planejamento educacional: uma abordagem pedagógica na escola

Propaganda
PLANEJAMENTO EDUCACIONAL: UMA ABORDAGEM
PEDAGÓGICA NA ESCOLA DO HOSPITAL
SOUZA, Luciane do Rocio dos Santos de
[email protected]
Eixo Temático: Pedagogia Hospitalar
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O referido artigo busca relatar uma vivência no campo educacional envolvendo um espaço
não formal de escolarização, tendo como porta de acesso uma política pública adotada pelo
Governo do Estado do Paraná, apresentando as reflexões desenvolvidas na implementação de
uma pesquisa no campo da educação hospitalar no ano de 2010 na escola do hospital. Esta
pesquisa pautou-se na realização de um estudo sobre o processo de construção de um
planejamento fundamentado numa perspectiva histórico-crítica no Hospital de Clínicas de
Curitiba, na qual possui convênio com a SEED-Secretaria do Estado da Educação do Paraná,
através do Programa Sareh – Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar no
sistema educacional do Estado do Paraná. O objetivo central deste estudo, foi o de propor
encaminhamentos didáticos metodológicos, com ênfase na elaboração de um planejamento
educacional, fundamentado em leituras de autores histórico-críticos, principalmente, Saviani
(2005, 2007) e Gasparin (2005), que fornecem subsídios para discussão de uma metodologia
de trabalho focado num movimento dialógico e nas contradições existentes entre saúde e
educação. Neste estudo ressalta-se a importância da formação continuada dos educadores do
Sareh e esclarece a necessidade legal e social do atendimento pedagógico em ambiente
hospitalar, através do estudo e reflexões realizadas com os professores na Hora Atividade. O
trabalho realizado, buscou reforçar o papel político pedagógico do planejamento, com o
objetivo de sensibilizar o leitor sobre a realidade hospitalar, a situação do aluno paciente, bem
como destacar a participação política/pedagógica dos profissionais envolvidos no processo de
escolarização e a importância do planejamento na prática diária destes profissionais e sua
presença nas políticas de humanização hospitalares. Apresenta conclusões positivas a respeito
dessa Intervenção Pedagógica realizada em ambiente hospitalar e sugere continuidade do
estudo dessa temática.
Palavras - chave: Escolarização Hospitalar; Planejamento; Humanização Hospitalar;
Inclusão.
14638
Introdução
Educação e Saúde
A Constituição brasileira promulgada em 1988 explicita em seu Art. 6º que “são
direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados.” A efetivação do
exercício desses direitos requer, por parte do Estado, a elaboração de políticas públicas
adequadas à sua promoção.
O atendimento pedagógico em ambiente hospitalar atende a dignidade do indivíduo e
efetiva os direitos sociais da saúde (Art.196)
1
visto que pode contribuir para a redução da
doença, e da educação (Art.205), pois oferece a oportunidade de acesso e permanência,
evitando o fracasso escolar e a evasão.
Neste sentido analisar as relações entre saúde e educação em ambiente hospitalar
requerem um novo olhar sobre o atendimento da criança, jovem e adolescente que encontra-se
por motivo de enfermidade, afastado de sua realidade e privado de sua convivência social e
cultural.
A implementação do projeto ocorreu no Hospital de Clínicas/UFPR porque, além
de fazer parte de uma das oito unidades em que está implantado o programa do Sareh Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar, ele mostra grande preocupação
com a melhoria da qualidade do contato pessoal no atendimento hospitalar estando, desde
2001, integrado à Rede Nacional de Humanização, do Ministério da Saúde.
Essa política de humanização é muito importante para o bom desenvolvimento da
prática pedagógica que ocorre com os alunos que permanecem em tratamento prolongado,
principalmente nos casos de neoplasia, ofertando a esses alunos atendimento educacional
público.
1
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas públicas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção e recuperação.
14639
Este processo de inserção da educação nas unidades hospitalares é recente, e até pouco
tempo atrás estes dois ambientes não se “conversavam” tanto pelas restrições adotadas nas
unidades hospitalares como pela inexistência de políticas públicas que permitissem a
realização desse atendimento educacional dos alunos pacientes.
Nesse sentido, as políticas de Humanização surgem nos hospitais como elemento
fundamental para assegurar a integração entre saúde e educação, bem como a ética
profissional quanto às relações educacionais necessárias e de direito à criança, jovem e adulto
enfermo.
Desta forma, para propiciar condições de humanização no ambiente hospitalar, faz-se
necessário levar em consideração o aluno paciente como sujeito histórico concreto,
envolvendo diferentes aspectos, morais, legais e éticos, necessitando a reelaboração do
pensamento do código de ética médica voltada para os profissionais da educação (CECCIM,
1997).
Com a implantação de uma política pública voltada para a educação hospitalar são
abertas novas perspectivas para a redução das desigualdades sociais, garantindo os princípios
de defesa da educação básica e da escola pública, gratuita e de qualidade, como direito
fundamental ao cidadão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei n. 8.069 de 13/07/90 com base nos
princípios universais do direito da criança procura atender aos anseios da sociedade brasileira,
estabelecendo:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades,
a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. “11° É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por
intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às
ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.” (Redação dada
pela Lei nº. 11.185, de 2005.)
O expresso nesses artigos leva a perceber o apoio integral e irrestrito a toda e qualquer
iniciativa em favor da criança, principalmente daquela circunstancialmente desprotegida.
14640
“As determinações do ECA convergem para a afirmação de que o direito à educação:
“ultrapassa os muros da escola; é dever da sociedade buscar alternativas à provisão dessas
demandas diferenciadas” (MATTOS & MUGGIATTI, 2001, p. 26)”
Neste sentido, a educação do aluno hospitalizado, segue os mesmos objetivos da
educação ofertada aos demais cidadãos. Algumas modificações são necessárias na
organização e flexibilização curricular e no funcionamento, para que tal aluno usufrua dos
recursos escolares dos quais necessitam e sejam alcançados os objetivos educacionais
inclusivos.
O tratamento de saúde não envolve apenas os aspectos biológicos da tradicional
assistência médica à enfermidade. A experiência de adoecimento e hospitalização implica
várias mudanças nas rotinas; a separação dos familiares, amigos e objetos significativos;
submeter-se a procedimentos evasivos e dolorosos e, ainda, sofrer com a solidão e o medo da
morte, o que ocorre muito nos hospitais. Reorganizar a assistência hospitalar, para que dê
conta desse conjunto de experiências, significa ofertar também, entre outros cuidados, o
acesso ao lazer, ao convívio com o meio externo, às informações sobre seu processo de
adoecimento, cuidados terapêuticos e ao exercício intelectual. Na impossibilidade de
freqüência à escola, durante o período sob tratamento de saúde ou de assistência psicossocial,
as pessoas necessitam de formas alternativas de organização e oferta de ensino de modo a
cumprir com os direitos à educação e à saúde, tal como definidos na Lei e demandados pelo
direito à vida em sociedade. Esta atenção também diz respeito ao paradigma de inclusão e
contribui para com a humanização da assistência hospitalar onde a educação neste ambiente,
procura garantir a esse aluno-paciente o direito a uma infância saudável, ainda que associada
à doença.
Na escola do hospital é necessário compreender que a situação da doença e suas
diferentes patologias levam o aluno paciente a secundarizar sua escolarização, bem como, um
apego ao processo pedagógico na tentativa de manter preservado o seu desenvolvimento
cognitivo e suas relações sociais, no que refere-se ao afastamento temporário ou duradouro de
sua escola de origem.
A Escolarização Hospitalar tem como meta básica a igualdade de direitos inclusivos e
educacionais. A igualdade de direitos em todas as diversidades estabelece condições
necessárias para o desenvolvimento de todos os cidadãos. Assim, o problema de saúde,
14641
qualquer seja ele, não pode constituir impedimento para incluir os estudantes no processo de
escolarização.
Dispor de atendimento educacional no hospital, mesmo que por um tempo mínimo
e que talvez pareça não significar muito para uma criança que atende à escola
regular, tem caráter fundamental para a criança hospitalizada, uma vez que esta
pode trabalhar suas necessidades, amenizando a situação de estresse, e adquirir
conceitos importantes tanto para sua vida escolar quanto para a vida pessoal.
(MENEZES, 2004, p.66).
Muitos caminhos foram trilhados, políticas públicas implantadas, formação continuada
aos professores da rede pública e elaboração de diretrizes que buscam esta emancipação
pedagógica.
O planejamento pode ser considerado com um forte instrumento de luta contra todas
as injustiças sociais, porém, é necessário que o professor saiba qual o seu papel neste
processo, e saiba como, por que e para quem é preciso utilizar um planejamento
fundamentado numa pedagogia materialista histórica2, através de um método dialético, que
significa o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a
realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. No caso da
Escolarização Hospitalar, além de garantir o processo educativo, promove o fortalecimento do
direito ao acesso e permanência à educação com qualidade.
Ao se pensar em planejar os conteúdos a serem trabalhados com os alunos pacientes
surgem vários questionamentos como: o que e de que forma promover a aprendizagem para
alunos com pequeno, médio e longos períodos de internamento? Como incluir aqueles alunos
que estavam oficialmente matriculados nas escolas, mas que socialmente tornaram-se
excluídos do ambiente formal de aprendizagem? Como mobilizar o aluno paciente frente ao
desafio do tratamento de saúde? Enfim, as demais questões emergem num ambiente tão
carregado de emoções, tendo o professor que encontrar mecanismos de elaboração e de
mediação para aprendizagem.
Compreende-se claramente que o ponto de partida deve ser o que o aluno traz em sua
bagagem enquanto conhecimento curricular, e em como prepará-lo e mobilizá-lo para a
construção do conhecimento, de acordo com o atendimento proposto por cada área de
2
Segundo Triviños (1987, p.51), o materialismo histórico estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida
em sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade.
Essa vertente do marxismo considera que para o momento histórico se transformar, terá que transformar a
própria forma de pensar do ser social, porque é um processo intrínseco na relação homem, produção e prática
social.
14642
conhecimento, e a partir dela encaminhar a elaboração do plano de trabalho docente. Sendo o
hospital um local, onde ocorrem às diversas manifestações dos sentimentos humanos de
forma explícita e volúvel, a escolarização caminha de forma diferenciada, num processo de
compreensão, por parte dos professores, que aquele sujeito que ali se encontra de forma a
negar a escolarização é um sujeito social, fruto de diversas manifestações de seu meio e,
portanto, necessita de um enfoque primeiro humanizador para que, em outro momento, possa
ser abordado com as questões de escolarização.
Através deste enfoque, os professores buscam uma prática de elaboração de um
planejamento, para estes alunos pacientes numa perspectiva histórico-crítica, através da
prática-reflexão-prática, tendo como ponto de partida a prática social. Para Vasconcellos,
[...] o trabalho inicial do educador é tornar o objeto em questão, objeto de
conhecimento para aquele sujeito”, isto é, para o aluno. Para que isso ocorra, o
educando deve ser desafiado, mobilizado, sensibilizado; deve perceber algumas
relações entre o conteúdo e sua vida cotidiana, problemas e interesses. Torna-se
necessário criar um clima de predisposição favorável à aprendizagem. (1993, p.42):
Partir da análise da realidade encontrada (onde estamos), projetar finalidades (para
onde queremos ir) e elaborar mecanismos de mediação (o que fazer para chegar lá) é a
estrutura básica de um planejamento. Para Vasconcelos (2002, p. 75) é fundamental que o
professor compreenda a necessidade de reflexão constante e de apropriação de seu papel de
mediador do conhecimento, para que possa avançar num método de trabalho pedagógico que
se fundamente numa relação dialógica do conhecimento em ambientes de escolarização,
focando na elaboração de um planejamento que tenha clareza dos aspectos da prática social
maior e dos sujeitos concretos nele inseridos.
Desenvolvimento
A implementação da pesquisa no Hospital de Clínicas
A implementação do projeto na unidade conveniada HC foi de caráter exploratória,
descritiva e explicativa, com fundamentação bibliográfica e análises documentais envolvendo
o problema proposto, tendo como procedimento a pesquisa-ação, onde, todos os envolvidos
no problema atuaram de modo participativo e cooperativo.
14643
Os textos, as atividades propostas e os encaminhamentos partiram do conteúdo dos
textos selecionados no Caderno Pedagógico (SOUZA e SZENCZUK, 2010) e adaptados à
necessidade de cada encontro. Entretanto, nem sempre foi possível ter a participação de todos
os integrantes da equipe nas 48 horas de formação propostas.
Na tentativa de elaborar um planejamento que atenda a demanda na instituição
hospitalar, os professores definem os conteúdos, objetivos, metodologias e critérios de
avaliação de acordo com a concepção posta nas Diretrizes Curriculares Orientadoras
Estaduais. Assim, procura-se seguir um currículo para o processo educativo no âmbito
hospitalar de acordo com o referencial apresentado pelo aluno paciente para que este possa
receber um atendimento pedagógico em consonância com o currículo que as escolas de
origem enviam ao hospital.
No entanto, a ação de planejar, no hospital, encontra muitas barreiras em relação à
transposição didática e à dificuldade de realizar um projeto educativo no qual esteja, presente
o exercício da autonomia, da reflexão e da crítica, provocados pela situação de enfermidade
ao qual o aluno paciente encontra-se ao participar dos atendimentos pedagógicos.
Em função disso, outros questionamentos surgem no meio da prática pedagógica
hospitalar no que se refere ao resultado esperado em relação aos planejamentos realizados
pelas equipes de escolarização. São eles: A ação real produz alguma alteração no objeto do
ato de planejar? As finalidades postas para o planejamento, de caráter mais abrangente,
apontam para a função social que a escola tem a desempenhar? Eles atingem os objetivos e
metas imediatos, que indiquem caminhos viáveis para a realização do trabalho educativo em
ambiente hospitalar, atendendo a especificidade do papel da escola? As adaptações atendem
ao esperado pelo currículo da escola de origem? Os alunos ao realizarem a reinserção para a
escola de origem acompanham curricularmente a escola de forma significativa? Quais as
perdas pedagógicas que o aluno das classes hospitalares sofre ao reinserirem na escola
regular?
Saviani (1991, p.22). assevera que:
[...] a escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber
sistematizado. Portanto a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não
conhecimento espontâneo, ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à
cultura erudita e não á cultura popular .
14644
Dessa forma, planejamento na perspectiva histórico-crítica requer rever a sua prática
de construção e sua utilização como meio de emancipação humana e, no caso do ambiente
hospitalar, de humanização do aluno paciente. Mas para tanto é necessário ter clareza da
função social da escola, das finalidades da educação básica, do papel do planejamento e
principalmente do papel da escolarização em ambiente hospitalar. Assim, o professor deve ser
um constante pesquisador do processo de aprendizagem em qualquer modalidade da
educação, mas, principalmente, deve buscar voltar-se para as finalidades postas para a
Escolarização Hospitalar, a qual está naquele momento desempenhando seu papel precípuo de
mediador do conhecimento.
O ato de planejar deve seguir uma unidade entre pensamento e ação, com uma busca
intencional da convergência entre teoria e prática na ação humana, seja onde for. A relação
entre ambos deve avançar, não apenas como princípio metodológico inerente ao ato de
planejar, mas como princípio epistemológico3, no processo de aprendizagem em qualquer
ambiente onde haja a escolarização.
Neste sentido, o planejamento não comporta o aligeiramento, a superficialidade e ao
esvaziamento dos conteúdos. Seu foco principal consiste em tornar acessível o saber erudito,
sistematizado, bem como, ao mesmo tempo, possibilitar a elaboração de conteúdos da cultura
popular na perspectiva emancipadora, onde, em relação tempo-espaço4, não pode significar o
empobrecimento da qualidade do processo educativo.
O estudo realizado desprendeu a necessidade de discutir e compreender o papel da
educação hospitalar, o papel do professor, a concepção de educação que embasa o trabalho na
escola do hospital e principalmente a capacidade de desenvolver habilidades apropriadas, ou
seja, ter consciência dos enfrentamentos que estão por vir, como: o equilíbrio emocional, a
administração das emoções, a empatia, a ética profissional e a sensibilidade. Buscou conhecer
as discussões teóricas que se fazem no campo da Escolarização Hospitalar, bem como,
articular seu trabalho com as Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educação do Estado,
num movimento constante de atualização, pois, como profissional capacitado para promover a
aprendizagem, deve ter domínio das ferramentas pedagógicas necessárias para o processo de
aquisição do conhecimento, ao qual se propõem dedicar-se. De acordo com Vasconcellos
(2003 p. 50):
3
Entende-se como princípio epistemológico o princípio orientador do modo como compreendemos a ação
humana de conhecer uma determinada realidade e intervir sobre ela no sentido de transformá-la.
4
Os alunos pacientes, não têm o mesmo tempo da escola regular, em função das intervenções médias e estado de
saúde, bem como, o espaço no escolar no hospital, restringe-se ao leito ou nas classes hospitalares multiseriadas.
14645
O professor trabalha com a produção do sentido, onde considerando a teoria da
atividade humana, pode-se dizer que, a princípio, o sentido pode ser elaborado pelo
sujeito através da relação que estabelece entre objeto (ou situação) e alguma sua
necessidade, finalidade ou plano de ação. Mas a construção do sentido passa
também pela reflexão que acompanha a ação, bem como pela avaliação que destes
processos se faz.
Ao trabalhar na Escolarização Hospitalar, o professor desenvolve um profissionalismo
comprometido com a formação do aluno, realizando seu trabalho de forma dinâmica e
criativa, buscando o re-despertar do interesse para a aprendizagem, até pela situação5 que o
aluno paciente se encontra. A importância do uso do diálogo para uma comunicação acessível
em sua prática pedagógica, de forma afetuosa, ética e crítica, estando atento às peculiaridades
de seus alunos e ter discernimento para as necessárias intervenções no processo de ensino e
aprendizagem, configura o papel do professor como elo com a realidade social ao qual o
aluno paciente encontra-se, naquele momento de sua vida, separado de suas relações sociais,
em função do tratamento de saúde.
Durante o processo de estudo, surgiram discussões importantes sobre os assuntos tratados,
mas principalmente, a necessidade de uma nova postura do professor, um novo olhar, no qual
é necessário compreender os conteúdos a partir de uma produção histórica de como os
homens conduzem suas vidas nas relações de trabalho e de como se pode, através das
flexibilizações curriculares, adequá-las à escola do hospital. Segundo Gasparin (2003, p.2),
“Os conteúdos reúnem dimensões conceituais, científicas, históricas, econômicas,
ideológicas, políticas, culturais, educacionais que devem ser explicitadas e apreendidas no
processo ensino-aprendizagem.”
Partindo do exposto, o estudo realizado com a equipe do Hospital de Clínicas,
fortaleceu a compreensão de que a escola no hospital deve procurar instituir um novo olhar na
forma do fazer pedagógico. E para compreender a dimensão da totalidade de trabalhar com os
conteúdos é necessário um novo método, que não é o mesmo aplicado em sala de aula e nem
na escola, mas a uma realidade social mais ampla.
Ao contextualizar historicamente o processo do fazer pedagógico para ensinar
conteúdos, importa partir da compreensão das tendências pedagógicas que fundamentaram as
práticas escolares e avançar para uma proposta pedagógica numa perspectiva histórico-crítica,
5
O aluno encontra-se fragilizado e desmotivado escolarmente, em função do afastamento do seu meio social,
tendo que priorizar o tratamento de saúde e ou internamento.
14646
tendo como princípio o marco referencial epistemológico e a teoria dialética do
conhecimento, tanto para fundamentar a concepção metodológica como para o planejamento
de ensino-aprendizagem.
Saviani, ao correlacionar a teoria dialética do conhecimento com a correspondente
metodologia de ensino-aprendizagem, diz:
O movimento que vai da síncrese (“a visão caótica do todo”) à síntese (“uma rica
totalidade de determinações e de relações numerosas”), pela mediação da análise
(“as
abstrações e determinações mais simples”) constitui uma orientação segura
tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico)
como para o processo de transmissão–assimilação de conhecimentos (o método de
ensino). (1999, p.83)
A partir deste ponto, foram projetadas, focando a proposta de trabalho na teoria
dialética do conhecimento, considerando a prática social dos sujeitos, perseguindo os três
passos do método dialético: prática-teoria–prática, numa metodologia, na qual é necessário a
partir da prática, teorizar sobre ela e voltar para a prática e transformá-la. Esse teorizar
promove a apropriação crítica da realidade, iluminando e superando o conhecimento imediato
e conduzindo à compreensão da totalidade social.
Considerações finais
Ao final do estudo realizado, houve um consenso sobre a necessidade de se partir da
análise crítica da realidade social, sustentando, implicitamente as finalidades sociais e
políticas da educação e dando sustentação e fundamentação à Pedagogia histórico-crítica.
Nessa pedagogia, o planejamento, deve considerar o saber crítico, buscando captar o
movimento objetivo do processo histórico de formação do homem, direcionando o ensino
para a superação dos problemas cotidianos da prática social e, ao mesmo tempo, buscando a
emancipação intelectual do aluno.
Portanto, o papel do professor é identificar e trabalhar as dificuldades que os alunos
apresentam, fazendo relações com o conhecimento e mediando este processo com o currículo
escolar na escola do hospital. Assume uma postura que permite aos alunos a investigação, a
exploração, a reflexão, o questionamento e a organização de seus conhecimentos, de acordo
com suas vivências, atendendo as reais necessidades de aprendizagem numa relação recíproca
14647
de valorização humana e por conseqüência, um atendimento integral e humanizador do aluno
naquele momento de tratamento de saúde ou internamento.
Se, de acordo com os amplos consensos pedagógicos, a escola deve ser ligada á
vida, ou, mais do que isto, deve ser vida, não há por conseqüência, questão mais
decisiva para orientar a função da escola do que esta: a humanização. A tarefa
pedagógica seria contribuir com a humanização. (VASCONCELLOS, 2003, p. 40).
Ficou esclarecido que o princípio do trabalho pedagógico no trabalho na escola do
hospital é educar para humanizar; ou seja, um trabalho que procure realizar uma educação
humanizadora em ambiente hospitalar, o qual exige um processo intencional e sistemático,
baseado em finalidades e planejamento, envolvendo a análise da realidade hospitalar e a
relação entre os sujeitos inseridos e o processo de escolarização.
Concluiu-se pela equipe do Programa Sareh HC, que o planejamento no hospital deve
contemplar diferentes formas de encaminhamento metodológico, os quais atendam
efetivamente as necessidades educacionais especiais dos alunos-pacientes, através de
processos de flexibilização curricular, propostos pelo MEC, onde ocorram adaptações
curriculares, enriquecimento curricular e avaliação diferenciada, com fundamentos teóricometodológicos necessário à organização didática hospitalar, pautada numa Teoria Histórico
Crítica, que enxergue o aluno paciente como sujeito concreto e ator principal no processo
educativo de cunho transformador, permeado pela humanização, dignidade e emancipação
humana.
A partir da elaboração de um planejamento calcado na pedagogia histórico-crítica,
delineou-se
encaminhamentos
didático-metodológicos,
através
de
seus
limites
e
possibilidades no campo hospitalar. Propôs-se encontrar respostas às diferentes angústias que
se relacionam entre saúde e educação, principalmente no que tange a elaboração de plano de
ensino que atenda ao processo de escolarização, porém de forma significativa tanto para o
professor quanto para o aluno paciente. Para atender as finalidades da educação hospitalar,
como sendo um espaço de resgate da subjetividade do aluno paciente, através de diferentes
formas de interações sociais que o professor possa utilizar, o planejamento torna-se
ferramenta dialética e política, portanto, essencialmente pedagógica.
Avaliar constantemente seu planejamento, numa relação prática-teoria-prática, é
fundamental para que os resultados sejam atingidos, ou seja, para que as finalidades postas no
14648
ato de planejar na escola do hospital sejam atingidas de forma a promover a reinserção do
aluno paciente à sua escola de origem e com qualidade, tanto para o professor quanto para os
alunos envolvidos.
Desta forma, faz-se necessária muita leitura e compreensão de formas de transposição
de uma pedagogia histórico-crítica, pois, não é uma prática que se estabeleça apenas como um
modelo de como fazer o planejamento na escola do hospital, mas sim, há uma exigência sobre
a necessidade de pensar sobre a realidade hospitalar.
Enfim, todo o estudo realizado propôs uma grande reflexão sobre o processo de
escolarização hospitalar e, principalmente, sobre o papel do professor nesse ambiente não
formal de educação. Para todos os envolvidos, neste estudo, concluiu-se, fundamentalmente,
que ser educador é ter um compromisso técnico, político, ético e social, mas na escola do
hospital se contempla aspectos importantes, pois, envolve profissionais capazes de
administrar suas emoções, na relação com o sentimento do outro, fato este, fundamental para
a construção de uma sociedade mais humana, inclusiva e de acolhimento.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, MEC, 1989.
______. Lei n°. 9 394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília, MEC, 1996.
______. Lei n°. 8 069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente,
Brasília, 1990.
CECCIM, R. B. & org. Criança hospitalizada: atenção integral. Porto Alegre.Editora da
Universidade/UFRGS, 1997.
GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores
Associados, 2005.
MATOS, E. L. M; MUGGIATTI, M. M. T de F. Pedagogia Hospitalar. Curitiba: Editora
Universitária Champagna. 2001
MENEZES, C. V. A. de. A necessidade da formação de pedagogo para atuar em ambiente
hospitalar: um estudo de caso em enfermarias pediátricas do Hospital de Clínicas da UFPR.
Dissertação de Mestrado. UFSC. 2004.
14649
Disponível
em:
http://www.fiepr.org.br/fiepr/cpce/uploadAddress/SAREH%20%20SERVI%C3%87O%20DE%20ATENDIMENTO%5B63499%5D.pdf
Acesso em 03/12/2009
SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre
a educação política. São Paulo, Cortez, 2007.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo, Cortez.
Autores Associados, 2005.
SOUZA, L. R. S e SZENCZUK, D. P. Doença ou Morte Eminente: uma reflexão sobre a
intervenção pedagógica na escola do hospital. Caderno Pedagógico/Seed. Curitiba, Paraná,
2010. Não publicado.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1987.
VASCONCELLOS, C. dos S. Construção do conhecimento em sala de aula. Cadernos
Pedagógicos do Libertad. São Paulo, 1993
VASCONCELLOS, C. dos S. Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto
Político Pedagógico – elementos metodológicos para elaboração e realização. 10ª ed.
Cadernos Pedagógicos do Libertad: São Paulo, 2002
Download