria a associação levado a cabo esta iniciativa? Quais as concepções que nortearam esta proposta? Quem eram os sujeitos que a associação buscava realmente atender? Vale, ainda, ressaltar os conteúdos oferecidos pelo curso, que, em certa medida, amplia seu atendimento para além da formação elementar, ao oferecer matérias como o francês e a geografia. Outro aspecto relevante é a preocupação em criar uma biblioteca popular, projeto este que, segundo nosso levantamento, parece ter sido concretizado apenas em 1884, tendo como primeiro Bibliotecário Dr. Antonio da Cunha Barbosa. Com relação à Associação Promotora da Instrução de Meninas, até o momento não foram encontrados registros que evidenciem a atuação desta instituição como mantenedora de estabelecimentos voltados para a instrução. Apenas no ano de 1875, o Almanak publicou a aprovação, pela presidência desta Associação, da abertura de um internato gratuito para meninas e a fundação de uma biblioteca no mesmo internato. No entanto, ainda não encontramos registros sobre este estabelecimento.10. No início da década de 1880, ocorre a fusão das duas associações, pelo decreto nº 8229, de 26 de agosto de 1881, passando a denominar-se Associação Promotora da Instrução. Neste mesmo ano são iniciadas as obras de construção de prédios próprios para as escolas mantidas pela associação, tendo como engenheiro responsável Antônio de Paula Freitas. Além do curso noturno de São Cristovão, são registradas, a partir deste ano, mais duas escolas mantidas pela associação: A Escola da Glória, que mais tarde ganhou a denominação de Escola Senador Correia, e a Escola de Santa Izabel, que funcionou na Rua do Boulevard 28 de setembro, na Vila Izabel, tendo como superintendente de suas aulas Carlos Américo dos Reis. Em 1882, ainda sob a direção de Manoel Cândido da Veiga e Souza, o Curso de São Cristovão passa a funcionar em prédio próprio ainda inacabado, na Praça D. Pedro I, nº 7.11 Outras mudanças são empreendidas no curso, entre elas cita-se a ampliação das aulas. Além das já citadas anteriormente, são oferecidas também aulas de geometria, inglês, doutrina cristã, latim e religião. Além disso, nota-se a freqüência de ambos os sexos, sendo que, no ano de 1884, o curso registrou para o sexo masculino 245 alunos e para o sexo feminino 95 alunas matriculadas, apresentando-se como estabelecimento misto12. A escola Senador Correia, construída a partir de recursos agenciados por uma comissão13, inaugurou suas aulas noturnas a dois de abril de 1883, sob a direção de Ubaldino do Amaral (também maçom). As matérias lecionadas eram geografia, aritmética, história do Brasil, gramática portuguesa, leitura, francês e doutrina cristã. Neste ano registrou-se o número de 346 alunos matriculados nas diversas aulas da escola. Pelo que pudemos levantar, diferentemente do curso de São Cristovão, não eram oferecidas, na escola aulas de instrução primária. A Escola Senador Correia tem sua instalação definitiva em prédio próprio, em sessão solene de 11 de setembro de 1888, no Largo do Machado, Catete. No Almanak do ano seguinte, 1889, a Associação registra o mesmo endereço como sua sede. Traz, ainda, a informação de que todos os prédios das escolas mantidas pela Associação estavam concluídos, possuindo mobílias especialmente encomendadas para elas. Na década de 1880, outras associações também aparecem de forma menos sistemática em nosso levantamento, das quais destacamos a Associação Propagadora dos Cursos Noturnos e Associação Protetora da Instrução da Freguesia do Engenho Velho. Nas administrações dessas duas instituições aparecem nomes que estiveram presentes também na administração da Associação Promotora, como também conferencistas e maçons. Na primeira, localizamos como Presidente Honorário o Barão Homem de Mello, que em anos anteriores figura como sócio integrante do corpo administrativo da Associação Promotora da Instrução. Além deste, consta ainda como Presidente Dr. Carlos Leôncio de Carvalho, Bento da Cunha Figueiredo e o Barão de São Félix (Vice-Presidente), este último, membro do Grande Oriente dos Beneditinos.14 Nas publicações do Almanak sobre tal associação não há registros de seu endereço de sua sede nem escolas mantidas pela mesma. Já a Associação Protetora da Instrução da Freguesia do Engenho Velho, com sede na rua S. Francisco Xavier, 7, teria sido fundada oficialmente em 20 de setembro de 1883 e mantinha o Liceu do Engenho Velho, cujas aulas noturnas funcionavam cotidianamente das 6 às 9 horas. Consta como presidente da mesma instituição o Barão de Ibituruna, também ex-membro da Associação Promotora da Instrução, Alexandre José Soeiro de Faria Guarany (2º Presidente), conferencista e membro da Loja Maçônica 18 de Julho.15 Diante desses indícios, poderíamos levantar como hipótese a ideia de que tais atores fizeram parte de uma mesma rede de sociabilidade, na qual sustentaram, de forma sistemática e concreta, o princípio de associação como elemento primordial para o projeto de expansão da escolarização popular naquele período. Neste caso, estariam eles multiplicando suas frentes de atuação? Cabe ainda ressaltar que a Associação Promotora da instrução apresentou um padrão diferenciado em relação às outras associações particulares mantenedoras da instrução popular no período, como a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, a Associação Propagadora da Instrução das Classes Operárias da Freguesia da Lagoa e o Liceu de Artes e Ofícios. Sua diferenciação residiria no fato de que ela não recebia subvenções do Estado. Sua sólida organização lhe permitiu angariar recursos para a construção e manutenção de suas escolas, modelo que mais se aproxima ao defendido pelo seu idealizador e presidente, que sempre sustentou o papel da sociedade civil, enquanto ente colaborador do Estado em defesa do desenvolvimento social e econômico de uma nação. Bastos (2008) assinala que esta Associação teria funcionado como coirmã da Sociedade Mantenedora do Museu Escolar Nacional (1883), das quais foram requisitados, por B. Franklin Ramiz Galvão, Inspetor Geral da Instrução Primária e Secundária, a biblioteca e o material clássico do Museu Escolar Nacional, a fim de integrarem o Pedagogium, museu pedagógico criado na República, em 1890, por Benjamin Constant. Segundo a autora, a Sociedade Mantenedora do Museu Escolar Nacional, criada também por proposição do Conselheiro Manoel Francisco Correia, logo após o encerramento da Exposição Pedagógica, em setembro de 1883, teve a finalidade de fundar e manter Museu Pedagógico do Rio de Janeiro. 16 A identificação dos nomes que compuseram a Diretoria desta Associação, no ano de sua fundação, constitui-se em indício relevante para essa pesquisa, uma vez que vários de seus membros eram filiados à Maçonaria ou guardaram uma estreita ligação com ela. Além da já citada filiação do Conselheiro Manoel Francisco Correia, como 2º Vice-Presidente, também eram maçons o Presidente e o 1º Vice-Presidente da Associação, respectivamente Conde d’Eu e o Senador Visconde do Bom Retiro. Sobre o Conselheiro Leôncio de Carvalho, que ocupou nesta Diretoria o cargo de 1º Secretário, há fortes indícios de sua estreita relação com a Maçonaria, tendo fundado, em 1882, em São Paulo, com o apoio da maçonaria paulista, a Sociedade Propagadora da Instrução Popular, mais tarde, Liceu de Artes e Ofício.17 Vale, ainda, ressaltar a estreita relação entre atores com direcionamentos políticos aparentemente contrários, visto que o grupo que esteve à frente da organização das conferências e da Associação Promotora da Instrução teve significativa penetração na ordem política imperial. O que contrasta com a trajetória, por exemplo, de Benjamim Constant, republicano histórico e responsável pela criação do Museu Pedagogium, “flor exótica” do projeto educacional republicano (BASTOS, 2008). Os indícios que emergiram na pesquisa vão revelando a complexidade que envolve tal interseção, a qual não pode ser apreendida apenas pela filiação partidária dos autores envolvidos e nos permite compreendê-la como uma rede de sociabilidade, que se articula a partir de afinidades diversas - ideológicas, profissionais, familiares, de amizades e associativas. Esses indícios possibilitam, ainda, incluí-la na sociabilidade maçônica, visto que vários destes intelectuais eram maçons ou tiveram uma estreita relação com a Maçonaria, afinidade que teria contribuído para a consolidação de projetos voltados para a difusão da instrução elementar, nas últimas décadas do Império. Referências Bibliográficas ANDRADE, Alex Moreira. Maçonaria no Brasil (1863-1901): Poder, Cultura e Idéias. Dissertação. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2004. 2 v. BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira (18701910). 1. Ed. Campinas: Editora da Unicamp - Centro de Memória da Unicamp, 1999 BASTOS. M. H. C. As Conferências populares da Freguesia da Glória (1873/1890). In: Anais do II CBHE. Natal. S002. ______. O Pedagogium: Registros de memórias da Educação no Brasil (1890-1919) In: Anais do VII Congresso Luso-Brasileiro de História da educação. Eixo 6: Instituições educativas e Cultura Material Escolar 2008. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário bibliographico brasileiro. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883-1902. 7 v. CARULA, Karoline. As Conferências Populares da Glória e as discussões do darwinismo na imprensa carioca (1873-1880). Dissertação. Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2007. CARVALHO, José Murilo de. As Conferências Radicais do Rio de Janeiro: novo espaço de debate público. In: CARVALHO (org.). Nação e Cidadania no Império: Novos Horizontes. Rio de Janeiro. Editora Civilização Brasileira. 2007, pp. 17-42. COLLICHIO, Therezinha A. F. Dois eventos importantes para a história da educação brasileira: A Exposição pedagógica de 1883 e as Conferências Populares da Freguesia da Glória. In: Revista da Faculdade de Educação/USP. São Paulo. Vol. 13, nº 2. Julhodezembro de 1987. FONSECA, Rachel Fróes da. As Conferências populares da Glória: A divulgação do saber científico. In: Revista Manguinhos. Rio de Janeiro. Vol.II (3). Nov 1995 / Fev1996. MONTEIRO, Vanessa Cristina. A Querela Anticlerical no Palco e na Imprensa: Os Lazaristas. Dissertação de Mestrado. Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas. 2006. SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: R. Rémond (org.). Por uma nova história política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 2003, pp.231-270 Fontes Periódicos (Acervo Biblioteca Nacional) Boletim do Grande Oriente do Brasil, Rio de Janeiro, 1871-1880. Conferências Populares, Rio de Janeiro, 1876. Jornal do Commercio (janeiro 1874) Arquivo Digital: Center for Research Libraries –University of Chicago ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1874. (fac-símile). Notas 1 Nasceu a 1º de novembro de 1831, na cidade de Paranaguá (PR); faleceu em junho de 1905, no Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo; Presidente de Província, Conselheiro de Estado Extraordinário, Deputado e Senador (1877-1889) pela província do Paraná e Ministro dos Negócios Estrangeiros no gabinete de Rio Branco; Chefe da Diretoria Geral do Tribunal de Contas (governo de Floriano Peixoto). Como Chefe da Diretoria Geral de Estatística, dirigiu o primeiro recenseamento da população do Império. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, membro fundador da Associação Promotora da Instrução (1874), da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (1883). Ver BLAKE, 6º volume p. 84-86. 2 Refere-se a uma série de cinco palestras realizadas no Cassino Lisbonense, no ano de 1871, pelo grupo do Cenáculo, grêmio formado por um grupo de jovens escritores e intelectuais liderados ideologicamente por Antero de Quental e José Fontana, grupo do qual fizeram parte alguns dos maiores escritores da Literatura portuguesa no período, como Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, entre outros. Racionalistas, herdeiros do positivismo de Comte, do idealismo de Hegel e do socialismo utópico de Proudhon e SaintSimon, em defesa da relevância de um reformismo social para Portugal. Em sua pesquisa, Monteiro (2006) buscou reconstituir historicamente o impacto ideológico provocado pela censura da representação da peça Os Lazaristas, no Brasil, em 1875. Nesse trabalho a pesquisadora trouxe à luz fortes indícios do vínculo da Maçonaria brasileira com as produções culturais em fins do século XIX. al. Ver Monteiro (2006). 3 Ver Boletim do Grande Oriente do Brasil, maio de1872, p. 182. 4 Além dos já citados conferencistas aparece como oradores da tribuna do Grande Oriente os maçons Luiz de Oliveira Bello com o tema A igreja perante a história e J. A. Pinto Júnior, com a preleção A Igreja Católica e o jesuitismo. Ver Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo conselho do Brasil, Abril a Junho de 1873, p. 425. Ver ainda o trabalho de Carula (2007) 5 Ver Boletim do Grande Oriente Unido, Abril e Julho de 1874, p. 515-516. 6 Idem, Janeiro de 1872, p. 68. 7 Idem, p. 9. 8 Ver Jornal do Commercio, 01 de Janeiro de 1874, p. 3. 9 Ver ALMANAK LAEMMERT, 1877, p. 502 10 Idem, 1875, p. 466. 11 Tudo indica que a finalização das obras deste prédio ocorreu no ano de 1887, tendo naquele ano como diretor o Sr. Alexandre da Silva Vaz e como Superintendente das aulas o Dr. Francisco de Assis Mascarenhas. Ver ALMANAK LAEMMERT, 1887, parte IV, p. 1574. 12 Idem, 1884, parte IV, p. 1249 13 Sobre os integrantes dessa comissão ver: ALMANAK LAEMMERT, 1883, parte IV, p. 1321. 14 Idem, 1881, p. 502. 15 Idem, 1888, parte IV, p. 1586 16 Para Bastos (2008), os eventos em torno da criação do Museu Escolar Nacional (1883) e de outros projetos que envolveram a realização de pareceres, conferências inserem-se na representação da modernidade educacional brasileira expressa já na década de 1870. Tais eventos, em certo modo, reitera a autora, decorrem da participação de seus idealizadores nas exposições internacionais, do contato com publicações e de visitas a instituições educacionais estrangeiras. Práticas que teriam colocado o país em contato com o processo de consolidação da educação como signo de civilização e de progresso. (BASTOS, 2002, p. 2) 17 Sobre a ligação de Leôncio de Carvalho com a Maçonaria, ver: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_v erbete=3768