c e n t r o d e i n f o r m a ç ã o d o m e d i c a m e n t o ORDEM DOS FARMACÊUTICOS Dor neuropática A dor neuropática é um tipo de dor aguda ou crónica que resulta de lesões traumáticas, químicas ou causadas por uma doença e outras sem causa identificável, que se traduz numa anomalia anátomo-funcional das fibras de condução do sistema nervoso periférico e/ou central, ou ainda das regiões corticais envolvidas nas vias nervosas da sensibilidade, enquadrada nos fenómenos sensoriais positivos. Divide-se em 3 categorias: síndromas periféricas (ex: neuralgia pós-herpética, polineuropatia dolorosa, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio), síndromas centrais (ex: dor fantasma, dor da esclerose múltipla, dor pós-AVC) e síndromas regionais complexas do tipo I e do tipo II (causalgia). Esta dor é percepcionada como lancinante, aguda, penetrante, queimadura, punhalada ou moedeira. Também a considerar é a sua localização, ou região de distúrbio sensorial. A origem heterogénea da dor neuropática e os diferentes estadios dentro da mesma origem obrigam a diferentes abordagens multidisciplinares, na qual se inclui a farmacoterapêutica.1,2,3 É muito importante a avaliação das condições socioeconómico-culturais e a biopsicologia (frequente associação a ansiedade, depressão e insónias que pioram o quadro e diferenças no limiar da dor interpessoal) do doente e a avaliação que o próprio faz da sua dor4, por via de escalas validadas para a dor e outras de qualidade de vida, como os QUALY’s. Com base nestes parâmetros e resultados de testes laboratoriais, que permitem o diagnóstico mais exacto possível, pode prosseguir-se para a abordagem complexa e multidisciplinar, com os objectivos de melhorar ou manter o nível funcional do doente e a sua qualidade de vida, diminuindo a sua percepção da dor e a degradação física. Como é natural, neste artigo apenas se abordará a vertente farmacoterapêutica. Príncipios Farmacoterapêuticos a que deve obedecer o tratamento da dor neuropática: 1) Administrar a menor dose possível e eficaz, 2) Introduzir os fármacos um a um e titulá-los periodicamente até obter a dose ideal, 3) Introduzir os fármacos por ordem de eficácia (redução da dor em 50%) e segurança (ausência ou efeitos adversos minor), 4) Monitorização periódica da eficácia e segurança – Individualização da terapêutica, 5) Medicação com horários de administração definidos e constantes para manter sempre níveis séricos terapêuticos (contra-indicação de medicação SOS), 6) Os efeitos máximos eficazes da terapêutica podem demorar meses a estabelecer-se.5 A escada analgésica da OMS6, definida em 1996, não é integralmente aplicável à dor neuropática não maligna, podendo no entanto, ser utilizados alguns fármacos. Até ao momento actual, por resultados da evidência clínica e ensaios clínicos, demonstrou-se relativa ineficácia dos analgésicos clássicos, com controvérsia na utilização dos opióides e geralmente ausência da utilização dos anti-inflamatórios não esteróides e do paracetamol.5,7 Fármacos tópicos – Sistema transdérmico de lidocaína 5%: agente anestésico local, estabilizante da membrana, bloqueia os canais de sódio, ao nível periférico e local, e trata episódios de alodinia. Não se esperam efeitos adversos sistémicos, apenas possível irritação local. Capsaícina tópica: resultados controversos no alívio da dor, existindo a possibilidade de a agravar, embora possa haver um subgrupo de doentes para os quais se revele útil e eficaz.5,7,8 Antidepressivos Tricíclicos (ADT) – Utilizados no tratamento da dor, especialmente a amitriptilina, mas que parece ser ineficaz na neuropatia provocada pelo HIV. Os ADT com efeitos equilibrados ao nível da recaptação da serotonina e noradrenalina parecem ser mais eficazes nas polineuropatias dolorosas (amitriptilina e nortriptilina) do que aqueles que actuam apenas ao nível da noradrenalina. As reacções adversas de visão turva, sedação e hipotensão postural podem causar acidentes e os doentes devem ser alertados para esse facto. Outros Antidepressivos: Fluvoxamina – Os dados disponíveis não são muito claros. O facto de tratarem a depressão e ansiedade manifestadas por estes doentes pode ser o factor mais importante da utilização dos inibidores selectivos da recaptação da serotonina, embora se saiba que a serotonina também desempenha um papel na patofisiologia da dor.5,7,8 Anticonvulsivantes – São considerados de 1ª linha, o que pode ser explicado por algumas semelhanças nos mecanismos neurobiológicos da epilepsia e da dor neuropática. Começaram por ser utilizados no tratamento dos tiques dolorosos e há já uma experiência consolidada, considerando-se fármacos de escolha no contexto da dor neuropática. São especialmente úteis nas dores lancinantes e de sensação tipo queimadura. A sua titulação inicial deve ser lenta, já que as doses variam muito interindividualmente e deve-se encontrar a menor dose possível que demonstre eficácia. Ao descontinuá-los, é necessário uma redução gradual, para evitar episódios rebound. Há diferenças de eficácia, de acordo com o tipo de dor e com a sua etiologia, que se reflecte nas indicações terapêuticas de cada fármaco.5,7,8 Salienta-se que a utilização destes fármacos deve ser evitada na gravidez, por risco de defeitos, nomeadamente no tubo neural do feto.8 Julho/Agosto 2004 Boletim do CIM Director: J. A. Aranda da Silva Boletim do CIM Julho/Agosto 2004 Carbamazepina – O mais prescrito para a dor neuropática. A sua actividade analgésica, tal como a da fenitoína, poderá estar associada com o aumento da estabilização da membrana, o mesmo mecanismo responsável pela sua eficácia no controlo das convulsões. É o agente geralmente prescrito na nevralgia do trigémio e tem demonstrado actividade na dor neuropática diabética. As contra-indicações para o tratamento incluem história de hipersensibilidade a antidepressivos tricíclicos e depressão da medula óssea e antes de iniciar esta terapêutica deve-se efectuar o controlo da função hepática, pois as doses diárias podem atingir até 1600 mg.7 Lamotrigina – A lamotrigina apresenta resultados contraditórios, segundo os estudos, mas tem sido utilizada em doses diárias até 600 mg, em dores do membro fantasma, polineuropatia por HIV, dor neuropática diabética e dor central pós-AVC. O seu mecanismo de acção como um potente bloqueador dos canais de sódio poderá reduzir as descargas ectópicas nos nervos danificados ou disfuncionais.5 A titulação da dose deve ser efectuada lentamente, pois as reacções adversas graves, como síndroma de Stevens-Johnson e angioedema, parecem relacionar-se com a velocidade da titulação e com sobredosagens.7 O prazo mínimo de titulação deve ser de 2 semanas.5 Fenitoína – O seu mecanismo de acção, como um potente bloqueador dos canais de sódio, poderá reduzir as descargas ectópicas, nos nervos danificados ou disfuncionais. Parece ser eficaz na nevralgia do trigémio, havendo dados que indicam demasiada sedação e efeitos cognitivos intoleráveis, noutros tipos de dor neuropática.5 Topiramato – Embora faltem estudos controlados, a experiência clínica aponta no sentido da sua utilidade em vários tipos de dor neuropática.5 Gabapentina – Aprovada para todos os tipos de dor neuropática, tem um perfil de reacções adversas que parece ser mais benigno que o dos restantes e conhecem-se poucas interacções medicamentosas, o que lhe confere um bom perfil de segurança. A sua prescrição tem crescido muito em todo o mundo, não tanto devido a uma eficácia necessariamente superior aos outros anticonvulsivantes (assunto ainda muito debatido), mas precisamente pelo seu perfil de segurança, que parece ser bastante positivo. As reacções adversas são normalmente no início do tratamento e desaparecem com a sua continuação. Desconhece-se o mecanismo exacto de acção. Sabe-se que é um análogo químico do ácido gama-aminobutírico (GABA), mas não actua como um agonista ao nível dos receptores GABA; pelo contrário, tem o seu receptor próprio, mas estimula a síntese de GABA. As doses variam muito interindividualmente e podem ficar abaixo ou acima das doses usadas no tratamento da epilepsia, sendo necessário ajuste de dose em insuficientes renais. As doses podem atingir os 3600 mg/dia. Futuramente no nosso país, surgirá a pregabalina (aprovada em Agosto de 2004 em Inglaterra), do mesmo grupo que a gabapentina, e que tem apresentado bons resultados em ensaios clínicos respeitantes à dor neuropática.9 Clonidina – Eficaz na dor neuropática diabética, neuralgia pós-herpética e aquadinia, por via oral e tópica. Actua por vários mecanismos, entre os quais aumento da actividade do GABA, na dose máxima diária de 2,4 mg. Pode causar secura da boca, tonturas, sedação e obstipação. Necessário desmame, por risco de hipertensão arterial rebound.5,7,8 Baclofeno – Reduz a espasticidade associada à esclerose múltipla e é eficaz na nevralgia do trigémio, até uma dose máxima diária de 80 mg pó, ao inibir a libertação pré-sináptica de aminoácidos excitatórios. Pode causar sedação, tonturas, náuseas, vómitos e confusão mental. Contra-indicado com história clínica de epilepsia ou convulsões.5,7,8 Corticosteróides – Prednisona, prednisolona e metilprednisolona, po e ev, têm sido utilizadas na dor neuropática pelas suas propriedades anti-inflamatórias quando se crê que há um componente inflamatório na dor neuropática. No entanto, devido ao seu perfil de reacções adversas e existência de fármacos de 1ª linha, deve avaliar-se o benefício-risco criteriosamente antes da sua introdução, tanto mais que o tratamento da dor neuropática tem duração indefinida.5,7,8 Opióides – Está a diminuir a controvérsia em torno da utilização dos opióides, em várias formas farmacêuticas (vantagem de administração), após publicação de vários ensaios clínicos. A sua eficácia varia muito interindividualmente e esse factor obriga a uma cuidadosa titulação da dose, bem como para evitar sedação excessiva. Como diferem no tipo de receptores a que se ligam, a ausência de eficácia de um opióide não ocorre necessariamente com outro. O tramadol, opióide fraco, tem bons resultados nalguns doentes e pode ser também uma alternativa. Os doentes devem estar sempre bem hidratados e ter dieta rica em fibras, para evitar ao máximo a obstipação causada por estes fármacos.5,10,11 Técnicas alternativas – Aplicação local de impulsos eléctricos (TENS), bloqueios nervosos, opióides por via espinal e técnicas neurocirúrgicas.5 Notas finais – A importância crescente, especialmente da dor neuropática diabética, nas sociedades desenvolvidas, com o envelhecimento da população (processo degenerativo) e o aumento do número de diabéticos, por maus hábitos alimentares e sedentarismo (factores ambientais), conduz também a um crescente interesse social por esta questão, inserindo-se este tema na esfera dos muito debatidos e urgentes cuidados paliativos. Ainda a utilização de alguns destes fármacos, sem indicação terapêutica correspondente, e o enorme investimento que está a ser feito em novos fármacos e no estudo da fisiopatologia da dor, indicam-nos que este artigo rapidamente ficará desactualizado. Recomenda-se a leitura de um artigo de revisão sobre a fisiopatologia da dor, para complementar esta breve leitura. Cristina Castilho e Cunha Farmacêutica Hospitalar-Assistente Hospital Pulido Valente SA Bibliografia 1. Stute P. et al. J Pain Symptom Manage, 2003; 26: 1123-31. 2. Chong M., Bajwa Z. J Pain Symptom Manage, 2003; 25: S 4-S 12. 3. Dipiro J. T. eds. Pharmacotherapy: A Pathophysiologic Approach 5thed. N.York, McGraw-Hill, 2002. 4. Jones M. Int J Pharm Compound, 2000; 4(1): 6-15. 5. Galey B. S., Dworkin R. H. A Clinical Guide to Neuropathic Pain, Minneapolis, McGraw-Hill Companies, 2000. 6. Miguel R. V. Real World Strategies for Treatment of Chronic Pain; www.medscape.com\viewprogram\3080_pnt (acedido em 10/07/04). 7. Guay D. Pharmacotherapy, 2001; 21(10): 1070-81. 8. Anon. Drug Ther Bull, 2000; 38(12): 89-93. 9. www.palliativedrugs.com newsletter, November/ December 2003. (acedido em 15/06/04) 10. Rowbotham M. C. et al. N Engl J Med, 2003; 348: 1223-32. 11. Foley K. M. N Engl J Med, 2003; 348 (13): 1279-81. A doença inflamatória do intestino (DII) integra a colite ulcerosa (CU) e a doença de Crohn (DC), doenças inflamatórias crónicas idiopáticas caracterizadas por exacerbações esporádicas interpoladas com períodos de remissão de duração variável que diferem essencialmente em dois aspectos gerais: a localização anatómica e o grau de envolvimento da parede do intestino.1,2 A CU é uma entidade inflamatória não granulomatosa que se inicia sempre no recto e se estende proximalmente através do cólon, de forma contínua e confluente, restringindo-se à mucosa do recto e cólon e não envolvendo nunca o intestino delgado.2,3 A apresentação clínica da CU é mais uniforme que a da DC e inclui rectorragia ou diarreia sanguinolenta.3 A DC é transmural e pode envolver qualquer segmento do tubo digestivo, desde a boca ao ânus.2 É possível atingir múltiplos segmentos distintos do intestino, com zonas normais nos intervalos, podendo ser complicada por estenoses, fístulas intestinais e perianais. A apresentação clínica depende da zona do tubo digestivo envolvido e varia desde a obstrução intestinal, diarreia (com ou sem sangue), até à má absorção.3 Podem ainda estar presentes manifestações extraintestinais, atingindo a pele (eritema nodoso, pioderma gangrenoso), articulações (sacro-ileíte, espondilite anquilosante, artrite periférica) olhos (irite, uveíte) e fígado (colangite esclerosante).3 Apesar de a etiologia não estar bem estabelecida, pensa-se que a DII envolve uma associação de factores infecciosos, imunológicos, genéticos e ambientais.2,4 A resposta inflamatória na DII pode indicar regulação anormal da resposta imunitária ou reacção auto-imune.2 Na DII a lâmina própria encontra-se infiltrada com linfócitos, macrófagos e outras células do sistema imunitário.2 A interacção entre o sistema imunitário, a nível da mucosa intestinal, e a microflora comensal parece ser um factor chave na inflamação crónica do intestino.5 Estes factores conduzem a uma alteração da resposta imunológica a um ou mais antigénios da mucosa e, em última análise, à desregulação das células T da mucosa.4 Estudos epidemiológicos indicam que determinados factores genéticos são predisponentes para a DII, particularmente para a DC.2,4 Uma história familiar com DII parece ser um factor de risco significativo.6,7 Outros factores poderão estar ainda associados, tais como doenças infecciosas, deficiências metabólicas genéticas, dieta ou factores psicológicos como stress, trauma físico ou emocional.2 Tanto a DC como a CU podem seguir uma evolução activa com fases de remissão e ter uma grande variabilidade de resposta à terapêutica. O tratamento da doença activa e a manutenção da remissão podem ser complexos.3 Adicionalmente à terapêutica farmacológica adiante referida, recorre-se por vezes à cirurgia, que envolve a ressecção de segmentos do intestino afectados, bem como correcção de fístulas ou drenagem de abcessos.2 TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA Baseia-se na redução do processo inflamatório (remissão), apesar de nunca ocorrer a cura definitiva. Assim, os objectivos primários da terapêutica incluem 1) a resolução dos sintomas, de forma a permitir ao doente retomar a sua actividade diária habitual, 2) a melhoria da qualidade de vida, 3) a manutenção de um estado de nutrição adequado, 4) a diminuição da inflamação intestinal e 5) a redução da incidência de exacerbações recorrentes (i.e. manutenção da remissão).1,2 Na avaliação terapêutica de novos fármacos, um dos objectivos primários propostos tem sido ainda a cicatrização da mucosa, confirmada endoscopicamente.8 Os principais tipos de terapêutica da DII incluem os aminossalicilatos, corticosteróides, imunossupressores (azatioprina, 6-mercaptopurina, ciclosporina e metrotexato), antibacterianos (metronidazol e ciprofloxacina) e anticorpos monoclonais inibidores do factor de necrose tumoral TNFα (infliximab).2 Como terapêutica sintomática de suporte podem ainda ser utilizados agentes antidiarreicos e anticolinérgicos, estando, no entanto, contra-indicados nos casos graves de colite associada a CU e DC, uma vez que existe o risco de evoluir para megacólon tóxico.6,9 A terapêutica farmacológica deverá ter um perfil de segurança favorável, fácil administração e compatível com os recursos económicos do doente.1 Aminossalicilatos – Foram os primeiros fármacos a mostrar benefícios terapêuticos na DII.4 Os aminossalicilatos podem inibir, a nível dos macrófagos, a produção de ciclooxigenase, tromboxano sintetase, factor de activação plaquetária sintetase e interleucina-1.2 A sulfassalazina associa na mesma molécula uma sulfonamida (sulfapiridina) e mesalazina (5-ASA), através de uma ligação azo que é quebrada por acção da flora intestinal do cólon.2 A mesalazina, substância activa da sulfassalazina, tem absorção reduzida e propriedades anti-inflamatórias, permanecendo no cólon e sendo excretada pelas fezes. A sulfapiridina, cuja absorção sistémica é significativa, é responsável pela maior parte dos efeitos secundários que conduzem à suspensão do medicamento (náuseas, vómitos, cefaleias, reacções de hipersensibilidade, anemia hemolítica, agranulocitose, hepatite, pancreatite e infertilidade masculina transitória por alteração da morfologia do esperma e oligospermia).1,3,4,6 A sulfassalazina ainda é utilizada, sobretudo devido ao seu reduzido custo. No entanto, a mesalazina isoladamente é a opção alternativa.2 A mesalazina pode ser administrada por via oral em formulações de libertação prolongada que actuam a nível do intestino delgado e cólon ou topicamente, na forma de enemas ou supositórios, no tratamento da proctite.2 Fármacos mais recentes libertam a molécula de mesalazina mas não possuem a sulfapiridina: a olsalazina (um dímero de 5-ASA) e o bisalzide, um pró-fármaco da mesalazina que no cólon é cindido enzimaticamente.2 Estes novos agentes têm eficácia semelhante à sulfassalazina mas possuem um melhor perfil de segurança.4 A mesalazina em doses até 4 g/dia induz a remissão em doentes com DC e CU activa ligeira a moderada. Pode ainda ser utilizada na terapêutica de manutenção da DC.4,9 Uma vez que as formulações orais contendo mesalazina são comprimidos revestidos ou grânulos, não deverão ser mastigados ou fraccionados. Julho/Agosto 2004 Doença inflamatória do intestino: colite ulcerosa e doença de Crohn Boletim do CIM Julho/Agosto 2004 Corticosteróides – Por via oral têm eficácia no controlo a curto prazo da exacerbação aguda ligeira ou moderada de DC ou CU.6 A utilização crónica de corticosteróides na manutenção da remissão, mesmo em doses reduzidas, não apresenta benefícios e é prejudicial, uma vez que causa supressão adrenal.1 A duração da terapêutica nunca deverá exceder os seis meses.5 A dose inicial de prednisona é de 40 a 60 mg/dia, estando a administração parentérica reservada para os casos moderados ou graves.4,6 O budesonido, administrado por via oral em formulações de libertação prolongada, tem elevada actividade local e reduzida biodisponibilidade sistémica, explicada por um efeito de primeira passagem extenso, com formação de dois metabolitos sem actividade terapêutica. Na dose de 9 mg/dia está indicado na DC activa, ligeira a moderada.10 No entanto, apesar de ter menos efeitos sistémicos que a corticoterapia convencional, também pode provocar supressão adrenal, pelo que a terapêutica não deve ser interrompida subitamente.11 Imunossupressores – A azatioprina e o seu metabolito 6-mercaptopurina têm eficácia no tratamento da DC e CU e na manutenção da remissão.6 A azatioprina está autorizada para o tratamento da DII moderada a grave, em doentes que requerem ou não toleram corticoterapia ou em doentes com patologia refractária a outra terapêutica padrão de 1ª linha. Inibem a proliferação celular por interferência na síntese da purina. Actuam também sobre a resposta imunitária, interferindo com a actividade das células NK e T citotóxicas e bloqueando a proliferação linfocitária.6 São utilizadas doses de 2 a 2,5 g/dia de azatioprina. A principal limitação ao seu uso é a sua toxicidade: pode causar leucopénia, pancreatite e aumentar o risco de linfoma.6 São frequentes reacções adversas como náuseas, vómitos, diarreia, dor abdominal e reacções de hipersensibilidade.12 É prudente não utilizar azatioprina em grávidas e mulheres que estejam a amamentar ou pretendam engravidar. Parece existir um risco acrescido de aborto ou malformação congénita se o pai tomou azatioprina nos três meses prévios à concepção.12 O metotrexato, um antagonista dos folatos, impede a síntese de ADN. Pode ser administrado por via oral ou parentérica na DC.4,6 Náuseas, vómitos, diarreia, cefaleia e estomatite são reacções adversas frequentes.12 Pode causar complicações que incluem fibrose hepática, alterações da função renal, aplasia medular e toxicidade pulmonar.3 O metotrexato é teratogénico, pelo que está contra-indicado em grávidas ou mulheres que pretendam engravidar.12 A ciclosporina inibe selectivamente a resposta imunitária mediada pelas células T, através do bloqueio da sua produção de interleucina-2.13 Tem vantagens sobre a azatioprina e metotrexato devido ao seu rápido início de acção. Tanto a via oral como a parentérica são utilizadas como segunda linha na CU grave.4 A administração intravenosa de 4 mg/kg/dia permite uma resposta mais rápida que a terapêutica oral.4 Alguns dos efeitos indesejáveis mais comuns incluem cefaleias, hiperlipidémia, alterações da função renal e hepática e hiperplasia gengival.13 Antibioterapia – É utilizada na DII, uma vez que se considera que a flora bacteriana tem um papel importante na sua patogénese, possivelmente actuando como um substrato antigénico.4 A antibioterapia pode melhorar a sintomatologia primária da DC e contribuir para tratar infecções complicadas.14 O metronidazol, que tem também propriedades imunossupressoras, é o antibiótico mais estudado. É particularmente efectivo em doentes com DC perianal, numa dosagem aumentada até um máximo de 2 g/dia.4 Tem associado, no entanto, o risco de ocorrência de neuropatia periférica.14 A ciprofloxacina é uma alternativa ao metronidazol, apesar de não ser tão utilizada.4,14 Tem vantagens no tratamento da DC perianal e com formação de fistulas, com ou sem associação ao metronidazol.4 Anticorpos monoclonais – O infliximab é um anticorpo monoclonal humano-murino, que inibe a actividade funcional do factor de necrose tumoral (TNFα) produzido por macrófagos activados.13,15 Constituiu um avanço significativo na terapêutica da DC15 e está actualmente aprovado para o tratamento da DC activa grave refractária ou intolerante à terapêutica com corticosteróides e imunossupressores e na DC com fístulas refractária ao tratamento convencional (incluindo antibióticos, drenagem e terapêutica imunossupressora).16 Tanto na DC activa, grave, como na DC activa com formação de fístulas, a dose inicial é de 5 mg/kg em perfusão durante 2 horas; poderá ser administrada nova dose às 2 e 6 semanas nos casos em que houve resposta. Nestes casos poderá ainda ser tentada a manutenção da remissão com uma dose idêntica em cada 8 semanas.16 O infliximab aumenta a susceptibilidade às infecções, particularmente à tuberculose, pelo que está contra-indicado nestes doentes. Está também contra-indicado na insuficiência cardíaca. Entre outros efeitos indesejáveis, podem ocorrer reacções associadas à perfusão, náuseas, diarreia, alterações da função hepática e ainda formação de anticorpos contra infliximab.16 Cristina Rocha Bibliografia 1. Stotland B. et al. Hosp Pract (ed. portuguesa), 2000; 4(6): 53-66. 2. Dipiro J. T. et al. (eds.). Pharmacotherapy: A pathophysiologic approach. 5thed. N York, McGraw-Hill, 2002. 3. Tung J., Warner A. Postgrad Med (ed. portuguesa), 2003; 20(4): 23-30. 4. Koda-Kimble M. A., Young Y. (eds.). Applied Therapeutics: The Clinical Use of Drugs. 7thed. Philadelphia, Lippincott Williams and Wilkins, 2001. 5. Rutgeerts P. Scand J Gastroenterol, 2003; Supl. 237: 30-33. 6. Goldman L., Bennett J. C. 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Aranda da Silva; M. E. Araújo Pereira; M. T. Isidoro; T. Soares. Os artigos assinados são da responsabilidade dos respectivos autores.