249 Essa passagem adequa-se perfeitamente ao “Fundamento Histórico” de Cláudio Manuel da Costa. Sua estrutura, apesar de ser condizente ao ideal ilustrado, com o intuito de buscar a veracidade dos dados apresentados, pautava-se também na memória, por entender que a palavra do homem servia como comprovação, assim como os demais documentos. No poema “Vila Rica”, o recurso à memória também se faz presente e ocorre pela tentativa de criação de um mito. Sobre o funcionamento da memória no discurso da poesia mineira setecentista, Marques (1993, p. 264) afirma que “há a memória arquivo que endossa a tradição, vista como passado petrificado” e a “memória operadora de diferença em que o passado é retomado como objeto de reflexão e apreendido como algo dinâmico, marcado pela mobilidade do presente na poesia mineira do setecentos parecem coexistir esses dois tipos de memória” (MARQUES, 1993, p. 264). Esses dois tipos figuram no poema “Vila Rica” e no “Fundamento Histórico”, presentes em Costa (1996), uma vez que parte do conhecimento histórico arraigado na mentalidade dos habitantes, para, com base nele, refletir sobre os fatos, aplicando, assim, novas possibilidades com recurso da ficção. O “Fundamento Histórico”, alternando documentos e memória, constrói um pano de fundo para a leitura do poema. Apesar da intenção de sua escrita não poder ser afirmada, entende-se que é um texto que supre a carência dos leitores que buscam informação e cumpre o seu papel de base para o texto literário sem necessariamente precisar vincular-se a ele. Acredita-se, assim, que a escrita do “Fundamento Histórico” funcione como um recurso didático, elaborado com a finalidade de esclarecer episódios históricos mostrando sua veracidade, mas também se constitui como texto autônomo. *** Um documento histórico não poderia conter os elementos ornamentais, já a poesia, por ser menos voltada à realidade, não poderia suprir as necessidades práticas de um documento baseado em comprovações documentais. No entanto, o hibridismo que não seria decoroso na alternância entre poesia e dissertação pode ganhar nova roupagem no modelo prefacial da advertência, do prólogo ou na linguagem dramática, do argumento. Cláudio Manuel da Costa seguiu o modelo de Voltaire em La Henriade, ao articular o particular do historiador e a universalidade poética. Deste modo, emula o poeta francês, por exemplo, no uso de notas explicativas ao longo do poema, com remissão a documentos e/ou obras impressas que levariam, a todo instante, o leitor a se deparar com a “verdade” dos eventos narrados. Conferindo “historicidade” aos fatos, Cláudio Manuel da Costa estaria compondo um “mito” para ser explorado pela poesia, uma vez que não havia distanciamento