as nuances da assistência social brasileira na contemporaneidade

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AS NUANCES DA ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA NA
CONTEMPORANEIDADE
1
Cristie Priscila Amorim Ceballos; 2 Thais de Mello Grama Portella
Acadêmicas do Curso de Pós – Graduação em Gestão de Política Social com Ênfase no Trabalho Social com
Famílias do Centro Universitário de Lins – UNILINS, Lins – SP, Brasil
3
M.Sc. Matsuel Martins da Silva (orientador)
Docente do Curso de Pós – Graduação em Gestão de Política Social com Ênfase no Trabalho Social com
Famílias do Centro Universitário de Lins – UNILINS, Lins – SP, Brasil
Resumo:
O presente artigo tem por finalidade avaliar a
política pública de Assistência Social no Brasil
e o seu rebatimento na economia, considerando
as configurações atuais da sociedade que
desconstrói os direitos socialmente constituídos
e os reduz a programas assistenciais focalistas e
pontuais. Visa também enfocar os aspectos
histórico-culturais que perpassam as relações
sociais na contemporaneidade. Dessa forma, a
discussão que aqui se apresenta, aborda a
relação cíclica e de codependência existente
entre Estado e sociedade civil, à luz de debates
históricos em que as políticas públicas sempre
estiveram
subordinadas
a
interesses
econômicos da classe dominante e com muito
mais fôlego com o ingresso do país na
economia mundial.
Enfoca ainda o rebatimento dos dois principais
programas de transferência de renda no
mercado interno brasileiro, a saber: Programa
Bolsa Família e Benefício de Prestação
Continuada - BPC.
Palavras
chave:
Assistência
Social,
Neodesenvolvimentismo,
Acumulação,
Programas de Transferência de Renda e
Consumo.
Abstract:
This article aims to assess the public policy of
Social Assistance in Brazil and its repercussion
on the economy, considering the current
settings of society that deconstructs rights
socially constituted and reduces welfare
programs focalistas and punctual. It also aims
to focus on the historical and cultural aspects
that permeate social relations in contemporary
times. Thus, the discussion presented here
addresses the cyclical relationship and
codependency between state and civil society in
the light of historical debates in which public
policy has always been subordinated to
economic interests of the ruling class and much
more with the breath entry of the country into
the world economy.
Still focuses on the folding of the two major
income transfer programs in the domestic
market, namely: Bolsa Família Program and
Continued Benefit.
Keywords:
Social
Assistance,
Neodevelopmentalism, Accumulation, Income
Transfer Programs, and Consumption.
1
Introdução
O trabalho ora apresentado é resultante
de inquietações advindas do cotidiano da
profissão do assistente social, experenciadas
junto a um Centro de Referência de Assistência
Social – CRAS e Órgão Gestor de Assistência
Social, de um município de pequeno porte II (de
20 a 50 mil habitantes, de acordo com a NOB
SUAS/2005), bem como de estudos
bibliográficos realizados a partir de uma análise
crítica/dialética dos textos de autores que nos
possibilitaram um aprofundamento das noções
de Assistência Social versus subalternidade,
direitos sociais, proteção social, acumulação
capitalista e programas de transferência de
renda.
Visando alcançar tal compreensão,
procuramos identificar os fundamentos e
premissas que definem o Serviço Social
apontando aspectos históricos como a
reorganização da Assistência Social enquanto
política pública e seus diversos marcos.
Também analisamos a relação existente entre a
Assistência Social e o Estado, onde, do tripé da
Seguridade Social, a Assistência acaba sendo a
única responsável pela proteção social e o
Estado, na contramão, “comercializa” a
sociedade quando opta, propositadamente, em
investir no mercado privado.
O Estado e a sociedade civil são vistos
aqui numa perspectiva de ajuda mútua, onde a
sociedade civil ganha certo destaque com o
ingresso das ONG´s para a prestação de
serviços sociais, desresponsabilizando o poder
público.
Por fim, abordamos a acumulação e o
mercado financeiro atrelados às implicações do
sistema de produção vigente, do sistema de
governo neodesenvolvimentista, o qual dá
destaque à proteção social, tendo como
estratégia os programas de transferência de
renda.
Concluímos que a proteção social a qual
está posta através de programas assistenciais
pouco minimizam a pobreza, mascarando os
índices que apontam uma melhora da renda per
capta das famílias no país, assim, forjando a
falsa ideia de volumoso crescimento
econômico.
1930
em
um
período
de
grande
desenvolvimento industrial e expansão do
capitalismo. Na época havia excessiva
exploração do proletariado nascente, com
cargas horárias de trabalho exaustivas. O êxodo
rural, no período, obrigou um grande
contingente de trabalhadores agrários a mudarse para os centros urbanos os quais não
possuíam infraestrutura para alocá-los
adequadamente, dentre outros aspectos que
evidenciaram a emergente questão social e que
culminou em uma mobilização da sociedade em
busca de melhores condições e qualidade de
vida1.
Para os burgueses essas manifestações
representavam uma grande ameaça aos valores
morais e éticos da época e como estratégia de
controle e manutenção da ordem, passaram a
trabalhar aspectos sociais junto aos
desajustados, com o aparato da igreja católica.
Refletindo, no entanto, a fase
embrionária em que o serviço social
se encontra - um prolongamento da
Ação Social – constitui-se no
essencial
em
veículo
de
doutrinação e propaganda do
pensamento social da Igreja,
propondo-se à mobilização da
opinião católica para o apostolado
social. (Iamamoto; Carvalho, 2003,
p.201)
2 Surgimento do Serviço Social como
profissão e a Política de Assistência Social
O
Serviço
Social
enquanto
especialização do trabalho habilita-se para atuar
no contexto da sociedade identificando as
multifacetadas expressões da questão social,
planejando e executando ações que tenham por
finalidade não apenas a igualdade humana, mas
uma sociedade justa. Diante disso, analisar o
desenvolvimento da Assistência Social é, sem
dúvida, considerar a importância da
compreensão do processo histórico e seus
rebatimentos no cotidiano de vida de cada
indivíduo.
De acordo com cada período histórico,
o Serviço Social passou por redefinições,
repensando suas atuações e suas bases de
intervenção. Com um cunho fortemente
religioso seu surgimento ocorreu na década de
A atuação do assistente social neste
momento teve por finalidade estreitar os laços
da população com os preceitos religiosos,
atribuindo todas as mazelas à predestinação
divina2. Como importante instrumento em sua
legitimação, o Estado passou a regulamentar as
relações trabalhistas e a incorporar diversas
reivindicações da sociedade ampliando os
espaços de atuação dos profissionais de Serviço
Social através das políticas sociais meramente
emergenciais. Contudo, apesar do aparelho
estatal
chamar
para
si
algumas
responsabilidades advindas das desigualdades
inerentes ao modo de produção capitalista, não
1
2
O desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais
engendradas nesse processo determinam novas necessidades sociais e
novos impasses que passam a exigir profissionais especialmente
qualificados para o seu atendimento, segundo os parâmetros de
“racionalidade” e “eficiência” inerentes à sociedade capitalista.
(Iamamoto e Carvalho, 2003, p.77).
A procura de maior eficiência no tratamento dessa questão
consubstancia-se, também, na solidificação do Serviço Social como
instituição, intimamente vinculado ao crescimento do aparelho de
Estado, no sentido de criação de “braços que avançam para dentro da
sociedade civil. (Iamamoto e Carvalho, 2003, p. 19).
podemos deixar de apontar o entendimento de
que a benemerência permanecia enquanto
matriz no desenvolvimento das ações de
características paternalistas, e com isso, vale
destacar que:
O Serviço Social no Brasil afirmase como profissão, estreitamente
integrado ao setor público em
especial, diante da progressiva
ampliação do controle e do âmbito
da ação do Estado junto à sociedade
civil. (Iamamoto; Carvalho, 2003,
p.79)
Essa atuação meramente assistencialista
e que sofria grande influência do Serviço Social
europeu perdurou até o final da II Guerra
Mundial, no pós 1945.
Em 1946, com o fim do Estado Novo3 –
ditadura implantada por Getúlio no Brasil desde
1937 – inicia-se um período de expansão dos
direitos sociais, tendo por base a Constituição
de 1946, que possibilitou neste período
denominado historicamente como “período
populista” uma participação mais ativa das
massas nos processos políticos, apesar dos
limites impostos. No que tange o enfrentamento
da questão social, a alternativa apontada foi um
incremento no mercado interno a fim de
integrar toda população e, sob responsabilidade
do Estado, situações decorrentes da ampliação
de políticas públicas como educação e
previdência social que culminassem como a
elevação da renda e de sua produtividade, além
que repreender a sua organização.
A partir dos anos 1950 a categoria
profissional no Brasil passou a receber
influência do Serviço Social norte-americano,
defendendo a neutralidade das ações, com
intervenções de base tecnicista; incorporou
também à sua prática elementos da psicanálise
e da sociologia positivista, com intervenções
que objetivavam identificar os problemas e
tratá-los até promover a reintegração dos
indivíduos na sociedade, trazendo-os a
“normalidade”. Portanto, cabia ao profissional
3
Observa-se, a partir desse momento, uma política econômica que se
coloca nitidamente a serviço da industrialização [...]. A participação
direta da burguesia industrial – principal beneficiária dessa política – na
gestão do Estado aparece no quadro corporativo através de suas
identificar as situações a serem combatidas e,
ao assistido, aderir ao “tratamento”.
A “tecnificação” da assistência, por
sua vez, envolve a introdução de
um universo conceitual mais amplo
em diversos sentidos. A Assistência
não deverá mais ser apenas
curativa;
deverá
atuar,
principalmente, na prevenção dos
problemas sociais. (Iamamoto;
Carvalho, 2003, p.211)
O
Estado
Nacional
–
Desenvolvimentista que vinha se constituindo
no Brasil a partir do incremento de projetos
econômicos e sociais, sofre um duro golpe e o
Governo de João Goulart foi deposto pelo golpe
militar em 1º de abril de 1964. Os militares
instituíram uma ditadura e passaram a atuar
desconstruindo direitos e desmobilizando a
classe trabalhadora, reprimindo e torturando os
opositores do regime. No âmbito profissional, o
Serviço Social era chamado a intervir junto aos
rebeldes que contrariavam as determinações
impostas e contestavam o que preconizava a
ditadura militar, expandindo suas atuações
tecnocráticas e conservadoras.
Assim, a ditadura militar reeditou a
modernização conservadora como
via de aprofundamento das relações
sociais capitalistas no Brasil, agora
de
natureza
claramente
monopolista, reconfigurando nesse
processo a questão social, que passa
a ser enfrentada num mix de
repressão e assistência, tendo em
vista manter sob controle as forças
do trabalho que despontavam.
(Behring; Boschetti, 2006, p. 136).
O governo da época passou a investir nas
políticas sociais como forma de minimizar os
danos e conseguir a adesão da população, num
contraponto entre assistência e repressão, entre
a expansão dos direitos sociais e a restrição dos
direitos civis. A partir de meados da década de
1970 esse modelo começa a perder força,
entidades representativas que indicam delegados para as principais
agências que têm a seu cargo planejar e implementar as políticas
estatais. (Iamamoto e Carvalho, 2003, p. 236).
entrando em um período de transição e
aproximando-se do ideário neoliberal.
Nesse contexto, teve início o processo
de renovação crítica do Serviço Social. Porém,
essas transformações foram acontecendo de
forma gradativa, a partir de questionamentos
sobre suas intervenções reacionárias e em favor
do Estado, dando início a um amplo processo
de debates que culminou com o Movimento de
Reconceituação e aproximou a profissão das
ideologias marxistas, sistematizando um
processo de ruptura com as bases tradicionais e
conservadoras que marcaram a evolução da
profissão.
Desse modo, a Assistência Social
historicamente esteve relacionada a ações
filantrópicas, caracterizando-se como uma
política de governo e não como uma política de
Estado, conseguindo forças para romper com a
cultura do “favor”, da benemerência, somente a
partir de fins da década 1980 - em especial com
a promulgação da Constituição Federal de 1988
- quando a Assistência Social passou a ser
entendida na esfera dos direitos e da política
pública, compondo o tripé da Seguridade Social
em conjunto com a Saúde e a Previdência
Social, acumulando novas experiências a partir
de pressupostos críticos que incorporaram à
profissão um
novo
arsenal
teóricometodológico. Conforme apontamentos de
Behring e Boschetti, o método crítico-dialético
traz a seguinte abordagem no que se refere ao
diagnóstico das políticas sociais:
A análise das políticas sociais como
processo e resultado de relações
complexas e contraditórias que se
estabelecem entre Estado e
sociedade civil, no âmbito dos
conflitos e luta de classes que
envolvem o processo de produção e
reprodução do capitalismo, recusa a
utilização de enfoques restritos ou
unilaterais, comumente presentes
para explicar sua emergência,
funções ou implicações. (Behring;
Boschetti, 2006, p. 36)
De caráter não contributivo e destinada
a quem dela necessitar, essa política tem como
marco, ainda, a promulgação da Lei Orgânica
de Assistência Social - LOAS que estabelece os
objetivos, princípios e diretrizes das ações e
determina a organização da Assistência Social
enquanto
sistema
descentralizado
e
participativo, composto de forma paritária pelo
poder público e pela sociedade civil. A
aprovação da Política Nacional de Assistência
Social - PNAS (2004), bem como o Sistema
Único de Assistência Social – SUAS dispõem
sobre a oferta da Assistência Social em todo o
Brasil, promovendo bem-estar e proteção social
aos seus usuários, instrumentos importantes
para o avanço da Assistência Social e para o
acesso aos direitos sociais da população.
Essa regulamentação intensiva tem por
finalidade consolidar a Assistência Social
enquanto uma política pública de Estado,
garantindo sua continuidade e eficácia. Nessa
perspectiva ela se materializa através de
modalidades de proteção social que se
organizam entre a proteção social básica e a
proteção social especial de média e alta
complexidade.
Destarte, a PNAS atribui à proteção
social básica as ações de caráter preventivo,
destinada às populações que se encontram em
situação
de
vulnerabilidade
social,
fundamentando-se em condutas que tenham por
centralidade a família. Busca assim fortalecer
aspectos referentes à convivência familiar e
comunitária. A proteção social especial, por sua
vez, é responsável pela oferta de serviços mais
especializados, destinados a indivíduos e/ou
famílias inseridas em um contexto de risco
social ou pessoal. Assim, a Lei Orgânica da
Assistência Social - LOAS, em seu artigo 6º,
propõe a seguinte caracterização para
Assistência Social:
I - proteção social básica: conjunto de
serviços, programas, projetos e
benefícios da Assistência Social que
visa
prevenir
situações
de
vulnerabilidade e risco social por
meio do desenvolvimento de
potencialidades e aquisições e do
fortalecimento de vínculos familiares
e comunitários;
II - proteção social especial: conjunto
de serviços, programas e projetos que
tem por objetivo contribuir para a
reconstrução de vínculos familiares e
comunitários, a defesa de direito, o
fortalecimento das potencialidades e
aquisições e a proteção de famílias e
indivíduos para o enfrentamento das
situações de violação de direitos.
(LOAS, 1993)
Em conformidade com o que estabelece
o SUAS, a modalidade de proteção básica deve
ser executada nas unidades dos Centros de
Referência de Assistência Social - CRAS e as
ações socioassistenciais de proteção social
especial devem ser realizadas nos Centro de
Referência Especializado de Assistência Social
- CREAS. Para efetivação da Assistência Social
e de sua função de proteção social é
indispensável sua articulação com as demais
políticas setoriais, considerando o indivíduo em
sua totalidade.
3 A política pública de Assistência Social na
atualidade
Discutir direitos na atualidade é algo
complexo dado à ausência de sua efetivação. A
conquista de direitos sempre esteve no bojo das
lutas sociais tendo por finalidade a construção
de uma sociedade justa e igualitária, que
garantisse qualidade de vida a todos, também
chamada de “equidade” social.
Partindo deste contexto e levando a
reflexão para o âmbito da política pública e dos
direitos sociais, observa-se que a Assistência
Social percorreu um longo caminho para ser
incorporada como direito. Contudo, para
discutir Assistência Social na atualidade, faz-se
necessário observar a desigualdade e as
relações de dominação e superexploração
decorrentes da ideologia capitalista. Verificase, com o neoliberalismo, a ideologia do Estado
mínimo, bem como as vertentes que
posicionam o Serviço Social, por meio das
políticas sociais, como um mecanismo de
“atenção” proporcionado pelo Estado no
enfrentamento das expressões da questão
social. Isso tem sido funcional ao capital, haja
vista o número de campanhas de combate à
pobreza, onde indivíduos e comunidade
tornam-se responsáveis pelo bem estar social
criando bases para o surgimento de um novo
clientelismo. Através dessa refilantropização
alienante, cai por terra qualquer análise mais
profunda que elucide as contradições dessa
sociedade.
Diante disso, a sociedade tem passado
por reestruturações, como a ofensiva neoliberal,
sem alterar suas bases pautadas na acumulação
e no lucro e com políticas que pouco interferem
no perfil de desigualdade. Consequentemente
não há um enfrentamento concreto da situação
de pobreza que assola nosso país. No bojo desta
discussão é relevante, ainda, considerar as
diversas contradições inerentes a esta dinâmica
como a relação de codependência que o Estado
mantém com a classe pauperizada, visto que ao
mesmo tempo em que a “assiste”, a quer
dependente, numa relação cíclica de dominação
que se perpetua: o Estado precisa do pobre, que
precisa do Estado. O mesmo ocorre no modelo
de produção capitalista que ao mesmo tempo
em que cria os patronatos e assalariados, cria
uma superpopulação de trabalhadores que, ou
não tem acesso a empregos, ou são submetidos
a condições precárias de trabalho, mas
necessitam, sempre, estar inseridos neste
mercado para manter sua subsistência, suas
necessidades vitais. Sem dizer que esses
desempregados ou subempregados facilmente
se tornam “presa” da estratégia das políticas
compensatórias, quando são submetidos aos
programas de renda mínima, e têm seu direito
ao trabalho e a vida com dignidade mais uma
vez aviltada, solidificando uma condição de
subalternidade, que, por vezes, estes se
sujeitam.
Para Iamamoto:
É no mundo da produção – e não da
distribuição e consumo – que está a
fonte criadora da riqueza social e da
constituição dos sujeitos sociais.
(Iamamoto, 2003, p. 151)
O modelo econômico implantado em
um país acaba por definir as bases de
desenvolvimento, ou não, da sociedade e nesta
perspectiva do direito, devemos considerar os
desmandos decorrentes do capitalismo que não
se limitam apenas a questões voltadas
exclusivamente ao trabalho, interferindo
diretamente na dinâmica de vida de parte
significativa
da
sociedade;
elementos
indissociáveis, conforme a citação acima.
Equipamentos implantados ao longo
dos anos - como a Seguridade Social que
deveria apresentar aos cidadãos uma rede de
proteção-, tem gerado equívocos, haja vista
que, de um lado assistimos a uma ofensiva da
mercantilização das políticas tidas como
“contributivas” e, portanto, já custeadas pela
sociedade, aviltando o direito da população, à
medida que limita o acesso destes aos
benefícios constitucionalmente garantidos. Na
mesma direção vê-se uma ampliação da
Assistência Social como mecanismo de
combate à desigualdade social, atribuindo
intencionalmente a esta política a competência
de solucionar as mais variadas questões
envoltas à proteção social no Brasil. Ela aponta
como estratégia os programas de transferência
de renda que foram incrementados, em especial,
na última década, em detrimento a diretrizes
importantes da política pública de Assistência
Social cujo recurso destinado foi irrisório,
comprometendo, por exemplo, as ações
coletivas que devem ser executadas pelos
equipamentos de proteção social básica,
conforme preconiza a PNAS.
Vale ressaltar ainda que partindo desta
concepção de Seguridade Social há uma
ausência da proteção social universal e uma
grande incoerência que elucida as estratégias do
Estado para legitimar-se e favorecer o capital.
A Previdência, por exemplo, vincula a condição
de beneficiário a existência de vínculo
empregatício formal, enquanto a Assistência
presta seus serviços à camada da população que
se encontra excluída deste mercado, não
reconhecendo as implicações advindas do
trabalho precarizado que assola parcela
significativa dos assalariados, mantendo-os
também em uma situação suscetível, todavia
desassistidos. Segundo Mota:
Esta afirmação encontra amparo na
expansão da Assistência Social e
nas condicionalidades restritivas da
previdência
e
da
saúde,
movimentos que vêm sendo
sustentados por uma razão
instrumental,
circunscrita
ao
argumento do crescimento da
pobreza e a impossibilidade de
equilíbrio financeiro destas últimas,
o que determina à necessidade de
sistemas privados complementares,
concomitante a redução e/ou não
ampliação de serviços e benefícios
compatíveis com o aumento das
necessidades
da
população.
(MOTA, 2010, p.134).
Ainda neste contexto desfavorável,
enfrentamos
questões
discriminatórias
históricas que permanecem arraigadas em nossa
população, como as indagações sobre gênero
que permanecem na pauta de diversos debates.
Relevante recordar que as mulheres passaram a
ocupar maiores espaços no mercado de trabalho
e na sociedade como um todo, especialmente a
partir da década de 1970, contudo, submetendose a questões adversas caracterizadas por uma
superexploração de sua força de trabalho,
rendimentos incompatíveis em comparação aos
homens e, salvo raras exceções, inseridas em
atividades informais e/ou terceirizadas
precárias. Ao citar a superexploração nos
referimos não apenas à produção de mais valia,
mas também a dupla jornada que enfrentam,
uma vez que a mulher além de ocupar seu
espaço no mercado acumula as atividades de
manutenção do lar, através dos afazeres
domésticos e demais cuidados dispensados à
família. O IBGE, através da pesquisa nacional
por amostra de domicílio, realizada em 2009,
apresenta o seguinte:
Proporção de mulheres de 16 anos ou mais de idade,
ocupadas na semana de referência em trabalhos informais
(%).
Proporção de mulheres de 16 anos ou mais de idade,
ocupadas na semana de referência em trabalhos formais
(%).
Regiões com maior proporção no trabalho informal.
Regiões com maior proporção no trabalho formal.
Discutir gênero é fundamental dentro da
análise de política social, pois a mulher sempre
ocupou um papel de extrema relevância dentro
da política de Assistência Social enquanto
representante do núcleo familiar para inclusão
e manutenção de benefícios sociais, justamente
por ser “boa gestora da pobreza”, coforme
Mioto (2000) em sua análise sobre as famílias
atendidas pelas damas de caridade no início do
século passado.
Mas, esta intensa exploração da força de
trabalho feminino interfere na dinâmica da vida
familiar, fragilizando vínculos afetivos devido
a pouca convivência do grupo, gerando uma
tendência predominante de agravo da
vulnerabilidade social que a política social não
consegue atender de forma suficiente.
Desse modo, as políticas sociais e a
geração de renda para mulheres no contexto
neoliberal aparecem como uma estratégia
contra o desemprego e a discriminação, mas na
realidade demonstram a incapacidade do
Estado em solucionar tais problemas, visto que
estas ações não promovem um incremento da
renda da mulher e nem tão pouco a
redistribuição de poder entre os sexos, mas sim,
uma forma de velar diversas problemáticas.
4 A Assistência Social
responsabilização do Estado
e
a
(des)
A Assistência Social por ser uma
política não contributiva, que em sua
especificidade lida com demandas de exclusão
social e em decorrência do padrão arcaico que
determinou parte significativa de sua história,
ainda tem sido renegada e não entendida como
elemento de relevância no tripé da Seguridade
Social e que, acima de tudo, é voltada para
“quem dela necessitar”(LOAS). A política
pública, apesar de uma análise mais profunda
nos levar a compreensão de que, na atualidade,
é a Assistência Social que tem ocupado a
centralidade entre estas três, deixou de ser uma
política de acesso que intermedia e se articula
com
as
demais
políticas
setoriais,
transformando-se na proteção social em si,
como se coubesse única e exclusivamente a ela
essa responsabilidade.
É incontestável que as relações sociais
são produzidas historicamente e revelam que as
desigualdades
são
inerentes
ao
desenvolvimento do capitalismo e de suas
forças produtivas que se tornam a cada dia mais
complexas com o aumento da acumulação de
riquezas por uma parcela pequena da sociedade.
E também que o que favorece a ampliação e
cronificação do pauperismo que já se constitui
como uma questão pública e coletiva e que por
vezes se perpetua por gerações.
A Organização das Nações Unidas
divulgou pesquisa (realizada por
organismo a ela vinculado, o
Instituto Mundial de Pesquisa sobre
a Economia do Desenvolvimento)
que mostra que a riqueza do mundo
– propriedades e ativos financeiros
– estão assim distribuídos: 2% dos
adultos que habitam a terra detêm
50% de toda a riqueza, ao passo que
cabe aos 50% de adultos mais
pobres somente 1% dela. (Mota,
2010, p. 22).
Simultaneamente a esse quadro de
desigualdade e exclusão social, enfrentamos
um período de grande individualismo social e,
pelo que Mota (2010) chama de
“mercantilização da vida” que tem por
finalidade afastar o cidadão de seus direitos,
transformando-o em um cidadão-consumidor,
onde o Estado “comercializa” a sociedade e
investe no mercado privado, fragmentando e
desmobilizando a classe trabalhadora,
enfraquecendo sua ação política. Há de se
considerar também que dentre essas condutas
encontramos a desagregação dos núcleos
familiares e o surgimento de novos tipos de
violência, bem como um modo equivocado de
compreender estas situações caóticas que se
alicerçam no conformismo e na autoresponsabilização.
Os desafios para o Serviço Social na
atualidade são diversos e o reconhecimento e
consolidação da Assistência Social como
política pública e direito social de
responsabilidade do Estado é fundamental para
que seus princípios sejam efetivados em sua
essência, a saber:
I Supremacia do atendimento às
necessidades sociais sobre as
exigências
de
rentabilidade
econômica;
II Universalização dos direitos
sociais, a fim de tornar o
destinatário da ação assistencial
alcançável pelas demais políticas
públicas;
III Respeito à dignidade do
cidadão, à sua autonomia e ao seu
direito a benefícios e serviços de
qualidade, bem como à convivência
familiar e comunitária, vedando-se
qualquer comprovação vexatória de
necessidade;
IV Igualdade de direitos no acesso
ao atendimento, sem discriminação
de qualquer natureza, garantindo-se
equivalência às populações urbanas
e rurais;
V
Divulgação
ampla
dos
benefícios, serviços, programas e
projetos assistenciais, bem como
dos recursos oferecidos pelo Poder
Público e dos critérios para sua
concessão. (LOAS, 1993).
Porém, apesar das dificuldades
enfrentadas, a Assistência Social vem
avançando
e
alcançando
conquistas
importantes como a implantação da PNAS e do
SUAS que reordenou suas ações. Igualmente
importante neste contexto é a atuação
profissional tendo como perspectiva afirmar as
potencialidades e desejos dos usuários,
resgatando protagonismos. O fazer profissional
é um instrumento relevante que influenciará e
propiciará
de
maneira
política
o
empoderamento do usuário enquanto um
sujeito de direitos.
5 A relação entre o Estado e a sociedade civil
A discussão a cerca da conflituosa relação
entre Estado e sociedade civil pode ser
analisada a partir de diversas perspectivas, em
especial, as questões histórico-culturais e o
sistema de garantia de direitos.
Considerando o conjunto das recentes
legislações no Brasil, obtivemos diversos
avanços que possibilitaram que a Assistência
Social se transformasse, superando o
assistencialismo - próprio do início da
formação do Serviço Social no país - para
ocupar seu espaço no âmbito de Proteção Social
e de Política Pública. Direitos sociais passam a
“Os conselhos constituem-se normalmente em órgãos públicos de
composição paritária entre a sociedade e o governo, criados por lei,
4
ser reconhecidos, a população é chamada a
participar ativamente do processo de
elaboração, gestão e execução das políticas e o
Estado assume um papel central na
universalização dos direitos sociais. Com a
Constituição de 1988 surgem os conselhos4 de
direitos como reflexo das mobilizações e lutas
em busca de transformações de ordem política
e econômica em ofensiva ao regime militar, no
final da década de 1970 e ao longo da década
de 1980. Surgiram para materializar a
democracia e trouxeram consigo um caráter
permanente e deliberativo que possibilita o
controle social e a participação popular direta
no que diz respeito a formulação, supervisão e
avaliação das políticas públicas, efetivando
assim, o exercício do poder na prática em si.
A participação popular evoluiu
profundamente, deixando para trás o resquício
de ações assistenciais ditadas pelo contexto
histórico antagônico que o antecedeu, e passou
a ter um viés reivindicativo, próprio dos
movimentos sociais que ganharam força nessa
época. No entanto, na esfera municipal, não
significa necessariamente que na atualidade
haja êxito no funcionamento dos conselhos,
uma vez que os problemas envoltos à sua
representatividade democrática inspira dúvidas
quando condicionadas à vontade do poder
executivo. Situação mais crítica ainda se
imaginarmos que apenas 2% dos Conselhos
Municipais de Assistência Social foram criados
antes da LOAS, deixando nas entrelinhas que
todo o restante foi certamente criado a toque de
caixa para cumprir formalidades de repasses de
recursos. (Cruz apud Gomes, 2003, p. 42).
A efetividade desses conselhos ainda
está diretamente relacionada ao tipo de
mobilização da sociedade e qual o tipo de
influência estes sofrem ou exercem nela.
Contudo, na contramão das mudanças,
encontramos na prática uma conjuntura
desfavorável articulada pela ideologia
neoliberal que tem se encarregado de resgatar
um “falso moralismo” na sociedade a fim de
semear sentimentos como solidariedade,
afastando o Estado deste cenário, minimizando
suas responsabilidades.
regidos por regulamento aprovado por seu plenário [...]”. (GOMES,
2003, p. 41)
Prova disso, temos o trecho do livro
“Gestão de projetos sociais” elaborado pela
Associação de Apoio ao Programa Comunidade
Solidária (AAPCS)5 voltado para as
organizações não governamentais (ONG´s):
[...] O conjunto da obra se apóia na
visão de que a ação organizacional
deve
considerar
os
novos
paradigmas estabelecidos por este
nosso mundo em mudança, no qual
se destaca a atuação do chamado
terceiro setor (nem Estado, nem
mercado), com a enorme expansão
das organizações da sociedade civil
e de fundações empresariais sem
fins lucrativos. A proposta é uma
nova atitude: um diálogo que
busque o consenso sem apagar as
diferenças, abrindo um novo
caminho para uma ação social
efetiva6.(Ávila et al, 2001, p.2)
Parte das demandas profissionais, por
sua vez, passa a focar o Estado, ou seja,
analisam a sociedade mediante as intervenções
do aparelho estatal e os resultados obtidos pelas
políticas públicas, quando na verdade, a
sociedade e suas relações sociais é que
constroem, fundamentam e dão legitimidade a
história e ao Estado.
Outro fator importante a ser discutido é
que economia e política possuem uma
associação nata não sendo possível uma análise
dos direitos sociais e das políticas sociais que
não considere tais dimensões, pois um equívoco
pode levar a uma perspectiva limitada que
resume o capitalismo e suas expressões a
questões “naturais” decorrentes da própria
dinâmica da sociedade e consequentemente a
uma atuação que tenha como matriz apenas as
políticas
compensatórias
e
seletivas,
fragilizando a prestação de serviços sociais.
O Estado que deveria “proteger” as
camadas menos favorecidas da sociedade, na
contemporaneidade, têm ocupado um papel de
facilitador apoiando e contribuindo para a
acumulação privada e o capitalismo em
5
O Programa Comunidade Solidária, cuja presidente do Conselho era
a esposa do presidente Fernando Henrique Cardoso, visava “[...]
coordenar as ações governamentais voltadas para o atendimento da
parcela da população que não dispõe de meios para prover suas
necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza”
detrimento da classe trabalhadora, e da
reprodução das condições de trabalho que se
tornam a cada dia mais precárias, quando não
da ausência destes, um dos responsáveis pelo
caos que vem se instalando no mundo: miséria,
violência,
desemprego,
marginalização,
drogadição, dentre outros. Como estratégia para
controlar esta “desordem”, o aparelho estatal
tem investido em serviços sociais públicos para
assistir a camada pauperizada da população
com ações fragmentadas e pontuais, fadadas ao
fracasso, sem contar nas situações adversas
como a redução dos gastos sociais que marca a
política econômica a partir da década de 1990,
pondo em risco um dos principais princípios
que regem a PNAS o qual trata da
universalização dos direitos. Desse modo, o
Estado perpetua uma contradição histórica onde
proporciona os mínimos sociais à camada
pauperizada da sociedade, mas paralelamente,
utiliza de artifícios que a mantenha dependente.
Estratégia relevante neste contexto têm
sido os programas de transferência de renda que
acaba complementando o orçamento familiar,
ou representando única fonte de renda,
possibilitando, mesmo que de forma precária o
acesso aos bens de consumo e uma sensação de
“pertencimento”, contribuindo para o capital
recompor suas altas taxas de lucro. O principal
representante desta “estratégia” é o programa
federal Bolsa Família que, segundo Mota
(2010) , no ano de 2010 assistiu a 11 milhões de
famílias, com investimento de cerca de R$ 4,5
bilhões no ano de 2005, o que equivale a 30%
dos recursos do Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome – MDS. Estes
programas que, por sua vez, se apoiam em
discursos que tem por finalidade promover a
distribuição de renda no Brasil não divulgam
aspectos centrais como sua fonte de custeio, ou
seja, de onde tem saído este orçamento,
mantendo mais uma vez a população em uma
situação alienante. A transferência de rendas
assistenciais não tem promovido nenhuma
“distribuição” visto que a fonte de recursos tem
sido o orçamento da seguridade social, não
promovendo uma transferência dos ricos para
(DECRETO Nº 1.366, de 12 de janeiro de 1995, art.1º), com ações
conjuntas entre as três esferas de governo, ong´s, empresas,
universidades e grupos sociais.
6
Grifos das autoras para destacar os trechos onde o neoliberalismo dita
suas regras de forma velada.
sem
um
fundo
público
governamental,
ainda
que
utilizando recursos públicos, que se
somam ao trabalho voluntário e aos
mais diversos recursos privados.
(Ávila et al, 2001, p.11)
os pobres e, sim, uma partilha entre os próprios
trabalhadores.
[...] entre 1999 e 2005, em média
76,7% dos recursos foram
provenientes da Contribuição para
Financiamento da Seguridade
Social – COFINS e, ao longo dos
anos,
a
participação
da
Contribuição sobre o Lucro – CSLL
foi reduzida, chegando a 0,9% em
2005. (Mota, 2012, p. 159).
Esta redefinição de Estado e sociedade
civil tem sido tema de debate até mesmo entre
as agências multilaterais conforme quadro
apresentado por Mota (2010):
Banco Mundial
Diante do exposto, a Assistência Social
passa por uma mercantilização e se fragiliza
inserida em um contexto antagônico tendo que
se afirmar enquanto política pública num
momento histórico onde é disseminada a
importância da solidariedade e onde as
parcerias do público com o privado se tornam a
cada dia amplas e legais, com o objetivo de
otimizar as ações e os recursos, bem como
promover uma aproximação que em nada
beneficia os usuários desta política, que são
excluídos dos processos decisórios submetidos
a ações impostas que, muitas vezes, não
correspondem a sua realidade e implicam em
ações inadequadas, se tomarmos por base o
SUAS.
Ainda neste contexto ideopolítico que
prima pela articulação entre o público e o
privado, entre Estado e sociedade civil, através
de diversas formas de “parceria” encontramos o
chamado terceiro setor que promove uma
fragmentação entre o econômico, o político e o
social a fim de garantir a prestação de serviços
de qualidade, sendo o primeiro representado
pelo Estado, o segundo pelo mercado e o
terceiro pela sociedade civil que teoricamente
seria desvinculada do público e autônoma,
imbuída de sentimentos altruístas. Como
demonstração clássica dessa afirmativa, segue
fragmento do prefácio escrito pela então
primeira dama Ruth Cardoso no livro “Gestão
de projetos sociais”:
Funções
do
Estado
Redução das
funções sociais
com
transferência de
ações para
sociedade civil e
mercado.
Papel da
sociedade
civil
Incorporação na
execução da
política e
prestação de
serviços sociais.
Refilantropização
Organização dos
pobres.
CEPAL
Intervir no
fortalecimento
da
competitivida
de e busca da
equidade.
Articulação de
grupos
organizados
da sociedade
civil e
mercado.
Pluralista,
ativa na
construção de
consensos
estratégicos.
Reconstrução
de identidades
nacionais,
regionais e
locais.
PNUD/BID
Redução de
suas funções
executivas
nas políticas
sociais.
Ampliação da
participação
na execução
de políticas e
de prestação
de serviços
com recursos
públicos.
Essas iniciativas nada mais são que
medidas engendradas no seio do governo
neoliberalista com intenções bem definidas
para afirmar a desresponsabilização deste.
6 Acumulação, mercado financeiro e seus
truques
Através da articulação das
colaborações, aprendemos que é
possível alcançar nossos objetivos
Mediante o panorama já exposto a cerca
da relação entre o Estado e a sociedade civil,
aprofundemos um pouco mais a discussão
sobre o público a que se destinam os programas
de transferência de renda no contexto capitalista
ao qual está inserido.
Essa fatia da sociedade é resultante
daquela criada histórica e estruturalmente pelo
próprio capital, a qual Marx nomeou de
“superpopulação relativa7” de trabalhadores,
que, devido à necessidade de sobrevivência, ou
Superpopulação relativa, “população acima da necessidade imediata
de incorporação à produção” (Maranhão, 2010, p. 102), pois, segundo
Marx a superpopulação está diretamente relacionada à dinâmica de
acumulação. Ou seja, ela cresce ou diminui proporcionalmente à
reprodução do capital, contrariando a tese malthusiana que prevê um
crescimento absoluto se comparado à atividade produtiva.
7
foi forçada a emigrar do campo para a cidade a
fim de vender o único bem que ainda lhe
restava: a força de trabalho, para que pudesse se
esquivar da miséria; ou por atingir a idade
adulta e não interessar mais aos industriais; ou
por serem filhos frutos da indigência latente,
com seus trabalhos pontuais e esporádicos,
assim como os inválidos,
que já não têm
mais nada a oferecer. Desse modo, a
superpopulação relativa é formada por grupos
heterogêneos, desmistificando a falsa ideia de
que a pobreza tem a mesma gênese.
[...] a verdade é que a acumulação
capitalista sempre produz, e na
proporção da sua energia e de sua
extensão,
uma
população
trabalhadora
supérflua
relativamente, isto é, que ultrapassa
as necessidades médias da
expansão do capital, tornando-se,
desse modo excedente. (Marx apud
Maranhão, 2010)
E, obviamente, que no contexto da
reorganização sociotécnica da produção, esse
“excesso” de contingente humano, propiciou
um reservatório de força produtiva a ser
explorada impiedosamente pelo mercado, que
trouxe consigo relações de trabalho
precarizadas; e, que esse excedente se configura
como material de descarte, o qual engrossou a
fila do desemprego e subemprego.
A indústria moderna com seu
desenvolvido método de produção através da
superexploração
alienante
e
do
empobrecimento dos trabalhadores, (também
traduzida por mais valia) aliado ao descarte
acelerado do exército de trabalhadores
supérfluos, toma fôlego com o massivo
investimento em maquinários avançados para
que ocorra a substituição da força humana pela
tecnologia, e se fortalece ao vislumbrar mais
produção à custa de tecnologia que independe
cada vez mais “das mãos e da mente do
trabalhador” (Maranhão, 2010). Racionaliza,
assim, o trabalhador a apenas um apêndice da
máquina.
Para acionar a alavanca que dá sentido
ao capitalismo de acumulação privada, é
necessário encurtar o tempo em que o capital se
transforma em mercadoria e se transforma
novamente em dinheiro e gera mais valorização
em espaço curto de tempo com menos tempo de
trabalho.
As consequências “positivas” desta
estratégia capitalista trazem efeitos produtivos
para o capital, segundo Maranhão (2010).
Produtivos por que: 1) dinamiza e otimiza a
circulação do capital; 2) reduz ainda mais o
valor da força de trabalho disponível e; 3)
porque aumenta a produtividade através da
obtenção de mais valia, novamente de forma
alienante e velada.
Consequências
negativas
e,
ironicamente, simétricas se comparadas ao
capital, quando a classe proletária sofre com a
superexploração que o aliena e o avilta de
condições dignas de sobrevivência, conforme
Maranhão:
Portanto, para os trabalhadores, os
efeitos
da
ampliação
da
superpopulação
relativa
são
diametralmente opostos e se
caracterizam: 1) pela intensificação
da exploração, expondo os
trabalhadores às formas mais
bárbaras de superexploração, sob
pena de perderem seu único meio
de subsistência, o salário; 2) pelo
rebaixamento salarial, devido ao
crescimento
da
oferta
da
mercadoria força de trabalho; 3)
pela pressão exercida sobre a
organização
política
dos
trabalhadores, que, cada vez mais
preocupados com a subsistência,
são pressionados a abrir mão da luta
política. (Maranhão, 2010, p. 107).
Funciona, ainda, para o capital como
mecanismo regulador da economia porque
inibe os efeitos da lei da queda de lucros nos
momentos de crise quando ocorre a baixa da
produção ao aglutinar em uma só empresa
(monopólio) diferentes ramos da indústria para
manter a constância da taxa de lucros;
superando assim, as crises cíclicas no
capitalismo e forçando a aceitação por parte dos
trabalhadores a uma redução de salários.
Para
além
das
formas
mais
avassaladoras de exploração e obtenção da mais
valia através do capital produtivo, surge o lucro
especulativo, que é aquele advindo das junções
entre capital industrial com o capital bancário8,
que dão origem ao capital financeiro.
A relação de dependência do capital
industrial em relação ao bancário ultrapassa a
simples abertura de conta e intermediação de
crédito, mas enfraquece sua possibilidade de
independência quando este último passa a
conhecer a situação econômica de seus clientes
e se beneficiam - a partir de um panorama geral
das condições dos donos dos meios de produção
- assumindo cargos em conselhos de supervisão
e com a participação de diretores e banqueiros
na vida administrativa das empresas e
indústrias. Desse modo, cada vez mais os
industriais dependerão do banco para terem
acesso ao capital e o banco investirá na mesma
proporção na indústria.
Esse capital financeiro nada mais é que
o capital em forma de dinheiro intrinsecamente
interligado ao capital industrial que o
disponibiliza aos bancos, numa associação de
hierarquia sendo o capital industrial
subordinado ao capital bancário.
O lucro especulativo surge do
movimento de transformação de dinheiro em
mais dinheiro indiretamente dos processos de
produção e circulação de mercadorias, pagos
pelos mutuários através dos juros, por depender
de instituições financeiras.
A dependência da indústria com
relação aos bancos é, portanto,
consequência das relações de
propriedade. Uma porção cada vez
maior do capital da indústria não
pertence aos industriais que o
aplicam. [...] (Hilferding apud
Maranhão, 2010)
Esta simplificada explicação a que nos
propusemos a fazer a cerca das linhas gerais da
acumulação imperialista, nos possibilita
darmos um salto histórico, de modo a
avançarmos na linha do tempo e nos determos
um pouco no segundo mandato do presidente
Lula (2007-2010).
8
Por capital bancário, entende-se a junção das pequenas instituições
bancárias e de crédito substituídas por um único centro capitalista
coletivo que detém os meios de produção e matéria prima, assim como,
volumosas quantias de capital monetário para investimento.
9
Nesta proposta de neodesenvolvimentismo está contida a máxima de
regular e incentivar o crescimento econômico propiciando a inclusão
social, a partir de pressupostos pautados na industrialização, avanço
Emerge desse período, como proposta de
governo, o modelo neodesenvolvimentista9,
que, segundo seus proponentes, apesar de ter
suas
origens
na
matriz
nacionaldesenvolvimentista das décadas de 1940, pós
Segunda Guerra Mundial, e 1970, no governo
de Juscelino Kubitschek, traz (deveria trazer)
consigo uma “nova roupagem”, agora mais
atualizada com o capitalismo contemporâneo.
Para se tornar mais atrativo e sedutor, a
diferença que transparece, se comparado ao
neoliberalismo é justamente a sugestão de um
Estado forte, que intervenha favoravelmente na
economia; e se diferencia do nacional
desenvolvimentismo, pois vislumbra uma
economia competitiva que ultrapasse as
fronteiras, atraindo as empresas transnacionais,
estimulando
inovações
tecnológicas
e
investindo em infraestrutura.
Se analisarmos com um pouco mais de
cuidado e aproximarmos a lente de aumento,
observaremos que o neoliberalismo, com a
urgência latente de fincar suas estacas,
suplantou
a
proposta
nacionaldesenvolvimentista, por não ser ela de todo
conveniente
aos
seus
interesses
principalmente no que diz respeito à equidade
social e crescimento econômico – e, em
contrapartida, mais se aproximou de sua matriz
político-ideológica, a saber, o socialliberalismo, mas se “esqueceu” da conjuntura
social adversa ampliada pela própria
contradição capitalista, a qual traz consigo o
impacto dos desdobramentos da questão social.
E, mediante este cenário, conciliar
medidas sociais que funcionem como válvula
de escape para promover equidade e justiça
social, garantindo que permanecesse intocável
o acúmulo do capital empreendido, nada mais
conveniente que destacar em primeiro plano a
Assistência Social, desempenhando o papel de
mediadora entre crescimento econômico e
redução de pobreza, como já mencionamos no
item 4 deste texto.
tecnológico e sustentabilidade ambiental, conforme os ideólogos Sicsú
em seu artigo para o IPEA “Planejamento estratégico do
desenvolvimento e as políticas macroeconômicas” (2008); e Pochmann
em seu livro “Desenvolvimento e perspectivas novas para o Brasil”
(2010)
A política de Assistência Social parece
surgir nesse momento como uma peça
importante no
tabuleiro
do
modelo
neodesenvolvimentista, onde as regras do jogo
passam a ser (mais uma vez) ditadas dentro da
perspectiva
dos
apoiadores
do
neodesenvolvimentismo.
Ela funcionaria como a responsável pelo
desenvolvimento social, através dos programas
sociais, em especial os de transferência de
renda, para forjarem uma redistribuição de
renda, haja vista o Projeto de Lei do Senador
Eduardo Suplicy (PT) de nº 80/1991, de
16/12/199110, no Senado Federal, com a
proposta de Programa de Garantia de Renda
Mínima – PGRM; o qual visava “[...] assegurar
a todos o mínimo para a sobrevivência digna
[...]” (Silva et al, 2007, p. 34), todavia com a
articulação entre crescimento do consumo
versus economia livre.
Porém, esse PL foi barrado no Congresso
Nacional por haver discordância entre os
deputados que não viam nele um suposto
crescimento social, mas sim, estímulo à
ociosidade, entre outras críticas.
Anos depois, em 1998, a ideia desse
Projeto foi reformulada pelo deputado Nelson
Marchezan (PSDB), e foi acatada e sancionada
pelo então presidente da República Fernando
Henrique Cardoso, através do Decreto nº 2.609,
em 02/06/1998 como Programa de Garantia de
Renda Mínima “para toda a criança na escola”,
a qual priorizava as famílias tidas como pobres,
criteriosamente elencadas dessa forma,
complementando a renda para seu sustento.
Abreviando o período histórico sem que
haja prejuízo deste, com as transformações
político-econômicas ocorridas no Brasil desde
a era FHC até o segundo mandato de Lula (ano
de 2003), a unificação dos programas de
transferência de renda no país se figurou como
resposta ao diagnóstico da equipe de transição
do presidente, referente aos governos
anteriores, o que culminou com o surgimento
do Programa Bolsa Família - PBF, com vistas à
erradicação da pobreza. Na atualidade ele:
O Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM do senador
Eduardo Suplicy objetivava “erradicar a pobreza e reduzir as
desigualdades sociais e regionais”, pois, segundo ele, o programa
10
[...] é um programa de transferência
direta de renda que beneficia
famílias em situação de pobreza e
de extrema pobreza em todo o país.
O Bolsa Família [...] tem como foco
de atuação os 16 milhões de
brasileiros com renda familiar per
capita inferior a R$ 70 mensais e
está baseado na garantia de renda,
inclusão produtiva e no acesso aos
serviços públicos. (Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate
à Fome – MDS)
Ainda no bojo dos programas de
transferência de renda, temos o Benefício de
Prestação Continuada – BPC, instituído pela
Constituição Federal de 1988 e regulamentado
pela Lei Orgânica de Assistência Social –
LOAS, Lei nº 8.742 de 07/12/1993,
posteriormente alterada pelas Leis nº 12.435, de
06/07/2011 e nº 12.470, de 31/08/2011 e pelos
Decretos nº 6.214, de 26 de setembro de 2007 e
nº 6.564, de 12 de setembro de 2008, integrando
a Proteção Social Básica no âmbito do SUAS.
Ele é destinado para:
É um benefício individual, não
vitalício e intransferível, que
assegura a transferência mensal de
1 (um) salário mínimo ao idoso,
com 65 (sessenta e cinco) anos ou
mais, e à pessoa com deficiência, de
qualquer idade, com impedimentos
de longo prazo, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas
barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas.
(Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome – MDS).
Segundo dados do MDS atualmente cerca
de 13.800 milhões de famílias são atendidas
pelo PBF e 3,6 milhões de pessoas pelo BPC
em todo o Brasil (dentre elas, pessoas com
deficiência e idosos, conforme dados de 2012).
Dados do ano de 2011 da Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita
possibilitaria a pessoas adultas a complementação de seus rendimentos
de modo que pudessem suprir as necessidades básicas de sobrevivência.
Federal do Brasil – ANFIP mostram que os
valores despendidos com esses dois programas
de transferência de renda, apresentou uma
crescente de 136,46% entre 2005 e 2010, ao
passo que o montante gasto com os programas
e serviços da política de Assistência Social foi
inferior no mesmo período, segundo análise de
Silva (2013). Ou seja, embora o investimento
que dá suporte à transferência de renda através
desses programas tenha sido elevado, não
houve esse mesmo volume para os serviços
socioassistenciais, cerca de 35% em cinco anos,
conforme MDS (2010). Isso se traduz em
estratégia infalível do neodesenvolvimentismo
da proteção social brasileira até mesmo para
comprovar a possível redução da desigualdade
social e crescimento da economia.
O Ipea vem divulgando sucessivas
quedas no grau de desigualdade e
de concentração dos rendimentos
do trabalho no país desde 2002,
capturadas pelo índice de Gini11.
Em agosto de 2009, o Instituto
divulgou uma redução de 9,5%
entre dezembro de 2002 (0,545) e
junho de 2009 (0,493) [...]. (Silva,
2013, p.98)
Na realidade o que se nota é uma cortina
de fumaça que obscurece o que está por trás
desses dados de pesquisas de institutos oficiais,
conforme aponta Silva (2013), a saber: 1)
supervalorização do salário mínimo em
detrimento da queda de salários mais altos
pagos aos trabalhadores, gerando mais
desemprego; 2) submissão de trabalhadores a
faixas salariais mais baixas, para manter sua
subsistência, bem como de sua família; 3)
equivocada
sensação
de
crescimento
econômico com os programas BPC e Bolsa
Família.
É inegável que houve um aparente
incremento na renda familiar e do Produto
Interno Bruto – PIB, se imaginarmos que o
trabalho precarizado devolve ao trabalhador
valor ínfimo para que este sobreviva; e,
crescimento econômico no âmbito nacional, se
nos atentarmos que o PBF, por exemplo,
Índice de Gini “[...] é um instrumento para medir o grau de
concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença
entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente,
varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero
11
representa apenas 0,4% do PIB se comparado
ao seu poder multiplicador no consumo no
mercado interno.
De fato, os dados comprovam que os
programas assistenciais aliviam a pobreza diferentemente do discurso inicial de
“erradicação da pobreza”, pois no sistema de
governo capitalista isso é improvável e utópico
– revertendo suas estatísticas, assim como
desigualdades; alavanca as estatísticas positivas
das políticas de Saúde e Educação, quando estas
últimas estão contidas nas condicionalidades do
PBF (Falcão apud Silva, 2013). Mas, se
lembrarmos que o financiador desses
programas de transferência de renda é o próprio
trabalhador contribuinte da Seguridade Social,
podemos assistir à “dança das cadeiras”, onde
hora o pobre senta, hora o extremamente pobre
o reveza. É o trabalhador aviltado de
remuneração digna, que contribui para ele
mesmo e para o trabalhador supérfluo tenha
acesso aos benefícios que movimentarão o
consumo local, do município onde residem,
com os produtos nacionais.
[...]
esses
trabalhadores,
consequentemente, não obtêm
renda suficiente para o seu sustento
e o de suas famílias, podem recorrer
aos programas sociais focalizados,
cujos gastos os reintegram ao
consumo, tanto em atender aos
limites mínimos de sua reprodução
humana, em nome de uma justiça
social compensatória, quanto em
benefício
da
“circularidade
econômica” e de especulação
financeira do capital, sobre o fundo
público, em proveito de sua
expansão, sob o argumento do
crescimento econômico e do
desenvolvimento (aparentemente)
nacional. (Silva, 2013, p.101)
A Assistência Social tem, dessa forma,
servido muito bem ao neodesenvolvimentismo,
pois enquanto atende às camadas pauperizadas
da sociedade, mantém intocável seus meios de
exploração e acúmulo financeiro sem que haja
representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda.
O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa
detém toda a riqueza”. (IPEA, Revista Desafios do Desenvolvimento.
O que é? – Índice de Gini, Ano 4, Ed. 4)
muito esforço. Enquanto isso se dá de uma
forma naturalizada pelo capitalismo, os
investimentos nos serviços socioassistenciais
para os próprios beneficiários dos citados
programas vão sendo adiados na agenda do
Estado. Os direitos sociais e trabalhistas
sofrendo inversões à luz do dia; o desemprego
estrutural sem data para ser revertido no debate
das políticas de desenvolvimento social e um
arcabouço de tantos outros direitos sendo ruído
mediante os olhos da sociedade civil, com
destaque para a classe trabalhadora, sem que
essa tenha chance de reverter e desfrutar de uma
vida mais digna.
Esse quadro aponta para o incentivo, pelo
próprio governo, através de políticas voltadas
para a geração de renda – como é o caso de
alguns programas estaduais. Sem dizer na
disseminação de economia solidária, pequenos
negócios de cunho empreendedor, produções
familiares, isso mediante o exército de mão de
obra desqualificada a qual o Brasil vem a cada
ano formando e que reforça a dependência
dessa camada da sociedade a esses programas
sociais focalizados, mas sem perder de vista que
se figuram como resposta ao desemprego
latente e que este dever ser tratado no bojo na
sociedade civil.
Eis, pois, os motivos pelos quais a
Assistência Social se configura tal como está:
carro-chefe da proteção social brasileira,
voltada com seus programas assistenciais que
propiciam a manutenção do governo
neodesenvolvimentista, atendendo aos seus
interesses, servindo como resposta à equidade,
justiça social e acima de tudo possibilitando que
o Brasil seja um país sem miséria aparente,
perpetuando as mais variadas formas de
pobreza e desigualdades em todos os níveis.
7
Conclusão
A focalização da extrema pobreza no
Brasil é um tema em debate e sem pretensões
de ser superado, por ser ela parte integrante de
um sistema cujo movimento produz e reproduz
esse fenômeno. Combater a extrema pobreza se
figura como um esforço recompensado pelos
índices que apontam o aumento da renda per
capta da família brasileira, redução de taxas de
desemprego, reversão de índices de
desigualdade perante a economia internacional.
Contudo, escamoteia um tipo de violência
silenciosa que é a de tornar invisível a
população a qual se destinam os programas de
transferência de renda, esquecendo que são
homens
e
mulheres
trabalhadores,
potencialmente aptos ao trabalho. Talvez, esses
“trabalhadores supérfluos” não correspondam
aos moldes exigidos pelo mercado, o qual
seleciona profissionais polivalentes para serem
superexplorados, mas isso não os reduz a meros
beneficiários de tais programas.
Assim, as políticas sociais para se
desenvolver enquanto direito do cidadão deve
pautar-se em estratégias que sejam formadoras
de cultura e sociabilidade, com uma reforma
intelectual e moral que coloquem os indivíduos
numa posição de atores sociais. Vale ressaltar
ainda que a superação da questão social só será
possível com a transformação da ordem social
vigente e que a determina. E que os direitos,
apesar do que é posto em lei, não se legitimam
como algo uniforme a todos, portanto, por
vezes, o importante não é lutar pela efetivação
de direitos, mas sim, por justiça visto que o
retrato social do Brasil, “Estado de Direitos”,
reflete injustiças históricas, deixando a margem
as camadas populares. Estas questões apontam
para necessidade de se criar novas formas de
enfrentamento da questão social, bem como
uma nova configuração de sociedade:
participativa, democrática, cidadã. Porém, a
configuração a que temos assistido na
atualidade desvincula-se dessa compreensão
voltando-se ao mundo do consumo e ao ideário
do capitalismo que consegue exercer total
domínio não apenas sobre a sociedade, mas
também sobre o Estado e, em especial, sobre a
política no viés partidário interferindo, assim,
nas decisões de ordens econômica e social.
Ao deslocar o conceito de classe em
favor do individual, a sociedade adquire uma
falsa sensação de autonomia que favorece o
processo de reestruturação do capital e este, por
sua vez, se empodera e manipula as relações
sociais com apoio do aparato estatal que não
cumpre seu papel de gestor; estratégia para
desmobilizar a massa, ao passo que esta, por
não saber a quem seguir é facilmente dominada
e fica entregue ao sistema que está posto.
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