Em face da divida

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Em face da dívida
Os países conseguiram efectivamente aumentar o seu nível de investimento contraindo empréstimos, mas,
ao fazê-lo, alguns endividaram-se fortemente, o que comprometeu a sua capacidade de satisfazer as
necessidades da sua população e de assegurar o crescimento económico. A Conferência Internacional
sobre o Financiamento do Desenvolvimento pode ajudar a alcançar consensos sobre os meios necessários
para eliminar finalmente as armadilhas da dívida e para suscitar a vontade política de o fazer.
Foi no início dos anos 80 que o endividamento excessivo dos países em desenvolvimento em relação aos
credores internacionais se tornou um problema generalizado. Os níveis elevados de endividamento
geraram crises da balança de pagamentos, ao mesmo tempo que o aumento das taxas de juros implicou um
aumento do montante dos pagamentos. Paralelamente, os choques provocados pelos preços do petróleo e a
recessão económica nos países industrializados que constituíam mercados de exportação prejudicaram a
capacidade de pagamento dos países em desenvolvimento endividados.
Entretanto, os países mais pobres, em especial os 49 países menos avançados (PMA), contraíram
empréstimos cada vez mais elevados, sobretudo junto de governos e de instituições financeiras
internacionais. Em 1976, apenas dois dos 28 PMA sobre os quais se dispunha de dados apresentavam
rácios dívida externa/Produto Interno Bruto (PIB) de mais de 50% e rácios dívida externa/exportações
totais superiores a 200%. Mas, em 1987, dois terços dos PMA tinham ultrapassado esses níveis. Nesse ano,
19 países – na sua maioria africanos – dirigiram-se ao Clube de Paris para solicitar um reescalonamento da
sua dívida.
Nos princípios dos anos 90, o “Plano Brady” permitiu reduzir a dívida dos países de rendimentos médios
em crise, mas o problema da dívida continuou a consumi-los, tendo-se mesmo agravado nos países de
baixos rendimentos. Em 1998, por exemplo, o rácio dívida/PIB de Moçambique alcançara os 210,8%, o do
Laos era de 93% e o do Sudão, de 162,5%.
Em 1998, o montante total dos pagamentos da dívida efectuados pelos PMA elevaram-se a 4400 milhões
de dólares, o que representou aproximadamente 12% do total das suas exportações. No entanto, esta soma
considerável reflectia unicamente os pagamentos efectuados, não os pagamentos em dívida. Nesse mesmo
ano, os créditos vencidos e ainda não pagos constituíam 30,4% do montante da dívida pública.
No final da década de 90, era evidente que não só os países de baixos rendimentos mas também os de
rendimentos médios muito endividados continuavam a braços com o grave problema da dívida. Primeiro, o
México, depois os países do Leste Asiático, mais tarde a Federação Russa, à qual se seguiram o Equador, a
Ucrânia e o Paquistão, e por último a Turquia e a Argentina mostraram que países continuavam
vulneráveis a crises ligadas ao pagamento da dívida. Além disso, dado que estes países podiam recorrer
cada vez menos ao financiamento através da banca internacional e aumentavam cada vez mais as suas
emissões de obrigações internacionais, não havia mecanismos amplamente aceites para restruturar as suas
obrigações de serviço da dívida externa, quando surgia uma crise.
A importância do apoio financeiro e técnico, nomeadamente da redução da dívida, para os países em
desenvolvimento de rendimentos baixos e médios muito endividados foi objecto de discussões durante os
preparativos da Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que terá lugar
em Monterrey, no México, em Março de 2002. Os participantes apelaram a que as instituições multilaterais
como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial demonstrassem uma maior flexibilidade
e concedessem rapidamente uma redução da dívida aos PMA, aos pequenos Estados insulares e aos países
sem litoral, bem como aos países pobres que foram afectados por catástrofes naturais, por crises graves
relacionadas com as razões de troca ou que estão a sair de um conflito.
As políticas sobre a dívida dos países de rendimentos médios são abordadas neste dossier de imprensa, no
texto sobre a “reforma do sistema”. As preocupações especiais dos países de baixos rendimentos são
apresentadas em seguida.
Iniciativa para os Países Pobres Muito Endividados
Durante o processo de preparação da Conferência Internacional sobre o Financiamento do
Desenvolvimento, os governos insistiram em que era necessário acelerar e implementar na sua totalidade a
Iniciativa para os Países Pobres Muito Endividados (PPME), que constitui o principal programa
internacional para a redução da dívida de um grupo dos países mais pobres e mais endividados do mundo.
Lançada pelo Banco Mundial e o FMI em 1996, veio responder à pressão da opinião pública suscitada por
uma coligação de organizações não governamentais chefiadas pela Jubileu 2000. Muitas ONG continuam a
exigir uma resolução integral da crise da dívida dos PPME e de outros países.
Ao contrário de mecanismos anteriores de redução da dívida, a Iniciativa PPME tomou em consideração a
necessidade de reduções substanciais do total da dívida, incluindo pela primeira vez, a dívida ao FMI, ao
Banco Mundial e a outras instituições multilaterais. De qualquer modo, não foi suficiente. A Iniciativa foi
reforçada em 1999, a fim de assegurar uma redução “maior, mais profunda e mais rápida”, ao mesmo
tempo que relacionava mais directamente a redução da dívida com o apoio a medidas destinadas a reduzir
a pobreza. Dos 42 países que preenchiam as condições para serem abrangidos pela Iniciativa PPME, 24
passaram uma etapa decisiva, denominada “ponto de decisão”. Espera-se que, com o tempo, beneficiem de
uma redução do serviço da dívida da ordem dos 46 mil milhões de dólares.
A Iniciativa PPME assim reforçada permitirá reduzir para metade o total da dívida destes países e em cerca
de um terço o serviço da sua dívida. No entanto, até este avanço está comprometido, porque os preços dos
produtos geralmente exportados por estes países continuam a baixar e o comércio internacional está
afectado pelo abrandamento actual da economia.
Um dos argumentos defendidos durante os preparativos da Conferência Internacional sobre o
Financiamento do Desenvolvimento é que a capacidade de cada país no que se refere a pagar as suas
dívidas deveria ser avaliada em função da sua capacidade de financiar programas que visem permitir
alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e que o pagamento da dívida não deveria ser
conseguido em detrimento da consecução destes. (Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, entre os
quais figura o compromisso de reduzir para metade a pobreza extrema no mundo inteiro até 2015, foram
adoptados por 147 Chefes de Estado e de Governo e por 191 nações na Cimeira do Milénio, que teve lugar
na Sede das Nações Unidas, em Setembro de 2000.)
Os representantes dos países em desenvolvimento pediram também insistentemente que a redução
acelerada da dívida dos países pobres muito desenvolvidos não implicasse uma redução da ajuda recebida
nem a subida das taxas de juro pagas pelos outros países em desenvolvimento. Defendem também que, a
fim de não desviar os recursos do financiamento do desenvolvimento, a redução da dívida deve ser
acompanhada de um aumento da ajuda ao desenvolvimento, essencialmente sob a forma de subvenções e
de empréstimos em condições muito vantajosas.
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