Alterações Causadas Pelo Nível de Hidratação na Freqüência Cardíaca de Atletas Prof. Maurício L. Colho de Lima 1 Dr. Alberto Saturno Madureira 2 Universidade Católica de Brasília RESUMO O propósito desta pesquisa foi verificar as alterações que ocorrem na freqüência cardíaca decorrentes da redução do nível de hidratação do corpo sem que haja uma hipopotassemia. A população alvo desse estudo foi composta por 50 atletas de polo aquático e a amostra de 6 atletas que foram escolhidos aleatoriamente. Foram realizadas medidas de peso, estatura, impedância bioelétrica (IB) e eletrocardiograma (ECG). Foi utilizado o protocolo de SAUNDERS (1998) para padronização do nível de hidratação, adaptado para este estudo. Os sujeitos no dia do teste acordavam às 6 horas da manhã e ingeriam 500 ml. de repositor hidroeletrolítico. Duas horas depois, se apresentaram no laboratório de avaliação física da Universidade Católica de Brasília, onde foram realizadas as medidas antropométricas, a IB e o ECG em repouso. A seguir foi administrado um comprimido do diurético Furasemida Composto. Após, foi feita uma previsão de perda hídrica. Aguardou-se a necessidade de micção e quando alcançada a perda de peso estimada foi realizado um novo ECG. Esse processo foi repetido por mais duas vezes. Foi utilizada a estatística descritiva: percentual, média e desvio-padrão; recorreu-se também a correlação de Pearson (freqüência cardíaca versus redução do percentual hídrico). Os resultados apontaram para uma perda hídrica média de 1,42%, em relação ao peso corporal, no primeiro momento e de 2,36% no segundo momento, sendo que a variação da freqüência cardíaca foi menor a 3 batimentos por minuto, apresentando um r = 0,3, ou seja uma correlação fraca. Infere-se, portanto, que a perda hídrica percentual de 2,36 não apresentou forte correlação com a elevação da freqüência cardíaca destes atletas. Sugere-se novos estudos com percentuais maiores de perda hídrica que possam detectar um limiar de variação, significativa, da freqüência cardíaca dos sujeitos. ABSTRACT The purpose of this study was to verify changes in the cardiac frequency done by reduction of the body hydration level, without promoting a hipokalemia. Data were collected from 6 athletes that are part of a population composed by 50 water polo athletes. The 1 2 Professor de Educação Física Professor Dr. de Educação Física athletes were chosen by no particular order. The data consisted of body mass, stature, bioelectrical impedance (BI) and electrocardiogram (ECG). An adaptation of the SAUNDERS’s (1998) protocol was used to standardize the body hydration level. The athletes woke up at 6 am and drunk a 500ml hydroelectrolyte replacement. Two hours later, they arrived at the Brasília Catholic University’s physical evaluation laboratory, where the anthropometric measurements, the BI and the rest ECG were realized. After the measurement, the athletes were asked to take the diuretic furosemide. A new ECG was taken after the weight loss was achieved, after the athletes urinated. This process was repeated twice more. The descriptive statistic was used: percentage, average, standard deflection, Pearson’s Correlation (cardiac frequency versus hydration percentage reduction). The results show a hydration loss average of 1,42% of body weight in the first moment, 2,36% in the second, with a cardiac frequency variation smaller than 3 strokes per minute, obtaining a r=0,3, in other words, a weak correlation. We can then infer that a 2,36% hydration loss does not show a strong correlation with the elevation of cardiac frequency in these athletes. New studies are necessary with a bigger hydration loss percentage that could detect a significant cardiac frequency variation linear. INTRODUÇÃO Tendo em vista a localização geográfica do Brasil, situando-se perto do Equador, e do aquecimento global, observa-se, decorrente do calor, uma grande perda de líquido corporal, conseqüente do sistema homeostático que controla a temperatura do corpo. Em atletas essa perda hídrica é maior ainda durante o exercício, porque nesse momento o atleta pode ter a temperatura do corpo muito elevada, dependendo da intensidade da atividade física. Devido a esse fator e ao fato de que muitas pessoas não ingerem líquidos suficientemente para repor as perdas, ocorrem muitos casos de má hidratação por conseqüências fisiológicas. Quando uma pessoa fica sem receber líquido por um certo tempo, pode ficar com sua hidratação comprometida, o volume sangüíneo sofre uma redução quando há uma perda líquida de 2 a 3% da massa corporal, representando uma sobrecarga significativa para a função circulatória (McARDLE, 1998). A quantidade de líquido perdido poderá variar ao modificar-se a temperatura ambiente ou com o exercício. Com a perda de água há um aumento no valor do Hematócrito (número de hemácias / volume do sangue), deixando o sangue mais denso que o normal. Quando há uma redução no volume sangüíneo, o organismo consegue manter o Débito Cardíaco com o aumento da freqüência cardíaca (FC), tanto na desidratação isotônica quanto na hipertônica e hipotônica (MELO, 1990). Esse trabalho se propõe a quantificar as alterações na freqüência cardíaca decorrentes da redução do nível de hidratação do corpo, que induz a uma diminuição do volume sangüíneo, em atletas, sem que haja uma hipopotassemia. METODOLOGIA Caracterização da Pesquisa Ø Este trabalho caracteriza-se conforme CAMPBEEL & STANLEY (1979) como sendo do tipo pré-experimental, com estudo com pré-teste e pós-teste aplicados a um grupo. População Ø A população do presente estudo foi composta por atletas de Polo Aquático do DEFE de Brasília, que totaliza 50 atletas. Amostra Ø Foram escolhidos 6 atletas para fazer parte da amostra. Atendendo aos seguintes critérios: ♦ Não fumantes; ♦ Sem problemas pregressos de Pressão Arterial ou Cardiovascular; ♦ Não estão fazendo uso de nenhum medicamento. Os sujeitos desse experimento têm estatura média de 1,80 +- 0,04 m, peso médio de 81,35 +- 5,2 Kg, idade média de 23,16 +- 2,04 anos, índice de massa corporal médio (IMC) de 24,89 +- 1,74, percentual de gordura médio de 15,02 +- 1,79%, massa magra média de 69,06 +- 3,7 Kg. Os sujeitos foram examinados por um médico antes de participar de qualquer procedimento. Instrumentos Fez-se necessário o seguinte material: Ø Aparelho de Impedância Bioelétrica da marca Biodynamics, Modelo 310; Ø Ø Ø Aparelho de Eletrocardiograma da marca Marquette Hellige medical systems, Modelo Cardiosmart; Balança da marca Filizola, modelo Personal Line, com precisão de 100 mg; Furosemida Cloreto de potássio (Diurético Furosemida Composto). Coleta de Dados Os participantes deram, por escrito, seu consentimento para participação nessa pesquisa, depois de uma explicação dos procedimentos e riscos envolvidos e estavam livres para encerrar suas participações a qualquer momento, sem nenhuma penalidade ou constrangimento. Uma semana antes do teste foi entregue aos participantes uma ficha com orientações de preparação para o dia do teste. Os testes foram realizados no LAFIT, localizado na Universidade Católica de Brasília, pelo próprio graduando e pelo Dr. Alberto Saturno Madureira, nos dias 22, 27, 29 do mês de maio do mesmo ano, as 8:00 h, com uma temperatura o constante de 22 C . Protocolo de Mensuração Ao chegar, o sujeito foi pesado (P1), foi medido sua estatura, fez-se o teste de Impedância Bioelétrica (IB) para determinar o percentual de água corporal, aferiu-se a FC e então, foi administrado o diurético (tratamento I). Após a redução no percentual de água corporal de aproximadamente 0,5% e 1,0%, o sujeito foi novamente pesado (P2 e P3), foi utilizada a fórmula para predizer o percentual de água corporal, após cada pesagem foi verificado a FC de repouso (tratamento II e III). Para isto foi seguido os seguintes protocolos: Procedimentos dos sujeitos nos dias do teste: Ø Ø Ø Devem beber o Repositor Hidroeletrolítico às 6 h; Não comer ou beber depois das 4 h, à exceção do Repositor Hidroeletrolítico; Apresentar-se para os teste, às 7:45 h, no laboratório. Pré-teste proposto STOLARCZYSK (1996) Bioelétrica: Ø Ø por HEYWARD & para Impedância A pessoa deve ficar em decúbito dorsal em uma superfície não condutiva; Não comer até quatro horas antes; 2 Ø Ø Ø Ø Não se exercitar até 12 horas antes; Urinar 30 minutos antes do teste; Não beber álcool até 48 horas antes; Não tomar medicamentos diuréticos até sete dias antes. Euidratação: segundo protocolo de pré-teste proposto por SAUNDERS (1998) e adaptado para esse experimento, duas horas antes da análise de IB foi administrado 500 ml de um Repositor Hidroeletrolítico (Marathon), que contém 6,0 g de Sacarose, 45,0 mg de Cloreto, 44,0 mg de Sódio e 10,0 mg de Potássio a cada 100 ml, para que no início do experimento todos os sujeitos estejam em um ótimo nível de hidratação. Impedância Bioelétrica (IB): foi utilizado o analisador de composição corporal tetrapolar Biodynamics Modelo 310. A técnica da IB requer a colocação precisa de quatro eletrodos em locais bem definidos, estando o avaliado deitado em decúbito dorsal. Após o comando emitido pelo equipamento, uma corrente de baixo estímulo, indolor, de intensidade de 800 mA (Micro Amperes) a uma freqüência fixa de 50 kHz (Kilohertz) é introduzida no corpo passando do eletrodo fonte para o eletrodo de captação. A queda de voltagem percebida por esse último eletrodo é registrada em ohm (W). Com esses dados é possível calcular a água corporal total (ACT). Eletrocardiograma (ECG): para o registro do ECG foram posicionados os eletrodos nos braços, pernas e pontos precordiais. Segundo WAGNER (1996) os pontos precordiais são: “V1 é colocado no quarto espaço intercostal logo à direita do esterno, V2 no quarto espaço intercostal logo à esquerda do esterno e V4 no quinto espaço intercostal sobre a linha hemiclavicular. A disposição da derivação V3 jaz na metade do caminho sobre uma linha reta entre as derivações V2 e V4. As derivações V5 e V6 são posicionadas diretamente ao lado de V4, com V5 sobre a linha axilar anterior e V6 na linha hemiaxilar.” A aferição da FC foi feita no início do experimento, depois da redução do percentual hídrico corporal em aproximadamente 0,5 % e uma última verificação assim que houve a redução de aproximadamente 1 %. Antes de cada monitoração do ECG o sujeito ficou de repouso em decúbito dorsal por dez minutos. Medida do peso (P1, P2 e P3): com o uso da balança da marca Filizola, modelo Personal Line, com precisão de 100 mg, foi feita a medição do peso antes da análise de IB e após a perda de água pela urina. A perda de água foi estimulada pelo diurético Furosemida Composto, a exemplo da experiência realizada por O`BRIEN (1999). Posologia e administração de diurético: foi administrado, por via oral, um comprimido de Furosemida Composto para cada participante após a análise da IB, com intenção de causar perda de água pela urina. Cada comprimido contém 40 mg de furosemida e 50 mg de cloreto de potássio. O cloreto de potássio tem a função de corrigir uma possível depleção de potássio, que normalmente só ocorre em uso prolongado, preservando a funcionalidade da + + bomba de Na e K e evitando uma taquiarritmia. Reidratação: Durante o experimento houve uma restrição na ingestão de fluido para evitar a reidratação. No final do experimento foi concedido 500 ml de um Repositor Hidroeletrolítico (Marathon) e água a vontade para minimizar ou anular os efeitos colaterais do Furosemida. Fórmula para predizer o percentual de água corporal: A seguinte fórmula foi elaborada pelo pesquisador afim de facilitar o cálculo para predizer o percentual de água corporal e auxiliar na indicação do momento ideal para realizar o ECG. Ø P1 (Kg) x A1 (%) = ACT1 (Kg) –1 Ø [ACT1 (Kg) – (P1 – P2)] x P2 = A2 (%) P1 = Peso inicial P2 = Peso com redução do percentual de água corporal ACT = Quantidade de água corporal em Kg A1 (%) = Percentual de água corporal A2 (%)= Percentual de água corporal após redução do nível de hidratação Tratamento Estatístico Foi utilizado a estatística descritiva (percentual, média e desvio-padrão) para análise dos dados. Utilizou-se também o teste de correlação de Pearson para verificação da relação entre a variação da FC e a variação do percentual de água corporal. O nível mínimo de significância estabelecido foi de p < 0,05. 3 RESULTADOS Euidratação. Com o uso do protocolo proposto por SAUNDERS (1998) que foi modificado para adaptação a esse experimento, foi obtido um nível médio de 58,5 +- 0,85% de água em relação ao peso corporal (tabela 1). 58,50% 57,90% 57,53% Tratamento I 60 Tratamento II Percetual médio de água corporal (%) 40 Tratamento III 20 0 Tabela 1 – Percentual de água corporal médio nos tratamentos I, II e III. Diminuiçao do percentual hídrico Perda hídrica. Com o uso de Furosemida Composto, foi obtida uma redução do percentual de água corporal médio de 0,97 +- 0,24% (tabela 2) com redução média do peso corporal em 1,85 +- 0,48 Kg que corresponde a 2,36 +- 0,61% (tabela 3) no terceiro tratamento . Sujeito 6 0,83 0,62 1,06 0,96 0,99 Sujeito 5 1,35 Sujeito 2 Sujeito 4 Sujeito 3 Sujeito 1 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 Perda hídrica Tabela 2 – Variação do percentual de água corporal por sujeito. Média de 0,97% +- 0,24% 3,50% 3,00% 2,50% 2,00% 1,50% 1,00% 0,50% 0,00% 3,18% 2,31% 2,27% 2,55% 1,89% 1,48% Sujeito 1 Sujeito 2 Sujeito 3 Sujeito 4 Sujeito 5 Sujeito 6 Tabela 3 – Perda hídrica em relação ao peso corporal por sujeito. Média de 2,36% +- 0,61%. 2 Variação da freqüência cardíaca. Foi usado como medida de dispersão, variação o desvio-padrão para amostra para estabelecer a variação da FC. A média da variação foi de 2,71 +-1,81 bpm com a redução média do percentual de água corporal de 0,59 +- 0,13%, e de 2,29 +- 1,44 bpm com a redução média do percentual de água corporal em 0,97 +- 0,24% (tabela 4). Esses resultados mostram que não há uma variação considerável na FC em atletas até esse nível de redução do percentual hídrico corporal. 3,46 4,04 2,64 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 Sujeito 6 2,08 Sujeito 5 Sujeito 4 Sujeito 3 1,52 Sujeito 2 Sujeito 1 0 Variação da FC Tabela 4 – Variação da FC com diminuição média de 0,97% do percentual de água corporal. Variação média de 2,29 +- 1,44 bpm. FC 75 67 65 68 55 55 52 50 Sujeito 2 65 58 Sujeito 3 51 49 48 46 45 1 Sujeito 4 51 50 50 Sujeito 5 49 2 Sujeito 1 Sujeito 6 3 Tratamento Tabela 5 – Alteração na FC por sujeito. 1,4 hídrico Diminuição do percentual Correlação. Foi encontrado o valor de r = 0,3235, atribuindo uma baixa relação (não significante estatisticamente, p>0,05) entre a redução do percentual de água corporal e a alteração da FC em atletas (tabela 6). 1,1 0,8 0,5 0 1 2 3 4 5 Variação da FC r= 0,3235 Tabela 6 - Correlação entre a variação da FC e uma diminuição de 0,97% do percentual de água corporal. 3 Efeitos colaterais e reidratação. Com a administração de 50 mg de potássio duas horas antes, 10 mg durante, 50 mg depois do final do último tratamento, 500 ml de Repositor Hidroeletrolítico e água à vontade após o término do experimento, não houve relato de nenhum efeito colateral. As 110 mg de potássio que foram administrada para cada participante foram suficientes para evitar uma hipopotassemia, as morfologias das ondas T, P e seguimento ST apresentados nos ECG confirmam. o Figura 1 – ECG realizado no 3 tratamento. Preditivo negativo para hipopotassemia. DISCUSSÃO Analisando as afirmações de McARDLE (1998,), que o volume sangüíneo sofre uma redução quando há uma perda hídrica de 2 a 3% da massa corporal e que essa perda representa uma sobrecarga significativa para a função circulatória, e a de MELO (1990) que estabelece que o aumento da FC ocorre em estado de hipoidratação, que equivale à uma perda hídrica de 2-8% em relação ao peso corporal. Era esperada uma alteração significativa na freqüência cardíaca seguindo o comportamento apresentado por indivíduos sedentários, tendo em vista que a perda hídrica média da amostra foi de 2,36% da massa corporal. Entretanto, a variação de aproximadamente 2 bpm na freqüência cardíaca mostra que os atletas analisados não apresentaram alterações significativas, decorrente de algum meio compensatório, que pode ser explicado da seguinte forma: Ø Aumento da capacidade inotrópica, causando um maior esvaziamento do ventrículo, compensando o débito cardíaco com o aumento do volume sistólico; Ø Maior disponibilização do sangue venoso decorrente de uma venoconstrição mediana, mantendo o mesmo nível do retorno venoso durante a perda hídrica. CONCLUSÃO Os resultados mostram que a redução média de 0,97% do percentual de água corporal, equivalente à uma perda hídrica média de 2,36% do peso corporal, não foi suficiente para causar alterações na freqüência cardíaca dos atletas participantes. O conteúdo aqui apresentado poderá contribuir na atividade dos profissionais da área de saúde para determinar com maior precisão a freqüência cardíaca basal e a freqüência cardíaca máxima de um indivíduo e poderá informar se o estado de hidratação influenciará ou não o resultado em atletas, contribuindo favoravelmente na formulação do treinamento. Portanto, recomenda-se que seja repetido o experimento com uma redução no percentual de água corporal maior que 0,97%, para que se possa estabelecer o limiar em que a FC dos atletas, comecem a aumentar. BIBLIOGRAFIA CARVALHO, A. B. R. & NETO, C. S. P. (1998). Desenvolvimento e validação de equações para estimativa da massa corporal magra através da impedância bioelétrica em mulheres. Atividade Física & Saúde, Rio Grande do Sul, 3, 14 -21. CAMPBELL, D. & STANLEY, J. (1979). Delineamentos experimentais e quaseexperimentais de pesquisa. São Paulo: EPU: Ed. Da Universidade de São Paulo. CHAVES, N. (1998). Nutrição Básica. In: BOUZAS, M. J.. 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