UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS BACHARELADO JOSIMAR GRASSI PEREIRA GENOTOXICIDADE EM TECIDO HEPÁTICO E SANGÜÍNEO DE CAMUNDONGOS TRATADOS COM Baccharis trimera (Less.) DC. DE OCORRÊNCIA EM SOLO DEGRADADO PELA MINERAÇÃO DE CARVÃO A CÉU ABERTO, TREVISO, SANTA CATARINA CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2008. 2 JOSIMAR GRASSI PEREIRA GENOTOXICIDADE EM TECIDO HEPÁTICO E SANGÜÍNEO DE CAMUNDONGOS TRATADOS COM Baccharis trimera (Less.) DC. DE OCORRÊNCIA EM SOLO DEGRADADO PELA MINERAÇÃO DE CARVÃO A CÉU ABERTO, TREVISO, SANTA CATARINA Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para a obtenção do grau de Bacharel no curso de Ciências Biológicas Bacharelado da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC Orientador: Prof. Dr. Marcos M.da Silva Paula. Co-Orientadora: Profª.Drª. Vanessa M. de Andrade. CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2008. 3 JOSIMAR GRASSI PEREIRA GENOTOXICIDADE EM TECIDO HEPÁTICO E SANGÜÍNEO DE CAMUNDONGOS TRATADOS COM Baccharis trimera (Less.) DC. DE OCORRÊNCIA EM SOLO DEGRADADO PELA MINERAÇÃO DE CARVÃO A CÉU ABERTO, TREVISO, SANTA CATARINA Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Bacharel no curso de Ciências Biológicas Bacharelado da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Genética. Criciúma, 18 de novembro de 2008. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Marcos M.da Silva Paula.- (UNESC) Prof. Dr Jairo José Zocche (UNESC) Profª. Espª Maria Júlia F. Corrêa Angeloni - (UNESC) 4 A minha mãe, Terezinha, por sempre ser para mim um exemplo de honestidade, coragem e perseverança. 5 AGRADECIMENTOS A Deus pela vida, e por mais esta conquista. A minha família, pelo carinho, apoio e compreensão. Ao professor Marcos pela confiança depositada em mim na realização deste trabalho. A professora Vanessa, pela orientação nos trabalhos com o ensaio cometa. A professora Carina pelos anos de orientação em minha iniciação científica, e pela transmissão de valores pautados na ética, seriedade e responsabilidade. As amigas Leandra e Daniela pela ajuda indispensável na realização deste trabalho. Aos colegas e amigos do Labim e do Neurolab, pelos momentos de alegria e descontração. Aos amigos do curso de Ciências Biológicas Bacharelado pelos anos de convívio, amizades e descobertas. A todos que de alguma forma contribuíram para que eu pudesse trilhar mais esta jornada. 6 “A coisa mais bela que podemos vivenciar é o mistério. Ele é fonte fundamental de toda verdadeira arte e de toda ciência. Aquele que não o conhece e não mais se maravilha, paralisado em êxtase, é como se estivesse morto: seus olhos estão fechados.” Albert Einstein 7 RESUMO A mineração de carvão a céu aberto é uma atividade potencialmente poluidora que provoca diversos danos ao meio ambiente. Em áreas onde são depositados rejeitos de carvão pode ocorrer a drenagem ácida de minas, fenômeno responsável pela liberação dos metais pesados presentes no carvão e seus rejeitos. Estes metais quando dispostos no solo podem ser absorvidos por plantas que ocorrem nessas regiões. Baccharis trimera, conhecida popularmente como carqueja, é utilizada pela população em geral na forma de chá, para o tratamento de várias doenças. Esta espécie caracteriza-se por ser uma planta pioneira muito freqüente em áreas degradadas pelo carvão. Desse modo, ela pode servir como fonte de contaminação por metais pesados para populações que habitam regiões próximas à áreas degradadas pela mineração de carvão. O objetivo do presente trabalho é avaliar a genotoxicidade de Baccharis trimera de ocorrência em áreas degradadas pela mineração de carvão a céu aberto. Para isso foram administrados o extrato hidroalcoólico e o decocto dessa planta em camundongos. A genotoxicidade destes compostos foi avaliada através do ensaio cometa em células sanguíneas e hepáticas de camundongos. O resultados indicam que o extrato hidroalcoólico causa genotoxicidade em células hepáticas de camundongos, já o decocto induziu genotoxicidade tanto em células do tecido sanguíneo quanto em células do fígado. Portanto, a utilização de Baccharis trimera, de ocorrência em solo degradado pela mineração de carvão à céu aberto, pode provocar a produção de danos ao DNA em populações humanas. Palavras-chave: Baccharis trimera, genotoxicidade, metais pesados. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Seções transversais típicas de pilhas de rejeito (com e sem vegetação espontânea). (Fonte: ALEXANDRE, 1999)............................................................13 Figura 2: Componentes principais da dinâmica dos metais pesados no sistema solo-planta (adaptado de ALOWAY, 1990)............................................................14 Figura 3: Plantas de Baccharis trimera (Less.) DC. em estado vegetativo (A) e reprodutivo (B); ramo com inflorescência (C) e detalhe dos frutos maduros (D). (Fonte: CARREIRA, 2007).....................................................................................19 Figura 4 (Vista aérea da área de estudo. A, área degradada; B, Ponto Branco) (Fonte Google Maps, 2008). ..................................................................................20 Figura 5: Etapas experimentais do Teste Cometa da coleta das células a leitura em microscópio óptico Fonte: do autor..................................................................23 Figura 6: Teste Cometa.. .......................................................................................24 Figura 7: Índice de danos (ID) em células sanguíneas de camundongos tratados com extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera.. .................................................26 Figura 8: Índice de danos (ID) em células sanguíneas de camundongos tratados com decocto de Baccharis trimera.........................................................................26 Figura 9: Índice de danos em células hepáticas de camundongos tratados com extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera. ..........................................................28 Figura 10: Índice de danos em células hepáticas de camundongos tratados com decocto de Baccharis trimera. ...............................................................................28 Figura 11: Principais mecanismos de genotoxicidade e mutagenicidade induzida por metais. (adaptado de BEYERSMANN; HARTWIG, 2008). .............................30 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Índice (ID) e freqüência de dano (FD) ao DNA, em células sanguíneas de camundongos expostos à diferentes metodologias de preparação da Baccharis trimera....................................................................................................................25 Tabela 2 - Índice (ID) e freqüência de dano (FD) ao DNA, em células hepáticas de camundongos expostos à diferentes metodologias de preparação de Baccharis trimera....................................................................................................................27 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................12 2 OBJETIVOS .......................................................................................................19 2.1 Objetivo geral.................................................................................................19 2.2 Objetivos específicos ....................................................................................19 3 DESCRIÇÃO DA PLANTA UTILIZADA.............................................................20 4 CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA ...........................................................21 5 METODOLOGIA.................................................................................................22 5.1 Coleta do material vegetal ............................................................................22 5.2 Preparação do extrato e decocto .................................................................22 5.3 Animais...........................................................................................................22 5.4 Procedimento experimental..........................................................................23 5.5 Teste cometa..................................................................................................23 5.6 Análise estatística .........................................................................................25 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................26 7 CONCLUSÃO.....................................................................................................34 REFERÊNCIAS .....................................................................................................35 11 1 INTRODUÇÃO A mineração é uma das atividades humanas que mais contribuem para a alteração da superfície terrestre, afetando tanto o ambiente interno, como o externo, provocando expressivos impactos sobre a água, o ar, o solo, o subsolo e a paisagem como um todo (NAPPO, 1999). No Brasil a descoberta do carvão ocorreu nos três estados do Sul, mas foi em Santa Catarina que esta descoberta provocou profundas modificações no ambiente (MARTINS, 2005). O início das atividades de produção de carvão mineral no sudeste de Santa Catarina deu-se nos primeiros anos do século XX e intensificou-se, sobretudo a partir da década de 40, com a criação da CSN - Companhia Siderúrgica Nacional (SOARES; TRINDADE, 2002). O carvão de Santa Catarina se destaca por ser o único encontrado na região Sul do Brasil que é coqueificável (pode ser usado para produção de aço), além de servir como fonte de energia para usinas termoelétricas. Enquanto que o carvão encontrado nos outros estados presta-se somente para a produção de termoeletricidade (MARTINS, 2005). Apesar de importante recurso energético, a extração, o beneficiamento e a utilização de carvão mineral são atividades potencialmente poluidoras (GAIVIZZO; VIDOR; TEDESCO, 2000). Podem ser associadas a essas atividades as seguintes alterações: desmatamento; alteração da superfície topográfica e da paisagem; perda ou destruição de solos superficiais férteis; instabilização de encostas e terrenos em geral; alteração de corpos de água e de níveis freáticos e exposição de áreas aos fenômenos de dinâmica superficial, como erosão e assoreamento (KOPEZINSKI, 2000). A mineração de carvão gera também inúmeros rejeitos (30 a 60% do material minerado), o que resulta na produção de grandes volumes constituídos basicamente de matérias carbonosos e minerais (pirita e argilominerais) (GAIVIZZO; VIDOR; TEDESCO, 2000; SOARES; SOUZA, 2008). De acordo com Laus et al (2006) a mineração de carvão, além de promover a exposição de grandes áreas por meio dos processos de lavra, gera uma quantidade de rejeitos depositados em pilhas ou barragens próximas às áreas 12 mineradas. Estes depósitos, ricos em sulfetos, podem tornar-se fontes geradoras da drenagem ácida de minas (DAM). Para Daniels (1996 apud GAIVIZZO et al., 2002), a ocorrência de DAM constitui-se no principal impacto das áreas de exploração mineral ao ambiente. A DAM ocorre em áreas mineradas a céu aberto onde os compostos sulfurados encontram-se principalmente na forma de pirita (FeS2) e outros sulfetos, cuja exposição às condições oxidantes do meio é responsável pela formação de grande quantidade de ácido sulfúrico (GAIVIZZO et al., 2002). Em períodos de intensa precipitação pluviométrica, a água de escorrimento superficial ou a percolada através do rejeito possui baixo pH, elevados teores de ferro, sulfatos e, freqüentemente, concentrações elevadas de metais pesados (GALATTO et al., 2007; SOARES; TRINDADE, 2002; SPOTTS; DOLLHOPF, 1992). O grupo dos metais pesados também chamados de metais-traço, é constituído por alguns metais que são considerados essênciais do ponto de vista biológico, em percentagem muito pequena, tornado-se mais ou menos tóxicos em percentagens mais elevadas (PRONCHOW; PORTO, 2000), podendo causar impactos negativos a ecossistemas terrestres e aquáticos, constituindo-se, assim, em contaminantes ou poluentes de solo e água (GUILHERME et al., 2005). A DAM pode provocar a liberação de diversos íons metálicos dissolvidos (Arsênio - As, Cádmio - Cd, Cobre - Cu, Níquel - Ni, Chumbo - Pb, Zinco - Zn, etc), em composições e concentrações que dependem de condições geológicas específicas (FUNGARO; IZIDORO, 2006). Para se ter acesso à camada de carvão, na mineração a céu aberto, há a necessidade de remover a cobertura vegetal, o solo orgânico e a camada de estéreis (BARTH, 1989 apud ZOCCHE-DE-SOUZA; COSTA; ZOCCHE, 2007), o que resulta na formação de uma paisagem constituída por pilhas de materiais piríticos e carbonosos dispostos em corpos cônicos. Em algumas dessas áreas, partes do solo ou da argila ficam por cima dos estéreis propiciando espontaneamente o retorno da vegetação depois de passadas algumas décadas da mineração (Figura 1) (ALEXANDRE, 1999). Para Taylor et al (1992), Vários fatores de natureza física e química do rejeito carbonífero limitam o estabelecimento vegetal, restringindo a reabilitação das áreas de mineração. A DAM promove a solubilização de íons em níveis tóxicos para 13 as plantas, inibindo o crescimento de raízes e reduzindo o número de microrganismos fixadores de nitrogênio. Contudo, a vegetação espontânea que ocorre nestas áreas, é caracterizada por crescer em locais inóspitos, apresentar dispersão de sementes principalmente do tipo anemocoria, alta capacidade reprodutiva, resistência a controle químico e grandes populações ocupando extensas áreas (CHAVES, 2003). Figura 1: Seções transversais típicas de pilhas de rejeito (com e sem vegetação espontânea). (Fonte: ALEXANDRE, 1999). A maioria das espécies vegetais que crescem em solos contaminados por metais pesados não consegue evitar a absorção desses elementos, mas somente limitar sua translocação (SOARES, et al., 2001). Isto ocorre principalmente porque durante os primeiros estádios da revegetação, a comunidade de plantas extrai grandes quantidades de nutrientes do solo. Este processo continua até a construção de uma reserva orgânica, com a qual a absorção de nutrientes pelas plantas passa a depender dos processos de decomposição da cobertura e mineralização dos nutrientes, principalmente o Nitrogênio e o Fósforo (GAIVIZZO et al., 2002). O sistema solo-planta é um sistema aberto, onde geralmente o teor e o acúmulo de metais nos tecidos depende de fatores tais como: o tipo de metal e sua disponibilidade na solução do solo; o movimento do metal no solo e na superfície das raízes; o transporte destes da rizosfera para a raiz e a translocação dos mesmos 14 para o restante da planta (Figura 2) (ALOWAY, 1990; GUSSARSSON; ADALSTEINSSON; ASP, 1995). Solo Planta Perda de compostos voláteis Folhas Absorção de organominerais Biomassa e colóides microrganismos Sementes Caule Solução no solo Erosão Íons e complexos RIZOSFERA metálicos Captação Raiz Xilema Complexos COPRECIPITAÇÃO Com o húmus Hidróxido de Fe, Mn, Al Armazenamento na raiz Óxidos e Carbonatos Lixiviação CONTAMINAÇÃO Figura 2: Componentes principais da dinâmica dos metais pesados no sistema solo-planta (adaptado de ALOWAY, 1990). Além disso, espécies ou variedades de uma mesma espécie vegetal, expostas a uma concentração similar de metais pesados, podem diferir na absorção e/ou distribuição interna desses na planta. Isso pode resultar em diferenças na capacidade de retenção do elemento absorvido nas raízes, e/ou variação na carga no xilema (GUSSARSSON; ADALSTEINSSON; ASP, 1995; SHAW, 1989). Os metais podem ainda, induzir alterações na diferenciação do próprio sistema vascular, uma vez que, em concentrações menores, alcançam as folhas, podendo alterar a estrutura e a funcionalidade das células fotossintéticas (SOARES, et al., 2001). A espécie Baccharis trimera (Less.) DC. conhecida popularmente por carqueja, ocorre espontaneamente em áreas mineradas a céu aberto na região carbonífera catarinense (CITADINI-ZANETTE; BOFF, 1992). As plantas de Baccharis trimera são amplamente utilizadas no Brasil, em medicina popular, hábito herdado de indígenas que há séculos as utilizavam para o tratamento de várias doenças (LORENZI; MATOS, 2002). Popularmente a Baccharis trimera é utilizada na forma de chás com indicações para males do estômago, fígado, anemia, inflamações, diabetes, doenças na próstata, controle do colesterol, emagrecedor, hipertensão, sendo também descrita como remédio para o processo 15 de desintoxicação do organismo (PEREIRA, 2006; VERDI; BRIGHENTE; PIZZOLATTI, 2005;). Dentre os componentes químicos de Baccharis trimera descritos estão lactonas diterpênicas, sesquiterpenos, flavonóides, saponinas, taninos, polifenóis e os seguintes óleos essenciais: acetato de carquejol, nopineno, calameno, α e cardieno, eledol, eudesmol, sendo que o carquejol e os flavonóides são considerados os principais constituintes ativos (SIMÕES, 1998). Diversas das capacidades farmacêuticas da Baccharis trimera já foram comprovadas e inúmeros trabalhos. A atividade hepatoprotetora foi relatada por Soicke e Leng-Preschlow (1987), sendo que o flavonóide hispidulina demonstrou ser o mais eficaz. Gené et al (1996), demonstrou que o flavonóide rutina, juntamente com uma mistura de saponinas, obtidos através do extrato aquoso e B trimera, têm atividade antiinflamatória e analgésica. A atividade antimutagênica in vitro da planta foi atribuída aos flavonóides luteonina, apigenina, cirsimaritina, e hispidulina (NAKASUGI; KOMAI, 1998). Além disso, já foram atribuídos a Baccharis trimera atividade antimicrobiana (AVANCINI et al., 2000), relaxante muscular (TORRES et al., 2000), anti-artrítico hipoglicemiante e redutor de colesterol (COELHO et al., 2004), Januário et al (2004) identificou um diterpenóide com atividade antiofídica demonstrando propriedades anti-hemorrágica, antiproteolítica, antimiotóxica e atidematogênica. Por todas estas razões a Baccharis trimera é uma das plantas medicinais mais utilizada no Brasil (SIMÕES, 1998; VERDI; BRIGHENTE; PIZZOLATTI, 2005). Contudo devese atentar ao fato de que a Baccharis trimera bem como outras plantas que se desenvolvem em áreas de mineradas pelo carvão e, que são utilizadas como medicinais podem oferecer a oportunidade para o acúmulo de metais pesados nos tecidos humanos (ZOCCHE-DE-SOUZA; COSTA; ZOCCHE, 2007). Os autores supracitados atentam para o fato da Baccharis trimera, ter o comportamento de uma espécie concentradora de metais, mesmo em solos com baixa disponibilidade dos mesmos. E enfatizam que pela mesma ser uma espécie medicinal, esta deve ser monitorada com cuidado, a fim de verificar se não causará danos à saúde humana ou se não estará contribuindo para o aumento da concentração de elementos tóxicos ao longo da cadeia alimentar. 16 No presente trabalho, o extrato hidroalcoólico e o dococto de Baccharis trimera foram previamente empregados por Constantino (2007) para avaliar os níveis dos metais chumbo, cobre e zinco na planta. O chumbo, quando liberado, persiste no ambiente por um longo período se comparado com outros metais. Como resultado, os compostos contendo Pb são acumulados no solo e permanecem passíveis de serem absorvidos por plantas e animais por muito tempo (ALOWAY, 1990). No entanto, este metal não possui nenhuma função fisiológica conhecida no organismo, e seus efeitos tóxicos sobre os homens e animais já são conhecidos há muito tempo por afetarem praticamente todos os órgãos e sistemas do corpo humano (MOREIRA; MOREIRA, 2004). O sítio primário de armazenamento de Pb no organismo é o osso, contudo a toxicidade está relacionada principalmente aos sistemas nervoso e hematopoiético (sangue e tecidos moles - rins, medula óssea, fígado e cérebro), podendo ocorrer efeitos renais, cardiovasculares e na reprodução. Nos casos de intoxicação crônica, o chumbo pode provocar a doença conhecida como saturnismo, caracterizada principalmente por forte anemia e retardo mental (ALOWAY, 1990; ASTDR, 2006; MOREIRA; MOREIRA, 2004). O Cobre é um elemento essencial importante para plantas e animais, sendo encontrado em uma variedade de células e tecidos (ALOWAY, 1990; GAETKE; CHOWB, 2003), atuando como co-fator com propriedades catalíticas para um grande número de enzimas (GAETKE; CHOWB, 2003). Apesar de ser um elemento essencial para os seres vivos, o acúmulo de Cu em animais pode provocar cirrose hepática, necrose de túbulos renais e danos em outros órgãos (GAETKE; CHOWB, 2003). O Zinco é um elemento essencial para os animais e para a maioria das plantas. Atua como um componente catalítico ou estrutural de numerosas enzimas envolvidas no metabolismo energético na transcrição e tradução gênica, sendo requerido para atividade de importantes enzimas tais como: deidrogênases, isomerases e RNA e DNA polimerases (ALOWAY, 1990). Contudo, a ingestão crônica de altos níveis de zinco por alguns meses pode causar anemia, e danos no pâncreas e nos rins (ASTDR, 2005). Efeitos adversos em sistemas biológicos, tais como genotoxicidade e carcinogenicidade, têm sido atribuídos aos metais pesados (PARAÍBA et al., 2006). A genotoxicidade está relacionada com o potencial que agentes físicos ou químicos 17 possuem em induzir mutações em células somáticas, ou aquelas que podem ser transmitidas a gerações futuras (DA SILVA et al., 2003). Para avaliar estes danos à carga genética foram criados vários testes que visam avaliar de diferentes maneiras o resultado da interação destes agentes com o DNA. Entre eles destaca-se o teste cometa que consiste em análise direta das células, quanto à freqüência de danos ao DNA. O dano é verificado quando fragmentos do DNA migram do núcleo da célula. Desse modo se obtém a informação de lesões que ocorrem in vivo. É uma técnica rápida e sensível na quantificação de lesões e detecção de efeitos de reparo no DNA em células de mamíferos (FAIRBAIRN et al., 1995; SINGH et al., 1988). Este teste apresenta algumas vantagens sobre os testes bioquímicos e citogenéticos, entre estas a necessidade de somente um pequeno número de células e de não ser necessário células em divisão (FAUST et al., 2004; TICE et al., 2000). A determinação de quebras simples no DNA através de eletroforese em célula única ou ensaio cometa é útil para a detecção de efeitos de exposição a mutágenos e carcinógenos (SALAMA et al., 1999). No estudo do potencial mutagênico de um composto, os ensaios com animais de laboratório oferecem grandes vantagens, especialmente a de reproduzir as condições de exposição do homem (NUNES; TAJARA, 1998). Desse modo devido aos inúmeros usos da Baccharis trimera como planta medicinal, e o fato dessa ocorrer espontaneamente em áreas mineradas pelo carvão a céu aberto, são necessários estudos para investigar uma possível genotoxicidade em mamíferos, causada pelo uso da planta supostamente contaminada por metais pesados. 18 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral Avaliar o possível dano ao DNA em fígado e sangue de camundongos adultos tratados com Baccharis trimera (Less.) DC. de ocorrência espontânea em solo degradado pela mineração de carvão a céu aberto em Treviso, Santa Catarina, Brasil. 2.2 Objetivos específicos • Coletar amostras vegetais de Baccharis trimera (Less.) DC. de ocorrência espontânea em solo degradado pela mineração de carvão a céu aberto e em solo não degradado; • Preparar o extrato alcoólico e o decocto da parte aérea do material vegetal seco; • Avaliar o possível dano ao DNA, através do ensaio Cometa, de tecido hepático e sangüíneo de camundongos adultos tratados com extrato de Baccharis trimera (Less.) DC. de ocorrência espontânea em solo degradado pela mineração de carvão a céu aberto e em solo não degradado 19 3 DESCRIÇÃO DA PLANTA UTILIZADA De acordo com Lorenzi e Matos (2002), a Baccharis trimera (Less.) DC. é um subarbusto perene pertencente à família Asteraceae, ereto, muito ramificado na base, com cerca de 50 cm de altura, nativa do sul e sudeste do Brasil. As folhas são dispostas ao longo de caules e ramos com expansões aladas. Possui inflorescência do tipo capítulo, disposta ao longo dos ramos de cor esbranquiçada. (Figura 3). Conhecida popularmente como carqueja, carqueja-amargosa, carquejado-mato, carquejinha e tiririca-de-balaio, é uma das espécies melhor estudadas em termos botânicos, químicos e farmacológicos, apresentando elevado valor sócioeconômico, com ampla dispersão nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul (LORENZI; MATOS, 2002). Figura 3: Plantas de Baccharis trimera (Less.) DC. em estado vegetativo (A) e reprodutivo (B); ramo com inflorescência (C) e detalhe dos frutos maduros (D). (Fonte: CARREIRA, 2007). 20 4 CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA A área de estudo está situada entre as seguintes coordenadas geográficas: Área degradada, 28° 32' 0.03" latitude Sul e 49° 26' 18" longitude Oeste (Figura 4A); Ponto branco, 28° 31' 45" latitude Sul e 49° 26' 18" longitude Oeste (Figura 4B), junto ao Campo Morozini, no Município de Treviso, Santa Catarina, Brasil. Segundo o sistema de classificação de Köppen, o clima predominante na região é mesotérmico úmido com versões quentes (Cfa), registrando temperaturas médias anuais que variam entre 18ºC e 19ºC (SANTA CATARINA, 1991). A área minerada sofreu processo de mineração de carvão a céu aberto entre os anos de 1982 e 1989, com o uso da dragline Marion, sendo que após o término da mineração essa área recebeu apenas nivelamento do substrato. O solo foi caracterizado como sendo de área degradada, fraco-arenoso e arenoso, com presença de arenitos pirito-carbonosos e depósitos de argilas sobre o rejeito de carvão (SANTO; LOPES, 2003). B A Figura 4 (Vista aérea da área de estudo. A, área degradada; B, Ponto Branco) (Fonte Google Maps, 2008). 21 5 METODOLOGIA 5.1 Coleta do material vegetal Foram coletadas amostras de Baccharis trimera (Less.) DC. em cada área de estudo (minerada e não minerada), acondicionadas em sacos plásticos devidamente identificados. A planta foi encaminhada ao herbário Pe. Dr. Raulino Reitz da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) para confirmação taxonômica. 5.2 Preparação do extrato e decocto Para obtenção do extrato a parte aérea da planta foi seca em estufa durante sete dias, com temperatura entre 30 e 40º C. Após a secagem este material foi triturado, extraído com metanol 70% e filtrado após 48h. O resíduo de planta foi re-extraído com adição de metanol 70%, e depois de 24h foi filtrado novamente. Os filtrados foram evaporados à pressão reduzida e temperatura de 45ºC para eliminação do metanol, e os mesmos foram mantidos em garrafas estéreis em condições refrigeradas até o seu uso (BETONI, et al., 2006). O decocto da planta foi produzido segundo a Farmacopéia brasileira (1959), fervendo-se 5g da planta seca e triturada em 50mL de água destilada estéril durante 15 minutos. Em seguida o volume inicial de água foi reposto e o decocto filtrado pronto para uso. 5.3 Animais Os animais utilizados para este experimento foram camundongos CF-1 adultos, machos, com 2 a 3 meses de idade, armazenados em gaiolas plásticas, mantidos em temperatura de 22ºC ± 1ºC em um ciclo claro/escuro de 12h/12h (6h – 18h) com acesso livre para comida e água. O trabalho foi realizado após aprovação pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 22 5.4 Procedimento experimental Os animais foram divididos em três grupos: controle – recebeu apenas solução salina (NaCl 0,9g%); grupo 1 – recebeu o extrato ou o decocto da planta de solo não degradado; e grupo 2 – recebeu o extrato ou decocto da planta de solo degradado pela mineração. Cada tratamento foi administrado para um grupo composto de cinco indivíduos, duas vezes ao dia durante sete dias, com o extrato alcoólico de Baccharis trimera em uma dose de 100µL/25g de peso corporal, ou decocto na dose de 500µL/25g de peso corporal por gavagem (via oral), para manter a concentração de 500mg/mL (OLIVEIRA, et al., 2005). Os animais foram manipulados de maneira que tivessem o mínimo de sofrimento possível, conforme recomendação do Comitê de Ética da UNESC. 5.5 Teste cometa Duas horas após a última administração do extrato alcoólico ou decocto de Baccharis trimera. Coletou-se o sangue da cauda de cada camundongo 10uL, em seguida os animais foram sacrificados por deslocamento cervical, o fígado foi imediatamente retirado e fracionado. Um protocolo padrão para a preparação e análises do teste cometa foi adotado (TICE et al., 2000). Uma pequena porção do fígado foi lavada em tampão PBS com auxílio de uma pipeta de 1000 L, por meio de um movimento de sobe e desce. Os esfregaços foram preparados pela mistura de 5µL de sangue com 95µL de agarose LMP (0,75%) ou 20µL de fígado com 80µL agarose LMP (0,75%) Essa mistura foi colocada em lâmina de microscópico pré-revestida com cobertura de 300 L de agarose normal a 1,5%, logo em seguida, foi coberta com uma lamínula. Depois da solidificação em geladeira por aproximadamente 5 minutos, as lamínulas foram cuidadosamente retiradas e as lâminas foram imersas em tampão de lise (2,5M NaCl, 100mM EDTA e 10mM Tris, pH 10,0-10,5), por no mínimo 1 hora até duas semanas em 4°C, com adição de Triton X – 100 1% e dimetil sulfóxido (DMSO) 10% na hora do uso. Subseqüentemente, as lâminas foram incubadas em tampão alcalino (NaOH 300mM e EDTA 1mM, pH>13) por 20 minutos. A corrida eletroforética foi realizada por mais 15 minutos, a 25 volts e 300mA. Todas essas 23 etapas foram realizadas sob luz indireta. Em seguida as lâminas foram neutralizadas com Tris 0,4M (pH 7,5). Finalmente, o DNA foi corado com uma solução com prata (5% carbonato de sódio, mais uma solução de 0,1% nitrato de amônia, 0,1% de nitrato de prata, 0,25% de ácido tungstosílico e 0,15% de formaldeído) (Figura 4) Coletar sangue ou fígado Misturar agarose LMP Depositar sobre lâminas previamente cobertas com agarose normal solução de lise molho em tampão alcalino eletroforese análise em microscópio óptico corar com nitrato de prata neutralização Figura 5: Etapas experimentais do Teste Cometa da coleta das células a leitura em microscópio óptico. Fonte do autor. As lâminas coradas foram analisadas em microscópio óptico com aumento de 400x. As células foram avaliadas visualmente e identificadas como, de zero (sem danos) a quatro (dano máximo), de acordo com o tamanho e a forma da cauda (figura 5), resultando em um índice de dano único contado para cada célula e,conseqüentemente, para cada grupo. O índice de danos dos grupos pode variar de zero (todas as células sem caudas, 100 células x 0) a 400 (100 x 4; 100 células observadas com dano máximo) (COLLINS, et al., 1997). 24 Figura 6: Teste Cometa. A = dano 0; B = dano 1; C = dano 2; D = dano 3; E = dano 4; e F = apoptose. Fonte: DA SILVA et al., 2000. 5.6 Análise estatística As análises estatísticas foram executadas usando o programa “Statistical Product and Service Solutions” versão 15.0 (SPSS). Os resultados foram apresentados como média e desvio padrão e diferenças entre os grupos experimentais para o índice de dano ao DNA foram avaliadas por uma via (ANOVA), seguido pelo teste de Duncan quando ANOVA foi significante. Em todos os experimentos, foram considerados significativos p < 0,05. 25 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO Muitos contaminantes presentes em nosso ambiente afetam os organismos de forma direta e rápida, podendo causar distúrbios fisiológicos e/ou desenvolvimento anormal. Alguns destes agentes exógenos também afetam o DNA dos organismos induzindo tumores e/ou mutações genéticas (LIN, 1990). A tabela 1 apresenta os valores médios e desvio padrão da genotoxicidade observada em células sanguíneas de camundongos tratados com diferentes metodologias de preparação de Baccharis trimera. Os parâmetros de dano avaliados pelo Ensaio Cometa foram o índice (ID) e freqüência de danos (FD). Os índices de danos às células também estão representados graficamente nas figuras 7 e 8. Tabela 1- Índice (ID) e freqüência de dano (FD) ao DNA, em células sanguíneas de camundongos expostos à diferentes metodologias de preparação da Baccharis trimera. Grupos ID FD Salina 10,5 ± 8,58 6,5 ± 4,73 Extrato Ponto Branco 3,2 ± 3,03 2,4 ± 2,61 Extrato Área Degradada 3,4 ± 3,29 2,4 ± 2,19 Decocto Ponto branco 5,67± 9,81 5,33 ± 9,24 145,54 ± 1,90a 52,75 ± 13,52a Decocto Área Degradada a Diferente significativamente de todos os grupos (p < 0,05, ANOVA de uma via seguido pelo teste de Duncan). Nas células sanguíneas de camundongos tratados com extrato hidroalcóolico de Baccharis trimera, não houve diferença significativa no índice e na freqüência de danos, tanto no extrato da planta obtida de área degradada, quanto no extrato da planta do ponto branco (Tabela 1 e Figura 7). Já, no tratamento com o decocto de Baccharis trimera houve um aumento significativo (p < 0,05), no índice e na freqüência de danos em células sanguíneas de camundongos que receberam o decocto de plantas provenientes da área degradada (Tabela 1 e Figura 8). 26 Índice de danos (0-400) Média ID Sangue 25 20 15 10 5 0 Salina Extrato Ponto Branco Extrato Área Degradada Figura 7: Índice de danos (ID) em células sanguíneas de camundongos tratados com extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera. Os dados estão expressos como média ± desvio padrão da média de amostras coletadas de 4-5 animais. Média ID Sangue Índice de danos (0-400) 200 * 150 100 50 0 Salina -50 Decocto Ponto Decocto Área Branco Degradada Figura 8: Índice de danos (ID) em células sanguíneas de camundongos tratados com decocto de Baccharis trimera. Os dados estão expressos como média ± desvio padrão da média de amostras coletadas de 4-5 animais. * Diferença significativa quando comparado com os demais grupos (p < 0,05 ANOVA de uma via seguido pelo teste de Duncan. Essa diferença entre as análises a partir dos dois tratamentos (decocto ou extrato hidroalcoólico) pode ser atribuída ao fato da metodologia de extração por metanol ser capaz de retirar uma variedade maior de substâncias ativas se comparada com a decocção (FALKENBERG; DOS SANTOS; SIMÕES, 2003). Possivelmente, os atributos terapêuticos da Baccharis trimera seriam potencializados pelo processo de extração por metanol, o que poderia ser uma 27 possível causa de impedimento da genotoxicidade em células sanguíneas de camundongos pelo uso do extrato da planta. A partir de Baccharis trimera, foram isolados do extrato metanólico das folhas, quatro flavonóides: 5,4’-diidroxi-7-metoxiflavona (genkwanina), 5,4’-diidroxi6,7-dimetoxiflavona (cirsimaritina), 5,7,4’-triidroxi-6-metoxiflavona (hispidulina) e 5,7,4’-triidroxiflavona (apigenina). Estes compostos apresentaram atividade antimutagênica, mostrando que tais flavonas são substâncias de alto potencial para esta atividade da Baccharis trimera (NAKASUGI; KOMAI, 1998; VERDI; BRIGHENTE; PIZZOLATTI, 2005). A tabela 2 apresenta os valores médios e desvio padrão da genotoxicidade à células hepáticas de camundongos tratados com diferentes metodologias de preparação de Baccharis trimera, para os ambos os parâmetros do Ensaio Cometa, Os parâmetros de dano avaliados pelo Ensaio Cometa foram o índice (ID) e freqüência de danos (FD). Os índices de danos às células também estão representados graficamente nas figuras 9 e 10 Tabela 2 - Índice (ID) e freqüência de dano (FD) ao DNA, em células hepáticas de camundongos expostos à diferentes metodologias de preparação de Baccharis trimera. Grupos ID FD Salina 21,25 ± 15,11 13,25 ± 7,14 Extrato Ponto Branco 19,75 ± 9,22 9 ± 2,16 Extrato Área Degradada 150,75 ± 41,80b 72 ± 12,68b Decocto Ponto Branco 126,6 ± 34,72b 45,8 ± 25,11b 232,25 ± 108,64a 75,5 ± 20,47a Decocto Área Degradada a Diferente significativamente de todos os grupos (p < 0,05, ANOVA de uma via seguido pelo teste de Duncan). b Diferente significativamente de grupo salina e do extrato Ponto Branco (p < 0,05, ANOVA de uma via seguido pelo teste de Duncan). Na avaliação do índice e da freqüência de danos ao DNA, em células hepáticas de camundongos tratados com o extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera foi encontrada diferença significativa (p < 0,05) entre os animais que receberam o extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera da área degradada e do grupo de animais tratados com o extrato da planta obtida do ponto branco (Tabela 2 e Figura 9). 28 Ambos os grupos tratados com o decocto de Baccharis trimera diferiram significativamente quando comparados com o grupo salina (p < 0,05), quanto ao índice e a freqüência de danos ao DNA em células do fígado de camundongos. No grupo de animais que recebeu o decocto proveniente da área degrada, também houve diferença significativa em relação ao grupo de animais tratados com o decocto de Baccharis trimera do ponto branco (p < 0,05) (Tabela 2, Figura 10). Índice de danos (0-400) Média ID Fígado 250 * 200 150 100 50 0 Salina Extrato Ponto Branco Extrato Área Degradada Figura 9: Índice de danos em células hepáticas de camundongos tratados com extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera. Os dados estão expressos como média ± desvio padrão da média de amostras coletadas de 4-5 animais. * Diferença significativa quando comparado com os outros grupos (p < 0,05, ANOVA de uma via seguido pelo teste de Duncan). Índice de danos (0-400) Média ID Fígado 400 350 # ** 300 250 200 150 * 100 50 0 Salina Decocto Ponto Decocto Área Branco Degradada Figura 10: Índice de danos em células hepáticas de camundongos tratados com decocto de Baccharis trimera. Os dados estão expressos como média ± desvio padrão da média de amostras coletadas de 4-5 animais. * Diferença significativa quando comparado com o grupo salina (p < 0,05, ANOVA de uma via seguido # pelo teste de Duncan). Diferença significativa quando comparado com os outros grupos (p < 0,05, ANOVA de uma via seguido pelo teste de Duncan). 29 Apesar do extrato hidroalcoólico não ter induzido danos ao DNA em células sanguíneas de camundongos (Figura 7), ocorreu genotoxicidade nas células hepáticas destes animais (Figura 9). Isto pode estar relacionado à característica peculiar do fígado em ser o centro da biotransformação de xenobióticos (compostos químicos estranhos a um organismo) (RAMSDORF, 2007). O sangue transporta os nutrientes absorvidos até o fígado para filtragem e processamento adicional. O fígado metaboliza muitos compostos de forma tão extensiva que apenas uma pequena quantidade do composto original inalterado entra na circulação sistêmica. Quando isto ocorre, uma quantidade reduzida do composto alcança o tecido desejado, tais como as paredes das veias e artérias ou as próprias células sangüíneas (HORST, 2007). Assim, a partir do presente estudo, os possíveis impactos deletérios do extrato hidroalcoólico e decocto de Baccharis trimera de ocorrência em solo degradado pela mineração de carvão estariam sendo mais atuantes no fígado. A hepatogenotoxicidade apresenta características semelhantes em roedores e em humanos. Algumas alterações comuns são a hipometilação do DNA, que levaria ao aumento de expressão de genes reguladores de sinais mitogênicos, como os observados em células tumorais, e ainda, mudanças nos genes supressores de tumor e a desregulação de genes controladores do ciclo celular (HORST, 2007). A ocorrência de dano ao DNA em células hepáticas de camundongos tratados com o decocto de Baccharis trimera do ponto branco (Figura 10), pode ter sido influenciada por fatores como: a função do fígado no metabolismo primário dos xenobióticos ingeridos, o fato da metodologia de extração por decocção não ser tão eficiente para a retirada das substâncias ativas da planta quanto a extração por metanol, e a área de coleta definida como ponto branco não estar completamente isolada da área degradada (Figura 4). Em estudo prévio valores aumentados de Pb, Cu, e Zn foram encontrados no extrato hidroalcoólico e decocto de Baccharis trimera de ocorrência em solo degradado pela mineração de carvão a céu aberto em Treviso, Santa Catarina (Constantino, 2007), o que indica que neste ambiente a Baccharis trimera pode atuar 30 como uma espécie concentradora de metais (ZOCCHE-DE-SOUZA; COSTA; ZOCCHE, 2007). O acúmulo de metais pesados e outros poluentes por organismos, pode ter efeito bastante abrangente, já que possibilita o transporte dos contaminantes nos diversos níveis tróficos da cadeia alimentar de tal forma que os predadores apresentam as maiores concentrações, ou seja, este efeito culmina com a ocorrência das maiores taxas de contaminação nos níveis mais altos da cadeia alimentar (consumidores secundários e terciários) (BROWN, 1975). Nestes organismos, os principais mecanismos relacionados com a genotoxicidade provocada por metais pesados são: o estresse oxidativo, a inibição do sistema de reparo, a ativação da sinalização mitótica e mudanças na modulação dos genes (BEYERSMANN; HARTWIG, 2008) (Figura 11). Inibição do reparo ao DNA Compostos metálicos •Diminuição da estabilidade genômica Inibição de defesas antioxidantes •Estresse Oxidativo Ativação da sinalização mitótica •Indução de procongeneses Modulação da expressão do gene •Inativação de genes supressores de tumor •Acúmulo de mutações críticas •Desregulação da proliferação celular Desenvolvimento de tumor. Figura 11: Principais mecanismos de genotoxicidade e mutagenicidade induzida por metais. (adaptado de BEYERSMANN; HARTWIG, 2008). Em um estudo recente, Constantino (2007) não encontrou dano oxidativo em células hepáticas de camundongos tratados com decocto e extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera oriunda de uma área de mineração de carvão a céu aberto. Contudo, no presente trabalho, se observou dano ao DNA nas células hepáticas e sanguíneas de animais tratados com o decocto ou extrato hidroalcoólico de plantas provenientes desta área. Podemos considerar que os metais presentes nos extratos 31 da planta de área degradada poderiam causar alterações celulares tais como a inibição do sistema de reparo e/ou mudanças na expressão gênica. Hashimoto et al (2007) expõe que o DNA é continuamente exposto a danos, tanto de forma direta quanto indireta, todavia existem mecanismos de reparo para manter a sua integridade. Porém, quando o sistema de reparo não é suficiente, o dano é cumulativo. Defeitos no sistema de reparo de dano ao DNA têm sido associados a muitas patologias, tais como câncer, imunodeficiência e neurodegeneração (EL-KHAMISY; CALDECOTT, 2006). Os metais carcinogênicos são freqüentemente comutagênicos, ou seja, aumentam a mutagenicidade do outros agentes genotóxicos. Muitos compostos metálicos em baixas concentrações têm sido identificados como inibidores de reparo aos danos causados ao DNA, quer seja por agentes xenobióticos ou por fatores endógenos (BEYERSMANN; HARTWIG, 2008). A atuação dos metais na inibição do sistema de reparo está relacionada com a interferência dos mesmos na ação de importantes proteínas com função reparo. (GIAGINIS, GATZIDOU; THEOCHARIS, 2006). Diversos estudos demonstraram que o chumbo em baixas concentrações atua de maneira comutagênica, inibindo o sistema de reparo através de alterações em enzimas de reparo (MCNEILL et al., 2007), ativando cascatas enzimáticas relacionadas com a quebra de fitas duplas do DNA (GASTALDO et al., 2007) e bloqueando a ligação de fatores de transcrição gênica com função de reparo ao DNA (HANAS et al., 1999). Verificou-se a relação do cobre com a indução de aberrações cromossômicas em hepatócitos de ratos tratados com sulfato de cobre (SINA et al., 1983), Bhunya e Jena (1996), observaram um efeito clastogênico (quebras cromossômicas) do cobre em filhotes de Gallus domesticus. Em Allium cepa a diminuição da atividade mitótica foi associada à poeira de carvão contaminada com chumbo cobre e zinco (CHAKRABORTY; MUKHERJEE; MUKHERJEE, 2008). Foi também encontrada uma correlação positiva entre a concentração destes metais e a ocorrência de genotoxicidade em Vicia Faba (FENG et al., 2007), Formigari (2007) demonstrou que concentrações diferentes de Zinco podem bloquear ou acelerar processos de apoptose. De acordo com dados apresentados no presente trabalho, pode-se concluir que a absorção de metais pesados por camundongos que consumiram 32 preparados da Baccharis trimera, provoca danos ao DNA nas células sanguíneas e hepáticas dos animais expostos ao decocto da planta e nas células hepáticas daqueles expostos ao extrato hidroalcoólico da planta. Os mecanismos de toxidade dos metais pesados não estão totalmente elucidados (BEYERSMANN; HARTWIG, 2008), porém a ausência de danos oxidativos demonstrados por Constantino (2007), indica que a genotoxicidade observada no presente trabalho nas células sanguíneas e hepáticas pode estar relacionada aos mecanismos de comutagenicidade através da inibição do sistema de reparo ao DNA induzido por metais. 33 7 CONCLUSÃO No presente trabalho demonstrou-se que administração do extrato hidroalcoólico de Baccharis trimera de ocorrências em solo degradado pela mineração de carvão a céu aberto não foi capaz de induzir genotoxicidade em células sanguíneas de camundongos. Contudo, ocorreram danos significativos ao DNA em células hepáticas desses animais. Danos significativos ao DNA de células sanguíneas e hepáticas decorrentes do uso do decocto da Baccharis trimera foram encontrados, um fato preocupante uma vez que, a decocção é uma das formas mais comuns da utilização de Baccharis trimera como planta medicinal pela população em geral. Apesar da Baccharis trimera ser considerada como uma espécie concentradora de metais, a hipótese da ocorrência de genotoxicidade induzida por metais, via estresse oxidativo, foi descartada neste estudo. Porém os resultados do presente trabalho indicam uma possível ação direta dos metais no DNA, provavelmente, por meio da inibição do sistema de reparo das células. Nesse sentido, deve-se tomar cuidado quanto à utilização de plantas medicinais provenientes de áreas que foram degradadas pelo mineração de carvão, já que estas plantas podem servir de rota para a acumulação de metais nos organismos, podendo causar genotoxicidade. Por fim, mais estudos são necessários para esclarecer os mecanismos envolvidos na genotoxicidade induzida pelo uso de Baccahris trimera proveniente de áreas degradadas pela mineração de carvão a céu aberto. 34 REFERÊNCIAS ALEXANDRE, N. Z. Diagnóstico ambiental da região carbonífera de Santa Catarina: degradação dos recursos naturais. Revista de Tecnologia e Ambiente (criciúma), v. 5, p.35-50, 1999. ALOWAY, B. J. Heavy metals in soils. New York, USA: John Wiley & Sons, 1990. 339 p. ATSDR (Agency for Toxic Substances and Disease Registry. LEAD, US Department of Health and Human Services, Public Health Service, Atlanta, 2006. ATSDR (Agency for Toxic Substances and Disease Registry. ZINC, US Department of Health and Human Services, Public Health Service, Atlanta, 2005. AVANCINI, C. A. M.; WIEST, J. M.; MUNSTOCK, E. Atividade bacteriostática do decocto de Baccharis trimera (Less.) D.C., Compisitae, carqueja, como desinfetante ou anti- séptico. 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