APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA CLASSE HOSPITALAR: UMA CONTRIBUIÇÃO À PRODUÇÃO DE NOVOS SABERES E REINSERÇÃO ESCOLAR Márcia Aparecida Pires de Moraes1-Classe Hospitalar HSP– SME Léa Chuster Albertoni2 - UNIFESP Grupo de Trabalho – Educação, Saúde e Pedagogia Hospitalar Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O Programa de Atendimento Educacional ao Escolar em Tratamento de Saúde - PAETS vinculado ao Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP e Hospital São Paulo, em sua Unidade III - Ambulatório de Hemodiálise Pediátrica, atende aos escolares com Doenças Renais Crônicas, no aguardo do transplante. O presente artigo objetiva discutir a utilização dos pressupostos teóricos da aprendizagem significativa, segundo Ausubel (1980 apud MOREIRA, 2006), mediante um estudo de caso. Trata-se de um aluno 15 anos de idade, com histórico de evasão escolar e sintomas de depressão. Relevar como os conhecimentos prévios do aluno contribuíram para alicerçar a construção de estruturas mentais e aquisição de novos conhecimentos mediante prática pedagógica prazerosa e eficaz. Pesquisa qualitativa, com base na observação direta, realizada no período de um ano. Para mensurar o processo de aprendizagem, foram utilizados os Protocolos que compõe o Guia de Observação, Intervenção e Avaliação da Aprendizagem – GOIAA. A partir dos dados obtidos foi possível desenvolver um trabalho focado na organização de conteúdos, atividades e intervenções tendo como motivação o centro de interesses do aluno: inicialmente futebol. O estreito vínculo com a escola de origem, colaborou para o esclarecimento das condições físicas e emocionais do aluno e na reinserção escolar. Desta forma conclui-se que as intervenções com base em situações nas quais o estudante consegue utilizar conhecimentos prévios, agrega e incorpora significado aos novos conteúdos, evitando-se, assim uma aprendizagem mecânica e transitória. Também minimiza os efeitos da doença, possibilitando a continuidade do desenvolvimento cognitivo, social e afetivo do aluno, assim como na sua reinserção escolar. Ressaltamos a importância da presença do Professor da Classe Hospitalar 1 Pós-Graduanda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Inclusiva – Deficiência Múltipla e Surdocegueira – Universidade Presbiteriana Mackenzie – CEP 01302-090 – São Paulo – SP – Brasil, Pedagoga pelo Centro Universitário São Camilo – Docente da Classe Hospitalar do Programa de Atendimento Educacional do Escolar em Tratamento de Saúde – PAETS – Departamento de Pediatria da EPM/UNIFESP/HSP [email protected]. 2 Pós-Doutoranda – Linha Educação Inclusiva-UNICAMP, Doutora em Ciências, Escola Paulista de MedicinaUniversidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP). Pedagoga, Psicomotricista. Psicopedagoga, Coordenadora do Programa de Atendimento Educacional do Escolar em Tratamento de Saúde – PAETS – Departamento de Pediatria da EPM/UNIFESP/HSP. ISSN 2176-1396 21197 na equipe multidisciplinar, principalmente em espaços de prolongados tratamentos de saúde, como a hemodiálise. Palavras-chave: Classe Hospitalar. Aprendizagem Significativa. Doença Renal Crônica. Inclusão. Introdução O Programa de Atendimento ao Escolar em Tratamento de Saúde-PAETS, vinculado ao Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo –EPM UNIFESP, atende crianças e jovens hospitalizados no Hospital Universitário HSP- Hospital São Paulo e também escolares em tratamento de saúde nos ambulatórios nas Disciplinas de Nefrologia e das Doenças Infectocontagiosas. Para tanto, tem as atividades pedagógicas e educacionais organizadas em quatro unidades, conforme o tempo de internamento e as necessidades específicas dos respectivos tratamentos. São elas: Unidades IEnfermaria Geral, Unidade II Cirurgia Pediátrica, Unidade III - Hemodiálise Pediátrica e Unidade IV- Doenças Infectocontagiosas. Focaremos para este artigo um atendimento realizado na Unidade III Hemodiálise Pediátrica. Trata-se de um espaço onde as sessões de hemodiálise acontecem de acordo com as necessidades clínica do paciente. Geralmente crianças e jovens são submetidos ao tratamento 3 vezes por semana sendo que nos casos maios graves, diariamente. A duração de cada sessão varia de 4 a 5 horas. É durante este período, que os pacientes submetem-se a um procedimento através do qual uma máquina limpa e filtra o sangue, ou seja, realiza a função que o rim doente não tem condições de realizar. Devido à falência dos mecanismos excretores renais torna-se necessária a filtragem e a depuração de substâncias com níveis indesejáveis para o bom funcionamento do organismo Durante o processo de hemodiálise são controlados os níveis de líquidos e sais do corpo, assim como a pressão arterial colaborando para que o organismo mantenha o equilíbrio de substâncias como sódio, potássio, ureia e creatinina. São tratamentos duradouros e, na maioria das vezes, após iniciada uma terapia de substituição renal, o tratamento perdurará por toda a vida. Entretanto observa-se que alterações podem ocorrer na forma com que se procede o tratamento, ou seja, da hemodiálise para a diálise peritoneal ou vice-versa. Há também, para alguns casos, com possibilidade do transplante renal, dependendo das condições clínicas. Este representa a esperança e o vislumbrar do retorno à rotina anterior à doença, como por exemplo, a volta ao convívio social e escolar. 21198 Conforme observamos e também como informa a Sociedade Brasileira de Nefrologia, o paciente deve submeter-se a constantes revisões mediante as quais, o médico nefrologista faz revisões frequentes (mensais) inclusive com o emprego de exames laboratoriais. Isto porque, se o tratamento não estiver adequado, ajustes deverão ser realizados a fim de que se possa atingir o desempenho esperado. Fato é que o paciente em tratamento de hemodiálise não deve faltar as suas sessões. Durante o tratamento podem ocorrer sintomas desagradáveis como queda da pressão arterial, câimbras ou dor de cabeça além de alterar a percepções sensoriais do próprio corpo, uma vez que estes pacientes que necessitam conviver com uma fistula arteriovenosa (FAV) Compreende-se então a importância para o tratamento, que uma sessão de hemodiálise seja sempre realizada na presença de um médico e uma equipe de enfermagem. Nossa experiência nos mostra que muitos dos pacientes em hemodiálise, deixam de vislumbrar a possibilidade de frequentar o ambiente escolar. Isto porque, o desconforto físico após as sessões, a distância entre a residência, o ambulatório e a escola, muitas horas em trânsito, impede que o paciente e aluno tenha disposição para frequentar o ambiente escolar.. Também o receio que seus filhos possam ser alvo de bullying devido ao uso de cateter, de alimentarem-se incorretamente, de não ter apoio da área da saúde na escola, impede que facilitem e estimulem os seus filhos a participarem das aulas regulares. Observamos também que os professores por sua vez, desconhecem as necessidades das DRC, receiam admitir o aluno doente na sala regular com receio de contágio alegando despreparo para incluí-lo na classe regular. Há também que se considerar que as constantes faltas e a perda dos conteúdos, correm em sentido contrário ao regulamento institucional escolar. (ALBERTONI, 2014). Segundo Kimmel (2000 apud NIFA; RUDNICKI, 2010), inicialmente todos os esforços realizados mediante ao tratamento da diálise são dedicados para a manutenção da vida. Nesta direção, progressos muito significativos devem ser considerados a fim de que sejam levados em conta os aspectos emocionais desses pacientes assim como a manutenção de sua qualidade de vida. Os estudos que atualmente são realizados, em sua maioria são trabalhos de associação entre diversos fatores psicossociais e morbidade e mortalidade que envolvem estes pacientes. Há estudos que mostram a existência de uma associação direta entre idade e mortalidade. Os fatores relacionados a idade referem-se ao fato de que na medida em que a idade aumenta, uma série de fatos ocorre concomitantemente: maior possibilidade de comorbidades, maior incidência de depressão e sucessivas. E mais: “a 21199 etiologia da depressão é usualmente associada com alguma perda – e as perdas são normalmente numerosas e duradouras para o paciente com doença renal.” (ZIMMERMANN, 2004 apud NIFA; RUDNICKI, 2010). Estudos sobre depressão revelam que o impacto da doença crônica na infância e adolescência tem sido reconhecido; há evidências que indicam que o risco de problemas psicológicos é aproximadamente duas vezes maior, se comparado ao de crianças sem doença crônica (PLESS, I; NOLAN, T.; RISKS, 1989 apud OLIVEIRA; BANDIM; CABRAL FILHO, 2009) Outro estudo revela que em diferentes regiões do mundo, inclusive o Brasil, apesar de os pacientes terem uma doença crônica de base, a taxa de episódio depressivo encontrada foi maior de 5,8%, dentro da mesma faixa etária encontrada na literatura para escolares saudáveis, quando o tema é transtorno depressivo.(VERSIANI; REIS; FIGUEIRA, 2000; ADEWUYA; OLOGUM, 2006). Os fatores aqui apresentados somados á vivência diária no Ambulatório de Hemodiálise, despertou o nosso interesse em realizar pesquisa qualitativa tendo um estudo de caso como estratégia. Buscou-se um recurso metodológico que permitisse a compreensão da prática docente que no âmbito das tarefas cotidianas da professora da classe hospitalar. Sendo assim, realizou-se um estudo com base na observação e analise dos depoimentos do aluno, da escola de origem, da família e da equipe da saúde: médicos e enfermeiros. A metodologia que mais se adequou aos objetivos deste estudo é de natureza qualiquantitativa (MINAYO, 2008). Desta forma buscou-se investigar os depoimentos captando dados e enfatizando a abrangência das intervenções com base nos pressupostos da concepção cognitivista de David Ausubel (AUSUBEL, 1980 apud MOREIRA, 2006). Promover a oferta do atendimento pedagógico em ambientes hospitalares e domiciliares de forma a assegurar o acesso de crianças e jovens em tratamento de saúde à educação básica, como preveem os documentos legais, faz-nos refletir sobre objetivos e metas a serem alcançadas. Como já mencionado anteriormente, o aluno em situação de DRC que passa pelo tratamento intensivo da diálise e hemodiálise, sofre grande risco de ver a sua trajetória escolar marcada pelo fracasso e pela evasão. Salvo exceções, encontram-se marginalizados pelo insucesso, por privações constantes e pela baixa autoestima potencializada pela exclusão social e escolar. Conforme Mantoan (2015) tornam-se vitimas de seus pais, de seus professores e, sobretudo das condições de pobreza em que vivem em todo o sentido. Faz-se então necessário que para nossos alunos planejemos intervenções que possam 21200 reverter um quadro de insucesso escolar a partir de ações que criem oportunidades e partam de interesses próprios, da valorização real, do respeito à diversidade e do apoio institucional a fim de que a escola possa admiti-los como seus. Adotarmos uma metodologia que permeia o projeto de intervenção pedagógica, que tem como ponto de partida o conjunto de conhecimentos prévios que o aluno o traz consigo. Isto nos mostra no mínimo o respeito pela sua história e pelos seus aprendizados anteriores. É nesta direção que Ausubel (1980 apud MOREIRA, 2006) reafirma a ação do professor como o ato de ensinar tendo como atenção tanto o conteúdo, mas também a forma de organização desse conteúdo na estrutura cognitiva do aluno. Ronca (1994) Assim, novos significados são adquiridos quando símbolos, conceitos e proposições são relacionados e incorporados à estrutura cognitiva de uma forma não arbitrária e substantiva. A contribuição destes pressupostos teóricos, nos leva a considerar uma organização cognitiva baseada em conhecimentos de caráter conceitual que se estabelece como uma rede de conceitos organizados, e tem por base a sua flexibilidade para ser utilizada por diferentes sujeitos em diferentes situações. No que diz respeito a aprendizagem escolar, os conceitos propostos pelo autor, nos levam a compreender que para haver aprendizagem significativa é necessário haver uma disposição por parte do aluno a fim de que esta não se configure como aprendizagem mecânica. Em segundo, o conteúdo escolar a ser aprendido tem que ser potencialmente significativo, ou seja, deve oferecer um significado também na esfera afetiva e ir de encontro a experiências consideradas pelo aluno como significativas. Quer atendamos alunos no hospital ou em ambulatórios, incorporar novos conteúdos ás suas estruturas de conhecimento tem como objetivo torna-la o quanto possível, significativa e duradoura, em contraposição ás reposições de conteúdos aplicadas de forma mecânica, transitória e repetitiva. Desta forma, as intervenções devem partir de conhecimentos prévios, a fim de que o aluno possa incorporar e atribuir significado ao novo conteúdo que passa a ser armazenado por meio de associações arbitrárias na estrutura cognitiva. 21201 Desenvolvimento O caso L. 15 a, atendido pelo PAETS há um ano aproximadamente, passa por sessões de hemodiálise diariamente, com duração de 5 horas cada, com regularidade. Através da anamnese inicial constatamos realizada com o aluno e a mãe, fomos informados de que L. é um jovem de classe média baixa, que vive em um ambiente familiar de alto risco, e com diversos entraves entre todos os familiares. A família é composta por ele, mãe e duas irmãs, sendo eles filhos de pais diferentes, que moram nas proximidades. Entretanto, ambos apontam como ponto de apoio, “figura forte” a avó, uma senhora atuante na comunidade e que na maioria das vezes o acompanha as sessões de hemodiálise. Através dos protocolos de observação e avaliação – GOIA - Guia de Observação e Avaliação da Aprendizagem, utilizado pelo Programa, foi possível detectar que L. estava matriculado no 1º ano do ensino médio, no período matutino, em uma escola estadual, e que também apesar da preocupação da família com os estudos do adolescente, L. apresentava um abandono escolar de dois anos, pois o período escolar coincidia com o tratamento de hemodiálise. Raramente nos dias em que não comparece ao tratamento, a mãe relata: “eu não consigo fazer o Leandro ir para a escola, ele pega a bicicleta e sai sem dizer aonde vai e só volta quando já passou o horário de ir para a escola”. L. não demonstrava interesse em voltar a estudar, nem saudades das relações sociais que ali mantinha, “pra que vou lá, se não consigo fazer todas as coisas e não tenho amigos?”. Nas entrevistas e conversas informais L. falava: “vou na escola para rirem de mim, me chamarem de Rambo?”, referindo-se a faixa que mantêm presa na testa constantemente, para segurar a fistula do pescoço, necessária para as sessões de hemodiálise. Sendo assim L. foi também diagnosticado como apresentando sintomatologia depressiva pela psicóloga da equipe ambulatorial. Reagia com descaso por tudo a sua volta, tendo seu pensamento voltado apenas para o aguardo do transplante. Dormia muito e não queria conversar com as pessoas durante o processo de hemodiálise. Durantes as entrevistas e conversas informais, descobrimos também que sua grande paixão é o time de futebol Corinthians, pelo qual torce ardentemente e do qual sabe todos os 21202 jogos, resultados e notícias. “Tem time mais bonito que esse? Um TIMÃO! os outros são todos timinhos.” A partir de então baseando-nos nos pressupostos teóricos da aprendizagem significativa iniciamos uma programação com base nos pressupostos da Aprendizagem Significativa, observando: a disponibilidade do aluno para aprender e que o conteúdo escolar a ser aprendido tem ser potencialmente significativo, ou seja, ele tem que ser lógica e psicologicamente significativo: o significado lógico depende somente da natureza do conteúdo, e o significado psicológico é uma experiência que cada indivíduo tem. (AUSUBEL, 1980 apud MOREIRA, 2006). Então a primeira condição para contribuirmos com o processo ensino-aprendizagem do L. já havíamos descoberto: o time de futebol Corinthians. Após essa constatação a Professora da Classe Hospitalar passa a convidar o aluno a permanecer acordado para lerem os jornais e notícias a respeito do seu time. Com essa estratégia inicial, a Professora conseguiu estabelecer um vínculo de amizade e confiança entre eles, e a partir deste interesse aos poucos a professora foi sugerindo novas atividades com o mesmo tema, começou-se a confeccionar um caderno temático, com recortes e colagem de todas as notícias que se referiam ao time ou aos seus jogadores. Continuando nesta direção, ou seja, de utilizar o interesse do aluno pelo futebol e seu time em especial, a professora então passou a sugerir que ele fizesse a leitura das notícias individualmente e a informasse verbalmente o conteúdo, compartilhando assim o horário do atendimento com os demais alunos do ambulatório. Desta forma a professora conseguiu verificar o grau de entendimento do aluno com relação às notícias que lia e sua capacidade de lhe apresentar de forma resumida todo o conteúdo. A sintomatologia de depressão (COSTA; COUTINHO, 2014) que L. apresentava diminuiu acentuadamente, pois não permanecia mais durante todo o tempo dormindo, além disso, passou a dar informações para todos que compartilhavam o ambiente sobre seus times e a brincar sorrateiramente com as pessoas que torciam por times adversários, principalmente quando os mesmos perdiam de seu time. Observou-se então um aumento significativo em compartilhar opiniões e contatar colegas e profissionais da equipe. 21203 A partir de então observamos que o trabalho contribuiu significativamente para melhorar a autoestima, confiança, sugeriu então que fizessem uma tabela para acompanhar todos os jogos do campeonato “Brasileirão”. A tabela que L. passou a preencher com os resultados dos jogos, e que para ele era um divertimento, foi então um grande aliado ao processo de ensino aprendizagem nas disciplinas de matemática e geografia, contribuindo com leitura, entendimento de tabelas e gráficos diversos. Ainda com a utilização da tabela, passamos a trabalhar com mapas, pesquisando a localização dos estados, dos diversos times participantes do referido campeonato. Desta forma aos poucos foi inserido uma diversidade de atividades no dia a dia do aluno, envolvendo as diversas disciplinas e a cada dia com um grau maior de dificuldades, sempre dentro de suas possibilidades e interesses. Ainda se utilizando do interesse pelo futebol a Professora da Classe Hospitalar conseguiu que outra aluna, também torcedora do mesmo time começasse a realizar em parceria com L. as atividades, compartilhando as leituras de jornais e revistas, e a confecção do caderno temático “Corinthians”. A partir de então o aluno L. passou a participar também de atividades coletivas: como o jogo da cachola, bingo, advinhas, etc... Passou também a realizar atividades artísticas sobre as datas comemorativas: carnaval, dia da mulher, Páscoa, etc... Durante todo esse tempo a Professora sempre trazia a tona um diálogo sobre a escola, seus sentimentos, a importância dos estudos nas nossas vidas e a necessidade de retornar a escola. Segundo Gadotti (2007) em seu artigo Reinventando Paulo Freire na Escola do Século XXI “mas é na escola que passamos os melhores anos de nossas vidas, quando crianças e jovens. A escola é um lugar bonito, um lugar cheio de vida, seja ela uma escola com todas as condições de trabalho, seja ela uma escola onde falta tudo.”, assim tentava estimular em L. a vontade de reviver e retornar ao convívio daquele mundo do qual havia se afastado. Com as informações obtidas nos protocolos, a Professora da Classe Hospitalar mantinha contato permanentemente com a escola de origem, na qual L. deveria retornar aos estudos, e verificou-se a possibilidade de mudança de horário, para que ele conseguisse chegar a tempo nas aulas. A escola então chamou a mãe para realizar a matrícula no período noturno. O que a mãe aceitou após um diálogo com a Professora da Classe Hospitalar, compreendendo que seria melhor até mesmo pelos novos amigos que L. faria, pois conforme dizia a mãe “quem 21204 sabe professora agora ele faz novos amigos, mais adultos e que não irão chamar ele de Rambo”. O contato com a escola de origem sempre foi realizado através de telefonemas, mantendo-se assim um vínculo sólido que possibilitou a troca de informações a respeito das dificuldades de aprendizagens do aluno e desta forma facilitou a intervenção para sanar e/ou diminuir essas dificuldades, até o momento de reingressá-lo no contexto escolar, conforme propõe o paradigma da inclusão. Então, após alguns meses o aluno aceitou voltar a frequentar a escola “eu vou só hoje, mas se for chato eu não vou mais” e assim L. retornou aos estudos e a partir daí iniciou-se uma nova fase no processo de ensino-aprendizagem, pois o aluno passou a solicitar que a Professora da Classe Hospitalar o auxiliasse na realização das atividades de casa e a tirar dúvidas sobre os conteúdos trabalhados na escola. Surge então um novo interesse na vida do aluno, uma “paixão” por uma colega de escola e a partir deste momento, L. solicita para a professora poemas e poesias para ler, e demonstra um romantismo ainda não visto, “professora tô apaixonado e quero ler muitos poemas e falar para ela”. Nesse momento L. ainda se apresentava com uma certa timidez pelo novo enfoque que estava dando a leitura, “pareço um bobão né professora, mas ela também é, até chorou com o poema que li ontem”, então a Professora apresentou a ele o poema “Todas as Cartas de Amor são Ridículas” de Álvaro Campos (PESSOA, 1972), onde ele escreve que: "todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas..." e finaliza dizendo "afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor são ridículas", após essa leitura L. diz “então sou normal” e riu gostosamente. Se apoiando neste novo interesse do aluno, a Professora da Classe Hospitalar, reformula seu conteúdo, e se orientando nos pressupostos teóricos da aprendizagem significativa, que diz que quanto mais se aproxima o novo conteúdo com algum aspecto da estrutura cognitiva prévia que lhe for relevante, mais próximo se está da aprendizagem significativa e mais distante de uma aprendizagem mecânica ou repetitiva. Desta forma na busca incessante do sucesso no processo ensino aprendizagem de L., e acreditando na teoria de Ausubel (1980 apud MOREIRA, 2006) que apresenta três vantagens na aprendizagem significativa: 21205 a) em primeiro lugar, o conhecimento que se adquire de maneira significativa é retido por mais tempo; b) em segundo lugar, aumenta a capacidade de aprender novos conteúdos; c) em terceiro lugar, se ocorrer o esquecimento deste conteúdo, a “reaprendizagem” ocorrerá com maior facilidade. A professora passa a trabalhar esse outro tipo de gênero textual e inseri também as artes plásticas, mostrando fotos da natureza, imagens encantadoras, quadros de artistas famosos apaixonados, etc... O aluno passa a vivenciar um outro momento de sua vida com relação a leitura, passa a ler livros que jamais imaginou que leria, a ver quadros com outra perspectiva, pois o que antes era para L. apenas uma imagem, passa a ter outro sentido, passa a perceber os sentimentos ali colocados pelo pintor. O Aluno começa então além de ler, a escrever pequenos poemas pensando na colega de escola e sempre contando com o auxílio da Professora. Nesta nova fase o aluno L. faz questão que a Professora passe suas produções poéticas para a colega da Classe Hospitalar, “professora dá meu caderno para a K. ler e dar opinião”. Permite ainda que médicas, enfermeiras e outras pessoas leiam suas produções e deem sugestões. Sempre com muita satisfação e orgulho da sua nova “paixão” e de seus escritos. O aluno então questiona a Professora da Classe Hospitalar, se há possibilidades dela auxiliá-lo a desenvolver um pequeno livro de poesias e inclusive de colocar imagens nessas produções. A Professora sem sombra de dúvidas aceitou o novo desafio. Constatando assim que conforme propõe a teoria da aprendizagem significativa segundo Ausubel (1980 apud MOREIRA, 2006), quando os conhecimentos prévios dos alunos são valorizados e há o interesse do educando em aprender, a aprendizagem passa a ser prazerosa e eficaz. E com certeza sua retenção será duradoura. Considerações finais A utilização dos protocolos do Guia de Observação, Intervenção e Avaliação da Aprendizagem – GOIAA, contribuiu para a realização do diagnóstico de aprendizagem do aluno em tratamento de saúde. Consideramos que Identificar os conhecimentos prévios do aluno identificar seus interesses, suas dificuldades e competências, possibilita ao professor constituir estratégias que levaram o aluno L. novamente ao contato com o conteúdo escolar, 21206 quebrando assim a resistência inicial aos conteúdos escolares, contribui positivamente no desenvolvimento cognitivo, social e afetivo do aluno, bem como para alicerçar a construção de estruturas mentais na aquisição e memorização de novos conteúdos, tornando assim a prática pedagógica mais eficaz. Atividades planejadas e ministradas com o objetivo de reinserção social e escolar, propostas de forma motivadora, minimizaram expressivamente a sintomatologia da depressão, contribuindo assim para o florescimento da autonomia, elevar a autoestima resultante da exclusão social e escolar. Aproximar o aluno ao seu respectivo centro de interesse, envolvendo familiares, escola de origem e equipes que os atendem, é fator que contribui significativamente para reforçar os vínculos sociais, refletindo assim sobre a formação de novos hábitos de condutas e modelos de socialização. A articulação permanente entre profissionais da Saúde e da Educação assim como familiares do aluno colaborou substancialmente para o apoio á escolarização, ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do aluno. Desta forma, se pode articular ações e informações sobre as reais necessidades e possibilidades do aluno em todos os ambientes. A parceria sólida com a escola de origem colaborou na identificação e consequentemente na programação das intervenções das dificuldades de aprendizagem. Contribuiu efetivamente para aproximar escola equipe de tratamento do aluno fortalecendo os laços sociais e o sentimento de pertencimento ao contexto escolar, atendendo assim os requisitos propostos pela inclusão escolar. A ancoragem de conteúdos baseados nos conhecimentos prévios do educando, contribui de forma efetiva e duradoura, além de tornar a aprendizagem potencialmente significativa e prazerosa, com inúmeras possibilidades de aplicação em diferentes áreas, colaborando efetivamente para um ganho cognitivo do estudante. REFERÊNCIAS ALBERTONI, L.C; CHIARI, B.M. A inclusão escolar de alunos com doenças crônicas Professores e gestores dizem que. 1ª ed. 2014. v. 1. 112p. ADEWUYA, A. O.; OLOGUM, Y.A. Factors associated with depressive symptoms in Nigerian adolescents. J Adolesc Health, 2006; 39:105-10. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16781968>. Acesso em 05 set. 2015. 21207 COSTA, F. G.; COUTINHO, M. P L. Hemodiálise e Depressão: Representação social dos pacientes. 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