Coletânea Dermato Caracterização e diagnóstico das manifestações clínico-patológicas do linfoma epiteliotrópico (micose fungóide) em cães: relato de caso Characterization and diagnosis of clinical and pathological manifestations of epitheliotropic lymphoma (mycosis fungoides) in dogs: case report Rosane Katherine Nascimento França. Médica Veterinária. Sérgio Ricardo Teixeira Daltro. Médico Veterinário. Giovana Patrícia de Oliveira e Souza Anderlini. Médica Veterinária. Rinaldo Cavalcante Ferri. Médico Veterinário. França RKN, Daltro SRT, Anderlini GPOS, Ferri RC. Medvep Dermato - Revista de Educação Continuada em Dermatologia e Alergologia Veterinária. Resumo O linfoma, anteriormente conhecido como linfossarcoma, é um tumor hematopoiético frequente em todas as espécies domésticas e faz parte de 7 a 10% de todas as neoplasias malignas. O linfoma epiteliotrópico é uma apresentação incomum, caracterizada pela infiltração de linfócitos T neoplásicos na epiderme e no epitélio folicular. As proliferações linfocíticas epiteliotrópicas são subclassificadas em: micose fungóide, síndrome de Sézary e reticulose pagetóide. A micose fungóide é um distúrbio de progressão lenta, que apresenta comumente despigmentação e ulceração mucocutâneas, juntamente com eritema, erosões, pústulas e lesões nodulares na mucosa oral. O diagnóstico é baseado nos achados histológicos. O trabalho tem por objetivo relatar um caso de linfoma epiteliotrópico (micose fungóide) em um cão, abordando os principais aspectos clínicos, diagnósticos e prognósticos. Palavras-chave: micose fungóide, sinais clínicos, diagnóstico, cães Abstract Lymphoma, formerly known as lymphosarcoma, is a commom hematopoietic tumor in all domestic species and it is part of 7 to 10% of all malignancies. Epitheliotropic lymphoma is an uncommon presentation, characterized by infiltration of neoplastic T cells in the epidermis and follicular epithelium. The epitheliotropic lymphocytic proliferation are subclassified on: mycosis fungoides, Sézary syndrome and pagetoid reticulosis. Mycosis fungoides is a slowly progressive disorder, that commonly presents mucocutaneous pigmentation and ulceration, along with erythema, erosions, pustules and nodular lesions in the oral mucosa. The diagnosis is based on histological findings. The work aims at reporting a case of epitheliotropic lymphoma (mycosis fungoides) in a dog, approaching the main clinical features, diagnosis and prognosis. Keywords: mycosis fungoides, clinical features, diagnosis, dogs Introdução 56 O linfoma, anteriormente conhecido como linfossarcoma, é um tumor hematopoiético frequente em todas as espécies domésticas e faz parte de 7 a 10% de todas as neoplasias malignas (1). É uma neoplasia primária que envolve os linfócitos provenientes dos linfonodos (2) ou órgãos viscerais, como fígado e baço (3). Possui uma etiologia bastante investigada, pois ao contrário do linfoma felino, ele não é induzido por vírus (4), e em 80% dos casos, Coletânea Dermato acomete animais entre 5 e 11 anos, sem predileção sexual (5). As raças de cães mais acometidas por esta enfermidade são: Boxer, Rottweiler, Poodle, Chow-chow, Beagle, Basset Hound, Pastor Alemão, São Bernado, Scottish Terrier, Airedale Terrier e Bulldog (6). A classificação do linfoma em cães tem como base a localização anatômica, o critério histológico e as características imunofenotípicas, sendo classificado em: multicêntrico, alimentar, mediastinal, cutâneo e extranodal (7). O trabalho tem por objetivo relatar um caso de linfoma epiteliotrópico (micose fungóide) em um cão, abordando os principais aspectos clínicos, diagnósticos e prognósticos. Revisão de Literatura O linfoma cutâneo é uma neoplasia linfóide maligna que representa de 3 a 8% das neoplasias tegumentares em cães. Geralmente acomete cães idosos, principalmente das raças Cocker Spaniel, Bulldog Inglês, Boxer e Golden Retrievers8. Pode ter apresentação localizada ou generalizada, sendo classificado em: não-epiteliotrópico, originário de linfócitos B ou epiteliotrópico, originário de linfócitos T (8, 9). O linfoma epiteliotrópico é uma apresentação incomum, caracterizada pela infiltração de linfócitos T neoplásicos na epiderme e no epitélio folicular (10). As proliferações linfocíticas epiteliotrópicas são subclassificadas em: micose fungóide, síndrome de Sézary e reticulose pagetóide (11). A micose fungóide, assim denominada devido à semelhança entre as lesões macroscópicas àquelas observadas em certas infecções fúngicas (12, 13), é um distúrbio de progressão lenta (14), que apresenta comumente despigmentação e ulceração mucocutâneas, juntamente com eritema, erosões, pústulas e lesões nodulares da mucosa oral. Podem ocorrer sinais sistêmicos como anorexia, perda de peso, pirexia e polidipsia (15). Este tipo de linfoma cutâneo pode ainda se manifestar de quatro formas diferentes: a primeira delas é caracterizada por quadro eritrodérmico variavelmente pruriginoso (forma pré-micótica), indistinguível da dermatose inflamatória ou alérgica que pode evoluir para a segunda forma, caracterizada pela presença de placas ou nódulos solitários ou múltiplos. A terceira forma, descrita para as junções mucocutâneas, manifesta-se sob a forma de ulcerações associadas à despigmentação, fazendo diagnóstico diferencial com as dermatoses auto-imunes; e a quarta, consiste em ulceração oral (16). O diagnóstico é baseado nos achados histológicos (10). Histopatologicamente, a micose fungóide varia também em função da forma clínica biopsiada. Na lesão desenvolvida, nota-se denso infiltrado linfocitário atípico na porção superior da derme, comprimindo e invadindo a epiderme, com mínima espongiose, formando agregados celulares conhecidos como microabscessos de Pautrier. Além dos linfócitos malignos, compõe o infiltrado, em menor quantidade, plasmócitos, histiócitos e eosinófilos. Os linfócitos são grandes, com núcleos contorcidos (células de micose) (15). Frequentemente, nas lesões em placas, o infiltrado assume arranjo liquenóide na derme superficial e perianexial. Ocasionalmente podem ser vistas mucinose epidérmica e fibrose da derme superficial (17,18,19,20). O linfoma epiteliotrópico é progressivo e pouco responsivo ao tratamento. Possui prognóstico desfavorável e o tempo de vida relatado a partir do diagnóstico, alcança de algumas semanas até 2 anos (10). Relato de Caso Um cão da raça Boxer, fêmea, com sete anos de idade, foi atendido com o histórico de lesões eritematosas não-pruriginosas por todo o corpo. Ao exame clínico foram constatadas várias placas eritematosas com descamação circundadas por halos eritematosos (figura 1), além de edema axilar e facial, erosões e crostas na região mucocutânea oral. Paralisia facial direita (figura 2) com diminuição do reflexo palpebral também foram observadas. Coletou-se dois fragmentos da pele lesionada medindo 18 x 9 x 3 mm e 5 x 4 x 3 mm, para a realização do exame histopatológico. Não foi realizada análise imunoistoquímica. A avaliação histopatológica demonstrou cortes histológicos sequenciais de fragmentos de pele com padrão lesional semelhante. A epiderme exibiu hiperplasia irregular e ortoqueratose laminar discreta, com intensa infiltração por linfócitos atípicos com formação de pequenas coleções intraepidermais de linfócitos neoplásicos (microabscessos de Pautrier). Toda a derme e parte do panículo adiposo apareceram intensamente infiltradas pelas células neoplásicas. Pôde-se observar anisocariose, atipia nuclear 57 Coletânea Dermato intensa e nucléolos evidentes e atípicos, característicos de linfoma. O índice mitótico foi de 15 figuras de mitose/10 campos (objetiva de 40x). Foi realizada coloração especial para fungos (PAS) que resultou Figura 1. Lesões eritematosas com descamação circundadas por halos eritematosos. Fonte: DALTRO, 2009. Discussão 58 O caso descrito mostrou um exemplo clássico de linfoma epiteliotrópico (micose fungóide) em cães. O animal tinha sete anos de idade e era da raça Boxer; sendo ambas as descrições pertencentes, respectivamente, à faixa etária e às raças dos animais mais acometidos por esta neoplasia (5,6,8). As manifestações clínicodermatológicas são semelhantes às descritas na literatura: as lesões foram iniciadas por eritema e descamação, despigmentação e alopecia, evoluindo para a formação de placas e nódulos, além de ulcerações locais e comprometimento das junções mucocutâneas, incluindo a cavidade oral (15), mostrando um estágio avançado da doença. A avaliação histopatológica permitiu um diagnóstico definitivo, tanto devido às características morfológicas das células neoplásicas (linfócitos grandes e alguns em mitose, com nucléolos evidentes) (21), quanto à presença dos Microabscessos de Pautrier na epiderme, que confirma a forma epiteliotrópica do linfoma, por ser uma apresentação histológica clássica. Com relação às outras subclassificações do linfoma epiteliotrópico, a síndrome de Sézary foi descartada pela ausência de células de Sézary ou Lutzner no infiltrado epidérmico e no sangue periférico. Estas células são linfócitos menores de 8 negativa. O tratamento não foi realizado por decisão do proprietário. O animal veio a óbito 40 dias após o resultado do exame histopatológico. Figura 2. Paralisia facial direita. Fonte: DALTRO, 2009. a 20 μm, que apresentam núcleos acentuadamente hiperconvolutos, com inúmeras projeções digitiformes, produzindo um aspecto cerebriforme clássico. Já a reticulose pagetóide, caracteriza-se exclusivamente por invasão de linfócitos neoplásicos na epiderme e anexos (15), o que difere do caso, pois este também apresentou infiltrado neoplásico na derme. A agressividade e o prognóstico ruim da forma epiteliotrópica foram confirmados neste caso, devido à rápida progressão do quadro para o óbito do animal em apenas 40 dias após o resultado do exame histopatológico. Conclusão O linfoma epiteliotrópico (micose fungóide) é uma neoplasia incomum em cães, que apresenta várias formas de apresentação. Por não possuir um quadro clinicodermatológico específico, torna-se necessária a realização do exame histopatológico para chegar a um diagnóstico definitivo. No entanto, a imunoistoquímica associada a histopatologia e aos sinais clínicos é uma importante ferramenta diagnóstica para a classificação do tumor. Coletânea Dermato Referências 1. MERLO, A.; REZENDE, B. C. G.; FRANCHINI, M. L.; MONTEIRO, P. R. G.; LUCAS, S. R. R. Serum amyloid A is not a marker for relapse of multicentric lymphoma in dogs. Veterinary Clinical Pathology. V. 37, nº 1, p. 79 – 85, 2008. 2. RASKIN, R. E., NIPPER, M. N. Cytochemical Staining Characteristics of Lymph Nodes From Normal and Lymphoma-Affected Dogs. Veterinary Clinical Pathology, V. 21, p. 62 – 67, 2001. 3. JAIN, N. C. Schalm’s Veterinary Hematology. 4. ed : Lea & Fabiger, Philadelphia, 2000. 4. FIGHERA, R.A. Leucemia em medicina veterinária. Santa Maria, Cap.6, p.32-38, 2000. 5. GREENLEE, P. G.; FILIPPA, D. A.; QUIMBY, F. W. 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