DOCUMENTO ECLAMC Bue, 11/12/2015 3. Número esperado de microcefalias no Brasil Período de base: ECLAMC 1982-2013 Como falado no documento anterior (1/4), a taxa de microcefalia é algo bastante difícil de estimar, tanto por causa de sua real heterogeneidade dependente da proporção dos diferentes fatores causais numa determinada população ou época, quanto por diferenças em sua definição, mudanças no tempo de métodos e recursos diagnósticos e pelo fenômeno de derivação hospitalar que ocorre quando um hospital de alta complexidade começa a receber para o parto casos já diagnosticados prenatalmente. Assim, uma regressão de Poisson utilizando o número de microcefalias e de nascimentos em 60 hospitais do ECLAMC no período 1982-2013 considerou a tendência secular, a variação estacional e o efeito de nove hospitais de alta frequência obtendo uma estimativa de frequência ajustada para estes fatores de 1.981/10,000, IC 95% (1.478 - 2.2656). Considerando ser esta uma estimativa razoável de frequência de microcefalia para o Brasil usando dados do ECLAMC, estimamos o número de casos esperados para cada UF em 2015 (Tabela 1) e calculamos também o número máximo de casos em cada UF usando o limite de confiança superior (95%) desta estimativa (Tabela 2). Aos nascimentos do SINASC de janeiro a setembro de 2015, adicionamos três vezes a média observada de nascimentos neste período. O número de microcefalias e o número de nascimentos vivos em cada UF são aqueles dados preliminares consolidados pelo SINASC em 11/12/2015. De acordo com Informe Epidemiológico No. 03/2015 - Semana Epidemiológica 48 (29/11/2015 a 05/12/2015) há 1.761 casos de microcefalia notificados ao SVE-MS, ou seja que a notificação ao SINASC que utilizamos está em 44.5% dos casos notificados ao SVE-MS até 5/12/2015. Tabela 1: Frequência estimada de casos com microcefalia em cada UF em 2015 (prevalência = 1.981) UF resid 11 12 13 14 15 16 17 21 22 23 24 25 26 27 28 29 31 32 33 35 41 42 43 50 51 52 53 Rondônia Acre Amazonas Roraima Pará Amapá Tocantins Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás Distrito Federal Ignorado/Exterior Total Geral UFs com nascimentos estimados a partir de outubro 2015 Casos Nascim Taxa Esp O/E Z 4 0 3 1 10 1 7 38 30 35 27600 16711 77068 11049 140461 15320 25341 116253 48883 132255 1.45 0.00 0.39 0.91 0.71 0.65 2.76 3.27 6.14 2.65 5.5 3.3 15.3 2.2 27.8 3.0 5.0 23.0 9.7 26.2 0.7 0.0 0.2 0.5 0.4 0.3 1.4 1.7 3.1 1.3 -0.63 -1.82 -3.14 -0.80 -3.38 -1.17 0.88 3.12 6.53 1.72 22 63 245 13 36 94 23 3 17 92 6 6 9 49209 59107 147597 52884 36076 205256 271631 57991 240743 650204 163792 99371 151203 4.47 10.66 16.60 2.46 9.98 4.58 0.85 0.52 0.71 1.41 0.37 0.60 0.60 9.7 11.7 29.2 10.5 7.1 40.7 53.8 11.5 47.7 128.8 32.4 19.7 30.0 2.3 5.4 8.4 1.2 5.0 2.3 0.4 0.3 0.4 0.7 0.2 0.3 0.3 3.92 14.99 39.90 0.78 10.79 8.36 -4.20 -2.50 -4.44 -3.24 -4.64 -3.08 -3.83 4 15 1 6 44869 52761 100224 44137 1331 3039327 0.89 2.84 0.10 1.36 0.00 2.58 8.9 10.5 19.9 8.7 0.3 602.1 0.5 1.4 0.1 0.7 0.0 1.3 -1.64 1.41 -4.23 -0.93 -0.51 7.41 784 Tabela 2. Frequência estimada de casos com microcefalia em cada UF em 2015 (prevalência = 2.2656) UF resid 11 12 13 14 Rondônia Acre Amazonas Roraima UFs com nascimentos estimados a partir de sep2015 Casos Nascim Taxa Esp1 O/E Z 4 0 3 1 27600 16711 77068 11049 1.45 0.00 0.39 0.91 7.3 4.4 20.5 2.9 0.5 0.0 0.1 0.3 -1.23 -2.11 -3.86 -1.13 15 16 17 21 22 23 24 25 26 27 28 29 31 32 33 35 41 42 43 50 51 52 53 Pará Amapá Tocantins Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás Distrito Federal Ignorado/Exterior Total Geral 10 1 7 38 30 35 140461 15320 25341 116253 48883 132255 0.71 0.65 2.76 3.27 6.14 2.65 37.3 4.1 6.7 30.9 13.0 35.1 0.3 0.2 1.0 1.2 2.3 1.0 -4.47 -1.52 0.10 1.28 4.72 -0.02 22 63 245 13 36 94 23 3 17 92 6 6 9 49209 59107 147597 52884 36076 205256 271631 57991 240743 650204 163792 99371 151203 4.47 10.66 16.60 2.46 9.98 4.58 0.85 0.52 0.71 1.41 0.37 0.60 0.60 13.1 15.7 39.2 14.0 9.6 54.5 72.1 15.4 63.9 172.7 43.5 26.4 40.2 1.7 4.0 6.2 0.9 3.8 1.7 0.3 0.2 0.3 0.5 0.1 0.2 0.2 2.47 11.94 32.87 -0.28 8.53 5.35 -5.79 -3.16 -5.87 -6.14 -5.69 -3.97 -4.92 4 15 1 6 44869 52761 100224 44137 1331 3039327 0.89 2.84 0.10 1.36 0.00 2.58 11.9 14.0 26.6 11.7 0.4 807.2 0.3 1.1 0.0 0.5 0.0 1.0 -2.29 0.26 -4.97 -1.67 -0.59 -0.82 784 Como se vê na Tabela 1 (taxa média) sete dos nove estados do nordeste apresentam números observados no SINASC (que em geral são inferiores aos casos comunicados a SVE-MS) muito superiores aos números esperados, o mesmo ocorrendo para o total do país. Ao mesmo tempo, dez estados apresentam significativamente menos casos que o esperado. Mesmo se considerarmos o número máximo de casos (Esp1 = taxa no limite de confiança superior de 95%), ainda assim, seis estados do nordeste apresentam mais casos que o esperado. Naturalmente que os mesmos dez estados identificados anteriormente como tendo subnotificação ou subregistro de microcefalia continuam apresentando menor número de casos que o esperado. Como o aumento em parte do nordeste é inusitado, sugerindo vários fatores para explicá-lo como: -busca ativa de todo e qualquer caso de microcefalia após o início do rumor, -definição de microcefalia mais ampla que o usual incluindo parte da população normal, -erros de medição, e -possível aumento de um ou de vários fatores causais para microcefalia em parte do nordeste como prematuridade, infecções virais, parasitárias, bacterianas e uso de álcool durante o primeiro trimestre da gestação, propomos analisar os dados da Paraíba e do único hospital do ECLAMC no nordeste nestes últimos anos, o Instituto Cândida Vargas (ICV) (ECLAMC: A56) em João Pessoa (Tabelas 3 e 4). Tabela 3: Casos de microcefalia do ICV, João Pessoa, PB no ECLAMC Ano 2010 2011 2012 2013 2014 Total Nascimentos n 5283 7885 7460 6823 7187 Microcefalia n 11 9 8 6 4 /por 10,000 34638 38 10.97 20.82 11.41 10.72 8.79 5.57 Com a estimativa de 59107 nascimentos para a Paraíba em 2015, esperarse-iam 12 casos de microcefalia, já tendo sido observados 63 segundo os dados do SINASC e 316 segundo a SVE-MS. Assim, de acordo com o SINASC, haveria um excesso de casos maior que 400% na Paraíba. Segundo o Quadro 1 abaixo, espera-se que 80% destes casos apresentem a mesma exposição ao agente causal, neste caso hipotético, que 80% das mães tenham apresentado infecção viral na gravidez. O uso do menor número observado de casos (n = 63) pretende ser conservador e eliminar parte dos casos sobre-diagnosticados por causa da mudança de critério na circunferência cefálica. Quadro 1: Proporção de casos esperados com exposição similar calculados a partir do aumento da relação obervado/esperado em suspeitas de focos. Expected 10 10 10 10 10 10 10 10 10 Observed 12 13 14 15 20 25 30 40 50 RR 1.2 1.3 1.4 1.5 2 2.5 3 4 5 Increase 20% 30% 40% 50% 100% 150% 200% 300% 400% Cases with similar exposure* 16.70% 23.10% 28.60% 33.30% 50.00% 60.00% 66.70% 75.00% 80.00% * Proporção atribuível em expostos = (RR-1)/RR Entre os 18 casos de microcefalia enviados ao ECLAMC pelo ICV de João Pessoa, 7/16 (44%) apresentavam história de virose materna durante a gravidez (dois casos sem informação). Esta proporção atribuível à nova virose é inferior aos 80% esperados (ESP = 13, LC 95% : 7 - 22) e não sugere uma relação causal entre uma nova virose e microcefalia. Note-se, entretanto que a amostra disponível é muito pequena embora seja, no momento em que revemos este texto de 8/22 casos (36%). Se elaboramos o cálculo acima e consideramos a prevalência máxima no EUROCAT1 para microcefalia (0.000302) para calcular o número esperado em 59107 nascimentos estimados para a Paraíba em 2015, obtemos o esperado de 17,85 que é 3,53 menor que o observado de 63 casos. Considerando a taxa de exposição descrita para o vírus Zica na Micronesia em 2007 de 0.0179 e o risco relativo de 3,53, haveria 2 a 3 casos provavelmente devidos a virose por Zika e cerca de 42 casos (60 - 18 = 42) sem explicação. Cerca de 70% das mães dos 63 casos observados deveriam relatar a exposição ao vírus Zica (proporção atribuível em expostos). O relato de virose na gestação no ICV, independente do trimestre afetado, está em metade do que seria esperado por estes cálculos (36%). 1 http://www.eurocat-network.eu/accessprevalencedata/prevalencetables (acessado em 11.12.15) Em outro cenário, supondo que a frequência da virose na população nordestina seja diferente do ocorrido em 2007 na Micronésia, deveríamos ter tido 90% das gestantes expostas ao vírus para explicar 45 casos por esta causa. O exercício de calcular o número de casos esperados de microcefalia neste momento, no Brasil, perde a utilidade quando existem evidências de um excessivo número de microcefalias sobre-diagnosticadas. Embora a hipótese mais provável seja a de sobre-diagnóstico de microcefalia, desencadeada a partir da busca ativa motivada pelo rumor sobre o vírus Zika como fator causal, não podemos afastar o aumento deste e de outros fatores causais mencionados acima, principalmente porque, dentro do ECLAMC, os hospitais do Nordeste (A16 e A56) sempre apresentaram maiores taxas de microcefalia que os hospitais do resto do Brasil e do resto do ECLAMC. Jorge S. Lopez-Camelo - ECLAMC, CEMIC, INAGEMP Ieda Maria Orioli - ECLAMC, UFRJ, INAGEMP Eduardo Castilla - ECLAMC, CEMIC, INAGEMP