alterações eletrocardiográficas nos ferimentos

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ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS NOS FERIMENTOS
DO CORAÇÃO
COMENTÁRIOS SÔBRE 7 CASOS
Luis V. Décourt*
Mateus M. Romeiro Neto**
A experiência tem demonstrado que os ferimentos do coração podem
determinar as mais diversas alterações eletrocardiográficas. Na grande
maioria dos casos, entretanto, elas são bastante semelhantes às
observadas nos processos coronarianos. Deve-se acentuar, porém, que
no primeiro caso as anomalias do eletrocardiograma correspondem, em
geral, a lesões com localização e extensão bem conhecidas. Dêsse modo,
nos encontramos, muitas vêzes, em condições mais ou menos
semelhantes às produzidas experimentalmente em animais de laboratório.
De tudo isso, resulta a possibilidade de estudos bastante interessantes,
não só de ordem teórica, como ainda de valor prático.
No Serviço de Eletrocardiografia do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, tivemos oportunidade de
obter traçados sucessivos de 7 pacientes que apresentavam ferimentos
do coração. Todos foram operados no Pronto-Socorro e observados até
a cura clínica. Os 4 primeiros já foram, parcialmente, estudados por nós
2
. No presente estudo analisaremos, com maiores minúcias, em primeiro
lugar, a “corrente de lesão”, principalmente quanto às possibilidades de
diagnóstico e de localização do ferimento e, em segundo, as alterações
da onda T e do gradiente ventricular.
OBSERVAÇÕES
CASO 1 - P. V., 45 anos, masculino, branco, italiano, lenhador. Registro HC,
34.339, prontuário da 2 ª. C.C., 2.506. Admitido em 12-8-1946, às 23,30
horas, 4 horas e meia depois de ferido a faca no quarto espaço intercostal es-
Trabalho apresentado ao 4 o. Congresso Brasileiro de Cardiologia, realizado
em julho de 1947 na Bahia.
* Livre-docente de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Assistente da Seção de Eletrocardiografia do Hospital das Clínicas
(Cadeira de Física Biológica e Aplicada da Fac. Med. Univ. São Paulo Serviço
do Prof. Rafael de Barros).
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
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querdo, a dois dedos transversos do esterno. Fortemente alcoolizado, com dor
precordial, gemendo, sem dispnéia, pouco agitado, com cianose das mãos e dos
lábios. Quadro de choque sem proporção com qualquer hemorragia interna ou
externa reconhecível. Ausência de estase venosa. Pulso radial impalpável e
carotídeo pouco intenso, com 100 batimentos. Tensão arterial, zero. Bulhas
inaudíveis. À radioscopia, pneumotórax parcial esquerdo, aumento e imobilidade
da imagem cardíaca, sem apagamento do ângulo cárdio-hepático. Transfusão
imediata de 500 cc de sangue, continuada durante a operação, num total de 4.750
cc. Toracotomia precordial transpleural (Dr. Ruy Ferreira Santos), sob narcose
endotraqueal pelo éter. Pericárdio tenso, violá-ceo e imóvel. Aberto, renovou-se
a hemorragia, com melhoria da pressão sistólica, que chegou a 60 mm de Hg.
Suturado um ferimento incisopenetrante de 3 cm. na parede anterolateral do
ventrículo esquerdo, junto à mitral (fig. 1), com 6 ou 7 pontos separados, simples
e em U, de categute cromado atraumático n o. 1. Fechamento sem drenagem.
Penicilina no pericárdio e na pleura (200.000 U. Ox.). Pós-operatório com leves
acidentes: pequeno derrame pleural esquerdo, logo reabsorvido, e ligeiros sinais
de pericardite. Alta, curado, em 6-9-1946 (alta retardada para pesquisas).
Fig. 1
CASO 2 - A. F., 64 anos, masculino, branco, italiano, operário. Registro
HC, 34.522; prontuário da 2.4 C. C., 2.520. Admitido em 18-8-1946, às 9,30
horas, por ter-se ferido, em deliberação suicida, 40 minutos antes, cravando
uma agulha de crochê no precórdio, dois dedos abaixo do mamilo esquerdo.
Estado geral bom, com ligeira dispnéia e dor precordial. Cianose das
extremidades, sem estase venosa cervical. Pulso com 96 batimentos por minuto.
Tensão arterial: 100x60 mm de Hg. Ferimento puntiforme precordial, com
equimose circunjacente e ligeira elevação da pele, correspondendo ao corpo
estranho subcutâneo, e móvel sincrônicamente com o pulso. Sinais de hemotórax
confirmados pela radioscopia, que revelou, também, imagem cardíaca
aumentada e sem pulsações. Toracotomia precordial transpleural (Dr. Alvaro
188
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
Dino de Almeida) sob narcose endotraqueal pelo éter. Agulha de crochê penetrando
o 5 o. espaço intercostal, perfurando o pericárdio, transfixando a ponta do
coração - ventrículo esquerdo - e fixando-a ao diafragma (fig. 1). Hemopericárdio
discreto. Hemotórax. Retirada a agulha, não houve novo sangramento. Devido,
talvez, à extrema delgadeza da ponta da agulha, não se descobriram as lesões do
diafragma e da face posterior do coração. Na anterior, um orifício de 2 a 3 cm.
de diâmetro suturado por um ponto em X. Fechamento sem drenagem. Penicilina
na cavidade pleural (200.000 U. Ox.). Pós-operatório sem acidentes. Pequeno
derrame pleural esquerdo. Alta, curado, em 4-9-1946.
CASO 3 - J. C., 31 anos, masculino, preto, brasileiro, pedreiro. Registro HC,
4.799; prontuário da 2 ª. C. C., 3.097. Admitido em 14-2-1947, às 10,30 horas,
2 horas e meia após ter sido ferido por arma branca, no hemitórax direito, 2 cm
acima do rebordo costal. Estado geral bom. Ligeiras náuseas. Bulhas bem audíveis.
Pulso com 92 batimentos por minuto. Pressão arterial: 120 x 80 mm de Hg. No
abdome, contratura da parte supra-umbelical, mais acentuada à direita. A
radioscopia, ligeiro pneumoperitônio direito. Não há hemo, nem pneumotórax.
Coração de dimensões e batimentos normais. Indicada e efetuada uma laparotomia
exploradora (Dr. Ruy Ferreira Santos), que descobriu apenas um ferimento do
diafragma, no centro tendíneo, comunicando as cavidades peritoneal e pericárdica.
Dessa última fluía sangue vivo a cada sístole. Apesar da ausência de sintomas
nítidos de lesão cardíaca, decidiu-se a exploração. Para tanto, a incisão abdominal
foi prolongada no sentido cefálico, fazendo-se uma mediastinotomia anterior
longitudinal transesternal à Duval-Barasty, sendo poupadas ambas as pleuras.
Aberto o pericárdio, encontrou-se uma lesão incisa superficial da parede posterior
do ventrículo direito (fig. 1), atingindo apenas o epicárdio e as fibras mais
superficiais do miocárdio. Dispensou-se sutura. Fechamento sem drenagem. No
pós-operatório, sinais radiológicos de pericardite, logo reabsorvida. Alta, curado,
em 7-3-1947 (alta retardada por fins didáticos e de investigação).
CASO 4 - A. C., 24 anos, masculino, branco, brasileiro, operário. Registro HC,
54.146; prontuário da 2 ª. C. C., 3.410. Admitido em 24-5-47 às 17 horas, 30
minutos após ferimento por faca, com lesão incisopenetrante ao nível do 3 o.
espaço intercostal esquerdo, a meia distância entre as linhas paraesternal e
hemiclavicular. Estado geral mau. Pele fria com cianose. Intensa estase jugular.
Pulso impalpável. Taquicardia. Pressão arterial, zero. Abafamento das bulhas
cardíacas. Sinais clínicos de pneumotórax. Radioscopia dispensada, dadas as
condições do paciente. Toracotomia transpleural intercostal no 5 o. espaço (Dr.
Alvaro Dino de Almeida), sob narcose endotraqueal pelo éter. Saco pericárdico
tenso e imóvel. Aberto o pericárdio, notou-se lesão de 1 cm. na parede anterior
do ventrículo esquerdo, junto ao sulco atrioventricular (fig. 1) e interessando os
vasos coronários, incluídos na sutura. Durante as manobras, houve síncope em
diástole. Massagem cardíaca e injeção de adrenalina no miocárdio, seguidas de
restabelecimento do ritmo. Sutura com 5 pontos separados (categute cromado
atraumático n. o. 0), Não foi possível a sutura do pericárdio. Reconstrução parietal.
Pressão 90x60 mm de Hg. Evolução pós-operatória acidentada pelo aparecimento
de uma síndrome cerebral, com afasia e hemiparesia direita, por embolia ou
possível trauma crânio-encefálico frontoparietal esquerdo, pois o paciente
apresentara um hematoma nas partes moles correspondentes a uma equimose da
pálpebra do mesmo lado. A sintomatologia nervosa regrediu inteiramente em 3
semanas. Alta, curado, em 1-7-1947.
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
189
CASO 5 - A. R., 15 anos, masculino, branco, bancário, brasileiro. Registro HC,
60.74,0. Admitido no Pronto-Socorre no dia 12-7-19.17, cêrca de 15 minutos
após um ferimento por projétil de arma de fôgo. O orifício de penetração localizouse no 4 o. espaço intercostal, na linha paraesternal direita, palpando-se o projétil
no tecido celular subcutâneo ao nível de T , na goteira paravertebral direita.
Estado de choque, com pressão arterial 60 x 0 7min de Hg. Pressão venosa de 15,5
cm de água, pulso com cêrca de 140 batimentos por minuto, difìcilmente palpável
e arrítmico. Estase jugular discreta. Bulhas cardíacas audíveis, sem abafamento
digno de nota. Dispnéia intensa. Abdome flácido. À radioscopia, aumento e
imobilidade da sombra cardíaca. Ausência de hemopneumotórax. Cêrca de 2
horas depois, não havendo melhoria no estado geral do paciente, foi êle operado.
Anestesia geral pelo ciclopopano-éter. A operação (Drs. Daher E. Cutait, Roberto
Millan e F. de P. Santos Abreu) consistiu em toracotomia ampla direita, com
ressecção da 7 ª. costela, encontrando-se abundante hemotórax, pequeno ferimento
na borda inferior do lobo médio do pulmão direito, perfuração do diafragma e um
orifício no pericárdio, tamponado por um coágulo. Um ponto de sêda para tração
foi dado nas proximidades da lesão cardíaca, ficando localizado próximo ao sulco
atrioventricular direito. Essa manobra permitiu visualizar e tamponar o ferimento
que era penetrante na aurícula direita e media 2,5 cm, aproximadamente (fig. 1).
Foi suturado com categute cromado atraumático n o 1, sutura contínua. Os
ferimentos pulmonar e diafragmático foram tratados em seguida. Foram colocadas
300.000 U. Ox. de penicilina na cavidade pleural. O pericárdio foi deixado
amplamente aberto. Pós-operatório acidentado, devido a hemólise póstransfusional, com manifestações de nefropatia hemoglobinúrica, conseqüente à
administração de 850 cc de sangue incompatível; a um derrame pleural direito e a
uma broncopneumonia bilateral. A partir do 2 o. dia do pós-operatório, verificouse, radiogràficamente, aumento da área cardíaca. No 50 o. dia, o coração já se
apresentava com suas dimensões normais. Pulso dicrótico durante tôda a evolução.
Alta, curado, em 5-9-1947.
Caso 6 - B. M. S., 23 anos, masculino, solteiro, preto, brasileiro. Registro HC
60.765. Admitido no Pronto-Socorro no dia 13-7-47, 70 minutos após sofrer
ferimento por faca no hemitórax esquerdo. Ferimento linear inciso, de direção
horizontal, medindo cêrca de 1 cm, pouco sangrante e localizado sôbre a linha
esternal ao nível da 5.4 articulação condroesternal. Intensa turgeseència, venosa
periférica, principalmente ao nível das jugulares. Pressão arterial zero. Pulso
radial e carotídeo imperceptíveis. Bulhas cardíacas abafadas, principalmente nos
focos da base. À radioscopia, área cardíaca grandemente aumentada, coração
parado; não há hemotórax, nem pneumotórax. Operado 45 minutos depois:
toracotomia com ressecção da 3 ª. e 4 ª. costelas esquerdas (Drs. Claudio Belio,
Romeu Fadul e Delmonte Bittencourt) sob narcose pelo éter-cielopropano. Aberta
a pleura, não se verificou hemotórax. Área cardíaca aumentada, com epicárdio
tenso e apresentando equimose na porção aderente ao esterno. Aberto o saco
pericárdico, observou-se, na face antorolateral do ventrículo direito, próximo à
aurícula, um ferimento de 1,5 cm. (fig. 1). Sutura do ferimento com categute
cromado n o. 1, com agulha atraumática, pontos separados. Fechamento incompleto
do saco pericárdico. Penicilina (100.000 U. Ox.) na cavidade pleural. Reconstrução
parietal. O pós-operatório foi complicado por pneumonia lobar direita e derrame
pleural esquerdo, sero-sangüinolento. Alta, curado, em 21-8-47.
Caso 7 - R.K.S., 14 anos, estudante, brasileiro, solteiro. Registro HC, 61.390.
Admitido no Pronto- Socorro em 1-8-1947, 30 minutos após ser ferido por
projétil de arma de fôgo ao nível do 4 o. intercosto esquerdo, a um dedo
190
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
transverso para dentro da linha hemiclavicular, onde se observa uni orifício de 6
ou 7 cm. de diâmetro, com pequeno sangramento externo. O orifício de saída foi
localizado no 11 o. espaço intercostal esquerdo, junto à coluna vertebral. Estase
das jugulares até a borda inferior da mandíbula. Pressão venosa, 28 cm de água.
Pressão arterial, 90x50 mm de Hg. Bulhas cardíacas abafadas. À radioscopia,
pequeno hemotórax esquerdo, com imobilidade do coração e área cardíaca
aumentada e globosa. No abdome, ligeira contratura localizada no epigástrio.
Toracotomia (Drs. Silvio de Barros, Ruy Ferreira Santos e M. Dourado) com
ressecção da 4 ª. e 5 ª. cartilagens costais esquerdas, sob narcose por éterciclopropano. Aberta a cavidade pleural, verificou-se a existência de hemotórax.
O pericárdio apresentava-se tenso, pouco móvel e com o orifício de penetração
bem visível. O saco pericárdico foi aberto, constatando-se lesão transfixante por
arma de fôgo no ventrículo direito, junto à ponta e ao septo, tanto na face anterior
como na posterior (fig. 1). Cada uma das lesões foi suturada com categute cromado
n o. 0, com 8 pontos, sendo que, na posterior, foram incluídos ramos posteriores
descendentes dos vasos coronarianos. Fechamento incompleto do saco
pericárdico. Observou-se, também, ferimento transfixante da lingüeta costofrênica
do pulmão esquerdo, que foi suturado. Penicilina (200.000 U. Ox.) na cavidade
pleural. Reconstrução parietal. No dia seguinte, o paciente apresentou um quadro
abdominal, com pneumoperitônio verificado à radioscopia. Foi feita
laparotomia exploradora (Drs. Silvio de Barros, Ruy Ferreira Santos e M.
Leão), observando-se lesão do diafragma superposta à cúpula do lobo esquerdo
do fígado e ferimento transfixante dêsse lobo. Êsses dois ferimentos não
foram suturados. Constatou-se também, e foi suturado, um ferimento da face
anterior do fundo do estômago, próximo ao cárdia. No pós-operatório,
observou-se derrame pleural à esquerda e supuração da incisão torácica. O
pulso apresentou-se dicrótico. Alta, curado, em 19-8-47.
A “CORRENTE DE LESÃO”. O DIAGNÓSTICO E A LOCALIZAÇÃO DOS
FERIMENTOS CARDÍACOS
A fôrça eletromotora produzida pela zona lesada, isto é, a “corrente de
lesão”, tem uma magnitude, uma direção e um sentido que podem ser
calculados, projetando-se, no sistema “triaxial” de Bayley, o valor da amplitude
máxima dos desnivelamentos de RS-T. Entretanto, muitas vêzes, êsses pontos
de amplitude máxima não são sincrônicos; então, o vetor que se obtém não
corresponde à realidade. De fato, para têrmos uma representação verdadeira,
é necessário que calculemos não a amplitude máxima, mas sim a área
compreendida pelos desnivelamentos. A unidade de área e o microvolt-segundo
(m. v. s), que corresponde à área de um paralelograma de 1 mm. de altura e
0,01 de segundo de duração. Usa-se, também, a unidade Ashman, que é igual
a 4 m. v. s. O valor dessas áreas pode ser projetado no sistema triaxial, com
a obtenção de um vetor, Ê, que representa o “eixo manifesto” da corrente de
lesão. Êsse vetor pode ser suposto ,com magnitude e direção, no espaço.
tendo-se então o “eixo espacial da corrente de lesão” (sÊ). Êsse vetor Ê, que
se dirige do centróide do ventrículo para o centróide da área lesada pode ser
considerado como representando, em plano frontal, a fôrça eletromotora produzida
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
191
pela zona lesada, isto é, a corrente de lesão. Na realidade, êsse vetor
dirige-se do centróide da área lesada para o centróide do ventrículo. De
fato, como sabemos, o que se registra no eletrocardiograma, não é
pròpriamente a corrente de lesão, mas, sim, uma corrente de igual
intensidade e direção, mas de sentido oposto e que na sístole, durante a
despolarização, a neutralizava. Ora, como êsse vetor representa a fôrça
eletromotora resultante da injúria, a sua posição no sistema triaxial é de
grande valor. Realmente, êsse “eixo elétrico” é um dos principais
elementos que possuímos para a localização do processo miocárdico.
Êle define, por suas projeções sôbre o sistema triaxial, a direção, o
sentido e a magnitude dos desnivelamentos de RS-T.
De acôrdo com as idéias de Bayley 1, o eixo espacial da lesão é dado
pela relação sÊ = Sê, na qual S representa a área circunscrita pelas
fronteiras da lâmina lesada e polarizada no mesmo sentido que essa, na
sístole; ê constitui a unidade de vetor, disposta normalmente à superfície
positiva de S. Dêsse modo, a magnitude do vetor sÊ é igual, em unidades
de comprimento, à área de S, em unidades de área, e é independente,
portanto, da configuração da superfície da lâmina lesada.
No caso 1, o eletrocardiograma (fig. 3, 13-8-46 , ) obtido um dia após
o ferimento e a respectiva sutura, evidenciou quadro semelhante ao de
um infarto tipo Q T . Ora, representemos por um vetor, Ê no sistema
1
1
1
triaxial de Bayley (fig. 2), o eixo elétrico manifesto da corrente de lesão.
Êsse vetor dirige-se, sempre, do centróide de ventrículo para o centróide
da área lesada. Portanto, no caso em apreço, a zona lesada deve estar
situada na parte superior da parede anterolateral do ventrículo esquerdo.
Novos eletrocardiogramas (fig. 3) foram tirados, mas o cálculo do eixo
elétrico manifesto da corrente de lesão ficou prejudicado, em vista de
novas alterações de RS-T, indicando o aparecimento de outra corrente
de lesão, causada pela pericardite que se instalou. Nesses novos traçados
fizemos, também, as derivações unipolares dos membros e do precórdio.
As unipolares dos membros mostraram que o coração ocupava a posição
elétrica intermediária. As derivações precordiais obtidas nas posições
1, 2, 3, 4, 5 e 6 de Wilson evidenciaram uma corrente de lesão causada,
com tôda certeza, não só pelo ferimento do miocárdio, como também
pela pericardite presente. E’ digno de nota que elas não deixaram de
registrar a deflexão intrínseca, o que evidencia um percurso normal da
excitação do endocárdio para o epicárdio, na porção da parede
ventricular subjacente a cada elétrodo explorador. Ora, tendo sido o
ferimento produzido por uma facada, tivemos interêsse em verificar se
não existiria aí uma zona “morta”, pelo menos do ponto de vista
eletrocardiográfico, ainda não reconhecida e junto à parte “lesada”,
evidentemente mais extensa. Essa região poderia estar localizada a um
192
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
nível, ou mais alto ou mais baixo, daquele em que o elétrodo explorador fôra
colocado. Realmente, quando êsse está colocado sôbre uma zona “morta” e essa
abrange tôda a espessura da parede ventricular, não recebe dipolos que se deslocam
do endocárdio para o epicárdio. Êsse elétrodo registra apenas o potencial negativo
da cavidade ventricular. Ora, como já vimos, o estudo inicial do eixo elétrico da
corrente de lesão permitiu que concluíssemos que a sede do ferimento devia estar
na parte superior da parede anterolateral do ventrículo esquerdo. Resolvemos,
então, colocar o elétrodo explorador em posições correspondentes às 3 e 4 de
Wilson, mas num espaço intercostal acima. Denominamos essas derivações de V¢
e V¢ . De fato, com essas derivações, o eletrocardiograma tirado 7 dias
3
4
após o ferimento (fig. 3, 19-8-46) registrou, apenas, o potencial negativo da
cavidade intraventricular. Comprovamos, assim, que a projeção da sede de
ferimento na parede torácica correspondia a uma região situada ao nível do
3 o. intercosto, logo para dentro da linha hemiclavicular. Êsse ponto de
projeção corresponde à parede anterolateral de ventrículo esquerdo, logo
abaixo do sulco atrioventricular. De fato, o cirurgião encontrou um ferimento
inciso, por facada, de 3 cm. de extensão, localizado na parede anterolateral
do ventrículo esquerdo, junto à válvula mitral (fig. 1). No traçado obtido 8
dias depois (fig. 3, 27-8-46), portanto, 15 dias após o ferimento e a respectiva
sutura, já se podia observar o aparecimento da deflexão intrínseca nas derivações
V¢ e V¢ . Nos eletrocardiogramas obtidos posteriormente, nota-se a maior
3
4
Fig. 2
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
193
amplitude dessa deflexão, objetivando que, na zona anteriormente “morta”,
já se encontram fibras regeneradas, pelo menos na sua propriedade de
conduzir a excitação. O número dessas fibras foi aumentando
progressivamente, o que deu origem, nos últimos traçados (fig. 3, 24-10-46
e 13-2-47), à maior voltagem da deflexão intrínseca.
Fig. 3
194
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
No caso 2, o primeiro eletrocardiograma (fig. 4, 19-8-46) evidenciou
um desnivelamento “plus” bastante acentuado de RS-T, com aspecto
côncavo dêsse segmento, em D ; um desnivelamento do mesmo
1
sentido, mas muito menos acentuado em D ; e um deslocamento
11
discreto, com onda convexa, em arco, em D
. Êsse quadro nos
111
permite localizar a zona lesada nas vizinhanças da ponta, nas paredes
anterolateral e posterior do ventrículo esquerdo. Realmente, no
sistema triaxial de Bayley (fig. 2), o vetor Ê, representativo dessa
corrente, tem o mesmo sentido que o do precedente, mas tem direção
diversa. Realmente, ambos ocupam o 1 o . sextante, mas a direção de
Ê é -40 o e a de Ê é -5 o . Note-se, ainda, que os desnivelamentos são
1
2
muito reduzidos. A magnitude do vetor é pequena, apenas de 4 u.A.
E’ provável, além disso, a existência de fenômenos pericárdicos, o
que, com certeza, prejudica a localização. Novos traçados (fig. 4)
foram tirados mais tarde, inclusive com as derivações precordiais
múltiplas de Wilson. Em tôdas, a deflexão intrínseca foi registrada.
Dêsse modo, outras hipóteses seriam possíveis. Em primeiro lugar,
como no caso anterior, a lesão poderia estar localizada a um nível
mais alto ou mais baixo daquele em que o elétrodo explorador fôra
colocado. Entretanto, como já vimos, o estudo da corrente de lesão
nos mostrou que o ferimento devia estar nas vizinhanças da ponta.
Tornam-se, então, mais prováveis outras hipóteses. Poderemos admitir
que a zona lesada estaria subjacente a um dos elétrodos da metade
esquerda do precórdio, mas seria de dimensões mínimas. Nessa
eventualidade, dois fatos devem ser assinalados. Primeiramente, a
inexistência de uma região “morta” com ausência de fôrças elétricas;
existem apenas áreas “lesadas”, acarretando desnivelamento de RST. Em segundo lugar, a pequena amplitude dêsses desvios, o que é
perfeitamente compreensível, dado que, como já vimos, sÊ = Sê, de
modo a se ter paralelismo entre a magnitude do vetor (E), em unidades
de comprimento, e a extensão da área (S), em unidades de área. Ora,
no caso presente, se S fôr muito pequena, E também o será, explicandose, então, o reduzido desvio do segmento S-T. De fato, o ferimento
era transfixante e de dimensões mínimas, pois fôra ocasionado por
agulha de crochê cravada no precórdio, com intuitos suicidas. A agulha
penetrou através do 5 o . espaço intercostal, perfurou o pericárdio,
transfixando a ponta do coração (ventrículo esquerdo) e fixando-a ao diafragma
(fig. 1).
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
195
Fig. 4
Nos eletrocardiogramas do caso 3 (figs. 5 e 6), o cálculo do eixo elétrico
manifesto da corrente resultante do ferimento do miocárdio foi prejudicado pela
pericardite associada. O vetor Ê , correspondente a essa corrente de lesão, está
3
mascarado pelo que representa o eixo elétrico manifesto do coração. Realmente,
na pericardite difusa, a zona lesada, responsável por aquela diferença de potencial,
é todo o miocárdio subepicárdico; portanto, a sua corrente de lesão deverá
ser representada por um vetor indo do centróide dos ventrículos para a
ponta do coração. De fato, a forma dos desnivelamentos “plus” de RS-T
196
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
Fig. 5
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
197
em tôdas as derivações é fortemente sugestiva da presença de uma
pericardite. Como se verifica, projetando-se o vetor no sistema triaxial
de Bayley, êle se dirige no sentido da ponta do coração (fig. 2). Devemos,
pois, concluir que a corrente de lesão foi ocasionada, quase
exclusivamente, pela pericardite, e não pelo ferimento do miocárdio.
Finalmente, êsse estava localizado na face posterior do ventrículo
direito, portanto, numa região onde as derivações precordiais múltiplas
são de pouco valor. Durante a operação, verificou-se uma lesão incisa
superficial na parede posterior do ventrículo direito, atingindo o
epicárdio e as fibras mais superficiais do miocárdio (fig. 1).
Fig. 6
Nos traçados do caso 4 (fig. 7), as alterações de T e de RS-T também foram
mascaradas por acidentes associados. O cálculo do eixo manifesto da corrente
de lesão, resultante do ferimento do miocárdio, ficou, como se verá, prejudicado.
Nas derivações clássicas (fig.-. 7, 26-5-47), obteve-se grande desnivelamento
“plus” de RS-T, com grande onda monofásica, em D . Em D , também,
1
11
acentuado desvio positivo daquele segmento, com aspecto levemente côncavo.
Finalmente, em D , discretíssimo deslocamento negativo de RS-T. Dêsse
111
modo, temos um quadro sugestivo de enfarte da parede anterior, possivel-
198
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
Fig. 7
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
199
mente com pericardite associada. O vetor da corrente de lesão (Ê
) é quase perpendicular a D
, (fig. 2). Além disso, nas
4
111
derivações unipolares do precórdio, não se registrou a deflexão
intrínseca. Por êsse quadro todo, deveríamos concluir por um
ferimento extenso atingindo tôda a parede anterior, inclusive o
septo. Nesse caso, entretanto, o diagnóstico eletrocardiográfico
da sede da lesão não corresponde ao ferimento encontrado pelo
cirurgião. Na verdade, aberto o pericárdio, verificou-se uma lesão
de 1 cm de extensão na parede anterior do ventrículo esquerdo,
junto ao sulco atrioventricular (fig. 1). Devemos assinalar,
entretanto, que se encontraram, também lesados, vasos coronários
(que não foram identificados pelo cirurgião), motivo pelo qual
foram incluídos na sutura. Portanto, é lógico que devamos admitir
a existência de uma zona necrosada, resultante do ligamento de um
dos ramos da coronária, provàvelmente o ramo descendente da
coronária esquerda.
No caso 5, o eletrocardiograma (fig. 8, 13-7-47), tirado 1 dia
após o ferimento e a respectiva sutura, evidenciou nítido
desnivelamento de RS-T, “plus” em D , D , aVl, V , V , e V ,
1
11
1
3
5
e “minus” em D , e aVr. No sistema triaxial de Bayley, o vetor Ê
111
, correspondente ao eixo manifesto dessa corrente de lesão, está
5
no primeiro sextante e se dirige para a base do coração (fig. 2). A
êsse vetor deveria corresponder uma lesão na base, na parede
anterolateral. Entretanto, o cirurgião verificou um ferimento
penetrante na parede anterior da aurícula direita (fig. 1); portanto,
na base do coração, mas na parede anteromedial, e não anterolateral.
De fato, o segmento PR apresenta-se com discreto desnivelamento
“minus” em D e D , e isoelétrico em D . Na derivação S de
1
11
111
5
Lian, tirada no dia seguinte (fig. 9, 14-7-47), êsse desnivelamento
“minus” do segmento PR é mais evidente. Fizemos, também, outras
derivações especiais para a aurícula, AV e AV (fig. 9, 14-7-47),
1
4
correspondentes às derivações V e V de Wilson, mas num
1
4
intercosto acima. Êsses desnivelamentos são, porém, muito
discretos, não permitindo determinar, com precisão, a magnitude
e a direção do eixo manifesto da respectiva corrente de lesão.
Entretanto, considerando-se que o segmento PR apresenta-se com
desnivelamento “minus” em D e D , e isoelétrico em D , podemos
1
11
111
concluir que o vetor ʢ , representativo do eixo manifesto da corrente
5
de lesão auricular, é perpendicular a D
e ocupa o 3 o . sextante no
111
200
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
sistema triaxial de Bayley (fig. 2). A área lesada deve estar, portanto,
na aurícula direita. Realmente o cirurgião encontrou, como já vimos,
um ferimento na face anterior da aurícula direita, logo acima do sulco
atrioventricular e provocado por projétil de arma de fôgo.
Fig. 8
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
201
Fig. 9
No caso 6, o eletrocardiograma (fig. 10, 14-7-47), tirado no dia seguinte
ao da sutura do ferimento, revelou nítido desnivelamento de RS-T, “plus”
em D , D , aVf e nas precordiais, sendo mais acentuado em V , e “minus”
1
11
6
em aVr. Onda T positiva em D , D , e nas precordiais da posição 2 a 6.
1
11
Nas precordiais, nas posições 4, 5 e 6, a onda R- é ampla e sem entalhes ou
espessamentos. As derivações unipolares dos membros mostram que o
coração ocupa posição elétrica vertical. O vetor Ê da corrente de lesão é
6
e está mascarado pelo que representa o eixo elétrico
perpendicular a D
111
manifesto do coração. De fato, o cálculo do eixo manifesto da corrente de
lesão resultante de ferimento do miocárdio foi prejudicado pela pericardite
associada. Como já vimos, a corrente de lesão provocada pela pericardite
difusa deverá ser representada por um vetor indo do centróide dos ventrículos
para a ponta do coração. Realmente, a forma dos desnivelamentos “plus”
de RS-T em D , D e nas precordiais é fortemente sugestiva da presença de
1
11
pericardite. Projetando-se êsse vetor Ê no sistema triaxial de Bayley, verifica6
se que êle se dirige no sentido da ponta do coração (fig. 2). Devemos, pois,
concluir que a corrente de lesão foi ocasionada quase exclusivamente pela
pericardite e não pelo ferimento do miocárdio. De fato, êle tinha uma extensão
de 15 milímetros e estava localizado na face anterior do ventrículo direito, pró-
202
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
ximo ao sulco atrioventricular (fig. 1). A zona “morta” estaria situada a um
nível mais alto daquele em que o elétrodo explorador é habitualmente
colocado. Isso explicaria a presença da deflexão intrínseca nas derivações
precordiais múltiplas de Wilson. Para avaliarmos os fatos, tiramos também
as derivações S de Lian e AV e AV - correspondentes a V e V de Wilson,
5
1
4
1
4
mas num intercosto acima (fig. 11). Nas derivações AV e AV , o elétrodo
1
4
explorador estaria colocado numa região correspondente à projeção da parede anterior do ventrículo direito, logo abaixo do sulco atrioventricular, isto
Fig. 10
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
203
é, na região do ferimento. Não obstante êsse ter sido de dimensões
apreciáveis e penetrante na cavidade ventricular, devemos concluir pela
inexistência de uma região “morta”; existem, apenas, áreas “lesadas”
acarretando desnivelamentos de RS-T. Realmente, a deflexão intrínseca
continuou a ser registrada em AV e AV .
1
4
Fig. 11
No caso 7, o primeiro eletrocardiograma (fig. 12, 2-8-47) evidenciou. em D ,
1
D , aVf e nas precordiais um desnivelamento “plus’ bastante acentuado de RS11
T, com aspecto côncavo dêsse segmento; em D , também um desnivelamento
111
“plus”, mas bem menos acentuado e, em aVr, um acentuado deslocamento “minus”.
No sistema triaxial de Bayley, o vetor Ê , representativo dessa corrente de lesão,
7
está no 5 o.-6 o. sextantes e com a direção de +60 o (fig. 2). Tem, portanto, direção
e sentido bastante semelhantes àqueles que se observam nas pericardites difusas.
Nota-se, ainda, que sua magnitude é bem maior que a dos casos precedentes.
Possìvelmente, êle representaria a soma de duas correntes de lesão, com a mesma
direção e o mesmo sentido: a corrente de lesão do ferimento do miocárdio e da
pericardite difusa. Não conseguimos, porém, identificar uma zona “morta” do
ponto de vista eletrocardiográfico. As mesmas hipóteses que fizemos no caso 2
204
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
Fig. 12
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
205
também aqui seriam possíveis. Realmente, o ferimento não era de
dimensões mínimas, mas foi transfixante, atingindo o ventrículo direito,
junto à ponta e ao septo, tanto na parede anterior como na posterior
(fig. 1). O cirurgião suturou os ramos posteriores dos vasos
coronarianos mas, talvez devido à circulação colateral, essa sutura não
chegou a determinar uma zona “morta”. Ela, aparentemente, apenas
acarretou áreas “lesadas”.
ALTERAÇÕES DA ONDA T E DO GRADIENTE VENTRICULAR
Alterações da onda T surgiram em todos os casos, não só nas
derivações clássicas, como também, e principalmente, nas derivações
unipolares do precórdio. Realmente, a não ser nos casos 5 e 6, onde
as alterações da onda de repolarização do miocárdio ventricular foram
discretas, em todos os outros elas foram bem evidentes. Ela se tornou
negativa, ampla e ponteaguda, nas derivações precordiais de Wilson.
O interessante é que essas modificações da onda T ocorreram
tardìamente: em média, 2 a 3 semanas depois do ferimento. Essas
alterações da onda de repolarização do miocárdio ventricular poderiam
ser explicadas por alterações de tipo isquêmico, como as existentes
nos infartos do miocárdio após o desaparecimento da corrente de
lesão. Nesse caso, seriam modificações primárias da onda T, havendo
então desvios do gradiente ventricular.
No caso 1, o eletrocardiograma (fig. 3, 13-8-1946) tirado 1 dia
após o ferimento, evidenciou T negativa, T e T positivas. Foram
1
2
3
normais os valores encontrados para ÂG, ÂT, ÂQRS e para o desvio
de ÂG em relação a ÂQRS (quadro 1). Realmente, êsses 3 vetores
ocupam o 6 o . sextante do sistema triaxial de Bayley e apresentam-se
com magnitude dentro dos limites normais (fig. 13, 13-8-1946).
Depois de 6 dias, novo eletrocardiograma (fig. 3, 19-846) foi obtido.
Nêle, a onda T foi positiva em D , D , D , aVl, aVf, V , V , V ,
1
11
111
1
2
3
V , V e V . Após 15 dias, foi feito outro traçado (fig. 3, 3-9-46), no
4
5
6
qual encontrou-se onda T negativa em D , D , V , V , V , V , V
1
11
2
3
4
5
,V¢ e V¢ e positiva em D
e V Juntamente com essas alterações
6
3
4
111
1
de T, também o gradiente ventricular modificou-se (quadro 1). Êle
rodou para a direita, passando a ocupar o 5 o . sextante. O desvio em
relação a ÂQRS foi de 75 o para a direita e a sua magnitude diminuiu,
conservando-se, porém, dentro dos limites normais (fig. 13, 3-9-46).
No traçado obtido 162 dias depois (fig. 3, 13-2-47), a onda T tornouse mais ampla em D , e permaneceu pràticamente inalterada nas pre111
206
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
cordiais. O gradiente ventricular desviou-se de 100 para a esquerda,
permanecendo, porém, 220 à direita de ÂQRS; sua magnitude
aumentou consideràvelmente, passando de 3 para 5,4 u.A. (quadro 1
e fig. 13, 13-2-47).
Fig. 13
O primeiro eletrocardiograma do caso 2 (fig. 4, 19-8-46) evidenciou onda
T positiva em D e D , e negativa em D . O gradiente ventricular estava
1
11
111
dentro dos limites normais (quadro 1 e fig. 14, 19-8-46). Em novo traçado
obtido 8 dias depois (fig. 4, 27-8-46), a onda T permaneceu positiva em D
1
e D , e negativa em D ; nas precordiais, ela foi positiva em V , V , V e
11
111
1
2
3
V . Alterações de T surgiram em outro eletrocardiograma (fig. 4, 3-9-46)
4
tirado 7 dias depois. A onda T tornou-se bem menos ampla em D e D e posi1
11
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
207
208
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
tiva, quase isoelétrica, em D ; em V ela permaneceu positiva, mas em V , V
111
1
2
, V , V e V ela se tornou negativa e ponteaguda. O gradiente ventricular
3
4
5
6
diminuiu de magnitude e desviou-se ligeiramente para a direita, conservando-se,
porém, dentro dos limites normais (quadro 1 e fig. 14, 3-9-46).
Fig. 14
No traçado do caso 3, tirado 1 dia após o ferimento do coração
(fig. 5, 15-2-47), nota-se que a onda T é positiva nas três derivações
clássicas. O gradiente ventricular apresentou-se com sentido, direção
e desvio em relação a ÂQRS dentro dos limites normais, mas a sua
magnitude ultrapassa francamente o limite máximo normal (quadro 1
e fig. 15, 15-2-47). Tiramos 3 novos traçados (fig. 5, 17-2-47, 25-247 e fig. 6), respectivamente, 2, 8 e 16 dias depois. No primeiro, a
onda T foi positiva nas três derivações clássicas e nas precordiais;
no segundo, ela permaneceu positiva em D e nas precordiais,
1
tornando-se difásica em D , e negativa em D . No último, tirado
11
111
16 dias depois, ela tornou-se negativa e ponteaguda nas três derivações
clássicas e nas precordiais. O gradiente ventricular modificou-se
inteiramente. Passou a ocupar o 2 o . sextante, com a direção de –101 o,
a magnitude de 9 u.A. e desviou-se de 143 o para a esquerda de ÂQRS
(quadro 1 e fig. 15, 3-3-47).
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
Fig. 15
209
210
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
As alterações da onda de repolarizaçâo do miocárdio ventricular no caso 4
foram bastante acentuadas. No 1 o. traçado (fig. 7, 26-5-47), obteve-se um grande
desnivelamento “plus” de RS-T, com onda monofásica em D e D , e um
1
11
deslocamento “minus” dêsse segmento, com a onda T positiva em D . O
111
gradiente ventricular apresentou-se normal quanto à sua direção e ao desvio em
relação a ÂQRS, mas a sua magnitude ficou bastante acima do limite máximo
normal (quadro 1 e fig. 16, 26-5-47). Em outro eletrocardiograma obtido 21 dias
Fig. 16
depois (fig. 7, 16-6-47), a onda T apresentou-se negativa e ponteaguda
em D e D aVl, V , V , V , V e V e positiva em D , aVr, aVf, V
1
11
2
3
4
5
6
111
, e V . Notou-se, também, modificação acentuada de ÂG. Êle diminuiu
1
2
de magnitude, desviou-se de 49 o para a direita de ÂQRS, passando a
ocupar o 4 o . sextante (quadro 1 e fig. 16, 16-6-47).
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
211
No caso 5, as alterações da onda T foram discretas e regrediram
ràpidamente. No eletrocardiograma (fig. 8, 13-7-47) feito 1 dia após o
ferimento, a onda T foi positiva e ampla em D , D , aVl, aVf, V , V e
1
111
1
3
V . No cálculo do gradiente ventricular notou-se apenas uma magnitude
5
acima do limite máximo normal, mas a sua direção e o seu desvio em relação
a ÂQRS estavam dentro das margens normais (quadro 1 e fig. 17, 13-7-47).
Alterações discretas da onda T surgiram nos traçados tirados 12 (fig. 8, 257-47) e 24 dias (fig. 8, 6-8-47) depois. Realmente, nesses traçados, a onda
T tornou-se primeiramente entalhada e, depois, negativa em D , D , V ,
1
11
2
e V . No traçado do dia 6-847, os valores do gradiente ventricular foram
3
normais. A sua magnitude, que estava aumentada, passou a ter valor normal;
êle rodou ligeiramente para a direita de ÂQRS, passando a ocupar o 5 o.
sextante, mas ficou dentro dos limites normais (quadro 1 e fig. 17, 6-8-47).
Fig. 17
No eletrocardiograma tirado 68 dias após êsse último traçado (fig. 8,
10-10-47) a onda T voltou a ser positiva e ampla em D , D , V , V , V
1
11
1
2
, V , V e V . O gradiente ventricular desviou-se ligeiramente para a
3
4
5
6
esquerda, ocupando novamente o 6 o . sextante e os seus valores
continuaram dentro dos limites normais (quadro 1 e fig. 17, 10-1.047).
212
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
Durante a evolução do caso 6 foram mínimas as alterações da onda T. De
fato, no primeiro traçado (fig. 10, 14-7-47), ela foi positiva em D , D , D
1
11
, aVl, AVf, V , V , V V e V , e negativa em aVr e V . Os valores de ÂG
111
2
3
4
5
6
1
foram normais (quadro 1 e fig. 18, 14-7-47). Cêrca de 30 dias depois, surgiram
discretas modificações da onda T (fig. 10, 13-8-47). Ela tornou-se negativa
em D , aVf, V e V . O gradiente ventricular continuou com magnitude
111
2
3
e direção normais, mas o seu desvio para a esquerda de ÂQRS tornou-se
maior, ultrapassando ligeiramente o limite máximo normal encontrado por
Bayley (quadro 1 e fig. 18, 13-8-47).
Fig. 18
No caso 7, o primeiro traçado (fig. 12, 2-8-47) mostrou uma onda T
positiva e ampla em D , D , aVf e nas precordiais; positiva e
1
11
deprimida em D
e aVl e negativa em aVr. O gradiente ventricular
111
apresentou-se com magnitude aumentada, mas com valores normais
para a sua direção e o seu desvio em relação a ÂQRS (quadro 1 e fig.
19, 2-8-47). Após 27 dias, um novo eletrocardiograma (fig. 12, 29-8-47) mos-
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
213
trou alterações acentuadas da onda de repolarização do miocárdio
ventricular. Ela se tornou negativa, ponteaguda e ampla em D , D
11
aVf e nas precordiais; negativa e pouco ampla em D e positiva
111,
11
em aVr e aVl. O gradiente ventricular também se alterou de modo
acentuado. Êle girou para a esquerda, ocupando o 2 o . sextante e o
seu ,desvio para a esquerda de ÂQRS aumentou consideràvelmente,
passando de 10 o para 130 o (quadro 1 e fig. 19, 29-8-47).
Fig. 19
Em resumo, nos eletrocardiogramas obtidos cêrca de 24 horas após o
ferimento cardíaco e a respectiva sutura, observou-se apenas uma
magnitude aumentada do gradiente ventricular. Em todos os casos, com
exceção do n o . 1, ela estava acima ou nas vizinhanças do limite máximo
normal.
Trabalhos de Bayley 1 evidenciaram que, nos infartos em
cicatrização, havia aumento da magnitude do gradiente ventricular. Nos
casos de ferimento do miocárdio, os processos de cicatrização devem
fazer-se muito mais precocemente. De fato, já horas após, temos o
acolamento de seus bordos obtido pela respectiva sutura. Isso, talvez, nos
214
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
explique o por quê dêsse aumento quase constante de AG nas primeiras 24 ou 48
horas após a lesão cardíaca e a respectiva sutura.
Já na evolução dos casos notamos alterações mais curiosas. Quando o
ferimento se localizou na parede anterolateral e nas proximidades da base,
cêrca de 2 ou 3 semanas depois, o gradiente ventricular colocou-se no 5 o.
ou 4 o. sextantes e desviou-se de mais de 24 o para a direita de ÂQRS.
Realmente, nos casos 1 e 4, o ferimento situou-se na parede anterolateral,
na altura da válvula mitral e o gradiente ventricular desviou-se,
respectivamente, para 75 o e 49 o à direita de ÂQRS.
Nos casos em que a sede da lesão miocárdica foi encontrada na ponta e
face posterior, o gradiente ventricular deslocou-se, ao contrário, para a
esquerda. De fato, nos casos 3 e 7, o ferimento
localizou-se na ponta, o primeiro só na face posterior e o segundo, tanto
na anterior como na posterior. O gradiente ventricular, que estava ocupando
o 6 o. sextante, desviou-se fortemente para a esquerda, situando-se no 2 o.
e deslocando-se de mais de 35 o para a esquerda de ÂQRS. Êsses desvios
de ÂG são semelhantes àqueles observados nos infartos do miocárdio por
Bayley 1 e, entre nós, por Feijó 3 , que registraram desvio de ÂG para a
direita nos infartos anteriores, e para a esquerda, nos posteriores. Êsses
desvios de ÂG, tanto para a esquerda como para a direita, foram
acompanhados de modificações da onda T, que se tornou negativa e
ponteaguda, principalmente nas precordiais. Essas alterações da onda de
repolarização ventricular são, pois, primárias e devem corresponder
àquelas de origem isquêmica que se observam nos infartos.
Nos casos 2 e 6 não se observaram alterações significativas do gradiente
ventricular, embora a onda T se tenha tornado, como nos casos precedentes,
negativa e ponteaguda. Podemos concluir que essas alterações da onda de
repolarização são secundárias e não primárias. Devemos notar que, no
caso 2, o ferimento foi de dimensões mínimas, ocasionado por agulha de
crochê cravada no precórdio; o mesmo não aconteceu, entretanto, no caso
6, onde o ferimento foi de 1,5 cm. de extensão e atingiu a cavidade
ventricular. Em ambos os casos, porém, não se localizou uma zona “morta”.
No caso 5, também não se registraram modificações no gradiente
ventricular. As alterações da onda de repolarização ventricular foram
discretas e regrediram ràpidamente. De fato, o difasismo e inversão da
onda T observados nos traçados tirados 2 e 3 semanas após o ferimento,
desapareceram 22 dias mais tarde. As alterações de T foram secundárias
à sobrecarga ventricular ocasionada por aumento da pressão arterial.
Realmente, elas coincidiram com a hemólise pós-transfusional e as
manifestações de nefropatia hemoglobinúrica, que regrediram
ràpidamente. Êsse quadro é lógico, pois, como já vimos, a sede do
ferimento foi a aurícula direita e não um ventrículo.
ELETROCARDIOGRAMA NOS FERIMENTOS DO CORAÇÃO
215
RESUMO E CONCLUSÕES
1 - Foram estudados 7 casos de ferimentos do coração, acompanhados desde
os primeiros momentos até a cura clínica.
2 - Os ferimentos miocárdicos podem exteriorizar-se, no eletrocardiograma,
pela presença das correntes de lesão e de alterações primárias da onda T, havendo,
portanto, desvios do gradiente ventricular.
3 - As correntes de lesão ora se manifestam isoladamente, ora são mascaradas
por deformações secundárias, das quais as mais importantes são as devidas às
pericardites.
4 - Nos casos em que as correntes de lesão se exteriorizam claramente, o
cálculo do seu “eixo manifesto”, de acôrdo com a técnica de Bayley, é útil para a
localização do processo.
5 - A magnitude do vetor que representa êsse eixo (ou seja, a amplitude dos
desnivelamentos de RS-T), marcha paralelamente à extensão da área lesada, sendo
portanto muito reduzida, quando essa fôr pequena.
6 - As alterações primárias da onda T ocorrem, em média, depois de 2 a 3
semanas do ferimento e são semelhantes às existentes nos infartos do miocárdio
após o desaparecimento da corrente de lesão.
7 - O gradiente ventricular parece deslocar-se para a direita, nos ferimentos da
parede anterolateral localizados nas proximidades da base, e para a esquerda,
quando a sede da lesão é a ponta, com comprometimento da face posterior.
8 - Logo após o ferimento cardíaco e a respectiva sutura, nota-se aumento da
magnitude do gradiente ventricular, comparável ao que tem sido descrito nos
infartos em vias de cicatrização.
9 - Nos casos de ferimentos mais acentuados, é possível encontrar-se uma
zona que se comporta como “morta”, do ponto de vista eletrocardiográfico.
SUMMARY AND CONCLUSIONS
1. The authors report 7 cases of heart injuries followed up from the early
stages to the clinical recovery.
2. Myocardial injuries can be electrocardiographically represented
by injury currents and primary changes of T wave and therefore,
deviations of the ventricular gradient are observed.
216
ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA
3. Injury currents are either isolated or masked by secondary changes, the
most important being ascribable to the pericarditis.
4. In the cases showing evident injury currents, the calculation of the manifest
axis according to Bayley’s technique is useful to locate the lesion.
5. The magnitude of the vector representing that axis, corresponds to the
extent of the injured area.
6. Primary changes of T wave generally take place 2-3 weeks after the injury
and are similar to the changes found in cases of myocardial infarction after
disappearance of the injury current.
7. The ventricular gradient seems to deviate to the right when the anterolateral
wall injuries are located near the base, and to the left when the site of the injury
is the apex with lesion of the
posterior wall.
8. Just after the heart injury and its suture, the ventricular gradient increases,
as it happens in cases of myocardial infarction in the healing stage.
9. In cases of more severe heart injuries it can be found an area which
behaves electrocardiographically like a “dead” one.
BIBLIOGRAFIA
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2.
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Bayley, R. H. - On certain applications of modern eletrocardiographic
theory to the interpretation of electrocardiograms which indicate
myocardial disease. Am. Heart. J., 26:769, 1943.
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1947.
Feijó, G. L. J. - Gradiente ventricular humano. Estudo clínico e
propedêutico. Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1916.
Rua José Freitas Guimarães, 3 - S. Paulo
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