O Legado de Ricœur

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O Legado de
Ricœur
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Guarapuava - Irati - Paraná - Brasil
Fone (42) 3621 1019
www.unicentro.br
Ruth rieth leonhardt
Elsio José Corá
(Org.)
O Legado de
Ricœur
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE
UNICENTRO
Reitor: Vitor Hugo Zanette
Vice-Reitor: Aldo Nelson Bona
Editora UNICENTRO
Direção: Beatriz Anselmo Olinto
Assessoria Técnica: Bruna Silva, Luciano Farinha Watzlawick, Luiz
Gilberto Bertotti, Ruth Rieth Leonhardt e Waldemar Feller
Divisão de Editoração: Renata Daletese
Diagramadores: André Justus Czovny, Fernanda Nabas Gongra,
Lucas Silva Casarini, Marcio Fraga de Oliveira
Diagramação: Eduardo Alexandre Santos de Oliveira e Marcio Fraga de
Oliveira
Capa: Lucas Silva Casarini e Marcio Fraga de Oliveira
Imagem da Capa: Paul Ricœur 1999, (copyright: C.Goldenstein)
Correção: Dalila Oliva de Lima Oliveira
Impressão: Gráfica UNICENTRO
Publicação aprovada pelo Conselho Editoria da UNICENTRO
Ficha Catalográfica
Catalogação na Publicação
Regiane de Souza Martins -CRB9/1372
L496
O Legado de Ricoeur / Organização de Ruth
Rieth Leonhardt, Elsio José Corá. – – Guarapuava:
Unicentro, 2011.
408 p.
Bibliografia
Diversos autores
ISBN 978-85-7891-116-4
1. Filosofia. 2. Filosofia Francesa. 3. Filósofos
Franceses – Biografia. 3. Paul Ricoeur, 1913-2005 –
Filósofo Francês. I. Autores. II. Organizadores. III.
Título.
CDD 194
Copyright © 2011 Editora UNICENTRO
Nota: O conteúdo desta obra é de exclusiva responsabilidade de seus autores.
É permitida a reprodução desde que indicada a autoria.
AGRADECIMENTOS
A todos os autores que, com sua produção
intelectual e pesquisas sobre Paul Ricœur contribuíram para
a consecução deste livro;
À reduzida mas eficiente equipe da Editora da
UNICENTRO, sob a orientação da Profª Drª Beatriz
Anselmo Olinto que transformam textos em obras de arte;
Ao Fonds Ricœur, na pessoa de Catherine
Goldenstein Conservadora dos arquivos Fonds Ricœur e
membro do Comitê Editorial.
O sincero agradecimento dos organizadores.
Je crois à l’efficacité de la réflexion, parce que je crois que la
grandeur de l’homme est dans la dialectique du travail et
de la parole: le dire et le faire, le signifier et l’agir sont trop
mêlés pour qui une opposition durable et profonde puisse
être instituée entre «théoria» et «praxis».
Paul Ricœur
APRESENTAÇÃO
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Constança Marcondes Cesar
Organizado por Ruth Rieth Leonhardt e Elsio José
Corá, O Legado de Ricœur aborda a contribuição do filósofo
francês em 14 capítulos, que partem de um exame do seu
percurso filosófico e se encerram com um balanço crítico do
problema da ação.
O livro é, a nosso ver, uma das mais relevantes
publicações sobre Ricœur editadas no Brasil recentemente.
Congrega autores de diferentes universidades do país e
estudiosos importantes da Itália e Espanha, como Domenico
Jervolino e Marcelino Agis de Villaverde; conta também
com autores do Chile, Canadá e Argentina, representados
por Patricio Mena Malet, Gaëlle Fiasse e Aníbal Fornari,
respectivamente.
Aldo Nelson Bona expõe o “percurso dialógico do
pensamento de Paul Ricœur”, estudando a investigação do
autor francês a respeito do sujeito humano. Texto que abre o
livro, põe ao alcance do leitor uma biografia crítica que mostra,
de um lado, a trajetória intelectual do filósofo e de outro, a
progressiva construção de um pensamento original, nas suas
diferentes etapas.
O capítulo seguinte é de Domenico Jervolino,
professor da Universidade de Nápoles, que estuda o laço entre
“discurso filosófico e existência”, no pensamento ricœuriano
O legado de Ricoeur
pós Kierkegaard. Está centrado na contraposição HegelKierkegaard, que Ricœur tenta solucionar, respondendo à
indagação : “como é possível filosofar depois de Kierkegaard?”.
O terceiro capítulo é assinado por Patricio Mena
Malet, da Universidade Alberto Hurtado, do Chile e focaliza o
problema da hospitalidade e suas relações com o problema da
ação, da superabundância e da tradução. O autor defende a tese
de que a hospitalidade é um dos paradigmas através dos quais
se pode compreender a obra do pensador francês, seguindo
hipótese levantada por Domenico Jervolino.
Noeli Dutra Rossato e João Batista Botton, da
Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul,
abordam a correlação entre tempo e narrativa em Ricœur
e Agostinho, em dois momentos do texto Temps et récit,
examinando, no primeiro volume, as aporias do tempo no
Confissões; e no terceiro volume, estudando a relação entre o
tempo da alma e o tempo do mundo, também no Confissões.
Mostram como o pensador francês equaciona os impasses
das teorias da temporalidade, propondo uma solução original
à dialética tempo-eternidade. Os autores fazem um balanço
crítico da contribuição de Ricœur, destacando sua importância
e seus limites.
Fernando Nascimento, da Pontífice Universidade
Católica de São Paulo, estuda a compreensão de si na ética
Ricœuriana, centrando a atenção nas últimas obras do
filósofo: Sí–mesmo como um outro; A memória, a história, o
esquecimento; O percurso do reconhecimento. Examina também
as fontes aristotélicas da reflexão do pensador.
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Constança Marcondes Cesar
O texto seguinte estuda a problemática do perdão,
que emerge na obra tardia de Ricœur, A memória, a história,
o esquecimento. É uma contribuição de Gaëlle Fiasse, da
Universidade McGill, do Canadá, que conecta o tema do
perdão com os da vida e do reconhecimento, bem como às
questões do homem capaz, de seu agir e da felicidade, e aos
temas da imputabilidade, responsabilidade. Assinala, ainda, os
debates de Ricœur com as teses de Hartmann, de Arendt, de
Jankélevitch.
Coube a Hélio Salles Gentil, da Universidade São
Judas Tadeu, de São Paulo, considerar a relação entre ética e
ficção, à luz da problemática da ação, proposta em Tempo e
Narrativa, evidenciando analogias com as perspectivas de
Gadamer, assim como suas fontes na tradição aristotélica.
O estudo da dívida de Ricœur no A metáfora
viva com a herança aristotélica da Poética e da Retórica foi
levado a efeito por Érico Fumero de Oliveira, doutorando
em Filosofia pela Universidade de Santiago de Compostela.
O escrito é muito interessante, na medida em que escrutina
não só o diálogo com as obras de Aristóteles, mas também
com a filosofia da linguagem e a hermenêutica. Apoiando-se
no trabalho excepcional de Villaverde, Do símbolo à metáfora,
Érico relaciona A metáfora viva com outros textos do pensador
francês, Teoria da interpretação e Tempo e narrativa, mostrando
o laço da meditação ricœuriana com a filosofia anglo-saxã
contemporânea.
Agis de Villaverde, da Universidade de Santiago de
Compostela, aborda os temas da morte e da alteridade em
O legado de Ricoeur
Ricœur, mostrando a importância do assunto no contexto mais
amplo da filosofia existencial e das filosofias de Heidegger e
Lévinas, onde temporalidade e finitude expõem a questão da
morte como desafio e enigma. Mostra o desdobramento da
reflexão do pensador francês sobre essa questão em Sí-mesmo
como um outro e Percurso do reconhecimento. O último ponto
do texto do estudioso espanhol está centrado na consideração
da experiência da morte dos outros, que reconduz cada um à
consciência da própria mortalidade.
O escrito seguinte, de Monique Castillo, estuda a
relação entre ética e moral , na reflexão de nosso filósofo. A
dupla vertente dessa relação, exposta em Sí-mesmo como
um outro, é examinada através da consideração das duas
reivindicações essenciais da filosofia prática no século XX: a
primeira retoma a tradição aristotélica da vida boa, expressa
pela fenomenologia e hermenêutica de que Gadamer, Arendt,
Lévinas, Jonas seriam os expoentes; a segunda remete a Kant
e à sua redescoberta pela ética da discussão que visa refundar
a moralidade das normas, no sentido apontado por Apel,
Habermas, Rawls. Considerando os desafios que Ricœur
discerne na distinção entre ética e moral, Castillo estuda a
eticidade da vida boa, os laços entre moral e vida em Kant,
bem como a questão da fundamentação da ética. Os temas
do reconhecimento, da inter-subjetividade, da memória e
da justiça lançam as bases, no entender de Castillo, de uma
ética reconstrutiva, nos moldes da que será ulteriormente
desenvolvida por J. M. Ferry, um dos exemplos da posteridade
Ricœuriana.
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Constança Marcondes Cesar
Pedro Paulo Alves dos Santos, da PUC do Rio de
Janeiro, põe em relevo o “diálogo incipiente [entre] a exegese
bíblica contemporânea e as teorias (do texto) hermenêuticas na
obra de Paul Ricœur”, partindo da evolução da hermenêutica,
na esteira de Greisch. Compreende o projeto de Ricœur
como a elaboração de uma teoria geral da hermenêutica, nas
perspectivas propostas, em ocasiões diversas, por Hahn e
Villaverde. Estuda a possibilidade da inspiração em Ricœur
com a finalidade de aprimorar a exegese contemporânea de
textos sacros, na direção apontada pelos trabalhos de Vanni,
Sequeri, Angelini e Bertuletti. Apoia-se ainda em Agamben,
Castelli, Besançon, David, Blanchot, dentre outros.
Elsio José Corá, jovem doutor pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com uma tese
sobre os escritos do último Ricœur, comparece abordando,
sob novo enfoque, a relação entre ética e moral, para estudar
o “sujeito encarnado” ricœuriano. Examinando os conceitos
do reconhecimento e inter-subjetividade, Corá expõe a
contribuição original do pensador francês, perpassando
a via longa da construção de uma ética, desde O voluntário
e o involuntário, que marca a primeira fenomenologia de
Ricœur, até os trabalhos tardios, nos quais a busca de uma
sabedoria prática conduz à formulação em Sí-mesmo como
um outro, da primazia da ética sobre a moral, mostrando a sua
complementaridade.
Aníbal Fornari, da Universidade Católica de Santa Fé,
na Argentina, e membro do Conselho Nacional de Investigações
Científicas e Técnicas, trata da “atestação e ampliação da
O legado de Ricoeur
razão em Paul Ricœur”. Explicitando o conceito de atestação,
Fornari estabelece laços entre esse conceito e o de símbolo, de
linguagem simbólica e caracteriza o horizonte da atestação à
luz da dialética entre ipseidade e mesmidade, que o pensador
francês aborda em Sí- mesmo como um outro. Estuda o estatuto
antropológico da atestação, considerando-a à luz da polissemia
da noção de alteridade. Para o autor argentino, a atestação é
método para alcançar certezas existenciais, testemunho em
nós e fora de nós da relação com o ser. Considera a raiz da
atestação na dialética entre razão e sentimento, existência e
conhecimento, bem como suas relações com a liberdade, a
suspeita, o reconhecimento de si e do outro. Mostra, enfim, que
a consciência é o lugar próprio da atestação.
O livro se encerra com o texto de Ruth Rieth Leonhardt,
da Universidade Estadual do Centro-Oeste - Paraná, uma das
organizadoras da obra. Seu tema é a correlação entre o dizer
e o fazer, a palavra e a ação, na meditação sobre a linguagem,
de Ricœur. Mostra o campo da linguagem como fulcral, na
filosofia contemporânea, nos seus aspectos epistemológicos
e antropológicos. Diversamente das escolas de Cambridge e
Oxford, Ricœur, embora dialogando com os autores e textos
da filosofia anglo-saxã, liga-se estreitamente à fenomenologia e
à hermenêutica. Desse laço e desse diálogo, surge uma reflexão
original, que caracteriza o homem como homem capaz, para o
qual falar e agir seriam modos de expressão de suas aptidões.
O discurso é fixado pelo texto e é investigando o problema dos
atos do discurso, a ação no discurso, que o filósofo expõe a
capacidade do homem de dizer e assim intervir no mundo.
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Constança Marcondes Cesar
A reflexão sobre a linguagem, o discurso e os atos da fala são
caminhos para determinar a ontologia do homem capaz. É a
linguagem, enquanto palavra, que interessa a Ricœur: é por ela
que o homem se constitui como um diálogo com o mundo,
com os outros e consigo.
O Legado de Ricœur é um livro importante,
porque sublinha, nos diferentes enfoques que apresenta da
multiplicidade de temas e aspectos a obra do pensador francês,
seu fio condutor: a ética.
Há muitos anos, visitando Ricœur em sua residência,
em Châtenay- Malabry, nos arredores de Paris, e perguntando
sobre sua trajetória intelectual, ele afirmou que seu ponto de
partida fora o problema ético-ontológico, assim como seu
ponto de chegada, nas últimas obras que então escrevera. Era
a década de 80 e a obra essencial que despertara meu interesse:
Temps et récit. Numa conversa iluminadora, de cerca de duas
horas, Ricœur traçou um resumo de sua caminhada, lançando
pontos de referência que nortearam minhas pesquisas
ulteriores.
No livro que vem a público, vejo a fecundidade e
o deslumbramento que a obra do mestre desencadeia: as
interrogações que marcam os diferentes capítulos, estão
entretecidas em torno do percurso, antes de mais nada
dialógico, com a tradição filosófica e a contemporaneidade;
um percurso que indaga sobre o homem e a finalidade de sua
existência e expõe a uma imensa curiosidade, um permanente
tateio visando compreender sempre, de modo cada vez mais
agudo, palavra e símbolo, memória e perdão, mimesis e mythos,
vida e morte, si-mesmo e o outro.
O legado de Paul Ricœur está presente nos textos
cuidadosos, apurados e críticos que a atenção a seu pensamento
fez vir à luz.
O legado de Ricoeur
Constança Marcondes Cesar
Universidade Federal de Sergipe
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SUMÁRIO
PREFÁCIO................................................................................... 19
INTERROGAÇÃO SOBRE O SUJEITO: PERCURSO
DIALÓGICO DO PENSAMENTO DE PAUL RICŒUR.......... 25
Aldo Nelson Bona
DISCORSO FILOSOFICO ED ESISTENZA IN RICŒUR:
FILOSOFARE DOPO KIERKEGAARD.................................... 57
Domenico Jervolino
LA
DONACIÓN
DE
LA
HOSPITALIDAD:UN
ITINERARIO POR LA ACCIÓN, LA SOBREABUNDANCIA
Y LA TRADUCCIÓN................................................................ 71
Patricio Mena Malet
TEMPO NARRADO: RICŒUR E AGOSTINHO....................111
Noeli Dutra Rossatto
João Batista Botton
PREMISSAS DA SUSTENTAÇÃO DE SI NA ÉTICA DE
PAUL RICŒUR..........................................................................151
Fernando Nascimento
PAUL RICŒUR E O PERDÃO COMO ALÉM DA AÇÃO......167
Gaëlle Fiasse
ÉTICA E FICÇÃO: UMA RELAÇÃO A PARTIR DA
HERMENÊUTICA DE PAUL RICŒUR...................................195
Hélio Salles Gentil
A HERANÇA ARISTOTÉLICA DA POÉTICA E DA
RETÓRICA NA OBRA A METÓFORA VIVA DE PAUL
RICŒUR....................................................................................211
Érico Fumero de Oliveira
LA MIRADA DEL OTRO, MÁS ALLÁ DE LA MUERTE........241
Marcelino Agís Villaverde
ETHIQUE ET MORALE SELON PAUL RICŒUR...................265
Monique Castillo
UM DIÁLOGO INCIPIENTE: A EXEGESE BÍBLICA
CONTEMPORÂNEA E AS TEORIAS (DO TEXTO)
HERMENÊUTICAS NA OBRA DE PAUL RICŒUR..............289
Pedro Paulo Alves dos Santos
ENTRE A ÉTICA E A MORAL: O “SUJEITO
ENCARNADO” RICŒURIANO............................................. 315
Elsio José Corá
ATESTACIÓN Y AMPLIACIÓN DE LA RAZÓN,
DESDE P. RICŒUR.................................................................. 343
Aníbal Fornari
DIZER O FAZER: A PALAVRA E A AÇÃO............................ 371
Ruth Rieth Leonhardt
PREFÁCIO
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Ruth Rieth Leonhardt
Ruth RietheLeonhardt
Elsio José Corá (Org.)
Este é um livro dedicado a estudos da filosofia de
Paul Ricœur. É um tributo ao autor e um reconhecimento da
validade de sua obra.
A História da Filosofia se constitui em torno de
grandes pensadores, suas ideias e obras, que marcaram
significativamente a época em que viveram e contagiaram o
mundo com suas concepções constituindo-se elos de uma sólida
corrente, elos que retratam épocas e culturas e influenciam
o espírito dos tempos e se transformaram em patrimônio
indestrutível do pensamento. Antiguidade, Idade Média,
Moderna ou Contemporânea, em píncaros estão inscritos os
nomes daqueles que por suas reflexões e elaborações teóricas
fizeram-se paradigmas para a explicação dos acontecimentos e
balizamento dos fatos.
Questões como a natureza, a ética, a política, o homem
e suas angústias, indagações e idiossincrasias são recorrentes
em todos os tempos, pois, mesmo mudando o mundo e a
característica dos problemas, o homem continua o mesmo ser,
configurado por Aristóteles, naturalmente desejoso de saber e
movido pelo assombro e a admiração.
A Filosofia Contemporânea pode ser dita eclética pela
diversidade dos temas que afloram e as múltiplas linhas em que
se ramifica, fugindo aos padrões de constituição de grandes
sistemas que caracterizaram outros momentos da filosofia.
Dentre os muitos pensadores do século XX, um
homem, protótipo do ser apontado por Aristóteles, é Paul
O legado de Ricoeur
Ricœur, um filósofo merecedor de respeito, consideração e
apreço e que se encontra no panteão dos grandes filósofos.
Olhando-se fotos de Ricœur, vê-se um senhor simpático, de
olhar bondoso, sensível, denotando calma, tranquilidade,
inspirando confiança. Quem lê sua biografia encontra ainda
um homem sereno que ao fazer inventário e retrospectiva
de seu trabalho mostra-se modesto, comedido e assombrado
pelo alcance e a ressonância de suas reflexões. Se a foto não
revela, a biografia descreve um sujeito resoluto, definido no
seu existir como pessoalidade ativa e desnudando-se, tal
como ele mesmo percebe-se, partícipe dos acontecimentos. Aí
também homem sofredor, profundamente ferido pela vida, por
fatos de ordem pessoal e profissional. Tais fatos, porém, não
abateram o espírito forte, não o isolaram no enclausuramento
pessoal pois não é possível apartar-se da vida. Mesmo quando
fundamente golpeada, ainda assim continua e tem sentido vivêla dignamente. As aflições esculpiram um homem alentado
pela filosofia e pela religiosidade, presentes em seu pensar, mas
sem interferirem uma na outra. Apesar dos percalços (ou devese dizer por causa deles?), Ricœur desenvolve uma filosofia
sólida, desafiadora, aberta, com teses reveladoras de um pensar
sendo instigado quando provocado ou ferido. A filosofia e a
religião, em planos diferentes, são os bálsamos a mitigarem as
dores implícitas ao ato mesmo do viver não imune às insídias
do mundo.
Esta figura aqui descrita é o grande filósofo que
movido pelas inquietações mergulha profundamente na
filosofia de todos os tempos, estabelecendo com ela uma
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de estudiosos de seu filosofar e contribuir para preservá-lo do
esquecimento.
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Ruth Rieth Leonhardt
Ruth RietheLeonhardt
Elsio José Corá (Org.)
relação basilar, para encontrar respostas. É assim que dialoga
com os filósofos e seus pontos de vista, aprende com eles,
discute e obsta contra certas posições, expressa com clareza
e mestria as próprias elaborações conceituais e nelas reponta
e faz ressoar a fertilidade do seu pensar fundamentado e
solidamente alicerçado nos ensinamentos dos mestres que são
grandes. O filósofo, em toda sua obra, justifica pontos de vista,
formula e define posições teóricas a produzirem o movimento
dessa filosofia viva, contextualizada no mundo da vida a ser
interpretado, e coerente com sua visão de mundo, com um
modelo de pensar autônomo.
Paul Ricœur é um autor fascinante. Mas em primeiro
lugar é um professor. Muitos de seus escritos são aulas e
conferências. Produzir tão importante obra denota um homem
aplicado, meticuloso e disciplinado no trabalho, portador de
uma mensagem e empenhado em difundi-la.
A medula da obra de Ricœur, a unidade e organicidade
desse pensar é a construção de uma ontologia que se configura
no homem capaz. Eis o grande tema do autor: o homem capaz,
capaz de agir, de falar, de narrar e de ser imputado por suas
ações, tal como ele define.
Este livro é dedicado ao pensamento de Paul Ricœur.
É um tributo ao autor e um reconhecimento da validade de
sua obra e nesse sentido não se põe como um texto polêmico.
Objetiva preservar vivo o seu legado e conquistar maior número
O legado de Ricoeur
A questão da memória é cara a Ricœur. Ele trata do
tema e remonta a Platão ao considerá-la uma representação,
um reavivamento de algo ausente, já desaparecido, fazendo-o
novamente presente. E conclui que contar com alguém e
contar para alguém, ou seja importar-se e ser considerado pelo
próximo, pelo outro, é uma réplica da amizade a sobrepor-se
à morte, o evento que interrompe todos os planos e intenções
mas não consegue apagar a existência de alguém para aqueles
que lamentam sua morte. A memória é pois de algo que deixa
o domínio da indiferença e se inscreve em significação de algo
que tem sentido conservar-se.
E a obra de Ricœur tem todo o sentido de ser
conservada pois este é um modo de lembrar e de não deixar
esquecer. Se em vida Ricœur fez muitos discípulos e foi
reconhecido pela produção, depois de sua morte, em 2005, o
círculo dos interessados na sua filosofia se amplia cada vez mais,
o número de adeptos multiplica-se exponencialmente graças
aos programas de pós-graduação cujos mestres transformamse em propagadores, ao orientar pesquisadores na temática da
obra ricœuriana descobrindo-a nas ricas e dinâmicas nuances
que comporta.
O Fonds Ricœur, http://www.fondsRicœur.fr/intro.
php constituído na França, guarda a biblioteca, os livros,
artigos, manuscritos confiados pelo autor e tem como tarefa
organizar os papéis de Ricœur e responsabilizar-se pela gestão
editorial de seus textos. O Fonds objetiva a difusão da obra de
Ricœur com a manutenção de uma biblioteca incentivando
eventos como colóquios e jornadas de estudos sobre Ricœur
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Ruth Rieth Leonhardt
Ruth RietheLeonhardt
Elsio José Corá (Org.)
e abriga em seu site trabalhos produzidos, disponibiliza textos
e palestras raramente encontrados, preservando dessa forma
a memória para que Ricœur permaneça vivo, para além da
morte.
Usufruindo desse legado, este livro tem a ambição
de também ser um porta-voz do pensar do forjador dessa
aventura pelos caminhos da filosofia. É uma sala de exposições
em que retratos da filosofia ricoueriana estão exibidos. É uma
forma de lembrar, de não permitir esquecer. Nesse sentido é
que se justifica a organização desse livro sobre o legado de Paul
Ricœur.
Os textos aqui publicados foram reunidos graças ao
esforço do Professor Elsio José Corá que, por seus contatos,
conseguiu dos autores os trabalhos e a autorização para
publicá-los. São pesquisadores de diferentes continentes, de
várias universidades, mostrando um pequeno mapa do quanto
se espalhou o interesse pelo pensador.
As construções discursivas estão feitas sob diferentes
perspectivas, proporcionando um conhecimento do conjunto
do trabalho de Paul Ricœur. Desta forma, espera-se que este
livro seja mais um raio de luz a difundir e multiplicar o brilho
do filósofo.
A publicação desse livro é resultado do esforço de
muitos. É necessário fazer um agradecimento especial a cada
um dos autores que disponibilizaram seus trabalhos e se
estende à Professora Constança Marcondes Cesar, um dos
principais nomes entre os pesquisadores de Ricœur no Brasil
que aceitou fazer a apresentação da obra.
Um muito obrigado ao Reitor da UNICENTRO Vitor
Hugo Zanete, ao vice-Reitor Aldo Nelson Bona e à equipe
da Editora da Universidade que desde o primeiro momento
acolheu e incentivou a ideia dessa publicação.
A viabilização econômica desse livro é devida ao
financiamento da Fundação Araucária, órgão de fomento à
publicações do governo do Estado do Paraná.
O legado de Ricoeur
Ruth Rieth Leonhardt
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