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Problemas e pseudoproblemas em Ciências
Fabio Wellington Orlando da Silva1
Este trabalho analisa o conceito de problema, a apresentação de um objetivo passível de ser atingido através de
uma metodologia válida, e o de pseudoproblema, no qual se propõe atingir um objetivo de alcance impossível,
apesar de respeitar todas as regras formais exigidas para a formulação de problemas. A seguir, discute-se a
dificuldade de distinguir um caso do outro em situações reais e as implicações dessa dificuldade no julgamento da
viabilidade de projetos científicos.
PALAVRAS-CHAVE: PROJETOS CIENTÍFICOS;
HISTÓRIA DA CIÊNCIA;
PROBLEMA;
PSEUDOPROBLEMA.
1 INTRODUÇÃO
Um importante conceito usualmente empregado pelos pesquisadores é o de problema. Apesar de
não haver uma descrição única ou universal desse conceito, pode-se referir a um problema como a apresentação de um objetivo que deverá ser alcançado através de procedimentos considerados válidos pela comunidade científica. Assim, nem todos os desafios
podem ser classificados nesta categoria, mas somente
aqueles que comportem objetivos passíveis de ser atingidos e por meios válidos. Os demais pertencem a
outra espécie e serão denominados pseudoproblemas,
ad ot an d o- se a mesma d esig n ação usad a p or
Wittgenstein no campo da Metafísica [1].
A estória que se segue servirá para ilustrar a diferença, sob essa ótica, entre o que se pode denominar ou não um problema. Trata-se de um diálogo entre os pais de dois meninos da mesma escola. O primeiro pai afirma: “Meu filho gostaria de ter um irmão
mais novo para brincar”. O segundo responde: “O meu
gostaria de ter um irmão mais velho. Todos os dias,
ele pede um irmão mais velho”.
No primeiro caso, tem-se um problema. O garoto quer um irmão mais novo. Em princípio, é possível satisfazê-lo, há um caminho a ser percorrido para
se alcançar o objetivo estabelecido (a resolução do
problema).
1
Quanto ao segundo caso, não há solução, pelo
menos até o presente. Não é possível voltar no tempo e providenciar um irmão mais velho para o menino. Poder-se-ia talvez conseguir um amiguinho de
mais idade. Mas isto seria apenas um jogo de palavras, um “faz de contas”. O que o garoto realmente
deseja não se pode obter. É inócuo investir tempo e
recursos neste caso, pois não se trata de um problema a ser resolvido.
Alguém teria afirmado que o homem somente
se propõe os problemas que seja capaz de resolver.
Tal asserção é passível de diversas interpretações. Uma
delas seria a de que as pessoas jamais se propõem
resolver casos que não comportem soluções. Se essa
foi sua intenção, será proveitoso recordar alguns
exemplos históricos amplamente conhecidos que desafiaram a criatividade de muitos pesquisadores através dos séculos, até que se demonstrasse a impossibilidade de resolvê-los. Entre os mais significativos,
destacam-se a quadratura do círculo e a solução de
equações de qualquer grau através de radicais.
Uma interpretação alternativa para a referida
asserção é que somente pode ser considerado um problema o desafio que comporte uma solução. Os desafios não passíveis de ser resolvidos não devem ser
considerados problemas. Neste caso, a frase em questão revela-se uma tautologia: os desafios que o homem seja capaz de resolver são problemas; o homem
somente se coloca os problemas que seja capaz de
resolver, pois os desafios para os quais não consegue
encontrar uma solução devem ser classificados de outra
Professor do DADB/CEFET-MG e Doutor em Física pela Universidade de Montpellier (França).
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
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forma. Neste sentido, atualmente podem ser considerados problemas: dividir oito maçãs em inteiros iguais
para quatro pessoas (são duas maçãs para cada uma);
determinar a velocidade mínima de escape da Terra
(trata-se de uma aplicação da Mecânica Newtoniana);
calcular a raiz quadrada de 16 (quatro). Por outro lado,
não constituem problemas: fazer um homem de 50
anos retornar à idade de 15; inverter o fluxo de calor, fazendo-o fluir espontaneamente do corpo mais
frio para o corpo mais quente; dividir duas maçãs em
três inteiros iguais.
Assim, a distinção entre as duas situações parece muito simples: se for possível dar uma solução ao
caso, trata-se de um problema; se não for, trata-se de
um pseudoproblema.
A dificuldade surge quando, apesar de não se
encontrar uma solução, não se pode demonstrar que
ela não exista. No mundo das crianças, isso ocorre
com elevada freqüência, onde a fantasia dos contos
de fadas parece, às vezes, mais real do que os objetos
concretos. No senso comum dos adultos, também não
é raro. O sebastianismo e os movimentos messiânicos
estão a confirmá-lo. Há incidências também no universo mais refinado da ciência, no qual as probabilidades de sucesso costumam ser cuidadosamente analisadas. Por exemplo, é o que houve, durante muitos
séculos, com as equações algébricas de ordem superior a quatro.
Um caso ainda pior se dá quando os conhecimentos disponíveis em determinada época parecem
apontar para a impossibilidade de uma solução, apesar dela existir. Isto aconteceu com a Teoria da Evolução e com a Teoria da deriva dos continentes.
Não é sem motivo a prece dos Alcoólicos Anônimos, pedindo a serenidade para aceitar as coisas
que não podem modificar, coragem para modificar
aquelas que podem e sabedoria para distinguir umas
das outras [2]. A questão permanece essencialmente
a mesma: onde está a linha divisória? A angústia individual, que pode estar entre os fatores do alcoolismo, e a angústia coletiva, às vezes secular, revelada
pela História da Ciência, constituem expressões da
mesma dificuldade humana.
A solução e sua condição de existência submetem-se ainda às restrições impostas pelo enunciado,
isto é, devem respeitar as regras do jogo. Uma pequena alteração nas condições de contorno pode representar a transição de uma categoria para outra. Eis um
exemplo. Diversos países não-desenvolvidos lutam
contra a inflação que corrói o salário e assola o povo.
Para combatê-la ou mantê-la sob controle, seus governos adotam medidas de todos os tipos: tabelamento de preços, choques econômicos, equiparação das
moedas locais com a de países de economia mais estável, seqüestro de depósitos bancários etc. Este parece um problema com algumas tentativas de soluEduc. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
ção. Alguns administradores, porém, desistiram desse jogo, recorreram à ajuda externa e submeteram-se
às suas regras. A partir de então, perderam a autonomia, presos por contratos internacionais draconianos,
restando-lhes a humilde tarefa de aplicar as determinações que lhe são impostas. Sem autonomia para interferir no processo, a inflação deixou de ser um problema, passando a constituir apenas um fato. A solução, se existir, já não se encontra mais ao alcance de
suas mãos atadas, tornou-se inacessível. Neste caso,
tem-se um pseudoproblema.
O questionamento da legitimidade de um tema
não é recente e remonta pelo menos a Kant. Na
Dialética Transcendental [3], a última parte da Crítica da Razão Pura, esse autor pretendeu demonstrar
a impossibilidade da Metafísica, considerando ilegítimos seus objetos de estudo, ou seja, a psicologia racional, o universo como uma coisa em si (o que levaria às antinomias da razão pura) e as provas da existência de Deus.
Wittgenstein, no prólogo do Tractatus [4], é bastante incisivo, ao afirmar: “Este livro trata dos problemas filosóficos, e mostra, segundo creio, que a colocação desses problemas se deve ao mal entendimento
da lógica de nossa linguagem.” Para ele, as proposições
filosóficas não têm sen tid o, são
pseudoproposições.
Carnap, um dos membros do Círculo de Viena,
fortemente influenciado pelo Tratactus, publicou em
1932 um artigo intitulado “Superação da Metafísica
por meio da Análise Lógica da Linguagem” [5]. Nesse
trabalho, pretendia demonstrar que a Metafísica se
compõe de enunciados carentes de significado, mais
precisamente de pseudoenunciados.
Para Kripke [6], há verdades contingentes e a
priori e verdades necessárias e a posteriori. Porém
isto não significa que as coisas não poderiam se passar de outra forma. Pescador [7], em sua crítica a
Kripke, indaga: “que es posible? Parece que debemos
excluir en principio del ambito de lo posible todo
cuanto encierre contradición, como que una figura
sea a la vez redonda y cuadrada, o que el agua moje y
no moje. Pero es posible simplemente todo cuanto
no encierre contradición?”.
Se o caráter de legitimidade de uma questão
motivou tantas indagações na área da Filosofia, que
se desenvolve no domínio da razão, o que não dizer
quando se passa às ciências empíricas, como a Física e
a Geologia? O presente artigo apresenta alguns exemplos históricos amplamente conhecidos para caracterizar a situação dramática gerada pela busca de soluções que, à semelhança do adágio popular, quanto
mais se procurava encerrá-las, mais pareciam escorrer
entre os dedos, apesar de não se poder demonstrar
que fossem inatingíveis. Em seguida, serão discutidos alguns critérios usualmente adotados pelas agên-
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cias de fomento para avaliar a probabilidade de sucesso de um projeto científico, as quais, explicitamente ou não, invocam, para o emprego de tal expediente, a justificativa de evitar investir naqueles que ofereçam um risco excessivo. Finalmente, à luz dos exemplos históricos, pretende-se demonstrar a fragilidade
de tais métodos, pois a principal característica da pesquisa científica, que a distingue dos demais empreendimentos humanos, é a incerteza de seus resultados. Em ciência, sobretudo empírica, muitas vezes, é
extremamente difícil distinguir um problema de um
pseudoproblema.
2
REVISÃO HISTÓRICA
Os exemplos que se seguem e as informações
correspondentes podem ser encontrados no livro
Grandes Debates da Ciência [8] ou nas referências
adicionais acrescentadas ao longo do texto.
2.1 A Quadratura do Círculo
Quanto mede o lado de um quadrado que tem
a mesma área de um círculo de diâmetro conhecido?
Segundo Pitágoras, o número é a medida de
todas as coisas. Portanto, deve haver um número para
expressar tudo o que existe. Mas o que fazer quando
esse número se recusa a ser escrito? É o caso do número π . Por isso, ele deu origem à primeira grande
crise da História da Matemática. Os pitagóricos,
inconformados, trataram de escondê-lo e se referiam
a ele como o indizível. Boyer, em sua História da
Matemática [9], afirma que “na juventude de Platão, a
descoberta do incomensurável causou um verdadeiro escândalo lógico, pois pareceu arruinar teoremas
envolvendo proporções.” A questão da quadratura do
círculo, que se arrastou através dos séculos, pode ser
assim enunciada: trace um segmento de reta com o
auxílio de uma régua; ponha as pontas de um compasso em cada extremidade do segmento; mantenha
uma das pontas fixa e gire a outra para descrever um
círculo; em seguida, construa, em um número finito
de passos, usando apenas a régua e o compasso, um
quadrado que tenha a mesma área do círculo.
A solução foi tentada por egípcios e gregos, sem
sucesso. Arquimedes até inventou um método inte-
ressante, denominado Cálculo de Exaustão. Consistia em descrever um polígono inscrito e um circunscrito ao círculo. A seguir, media a área do polígono
maior, do menor e extraía a média das duas. À medida que aumentava o número de lados dos polígonos,
a média obtida tendia para a área do círculo, permitindo-lhe aproximar-se, a cada passo, do quadrado
desejado. A idéia é engenhosa, mas o objetivo não
pode ser alcançado em um número finito de passos
[10].
Dinóstrato propôs uma solução usando a
trissectriz de Hípias, mas também violava as regras do
jogo, que só permitem círculos e retas.
Em 1655, Thomas Hobbes apresentou no capítulo 20 do seu De Corpore o que lhe parecia uma solução. Hobbes (1588-1679) era filósofo e preceptor
da nobreza, nascido em Malmsburg, Inglaterra. Seus
assuntos prediletos eram a Geografia e a Astronomia,
mas conhecia bem a Lógica e, em 1628, aos 40 anos,
deixou-se apaixonar pela Geometria de Euclides.
A obra mais conhecida de Hobbes, o Leviatã,
publicada em 1651, granjeara-lhe muitas inimizades,
apesar de seu autor ser uma pessoa de trato muito
agradável. Entre os inimigos de Hobbes, estava John
Wallis, eminente matemático, criptógrafo e clérigo
britânico.
O principal interesse de Wallis era a Teologia e
fôra ordenado bispo de Winchester em 1640. Em 1649,
foi escolhido para ocupar o cargo de Professor
Saviliano de Geometria, em Oxford. De ânimo
combativo e irritado com a obra filosófica de Hobbes,
escolheu o flanco da quadratura do círculo para atacálo. A disputa entre eles foi longa e migrou para muitas áreas, com acusações e críticas alternadas de ambos os lados. Os dois homens terçaram armas por mais
de vinte anos, sem uma batalha decisiva para nenhum
dos combatentes.
Finalmente, em 1822, mais de dois séculos após
o início daquela disputa, Ferdinand Lindemann, um
matemático alemão, demonstrou que este caso é impossível de ser resolvido na forma proposta. Portanto, a quadratura do círculo, que trouxe tantos dissabores a Hobbes e a Wallis, não era um problema. Só
que, até o ano de 1822, ninguém sabia disso.
2.2 A Genética e a Teoria da Evolução
Qual é o mecanismo que realiza a variação e a
modificação das espécies?
Charles Darwin nasceu em 12 de fevereiro de
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
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1809, em Shrewsbury, Inglaterra. O avô, Erasmus, era
muito conhecido como médico e naturalista. O pai,
Robert, também era médico, aliás rico e bem sucedido. Após cursar dois anos de medicina em Edimburg,
porém, ficou evidente a falta de vocação do jovem
Charles nessa área e matriculou-se na escola de Teologia de Cambridge, mas seu verdadeiro interesse eram
as aulas de ciências naturais. Em 1831, foi apresentado ao capitão Fitzroy, do Beagle, um navio de 235
toneladas, incumbido de fazer o levantamento da costa
da América do Sul. Durante a viagem, que durou cinco anos, Darwin coletou farto material de observação. Finalmente, em 10 de julho de 1858, Darwin apresentou uma síntese de sua teoria à Sociedade Lineana
de Londres, publicando o texto integral de A Origem
das Espécies no ano seguinte e A Descendência do
Homem em 1871. Em ambos, sustentava a teoria da
variação natural.
Darwin protelou por aproximadamente vinte anos
a publicação de A Origem das Espécies. O tratado é volumoso e o leitor costuma sentir-se entediado com o
excessivo número de exemplos fornecidos para sustentar a teoria. Apesar disso, há um ponto fraco no texto
original do qual Darwin jamais conseguiu desvencilharse de forma conveniente: qual é o mecanismo que realiza a variação e a modificação das espécies? Na época,
acreditava-se que, no cruzamento de dois seres vivos, as
variantes deveriam se mesclar e estabilizar em um grau
intermediário, impedindo, portanto, o trabalho da seleção natural.
A solução para esse problema apareceu em um
periódico tcheco de pequena expressão em 1866. Há
quem sustente que Darwin tinha em seu gabinete uma
cópia não lida do artigo. O autor era um monge austríaco e botânico experimental de nome Johann Mendel.
Filho de camponeses e jardineiros, Mendel nasceu em
1822, na Morávia, então parte da Áustria. Durante a infância, ajudava o pai na fazenda. Cursou a escola primária na aldeia de Heinzedorf e o Gymnasium em Troppau.
Com muita dificuldade financeira, estudou durante quatro anos no Instituto Olmutz e, a conselho de um de
seus professores, entrou para o mosteiro dos
agostinianos em Altbrunn, adotando o nome de Gregor.
Esse mosteiro possuía um jardim, no qual realizaria os
célebres experimentos com ervilhas. Para encontrar as
leis que governam a hereditariedade, Mendel separou
os diversos traços que caracterizavam uma ervilha e estudou um traço de cada vez. Por exemplo, descobriu
que, em qualquer par de traços contrastantes, um é dominante e o outro recessivo, o que é hoje conhecido
como a lei da dominância. Apesar da importância, o artigo, na época de sua publicação, não produziu impacto na comunidade científica, que praticamente não tomou conhecimento dele.
Em 1900, dezesseis anos após a morte de Mendel,
três cientistas de outros países, trabalhando de forma
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
independente, encontraram o artigo esquecido. Entre
eles, cita-se Hugo de Vries, um pesquisador holandês
que trabalhava com fisiologia das plantas. Além de revelar ao mundo o texto do antigo sábio, De Vries também
admitiu que os recém-descobertos raios-X, da mesma
forma que penetravam o tecido vivo, poderiam alterar o
material genético. Essa hipótese, confirmada em 1919
pelo americano Hermann Muller, demonstrou que o
meio ambiente pode modificar o material genético, impondo modificações que podem ser transmitidas à posteridade. Com essas duas contribuições, o mecanismo
que Darwin procurou com tanto empenho foi finalmente
desvendado. Assim, pode-se admitir que Darwin encontrava-se diante de um problema.
2.3 A Idade da Terra
Quantos anos tem a Terra?
Em 1650, James Ussher, bispo irlandês, contando a série de gerações descritas na Bíblia, determinou o ano de 4004 a.C. como o ano da criação do
universo.
George-Louis Leclerc de Buffon (1707-1788),
um francês de Montbard, autor de uma História Natural em 44 volumes, organizador do Jardim de Plantas
de Paris, calculou o tempo de resfriamento da Terra a
partir do estado de fusão de uma massa primitiva e
encontrou o valor de 75 mil anos. Benoit de Maillet
(1656-1738), levando em consideração o declínio do
nível do mar, estimou a idade em 2 bilhões de anos,
em um trabalho que seria publicado apenas em 1748,
dez após sua morte.
Entre os pesquisadores que avaliaram a idade
da Terra, encontra-se William Thomson (1824-1907),
ou lorde Kelvin. Ele foi cientista, engenheiro, professor e homem de negócios bem sucedido. Registrou cerca de 70 patentes e publicou mais de 600 artigos, em uma época na qual as facilidades de publicação eram bem menores que as de hoje. Aos 22 anos
já era professor titular de Filosofia Natural da Universidade de Glasgow. Como professor, Thomson introduziu demonstrações em suas aulas de Física e certa
vez levou até um rifle de carregar pelo cano e disparou com ele em um pêndulo durante a aula. Em 1866,
usando um dispositivo de sua invenção, orientou com
sucesso o assentamento de um cabo submarino entre
os Estados Unidos e a Inglaterra. Registre-se que ele
fôra convidado a participar do projeto depois que
uma outra equipe havia fracassado.
Uma das áreas de maior interesse de Thomson
era a Termodinâmica. Aliás, publicara aos 18 anos um
artigo intitulado Transferência uniforme de calor em
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corpos sólidos homogêneos e sua conexão com a teoria matemática da eletricidade. Ele conhecia o trabalho de Sadi Carnot, demonstrando que trabalho e
calor podem ser convertidos um no outro, mas estava
convencido que uma parte do calor fornecido não
estava disponível para a realização de trabalho, ou seja,
é impossível transformar completamente o calor fornecido por uma fonte quente em trabalho. Estava também a par de um fato conhecido daqueles que se ocupavam da escavação de minas e poços: quanto mais se
cava, maior é a temperatura. Entre nós, quem quiser
verificar este fenômeno pode visitar uma das muitas
grutas do Estado de Minas Gerais como, por exemplo, a do Maquiné, no município de Cordisburgo: a
temperatura fica mais elevada à medida que se penetra chão adentro. Da combinação desses conhecimentos, Thomson publicou em 1851 um artigo que se
tornaria um marco na História da Ciência: a Segunda
Lei da Termodinâmica.
Para calcular a idade da Terra, Thomson supôs
que a Terra e o Sol constituíam inicialmente um único corpo e se separaram em algum momento do passado. Desde então, a Terra vem se resfriando, de forma contínua e uniforme. A princípio, usou esse modelo para estimar por quanto tempo o sistema solar
poderia permanecer em seu estado atual. Em 1842,
aventou a possibilidade de estender esse cálculo para
o passado e avaliar há quanto tempo o resfriamento
vinha ocorrendo. Finalmente, em 1846, comunicou
o resultado desse cálculo: cerca de 100 milhões de
anos. Tend o em vista, porém, as aproximações
requeridas pelo modelo, estimou um tempo entre 20
e 400 millhões de anos.
Nos anos seguintes, diversos físicos leram, refizeram e confirmaram o cálculo. Todavia, a estimativa entrava em colisão direta com as observações geológicas, segundo as quais o estado atual da crosta requer um passado de bilhões de anos, e a então recente teoria da evolução de Darwin, que exige um processo evolutivo muito mais longo que o previsto pelo
artigo. Por este motivo, Thomson desdenhava uma
parte dos geólogos e jamais aceitou a Teoria da Evolução.
Em 18 96 , o físico fran cês An toin e Henri
Becquerel descobriu a radioatividade. Em 1903, Pierre
Curie e Albert Laborde, também franceses, demonstraram que, graças à radioatividade, o elemento químico rádio possuía uma capacidade de irradiar calor
continuamente, não se resfriando até a temperatura
ambiente, como ocorre com a maioria dos elementos. Em seguida, foram reconhecidos novos elementos radioativos e o fato de que uns poderiam se transformar em outros, como o urânio em rádio e o rádio
em chumbo. Essas descobertas revelaram uma nova
fonte de calor, da qual até então não se suspeitava e,
portanto, não havia sido computada por lorde Kelvin.
Em 1907, o físico americano Bertram Bordem
Boltwood propôs um novo método para datação das
rochas: considerando que o chumbo descendia do
urânio, conhecendo-se a velocidade de desintegração do urânio em chumbo e a concentração de chumbo em uma pequena amostra de minério de urânio,
seria possível avaliar a idade da rocha. Cálculos desse
tipo permitiram situar a rocha mais antiga encontrada
na Terra como de aproximadamente 4,3 bilhões de
anos, um valor muito acima das estimativas anteriores, confirmando a possibilidade da Teoria da Evolução.
Sir Ernest Rutherford fôra convidado a falar, em
um encontro da Royal Institution de 1904, no qual
Lorde Kelvin estava presente, justamente sobre o tema
da energia armazenada pelos átomos radioativos. As
palavras de Sir Rutherford, porém, foram de reconhecimento ao velho sábio: “Lorde Kelvin havia posto
um limite à idade da Terra, desde que não se descobrisse nenhuma outra fonte de calor. Esse enunciado
profético refere-se ao que estamos considerando hoje,
o rádio!”. Ele tinha razão. Ao publicar seu trabalho,
Lorde Kelvin não poderia prever essa nova fonte de
calor. Assim, uma dificuldade que, inicialmente, parecia insuperável para a Teoria da Evolução e para a
Teoria Geológica foi resolvida graças a uma descoberta imprevisível, passando a constituir um problema resolvido.
2.4 A Deriva dos Continentes
Por que os continentes se ajustam como as peças de um quebra-cabeças?
Sabe-se há muito tempo que os continentes se
ajustam como as peças de um jogo-de-montar. Pelo
menos desde 1596, quando Abraham Ortelius, um
cartógrafo holandês observou a complementaridade
entre as formas da costa leste da América do Sul e a
costa oeste da África. Em 1620, Francis Bacon assinalou também essa complementaridade em sua obra
Novum Organon. Desde então, diversos autores têm
feito referência a ela, conforme consta do levantamento realizado pelo Prof. James Romm, publicado em
1994.
Em 1912, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, Alfred Wegener publicou um artigo e proferiu
uma conferência com uma hipótese audaciosa: em um
passado remoto, todos os continentes estiveram reunidos em uma única massa, que ele denominou
Pangéia. Há 200 milhões de anos, iniciou-se um proEduc. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
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cesso de separação da Pangéia em diversos fragmentos, até alcançar o aspecto atual.
Wegener era professor de Astronomia e de
Meteorologia da Universidade de Marburgo, Alemanha. Apesar de seu caráter pacifista, foi obrigado a
servir durante a guerra. Atingido duas vezes, tornouse incapaz para o serviço ativo, passando a trabalhar
em tempo integral no serviço meteorológico militar.
Aproveitou esse tempo para escrever o livro A Origem
dos Continentes e Oceanos, publicado na Alemanha
em 1915, com apenas 94 páginas e sem um índice, no
qual desenvolve as idéias esboçadas no artigo de 1912.
Em 1919, foi lançada uma nova edição, mais bem organizada, com novas evidências e com um índice, a
qual despertou a atenção dos cientistas europeus. A
terceira edição, de 1922, foi traduzida para diversas
línguas, entre elas o inglês.
A semelhança entre esse livro e o de Darwin
não se restringiu ao título. Ambos abriram novos campos de pesquisa e geraram muita controvérsia à época de seu lançamento. Da mesma forma que Darwin,
também ele não foi o primeiro a enunciar sua teoria.
O próprio Wegener reconheceu os créditos, entre os
quais a H. Wettstein. Mas, como Darwin, foi ele o primeiro a construir uma teoria suficientemente sólida
e coesa para não ser ignorada. Uma outra semelhança
é que, assim como Darwin não foi capaz de propôr
um mecanismo satisfatório para sua teoria (a seleção
natural), Wegener não foi capaz de demonstrar o
mecanismo que produzia a deriva dos continentes.
Wegener apontou dois possíveis candidatos: as
forças de afastamento dos pólos, devidas à rotação da
Terra, e forças de afastamento lateral, resultantes da
ação gravitacional do Sol e da Lua. Ele sabia que essas
forças não seriam suficientes e reconhecia que “ainda
não havia nascido o Newton da teoria da deriva dos
continentes”. É dispensável dizer que Wegener recebeu críticas de todos os lados. Sua teoria foi chamada, entre muitas coisas, de um “conto de fadas”. Em
uma carta a seu sogro, ele desabafou: “Essas pessoas
que insistem em lidar apenas com fatos e não querem
saber de hipóteses estão elas próprias empregando
uma falsa hipótese sem o perceber!”. Como se vê, não
eram apenas suas concepções científicas que estavam
à frente de seu tempo, mas sua concepção da própria
ciência.
Durante o assentamento do cabo telegráfico
entre a Europa e a América, no século XIX, foi descoberta, a meio caminho entre os dois continentes, uma
cadeia submersa de montanhas, aproximadamente paralela às duas costas, conhecida como a Dorsal Mediana do Atlântico. Posteriormente, foram descobertas
dorsais em todos os mares do mundo. Com a evolução dos processos de datação, descobriu-se que as
rochas do leito submarino não passam de 200 milhões
de anos, ou seja, são muito mais jovens que as do
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
continente. Demonstrou-se ainda que a crosta oceânica, além de ser constituída de materiais diferentes
da crosta continental, é mais fina, apesar de ambas se
encontrarem sobre um material mais denso que elas
próprias. Em 1960, Harry H. Hess, da Universidade
de Princeton, foi capaz de reunir informações como
essas, provenientes de diversas fontes e concluir que
o fundo do mar está sendo criado nas dorsais oceânicas, vindo do interior da Terra sob a forma de lava
quente e maleável. A corrente de lava, ao emergir,
afasta os continentes e se acumula no fundo do oceano, formando a grande cadeia de montanhas.
A nova síntese, denominada “Tectônica de Placas”, considera a Terra dividida em diversas placas
duras e rígidas, de espessura variável, incluindo não
apenas a crosta, mas uma parte do manto superior, as
quais estão em movimento relativo. Isso ainda não
elimina todas as dificuldades da teoria da deriva dos
continentes, mas outras respostas estão aparecendo.
Por exemplo, uma proposta apresentada em 1995 sugere que o empuxo do velho fundo oceânico mergulhando de volta na Terra origina a maioria dos movimentos das placas.
Atualmente, a teoria de Wegener é amplamente
aceita. A maioria dos problemas suscitados por ela já
foram resolvidos. Todavia, quando ele faleceu em
1930, ainda não existiam muitas das técnicas, nem os
equipamentos, que permitiram obter as informações
necessárias para explicar o mecanismo da deriva dos
continentes. O que na época parecia representar um
atestado de óbito da teoria não passa hoje de um problema científico.
2.5 Equações Algébricas de grau maior que 4
Resolver uma equação algébrica de grau n em x
significa encontrar o valor de x que satisfaça à igualdade axn + bxn-1 + cxn-2 + ….+vx + z = 0, onde a,
b,c…z são números reais constantes chamados de coeficientes e n, n-1, n-2…1 são números inteiros constantes chamados de expoentes. O maior expoente
presente na equação (n) determina sua ordem.
Em uma equação de primeiro grau, n = 1.
Resolvê-la significa encontrar o valor de x que satisfaça a igualdade ax+z=0. Por exemplo, em 2x-6=0, a
solução é x=3.
Uma equação do segundo grau pode ser escrita
sob a forma ax2 + bx + z = 0. Sua solução foi encontrada por Bhaskara, o mais importante matemático do
século doze, um indiano que viveu de 1114 a cerca
de 1185. Em seu trabalho mais conhecido, o Lilavati,
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compilou problemas de diversos autores, dentre os
quais Brahmagupta (séc. VII), além de suas próprias
observações.
Em 1545, Gerônimo Cardano (1501-1576) publicou a Ars Magna, obra na qual revelava a resolução
da equações cúbicas (n=3) e quárticas (n=4). Boyer
afirma que “a resolução das equações cúbica e quártica
foi talvez a maior contribuição à álgebra desde que os
babilônios, quase quatro milênios antes, aprenderam
a completar o quadrado para equações quadráticas”
[11].
Nos séculos seguintes, a par com os grandes desenvolvimentos na Matemática, muitos dos melhores
gênios da humanidade tentaram, em vão, resolver a
equação de quinto grau, a quíntica.
Nessa parte da estória, surge a figura de Niels
Henrik Abel (1802-1829). Nascido em família numerosa, era filho de um pastor de uma pequena aldeia
da Noruega. Aos 16 anos, seu professor lhe recomendou a leitura dos grandes livros de Matemática. Assim, ao perceber, em suas leituras, que Euler provara
o teorema binomial apenas para expoentes racionais,
completou o trabalho de Euler, fornecendo uma prova válida para o caso geral. Ele também buscou a solução para a quíntica. Inicialmente, pensou havê-la encontrado, mas acabou publicando em 1824 uma artigo Sobre a resolução algébrica de equações algébricas, no qual forneceu a primeira prova de que nenhuma solução é possível. A busca secular havia terminado. Não é possível uma fórmula geral, expressa
em operações algébricas explícitas entre os coeficientes de uma equação polinomial de grau superior a
quatro. Portanto, não havia mais o que buscar: a
q u ínt ica n ão é um p robl ema, mas u m
pseudoproblema.
3
PARADIGMAS E JOGOS
Thomas Kuhn, em A Estrutura das Revoluções
Científicas [12], apresentou uma descrição para o progresso da ciência centrada no conceito de paradigma.
Segundo esse autor, é a existência do paradigma que
distingue a ciência da não-ciência. É ele que orienta
a busca e a seleção dos fenômenos observáveis. Ainda
assim, todos os paradigmas conterão anomalias, isto
é, haverá sempre alguns desafios propostos, os quais,
apesar de respeitarem o conjunto de conceitos compartilhado pela comunidade científica e colocados de
acordo com as regras admitidas pelo grupo, em princípio não terão uma solução possível. Já ocorreu de
articular-se o paradigma para resolver certas anomali-
as, como no caso da descoberta do planeta Netuno
para salvar a Teoria da Gravitação Universal. Em outras, porém, a operação não foi tão bem sucedida,
como nas tentativas para ajustar a órbita do planeta
Mercúrio.
Kuhn refere-se ao trabalho dentro da ciência
normal, portanto à luz do paradigma, como a solução
de um quebra-cabeça [13]: “para ser classificado como
quebra-cabeça, não basta a um problema possuir uma
solução assegurada. Deve obedecer as regras que limitam tanto a natureza das soluções aceitáveis como
os passos necessários para obtê-las.” Enquanto jogo,
um problema só faz sentido se tiver uma solução possível: “O valor intrínseco não é critério para um quebra-cabeça. Já a certeza de que este possui uma solução pode ser considerado como tal.” Portanto, “resolver um problema da pesquisa normal é alcançar o
antecipado de uma nova maneira” e “uma das razões
pelas quais a ciência normal parece progredir tão rapidamente é a de que seus praticantes concentram-se
em problemas que somente a sua falta de engenho
pode impedir de resolver.”
Todavia, Kuhn observa que haverá sempre uma
vasta gama de desafios os quais, embora aparentemente
estejam de acordo com as regras do jogo, ou seja, a
priori poderiam e deveriam ser vencidos, que talvez
jamais o sejam. Aqui não se trata de, nem mesmo,
distinguir a ciência da não-ciência, mas de delimitar
o que é possível daquilo que não o é dentro da pesquisa científica. O reconhecimento da impossibilidade de superação de tais dificuldades dentro de um
paradigma pode gerar um desconforto tão grande que
os cientistas se vejam forçados a modificá-lo ou a substituí-lo por outro. Este é um ponto crucial, pois, em
ciência, muitas questões não podem ser definidas como
pseudoproblemas justamente porque são questões a
ser resolvidas a posteriori, não a priori.
Por exemplo, veja-se o caso de Darwin. Ele ofereceu diversas alternativas para tentar explicar a seleção natural. Ele acreditava que a seleção natural existia e operava de alguma forma, mas não foi capaz de
explicitar seu mecanismo. Alguém menos persistente
poderia ter abandonado o flanco de batalha, entregando-se às inúmeras críticas levantadas contra seu
trabalho, a maioria completamente desarrazoada, mas
algumas bem fundamentadas, tocando nesse ponto
essencial. Uma dificuldade suplementar era o tempo
muito longo necessário para a diferenciação das espécies. Os cálculos de Thomson não pareciam deixar
dúvidas a esse respeito. Estaria, portanto, a teoria da
seleção natural diante de um desafio insolúvel? Apenas o futuro poderia trazer a resposta.
4
PROJETOS DE PESQUISA
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
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Diretores de laboratórios, agências de fomento, institutos universitários, departamentos de pesquisas de grand es empresas, col ocam- se todos,
freqüentemente, a mesma questão: qual projeto de
pesquisa merece receber um julgamento favorável?
Uma decisão favorável tomada erroneamente poderá
acarretar prejuízos elevados e condenar equipes inteiras a um trabalho desnecessário; o excesso de cautela, porém, poderá impedir o acesso a descobertas
relevantes ou permitir que grupos rivais obtenham a
prioridade dos resultados, levando a conseqüências
econômicas igualmente desastrosas.
Julgar a viabilidade de um projeto não é tarefa
simples. Jamais haverá certeza absoluta e as conclusões propiciadas por qualquer projeto somente aparecem ao seu término, o que não significa, nem mesmo, que as hipóteses de um projeto fracassado fossem totalmente infundadas. Significa apenas que, na
forma como foi conduzido, os objetivos não foram
alcançados. Descobertas e análises futuras poderão
fazê-lo renascer das cinzas, como a Fênix mitológica.
Os analistas de projetos procuram avaliar alguns
parâmetros mínimos de viabilidade. Diversas agências exigem que se faça um estudo piloto. Estudos pilotos são como operações exploratórias: o paciente é
exposto à maior parte dos riscos da operação sem os
respectivos benefícios e, depois de tudo, ainda podem falhar. Estudo piloto também não é projeto, é
apenas um ensaio. Se a ciência tivesse operado dessa
forma no passado, investindo em novos projetos somente depois de avalizados por estudos preliminares, muitas descobertas jamais teriam sido realizadas.
Um outro parâmetro para se avaliar a viabilidade de um projeto se refere à experiência do coordenador na respectiva área. Isso dificulta a migração de
pesquisadores de uma área para outra, justamente um
dos mecanismos mais promissores de renovação da
ciência, devido às visões complementares que oferece. Veja-se o exemplo de Darwin e de Wegener, cujos
trabalhos mais significativos ocorreram justamente
fora de sua área de formação.
A cobrança excessiva por resultados positivos
tem levado muitos pesquisadores a incluir em seus
projetos de pesquisa, como apenas possíveis, alguns
resultados já obtidos. Assim conseguirão justificar, em
sua prestação de contas, pelo menos parte das verbas
investidas. Mas isso é transformar o projeto em uma
fraude institucionalizada.
Os exemplos históricos demonstram que não se
pode saber com absoluta certeza se um projeto de
pesquisa é promissor ou não. Então, seria possível
pelo menos determinar quanto tempo se deve esperar até decidir se um programa de pesquisa degenerou seriamente? Esta é uma pergunta que até mesmo
Imre Lakatos se colocava, um autor que descrevia a
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
ciência sob a ótica de programas de pesquisa. Em um
livro introdutório às diversas visões da ciência, podese ler: “Dentro da astronomia newtoniana, nunca foi
possível estar certo de que um sucesso importante
não se encontrava do outro lado da esquina. Para darmos um exemplo histórico genuíno, mais de setenta
anos se passaram antes que a previsão de Copérnico a
respeito das fases de Vênus fosse confirmada como
correta, e vários sécul os an tes que a p revisão
copernicana de que as estrelas fixas deviam mostrar
paralaxe fosse confirmada. Por causa da incerteza do
resultado de tentativas futuras de desenvolver e testar um programa de pesquisas, não se pode nunca
dizer, de programa algum, que ele degenerou para
além de toda a esperança. Sempre é possível que alguma modificação engenhosa de seu cinturão protetor conduza a alguma descoberta espetacular, que trará o programa de volta à vida e o colocará numa fase
progressiva.” [14]. Ou ainda, “O próprio Lakatos admite que os méritos relativos de dois programas somente pod em ser d ecid id os ‘ olhan do-se para
trás’”.[15]
Feyerabend [16], com sua teoria do vale-tudo,
defendia que simplesmente não se sabe o quê e quando vai funcionar. Esta posição seria muito fértil, se
houvesse pessoas, tempo e recursos para se tentar
todas as alternativas possíveis. Se é que há limite para
as possibilidades da imaginação humana. De qualquer
forma, os recursos disponíveis, por maiores que sejam, serão sempre limitados, o que inviabiliza o valetudo em oposição ao método. A quadratura do círculo e a quíntica povoaram o dia-a-dia dos sábios durante séculos, até que se demonstrasse sua impossibilidade. Se esse fato ocorreu em Matemática, uma área
de estudo que independe da experiência, o que não
dizer das ciências empíricas?
No presente trabalho foram escolhidos exemplos históricos de grande notoriedade apenas para
criar uma base comum de discussão. Entretanto, longe de ser um fato extraordinário, trata-se de um fenômeno corriqueiro. A dúvida e a incerteza a respeito
do sucesso dos projetos fazem parte da própria ciência. Do contrário, se a exeqüibilidade fosse uma característica fácil de ser determinada, a comissão
julgadora das agência de fomento poderia selecionar
somente os projetos que apresentassem essa característica e classificá-los de acordo com um critério qualquer, como o impacto sobre a comunidade científica,
o retorno do capital investido ou os benefícios sociais decorrentes. Infelizmente, não é assim que funciona. Por mais banal que seja o tema, o estado de dúvida é uma condição com a qual se deve aprender a
conviver. Seja ele qual for: reduzir o número de
discordâncias em um cristal através de uma nova técnica (pode ser até que o número aumente), selecionar as bactérias para um tipo particular de fermenta-
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ção (as condições ambientais de preparação podem
escapar aos parâmetros inicialmente previstos) ou resolver analiticamente uma determinada equação diferencial (poderá simplesmente não ser resolvida). Por
isso a pesquisa científica é tão emocionante! Enquanto o processo estiver em curso, haverá dúvida. Se o
desafio proposto foi resolvido, houve um instante no
qual a chave do problema foi encontrada. Nem sempre o pesquisador se apercebe disso imediatamente.
Às vezes, anda com a chave no bolso durante dias e
meses, sem saber que está com ela. Até tomar consciência de ter encontrado a solução. Mas nem sempre é
assim que as coisas se passam.
O excesso de cautela, porém, será sempre um
fator de esterilidade. Permanecem atuais as palavras
de Abelardo, escritas há mais de oito séculos, em Sic
et Non [17]: “A primeira chave da sabedoria é a interrogação assídua e freqüente…É duvidando que se
chega à interrogação e investigando que se chega à
verdade.”
Pretende-se hoje, em muitos lugares, administrar a ciência como se fosse uma empresa: investe-se
nos projetos que parecem mais promissores. Mas,
enquanto as empresas dispõem de uma poderosa ferramenta para subsidiar suas decisões - a ciência, ela
própria não dispõe de um mecanismo seguro sobre o
qual apoiar suas ações. Na vida diária, os cidadãos se
apóiam nas previsões da lei científica para se orientar, na esperança de optar pela alternativa mais provável. Nas palavras de Bronowski [18], “uma lei científica é uma regra pela qual guiamos nossa conduta e
pela qual procuramos assegurar-nos de que nos conduzirá a um futuro conhecido. (…) A vida é um processo de olhar para a frente. Volta-se para o porvir
como as falenas para a luz que as atrai.” Todavia, quando se trata da construção da própria ciência, não há
caminhos seguros ou regras infalíveis: “A idéia de
conduzir os negócios da ciência com o auxílio de um
método que encerre princípios firmes, imutáveis e
incondicionalmente obrigatórios, vê-se diante de considerável dificuldade, quando posta em confronto com
os resultados da pesquisa histórica.” Por exemplo, se
os projetos que entravam em conflito com a previsões de lorde Kelvin tivessem sido descartados, a humanidade teria perdido décadas de contribuições
importantes.
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CONCLUSÃO
Ao se lançar em qualquer empreendimento, geralmente procura-se obter um mínimo de garantias
quanto à sua viabilidade. Essa regra, bastante observada em projetos comerciais, tem a finalidade precípua
de assegurar, ainda que estatisticamente, o retorno
do investimento.
No campo da pesquisa científica, entretanto, impõe-se uma outra realidade. Pelo fato de buscar exatamente o desconhecido, não pode haver garantia.
Qualquer tentativa de previsão se baseia forçosamente nos resultados já obtidos, enquanto a pesquisa busca
resultados novos, inusitados. Para os caminhos percorrid os, há map as e ind icad ores; n as selvas
inexploradas, não há estradas ou placas de sinalização. Os exemplos históricos aqui analisados demonstraram que, muitas vezes o que se julgava inverossímil
em certa época, acabou se realizando, enquanto soluções consideradas prováveis revelaram-se impossíveis de ser alcançadas. Nas palavras de Albert SzentGyorgyi, encontrada no Scientific Quotation [19]:
”Pesquisar significa partir para o desconhecido com a
esperança de se encontrar algo novo para trazer para
casa. Se você sabe antecipadamente o que vai fazer, e
até o que vai encontrar, então isso não é pesquisa de
forma nenhuma: é apenas um tipo de ocupação honrosa”.
Em suma, na ciência, a única certeza parece ser
mesmo a do agricultor: Se tudo correr bem, uma parte das sementes plantadas deverá germinar e produzir a safra; se o agricultor reduzir o número de sementes para evitar perdas, talvez não tenha nada para
colher. Não há outro caminho a seguir, senão depositar em cada cova mais de uma semente e zelar para
que pelo menos uma delas se transforme em uma planta e dê o fruto desejado. Dará sempre certo? Nem sempre. Então por que prosseguir? Talvez a resposta,
melhor que em Szent-Gyorgyi, esteja em Guilheme
d’Orange, o Taciturno: “Não é preciso esperança para
empreender, nem sucesso para preservar”. Este sim,
parece ter sido o lema dos cientistas de todas as gerações, ainda que inconscientemente.
6
ABSTRACT
This article deals with the concept of problem,
as a presentation of possible objectives that we try to
attain with an acceptable methodology, and pseudoproblem, as a description of impossible objectives,
although presented in accordance with the same formal rules. Thereafter, we discuss some difficulties to
disti ng uish bet ween these cases in some real
situati on s and the d iffi cul ties invol ved in the
evaluation of scientific projects.
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 PALAVECINO, S. R. Wittgenstein y los juegos de
lenguaje. Belo Horizonte: FUMARC, 1999, p. 106.
2 Trata-se da Oração da Serenidade, de autor desconhecido: Concedei-nos, Senhor,/A Serenidade
necessária/para aceitar as coisas/que não posso
modificar,/A coragem para modificar/ aquelas que
posso/E Sabedoria para/distinguir umas das outras.
3 Ver M. G. MORENTE, Fundamentos de Filosofia.
São Paulo: Mestre Jou, 1980.
4 Apud. H. PESCADOR. Princípios de Filosofia del
Lenguaje. Madrid: Alianza Editorial, 1984, p. 245.
5 ibid, p. 243.
6 Ibid. p. 453.
7 Ibid. p. 243.
8 HELLMAN, H. Grandes debates da Ciência: dez
das maiores contendas de todos os tempos. São
Paulo: Unesp, 1999.
9 BOYER, Carl B. História da Matemática. 2a ed.
São Paulo: Edgard Blücher, 1991, p. 61.
10 A chave para o Cálculo da Exaustão é o Axioma de
Arquimedes, que o próprio sábio de Siracusa
atribuiu a Eudoxo de Cnido: Dadas duas grandezas
que têm uma razão, isto é, nenhuma delas sendo
zero, pode-se achar um múltiplo de qualquer delas
que seja maior que a outra. Deste axioma, por uma
reductio as absurdum, pode-se obter: Se de uma
grandeza qualquer subtrairmos uma parte não
menor que sua metade e do resto novamente
subtrair-se não menos que a metade e se esse
processo for continuado, finalmente restará uma
grandeza menor que qualquer grandeza da mesma
espécie.
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.7, n.1, p.72-81, jan./jun. 2002
11 BOYER, Carl B. História da Matemática. 2a ed.
São Paulo: Edgard Blücher, 1991, p. 197.
12 KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções
Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1978.
13 Ibid., p. 61
14 apud CHALMERS, Alan F. O que é Ciência, afinal?
São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 120.
15 Ibid., p. 121
16 FEYERABEN, Paul. Contra o Método. 2a ed. Rio
de Janeiro: F. Alves, 1985.
17 apud VILELA, Orlando. O Drama de Eloísa e
Abelardo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986.
18 BRONOWSKI, Jacob. O Senso comum da Ciência.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1977.
19 apud MCKAY, Allan L. & EBISON, Maurice.
Scientific Quotations: the harvest of of a quiet
eye. New York: Crane/Russak, 1977, pg. 145.
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