AS NUANCES DA ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE 1 Cristie Priscila Amorim Ceballos; 2 Thais de Mello Grama Portella Acadêmicas do Curso de Pós – Graduação em Gestão de Política Social com Ênfase no Trabalho Social com Famílias do Centro Universitário de Lins – UNILINS, Lins – SP, Brasil 3 M.Sc. Matsuel Martins da Silva (orientador) Docente do Curso de Pós – Graduação em Gestão de Política Social com Ênfase no Trabalho Social com Famílias do Centro Universitário de Lins – UNILINS, Lins – SP, Brasil Resumo: O presente artigo tem por finalidade avaliar a política pública de Assistência Social no Brasil e o seu rebatimento na economia, considerando as configurações atuais da sociedade que desconstrói os direitos socialmente constituídos e os reduz a programas assistenciais focalistas e pontuais. Visa também enfocar os aspectos histórico-culturais que perpassam as relações sociais na contemporaneidade. Dessa forma, a discussão que aqui se apresenta, aborda a relação cíclica e de codependência existente entre Estado e sociedade civil, à luz de debates históricos em que as políticas públicas sempre estiveram subordinadas a interesses econômicos da classe dominante e com muito mais fôlego com o ingresso do país na economia mundial. Enfoca ainda o rebatimento dos dois principais programas de transferência de renda no mercado interno brasileiro, a saber: Programa Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada - BPC. Palavras chave: Assistência Social, Neodesenvolvimentismo, Acumulação, Programas de Transferência de Renda e Consumo. Abstract: This article aims to assess the public policy of Social Assistance in Brazil and its repercussion on the economy, considering the current settings of society that deconstructs rights socially constituted and reduces welfare programs focalistas and punctual. It also aims to focus on the historical and cultural aspects that permeate social relations in contemporary times. Thus, the discussion presented here addresses the cyclical relationship and codependency between state and civil society in the light of historical debates in which public policy has always been subordinated to economic interests of the ruling class and much more with the breath entry of the country into the world economy. Still focuses on the folding of the two major income transfer programs in the domestic market, namely: Bolsa Família Program and Continued Benefit. Keywords: Social Assistance, Neodevelopmentalism, Accumulation, Income Transfer Programs, and Consumption. 1 Introdução O trabalho ora apresentado é resultante de inquietações advindas do cotidiano da profissão do assistente social, experenciadas junto a um Centro de Referência de Assistência Social – CRAS e Órgão Gestor de Assistência Social, de um município de pequeno porte II (de 20 a 50 mil habitantes, de acordo com a NOB SUAS/2005), bem como de estudos bibliográficos realizados a partir de uma análise crítica/dialética dos textos de autores que nos possibilitaram um aprofundamento das noções de Assistência Social versus subalternidade, direitos sociais, proteção social, acumulação capitalista e programas de transferência de renda. Visando alcançar tal compreensão, procuramos identificar os fundamentos e premissas que definem o Serviço Social apontando aspectos históricos como a reorganização da Assistência Social enquanto política pública e seus diversos marcos. Também analisamos a relação existente entre a Assistência Social e o Estado, onde, do tripé da Seguridade Social, a Assistência acaba sendo a única responsável pela proteção social e o Estado, na contramão, “comercializa” a sociedade quando opta, propositadamente, em investir no mercado privado. O Estado e a sociedade civil são vistos aqui numa perspectiva de ajuda mútua, onde a sociedade civil ganha certo destaque com o ingresso das ONG´s para a prestação de serviços sociais, desresponsabilizando o poder público. Por fim, abordamos a acumulação e o mercado financeiro atrelados às implicações do sistema de produção vigente, do sistema de governo neodesenvolvimentista, o qual dá destaque à proteção social, tendo como estratégia os programas de transferência de renda. Concluímos que a proteção social a qual está posta através de programas assistenciais pouco minimizam a pobreza, mascarando os índices que apontam uma melhora da renda per capta das famílias no país, assim, forjando a falsa ideia de volumoso crescimento econômico. 1930 em um período de grande desenvolvimento industrial e expansão do capitalismo. Na época havia excessiva exploração do proletariado nascente, com cargas horárias de trabalho exaustivas. O êxodo rural, no período, obrigou um grande contingente de trabalhadores agrários a mudarse para os centros urbanos os quais não possuíam infraestrutura para alocá-los adequadamente, dentre outros aspectos que evidenciaram a emergente questão social e que culminou em uma mobilização da sociedade em busca de melhores condições e qualidade de vida1. Para os burgueses essas manifestações representavam uma grande ameaça aos valores morais e éticos da época e como estratégia de controle e manutenção da ordem, passaram a trabalhar aspectos sociais junto aos desajustados, com o aparato da igreja católica. Refletindo, no entanto, a fase embrionária em que o serviço social se encontra - um prolongamento da Ação Social – constitui-se no essencial em veículo de doutrinação e propaganda do pensamento social da Igreja, propondo-se à mobilização da opinião católica para o apostolado social. (Iamamoto; Carvalho, 2003, p.201) 2 Surgimento do Serviço Social como profissão e a Política de Assistência Social O Serviço Social enquanto especialização do trabalho habilita-se para atuar no contexto da sociedade identificando as multifacetadas expressões da questão social, planejando e executando ações que tenham por finalidade não apenas a igualdade humana, mas uma sociedade justa. Diante disso, analisar o desenvolvimento da Assistência Social é, sem dúvida, considerar a importância da compreensão do processo histórico e seus rebatimentos no cotidiano de vida de cada indivíduo. De acordo com cada período histórico, o Serviço Social passou por redefinições, repensando suas atuações e suas bases de intervenção. Com um cunho fortemente religioso seu surgimento ocorreu na década de A atuação do assistente social neste momento teve por finalidade estreitar os laços da população com os preceitos religiosos, atribuindo todas as mazelas à predestinação divina2. Como importante instrumento em sua legitimação, o Estado passou a regulamentar as relações trabalhistas e a incorporar diversas reivindicações da sociedade ampliando os espaços de atuação dos profissionais de Serviço Social através das políticas sociais meramente emergenciais. Contudo, apesar do aparelho estatal chamar para si algumas responsabilidades advindas das desigualdades inerentes ao modo de produção capitalista, não 1 2 O desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais engendradas nesse processo determinam novas necessidades sociais e novos impasses que passam a exigir profissionais especialmente qualificados para o seu atendimento, segundo os parâmetros de “racionalidade” e “eficiência” inerentes à sociedade capitalista. (Iamamoto e Carvalho, 2003, p.77). A procura de maior eficiência no tratamento dessa questão consubstancia-se, também, na solidificação do Serviço Social como instituição, intimamente vinculado ao crescimento do aparelho de Estado, no sentido de criação de “braços que avançam para dentro da sociedade civil. (Iamamoto e Carvalho, 2003, p. 19). podemos deixar de apontar o entendimento de que a benemerência permanecia enquanto matriz no desenvolvimento das ações de características paternalistas, e com isso, vale destacar que: O Serviço Social no Brasil afirmase como profissão, estreitamente integrado ao setor público em especial, diante da progressiva ampliação do controle e do âmbito da ação do Estado junto à sociedade civil. (Iamamoto; Carvalho, 2003, p.79) Essa atuação meramente assistencialista e que sofria grande influência do Serviço Social europeu perdurou até o final da II Guerra Mundial, no pós 1945. Em 1946, com o fim do Estado Novo3 – ditadura implantada por Getúlio no Brasil desde 1937 – inicia-se um período de expansão dos direitos sociais, tendo por base a Constituição de 1946, que possibilitou neste período denominado historicamente como “período populista” uma participação mais ativa das massas nos processos políticos, apesar dos limites impostos. No que tange o enfrentamento da questão social, a alternativa apontada foi um incremento no mercado interno a fim de integrar toda população e, sob responsabilidade do Estado, situações decorrentes da ampliação de políticas públicas como educação e previdência social que culminassem como a elevação da renda e de sua produtividade, além que repreender a sua organização. A partir dos anos 1950 a categoria profissional no Brasil passou a receber influência do Serviço Social norte-americano, defendendo a neutralidade das ações, com intervenções de base tecnicista; incorporou também à sua prática elementos da psicanálise e da sociologia positivista, com intervenções que objetivavam identificar os problemas e tratá-los até promover a reintegração dos indivíduos na sociedade, trazendo-os a “normalidade”. Portanto, cabia ao profissional 3 Observa-se, a partir desse momento, uma política econômica que se coloca nitidamente a serviço da industrialização [...]. A participação direta da burguesia industrial – principal beneficiária dessa política – na gestão do Estado aparece no quadro corporativo através de suas identificar as situações a serem combatidas e, ao assistido, aderir ao “tratamento”. A “tecnificação” da assistência, por sua vez, envolve a introdução de um universo conceitual mais amplo em diversos sentidos. A Assistência não deverá mais ser apenas curativa; deverá atuar, principalmente, na prevenção dos problemas sociais. (Iamamoto; Carvalho, 2003, p.211) O Estado Nacional – Desenvolvimentista que vinha se constituindo no Brasil a partir do incremento de projetos econômicos e sociais, sofre um duro golpe e o Governo de João Goulart foi deposto pelo golpe militar em 1º de abril de 1964. Os militares instituíram uma ditadura e passaram a atuar desconstruindo direitos e desmobilizando a classe trabalhadora, reprimindo e torturando os opositores do regime. No âmbito profissional, o Serviço Social era chamado a intervir junto aos rebeldes que contrariavam as determinações impostas e contestavam o que preconizava a ditadura militar, expandindo suas atuações tecnocráticas e conservadoras. Assim, a ditadura militar reeditou a modernização conservadora como via de aprofundamento das relações sociais capitalistas no Brasil, agora de natureza claramente monopolista, reconfigurando nesse processo a questão social, que passa a ser enfrentada num mix de repressão e assistência, tendo em vista manter sob controle as forças do trabalho que despontavam. (Behring; Boschetti, 2006, p. 136). O governo da época passou a investir nas políticas sociais como forma de minimizar os danos e conseguir a adesão da população, num contraponto entre assistência e repressão, entre a expansão dos direitos sociais e a restrição dos direitos civis. A partir de meados da década de 1970 esse modelo começa a perder força, entidades representativas que indicam delegados para as principais agências que têm a seu cargo planejar e implementar as políticas estatais. (Iamamoto e Carvalho, 2003, p. 236). entrando em um período de transição e aproximando-se do ideário neoliberal. Nesse contexto, teve início o processo de renovação crítica do Serviço Social. Porém, essas transformações foram acontecendo de forma gradativa, a partir de questionamentos sobre suas intervenções reacionárias e em favor do Estado, dando início a um amplo processo de debates que culminou com o Movimento de Reconceituação e aproximou a profissão das ideologias marxistas, sistematizando um processo de ruptura com as bases tradicionais e conservadoras que marcaram a evolução da profissão. Desse modo, a Assistência Social historicamente esteve relacionada a ações filantrópicas, caracterizando-se como uma política de governo e não como uma política de Estado, conseguindo forças para romper com a cultura do “favor”, da benemerência, somente a partir de fins da década 1980 - em especial com a promulgação da Constituição Federal de 1988 - quando a Assistência Social passou a ser entendida na esfera dos direitos e da política pública, compondo o tripé da Seguridade Social em conjunto com a Saúde e a Previdência Social, acumulando novas experiências a partir de pressupostos críticos que incorporaram à profissão um novo arsenal teóricometodológico. Conforme apontamentos de Behring e Boschetti, o método crítico-dialético traz a seguinte abordagem no que se refere ao diagnóstico das políticas sociais: A análise das políticas sociais como processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo, recusa a utilização de enfoques restritos ou unilaterais, comumente presentes para explicar sua emergência, funções ou implicações. (Behring; Boschetti, 2006, p. 36) De caráter não contributivo e destinada a quem dela necessitar, essa política tem como marco, ainda, a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS que estabelece os objetivos, princípios e diretrizes das ações e determina a organização da Assistência Social enquanto sistema descentralizado e participativo, composto de forma paritária pelo poder público e pela sociedade civil. A aprovação da Política Nacional de Assistência Social - PNAS (2004), bem como o Sistema Único de Assistência Social – SUAS dispõem sobre a oferta da Assistência Social em todo o Brasil, promovendo bem-estar e proteção social aos seus usuários, instrumentos importantes para o avanço da Assistência Social e para o acesso aos direitos sociais da população. Essa regulamentação intensiva tem por finalidade consolidar a Assistência Social enquanto uma política pública de Estado, garantindo sua continuidade e eficácia. Nessa perspectiva ela se materializa através de modalidades de proteção social que se organizam entre a proteção social básica e a proteção social especial de média e alta complexidade. Destarte, a PNAS atribui à proteção social básica as ações de caráter preventivo, destinada às populações que se encontram em situação de vulnerabilidade social, fundamentando-se em condutas que tenham por centralidade a família. Busca assim fortalecer aspectos referentes à convivência familiar e comunitária. A proteção social especial, por sua vez, é responsável pela oferta de serviços mais especializados, destinados a indivíduos e/ou famílias inseridas em um contexto de risco social ou pessoal. Assim, a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, em seu artigo 6º, propõe a seguinte caracterização para Assistência Social: I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da Assistência Social que visa prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; II - proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos. (LOAS, 1993) Em conformidade com o que estabelece o SUAS, a modalidade de proteção básica deve ser executada nas unidades dos Centros de Referência de Assistência Social - CRAS e as ações socioassistenciais de proteção social especial devem ser realizadas nos Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. Para efetivação da Assistência Social e de sua função de proteção social é indispensável sua articulação com as demais políticas setoriais, considerando o indivíduo em sua totalidade. 3 A política pública de Assistência Social na atualidade Discutir direitos na atualidade é algo complexo dado à ausência de sua efetivação. A conquista de direitos sempre esteve no bojo das lutas sociais tendo por finalidade a construção de uma sociedade justa e igualitária, que garantisse qualidade de vida a todos, também chamada de “equidade” social. Partindo deste contexto e levando a reflexão para o âmbito da política pública e dos direitos sociais, observa-se que a Assistência Social percorreu um longo caminho para ser incorporada como direito. Contudo, para discutir Assistência Social na atualidade, faz-se necessário observar a desigualdade e as relações de dominação e superexploração decorrentes da ideologia capitalista. Verificase, com o neoliberalismo, a ideologia do Estado mínimo, bem como as vertentes que posicionam o Serviço Social, por meio das políticas sociais, como um mecanismo de “atenção” proporcionado pelo Estado no enfrentamento das expressões da questão social. Isso tem sido funcional ao capital, haja vista o número de campanhas de combate à pobreza, onde indivíduos e comunidade tornam-se responsáveis pelo bem estar social criando bases para o surgimento de um novo clientelismo. Através dessa refilantropização alienante, cai por terra qualquer análise mais profunda que elucide as contradições dessa sociedade. Diante disso, a sociedade tem passado por reestruturações, como a ofensiva neoliberal, sem alterar suas bases pautadas na acumulação e no lucro e com políticas que pouco interferem no perfil de desigualdade. Consequentemente não há um enfrentamento concreto da situação de pobreza que assola nosso país. No bojo desta discussão é relevante, ainda, considerar as diversas contradições inerentes a esta dinâmica como a relação de codependência que o Estado mantém com a classe pauperizada, visto que ao mesmo tempo em que a “assiste”, a quer dependente, numa relação cíclica de dominação que se perpetua: o Estado precisa do pobre, que precisa do Estado. O mesmo ocorre no modelo de produção capitalista que ao mesmo tempo em que cria os patronatos e assalariados, cria uma superpopulação de trabalhadores que, ou não tem acesso a empregos, ou são submetidos a condições precárias de trabalho, mas necessitam, sempre, estar inseridos neste mercado para manter sua subsistência, suas necessidades vitais. Sem dizer que esses desempregados ou subempregados facilmente se tornam “presa” da estratégia das políticas compensatórias, quando são submetidos aos programas de renda mínima, e têm seu direito ao trabalho e a vida com dignidade mais uma vez aviltada, solidificando uma condição de subalternidade, que, por vezes, estes se sujeitam. Para Iamamoto: É no mundo da produção – e não da distribuição e consumo – que está a fonte criadora da riqueza social e da constituição dos sujeitos sociais. (Iamamoto, 2003, p. 151) O modelo econômico implantado em um país acaba por definir as bases de desenvolvimento, ou não, da sociedade e nesta perspectiva do direito, devemos considerar os desmandos decorrentes do capitalismo que não se limitam apenas a questões voltadas exclusivamente ao trabalho, interferindo diretamente na dinâmica de vida de parte significativa da sociedade; elementos indissociáveis, conforme a citação acima. Equipamentos implantados ao longo dos anos - como a Seguridade Social que deveria apresentar aos cidadãos uma rede de proteção-, tem gerado equívocos, haja vista que, de um lado assistimos a uma ofensiva da mercantilização das políticas tidas como “contributivas” e, portanto, já custeadas pela sociedade, aviltando o direito da população, à medida que limita o acesso destes aos benefícios constitucionalmente garantidos. Na mesma direção vê-se uma ampliação da Assistência Social como mecanismo de combate à desigualdade social, atribuindo intencionalmente a esta política a competência de solucionar as mais variadas questões envoltas à proteção social no Brasil. Ela aponta como estratégia os programas de transferência de renda que foram incrementados, em especial, na última década, em detrimento a diretrizes importantes da política pública de Assistência Social cujo recurso destinado foi irrisório, comprometendo, por exemplo, as ações coletivas que devem ser executadas pelos equipamentos de proteção social básica, conforme preconiza a PNAS. Vale ressaltar ainda que partindo desta concepção de Seguridade Social há uma ausência da proteção social universal e uma grande incoerência que elucida as estratégias do Estado para legitimar-se e favorecer o capital. A Previdência, por exemplo, vincula a condição de beneficiário a existência de vínculo empregatício formal, enquanto a Assistência presta seus serviços à camada da população que se encontra excluída deste mercado, não reconhecendo as implicações advindas do trabalho precarizado que assola parcela significativa dos assalariados, mantendo-os também em uma situação suscetível, todavia desassistidos. Segundo Mota: Esta afirmação encontra amparo na expansão da Assistência Social e nas condicionalidades restritivas da previdência e da saúde, movimentos que vêm sendo sustentados por uma razão instrumental, circunscrita ao argumento do crescimento da pobreza e a impossibilidade de equilíbrio financeiro destas últimas, o que determina à necessidade de sistemas privados complementares, concomitante a redução e/ou não ampliação de serviços e benefícios compatíveis com o aumento das necessidades da população. (MOTA, 2010, p.134). Ainda neste contexto desfavorável, enfrentamos questões discriminatórias históricas que permanecem arraigadas em nossa população, como as indagações sobre gênero que permanecem na pauta de diversos debates. Relevante recordar que as mulheres passaram a ocupar maiores espaços no mercado de trabalho e na sociedade como um todo, especialmente a partir da década de 1970, contudo, submetendose a questões adversas caracterizadas por uma superexploração de sua força de trabalho, rendimentos incompatíveis em comparação aos homens e, salvo raras exceções, inseridas em atividades informais e/ou terceirizadas precárias. Ao citar a superexploração nos referimos não apenas à produção de mais valia, mas também a dupla jornada que enfrentam, uma vez que a mulher além de ocupar seu espaço no mercado acumula as atividades de manutenção do lar, através dos afazeres domésticos e demais cuidados dispensados à família. O IBGE, através da pesquisa nacional por amostra de domicílio, realizada em 2009, apresenta o seguinte: Proporção de mulheres de 16 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência em trabalhos informais (%). Proporção de mulheres de 16 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência em trabalhos formais (%). Regiões com maior proporção no trabalho informal. Regiões com maior proporção no trabalho formal. Discutir gênero é fundamental dentro da análise de política social, pois a mulher sempre ocupou um papel de extrema relevância dentro da política de Assistência Social enquanto representante do núcleo familiar para inclusão e manutenção de benefícios sociais, justamente por ser “boa gestora da pobreza”, coforme Mioto (2000) em sua análise sobre as famílias atendidas pelas damas de caridade no início do século passado. Mas, esta intensa exploração da força de trabalho feminino interfere na dinâmica da vida familiar, fragilizando vínculos afetivos devido a pouca convivência do grupo, gerando uma tendência predominante de agravo da vulnerabilidade social que a política social não consegue atender de forma suficiente. Desse modo, as políticas sociais e a geração de renda para mulheres no contexto neoliberal aparecem como uma estratégia contra o desemprego e a discriminação, mas na realidade demonstram a incapacidade do Estado em solucionar tais problemas, visto que estas ações não promovem um incremento da renda da mulher e nem tão pouco a redistribuição de poder entre os sexos, mas sim, uma forma de velar diversas problemáticas. 4 A Assistência Social responsabilização do Estado e a (des) A Assistência Social por ser uma política não contributiva, que em sua especificidade lida com demandas de exclusão social e em decorrência do padrão arcaico que determinou parte significativa de sua história, ainda tem sido renegada e não entendida como elemento de relevância no tripé da Seguridade Social e que, acima de tudo, é voltada para “quem dela necessitar”(LOAS). A política pública, apesar de uma análise mais profunda nos levar a compreensão de que, na atualidade, é a Assistência Social que tem ocupado a centralidade entre estas três, deixou de ser uma política de acesso que intermedia e se articula com as demais políticas setoriais, transformando-se na proteção social em si, como se coubesse única e exclusivamente a ela essa responsabilidade. É incontestável que as relações sociais são produzidas historicamente e revelam que as desigualdades são inerentes ao desenvolvimento do capitalismo e de suas forças produtivas que se tornam a cada dia mais complexas com o aumento da acumulação de riquezas por uma parcela pequena da sociedade. E também que o que favorece a ampliação e cronificação do pauperismo que já se constitui como uma questão pública e coletiva e que por vezes se perpetua por gerações. A Organização das Nações Unidas divulgou pesquisa (realizada por organismo a ela vinculado, o Instituto Mundial de Pesquisa sobre a Economia do Desenvolvimento) que mostra que a riqueza do mundo – propriedades e ativos financeiros – estão assim distribuídos: 2% dos adultos que habitam a terra detêm 50% de toda a riqueza, ao passo que cabe aos 50% de adultos mais pobres somente 1% dela. (Mota, 2010, p. 22). Simultaneamente a esse quadro de desigualdade e exclusão social, enfrentamos um período de grande individualismo social e, pelo que Mota (2010) chama de “mercantilização da vida” que tem por finalidade afastar o cidadão de seus direitos, transformando-o em um cidadão-consumidor, onde o Estado “comercializa” a sociedade e investe no mercado privado, fragmentando e desmobilizando a classe trabalhadora, enfraquecendo sua ação política. Há de se considerar também que dentre essas condutas encontramos a desagregação dos núcleos familiares e o surgimento de novos tipos de violência, bem como um modo equivocado de compreender estas situações caóticas que se alicerçam no conformismo e na autoresponsabilização. Os desafios para o Serviço Social na atualidade são diversos e o reconhecimento e consolidação da Assistência Social como política pública e direito social de responsabilidade do Estado é fundamental para que seus princípios sejam efetivados em sua essência, a saber: I Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. (LOAS, 1993). Porém, apesar das dificuldades enfrentadas, a Assistência Social vem avançando e alcançando conquistas importantes como a implantação da PNAS e do SUAS que reordenou suas ações. Igualmente importante neste contexto é a atuação profissional tendo como perspectiva afirmar as potencialidades e desejos dos usuários, resgatando protagonismos. O fazer profissional é um instrumento relevante que influenciará e propiciará de maneira política o empoderamento do usuário enquanto um sujeito de direitos. 5 A relação entre o Estado e a sociedade civil A discussão a cerca da conflituosa relação entre Estado e sociedade civil pode ser analisada a partir de diversas perspectivas, em especial, as questões histórico-culturais e o sistema de garantia de direitos. Considerando o conjunto das recentes legislações no Brasil, obtivemos diversos avanços que possibilitaram que a Assistência Social se transformasse, superando o assistencialismo - próprio do início da formação do Serviço Social no país - para ocupar seu espaço no âmbito de Proteção Social e de Política Pública. Direitos sociais passam a “Os conselhos constituem-se normalmente em órgãos públicos de composição paritária entre a sociedade e o governo, criados por lei, 4 ser reconhecidos, a população é chamada a participar ativamente do processo de elaboração, gestão e execução das políticas e o Estado assume um papel central na universalização dos direitos sociais. Com a Constituição de 1988 surgem os conselhos4 de direitos como reflexo das mobilizações e lutas em busca de transformações de ordem política e econômica em ofensiva ao regime militar, no final da década de 1970 e ao longo da década de 1980. Surgiram para materializar a democracia e trouxeram consigo um caráter permanente e deliberativo que possibilita o controle social e a participação popular direta no que diz respeito a formulação, supervisão e avaliação das políticas públicas, efetivando assim, o exercício do poder na prática em si. A participação popular evoluiu profundamente, deixando para trás o resquício de ações assistenciais ditadas pelo contexto histórico antagônico que o antecedeu, e passou a ter um viés reivindicativo, próprio dos movimentos sociais que ganharam força nessa época. No entanto, na esfera municipal, não significa necessariamente que na atualidade haja êxito no funcionamento dos conselhos, uma vez que os problemas envoltos à sua representatividade democrática inspira dúvidas quando condicionadas à vontade do poder executivo. Situação mais crítica ainda se imaginarmos que apenas 2% dos Conselhos Municipais de Assistência Social foram criados antes da LOAS, deixando nas entrelinhas que todo o restante foi certamente criado a toque de caixa para cumprir formalidades de repasses de recursos. (Cruz apud Gomes, 2003, p. 42). A efetividade desses conselhos ainda está diretamente relacionada ao tipo de mobilização da sociedade e qual o tipo de influência estes sofrem ou exercem nela. Contudo, na contramão das mudanças, encontramos na prática uma conjuntura desfavorável articulada pela ideologia neoliberal que tem se encarregado de resgatar um “falso moralismo” na sociedade a fim de semear sentimentos como solidariedade, afastando o Estado deste cenário, minimizando suas responsabilidades. regidos por regulamento aprovado por seu plenário [...]”. (GOMES, 2003, p. 41) Prova disso, temos o trecho do livro “Gestão de projetos sociais” elaborado pela Associação de Apoio ao Programa Comunidade Solidária (AAPCS)5 voltado para as organizações não governamentais (ONG´s): [...] O conjunto da obra se apóia na visão de que a ação organizacional deve considerar os novos paradigmas estabelecidos por este nosso mundo em mudança, no qual se destaca a atuação do chamado terceiro setor (nem Estado, nem mercado), com a enorme expansão das organizações da sociedade civil e de fundações empresariais sem fins lucrativos. A proposta é uma nova atitude: um diálogo que busque o consenso sem apagar as diferenças, abrindo um novo caminho para uma ação social efetiva6.(Ávila et al, 2001, p.2) Parte das demandas profissionais, por sua vez, passa a focar o Estado, ou seja, analisam a sociedade mediante as intervenções do aparelho estatal e os resultados obtidos pelas políticas públicas, quando na verdade, a sociedade e suas relações sociais é que constroem, fundamentam e dão legitimidade a história e ao Estado. Outro fator importante a ser discutido é que economia e política possuem uma associação nata não sendo possível uma análise dos direitos sociais e das políticas sociais que não considere tais dimensões, pois um equívoco pode levar a uma perspectiva limitada que resume o capitalismo e suas expressões a questões “naturais” decorrentes da própria dinâmica da sociedade e consequentemente a uma atuação que tenha como matriz apenas as políticas compensatórias e seletivas, fragilizando a prestação de serviços sociais. O Estado que deveria “proteger” as camadas menos favorecidas da sociedade, na contemporaneidade, têm ocupado um papel de facilitador apoiando e contribuindo para a acumulação privada e o capitalismo em 5 O Programa Comunidade Solidária, cuja presidente do Conselho era a esposa do presidente Fernando Henrique Cardoso, visava “[...] coordenar as ações governamentais voltadas para o atendimento da parcela da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza” detrimento da classe trabalhadora, e da reprodução das condições de trabalho que se tornam a cada dia mais precárias, quando não da ausência destes, um dos responsáveis pelo caos que vem se instalando no mundo: miséria, violência, desemprego, marginalização, drogadição, dentre outros. Como estratégia para controlar esta “desordem”, o aparelho estatal tem investido em serviços sociais públicos para assistir a camada pauperizada da população com ações fragmentadas e pontuais, fadadas ao fracasso, sem contar nas situações adversas como a redução dos gastos sociais que marca a política econômica a partir da década de 1990, pondo em risco um dos principais princípios que regem a PNAS o qual trata da universalização dos direitos. Desse modo, o Estado perpetua uma contradição histórica onde proporciona os mínimos sociais à camada pauperizada da sociedade, mas paralelamente, utiliza de artifícios que a mantenha dependente. Estratégia relevante neste contexto têm sido os programas de transferência de renda que acaba complementando o orçamento familiar, ou representando única fonte de renda, possibilitando, mesmo que de forma precária o acesso aos bens de consumo e uma sensação de “pertencimento”, contribuindo para o capital recompor suas altas taxas de lucro. O principal representante desta “estratégia” é o programa federal Bolsa Família que, segundo Mota (2010) , no ano de 2010 assistiu a 11 milhões de famílias, com investimento de cerca de R$ 4,5 bilhões no ano de 2005, o que equivale a 30% dos recursos do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Estes programas que, por sua vez, se apoiam em discursos que tem por finalidade promover a distribuição de renda no Brasil não divulgam aspectos centrais como sua fonte de custeio, ou seja, de onde tem saído este orçamento, mantendo mais uma vez a população em uma situação alienante. A transferência de rendas assistenciais não tem promovido nenhuma “distribuição” visto que a fonte de recursos tem sido o orçamento da seguridade social, não promovendo uma transferência dos ricos para (DECRETO Nº 1.366, de 12 de janeiro de 1995, art.1º), com ações conjuntas entre as três esferas de governo, ong´s, empresas, universidades e grupos sociais. 6 Grifos das autoras para destacar os trechos onde o neoliberalismo dita suas regras de forma velada. sem um fundo público governamental, ainda que utilizando recursos públicos, que se somam ao trabalho voluntário e aos mais diversos recursos privados. (Ávila et al, 2001, p.11) os pobres e, sim, uma partilha entre os próprios trabalhadores. [...] entre 1999 e 2005, em média 76,7% dos recursos foram provenientes da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS e, ao longo dos anos, a participação da Contribuição sobre o Lucro – CSLL foi reduzida, chegando a 0,9% em 2005. (Mota, 2012, p. 159). Esta redefinição de Estado e sociedade civil tem sido tema de debate até mesmo entre as agências multilaterais conforme quadro apresentado por Mota (2010): Banco Mundial Diante do exposto, a Assistência Social passa por uma mercantilização e se fragiliza inserida em um contexto antagônico tendo que se afirmar enquanto política pública num momento histórico onde é disseminada a importância da solidariedade e onde as parcerias do público com o privado se tornam a cada dia amplas e legais, com o objetivo de otimizar as ações e os recursos, bem como promover uma aproximação que em nada beneficia os usuários desta política, que são excluídos dos processos decisórios submetidos a ações impostas que, muitas vezes, não correspondem a sua realidade e implicam em ações inadequadas, se tomarmos por base o SUAS. Ainda neste contexto ideopolítico que prima pela articulação entre o público e o privado, entre Estado e sociedade civil, através de diversas formas de “parceria” encontramos o chamado terceiro setor que promove uma fragmentação entre o econômico, o político e o social a fim de garantir a prestação de serviços de qualidade, sendo o primeiro representado pelo Estado, o segundo pelo mercado e o terceiro pela sociedade civil que teoricamente seria desvinculada do público e autônoma, imbuída de sentimentos altruístas. Como demonstração clássica dessa afirmativa, segue fragmento do prefácio escrito pela então primeira dama Ruth Cardoso no livro “Gestão de projetos sociais”: Funções do Estado Redução das funções sociais com transferência de ações para sociedade civil e mercado. Papel da sociedade civil Incorporação na execução da política e prestação de serviços sociais. Refilantropização Organização dos pobres. CEPAL Intervir no fortalecimento da competitivida de e busca da equidade. Articulação de grupos organizados da sociedade civil e mercado. Pluralista, ativa na construção de consensos estratégicos. Reconstrução de identidades nacionais, regionais e locais. PNUD/BID Redução de suas funções executivas nas políticas sociais. Ampliação da participação na execução de políticas e de prestação de serviços com recursos públicos. Essas iniciativas nada mais são que medidas engendradas no seio do governo neoliberalista com intenções bem definidas para afirmar a desresponsabilização deste. 6 Acumulação, mercado financeiro e seus truques Através da articulação das colaborações, aprendemos que é possível alcançar nossos objetivos Mediante o panorama já exposto a cerca da relação entre o Estado e a sociedade civil, aprofundemos um pouco mais a discussão sobre o público a que se destinam os programas de transferência de renda no contexto capitalista ao qual está inserido. Essa fatia da sociedade é resultante daquela criada histórica e estruturalmente pelo próprio capital, a qual Marx nomeou de “superpopulação relativa7” de trabalhadores, que, devido à necessidade de sobrevivência, ou Superpopulação relativa, “população acima da necessidade imediata de incorporação à produção” (Maranhão, 2010, p. 102), pois, segundo Marx a superpopulação está diretamente relacionada à dinâmica de acumulação. Ou seja, ela cresce ou diminui proporcionalmente à reprodução do capital, contrariando a tese malthusiana que prevê um crescimento absoluto se comparado à atividade produtiva. 7 foi forçada a emigrar do campo para a cidade a fim de vender o único bem que ainda lhe restava: a força de trabalho, para que pudesse se esquivar da miséria; ou por atingir a idade adulta e não interessar mais aos industriais; ou por serem filhos frutos da indigência latente, com seus trabalhos pontuais e esporádicos, assim como os inválidos, que já não têm mais nada a oferecer. Desse modo, a superpopulação relativa é formada por grupos heterogêneos, desmistificando a falsa ideia de que a pobreza tem a mesma gênese. [...] a verdade é que a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção da sua energia e de sua extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é, que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-se, desse modo excedente. (Marx apud Maranhão, 2010) E, obviamente, que no contexto da reorganização sociotécnica da produção, esse “excesso” de contingente humano, propiciou um reservatório de força produtiva a ser explorada impiedosamente pelo mercado, que trouxe consigo relações de trabalho precarizadas; e, que esse excedente se configura como material de descarte, o qual engrossou a fila do desemprego e subemprego. A indústria moderna com seu desenvolvido método de produção através da superexploração alienante e do empobrecimento dos trabalhadores, (também traduzida por mais valia) aliado ao descarte acelerado do exército de trabalhadores supérfluos, toma fôlego com o massivo investimento em maquinários avançados para que ocorra a substituição da força humana pela tecnologia, e se fortalece ao vislumbrar mais produção à custa de tecnologia que independe cada vez mais “das mãos e da mente do trabalhador” (Maranhão, 2010). Racionaliza, assim, o trabalhador a apenas um apêndice da máquina. Para acionar a alavanca que dá sentido ao capitalismo de acumulação privada, é necessário encurtar o tempo em que o capital se transforma em mercadoria e se transforma novamente em dinheiro e gera mais valorização em espaço curto de tempo com menos tempo de trabalho. As consequências “positivas” desta estratégia capitalista trazem efeitos produtivos para o capital, segundo Maranhão (2010). Produtivos por que: 1) dinamiza e otimiza a circulação do capital; 2) reduz ainda mais o valor da força de trabalho disponível e; 3) porque aumenta a produtividade através da obtenção de mais valia, novamente de forma alienante e velada. Consequências negativas e, ironicamente, simétricas se comparadas ao capital, quando a classe proletária sofre com a superexploração que o aliena e o avilta de condições dignas de sobrevivência, conforme Maranhão: Portanto, para os trabalhadores, os efeitos da ampliação da superpopulação relativa são diametralmente opostos e se caracterizam: 1) pela intensificação da exploração, expondo os trabalhadores às formas mais bárbaras de superexploração, sob pena de perderem seu único meio de subsistência, o salário; 2) pelo rebaixamento salarial, devido ao crescimento da oferta da mercadoria força de trabalho; 3) pela pressão exercida sobre a organização política dos trabalhadores, que, cada vez mais preocupados com a subsistência, são pressionados a abrir mão da luta política. (Maranhão, 2010, p. 107). Funciona, ainda, para o capital como mecanismo regulador da economia porque inibe os efeitos da lei da queda de lucros nos momentos de crise quando ocorre a baixa da produção ao aglutinar em uma só empresa (monopólio) diferentes ramos da indústria para manter a constância da taxa de lucros; superando assim, as crises cíclicas no capitalismo e forçando a aceitação por parte dos trabalhadores a uma redução de salários. Para além das formas mais avassaladoras de exploração e obtenção da mais valia através do capital produtivo, surge o lucro especulativo, que é aquele advindo das junções entre capital industrial com o capital bancário8, que dão origem ao capital financeiro. A relação de dependência do capital industrial em relação ao bancário ultrapassa a simples abertura de conta e intermediação de crédito, mas enfraquece sua possibilidade de independência quando este último passa a conhecer a situação econômica de seus clientes e se beneficiam - a partir de um panorama geral das condições dos donos dos meios de produção - assumindo cargos em conselhos de supervisão e com a participação de diretores e banqueiros na vida administrativa das empresas e indústrias. Desse modo, cada vez mais os industriais dependerão do banco para terem acesso ao capital e o banco investirá na mesma proporção na indústria. Esse capital financeiro nada mais é que o capital em forma de dinheiro intrinsecamente interligado ao capital industrial que o disponibiliza aos bancos, numa associação de hierarquia sendo o capital industrial subordinado ao capital bancário. O lucro especulativo surge do movimento de transformação de dinheiro em mais dinheiro indiretamente dos processos de produção e circulação de mercadorias, pagos pelos mutuários através dos juros, por depender de instituições financeiras. A dependência da indústria com relação aos bancos é, portanto, consequência das relações de propriedade. Uma porção cada vez maior do capital da indústria não pertence aos industriais que o aplicam. [...] (Hilferding apud Maranhão, 2010) Esta simplificada explicação a que nos propusemos a fazer a cerca das linhas gerais da acumulação imperialista, nos possibilita darmos um salto histórico, de modo a avançarmos na linha do tempo e nos determos um pouco no segundo mandato do presidente Lula (2007-2010). 8 Por capital bancário, entende-se a junção das pequenas instituições bancárias e de crédito substituídas por um único centro capitalista coletivo que detém os meios de produção e matéria prima, assim como, volumosas quantias de capital monetário para investimento. 9 Nesta proposta de neodesenvolvimentismo está contida a máxima de regular e incentivar o crescimento econômico propiciando a inclusão social, a partir de pressupostos pautados na industrialização, avanço Emerge desse período, como proposta de governo, o modelo neodesenvolvimentista9, que, segundo seus proponentes, apesar de ter suas origens na matriz nacionaldesenvolvimentista das décadas de 1940, pós Segunda Guerra Mundial, e 1970, no governo de Juscelino Kubitschek, traz (deveria trazer) consigo uma “nova roupagem”, agora mais atualizada com o capitalismo contemporâneo. Para se tornar mais atrativo e sedutor, a diferença que transparece, se comparado ao neoliberalismo é justamente a sugestão de um Estado forte, que intervenha favoravelmente na economia; e se diferencia do nacional desenvolvimentismo, pois vislumbra uma economia competitiva que ultrapasse as fronteiras, atraindo as empresas transnacionais, estimulando inovações tecnológicas e investindo em infraestrutura. Se analisarmos com um pouco mais de cuidado e aproximarmos a lente de aumento, observaremos que o neoliberalismo, com a urgência latente de fincar suas estacas, suplantou a proposta nacionaldesenvolvimentista, por não ser ela de todo conveniente aos seus interesses principalmente no que diz respeito à equidade social e crescimento econômico – e, em contrapartida, mais se aproximou de sua matriz político-ideológica, a saber, o socialliberalismo, mas se “esqueceu” da conjuntura social adversa ampliada pela própria contradição capitalista, a qual traz consigo o impacto dos desdobramentos da questão social. E, mediante este cenário, conciliar medidas sociais que funcionem como válvula de escape para promover equidade e justiça social, garantindo que permanecesse intocável o acúmulo do capital empreendido, nada mais conveniente que destacar em primeiro plano a Assistência Social, desempenhando o papel de mediadora entre crescimento econômico e redução de pobreza, como já mencionamos no item 4 deste texto. tecnológico e sustentabilidade ambiental, conforme os ideólogos Sicsú em seu artigo para o IPEA “Planejamento estratégico do desenvolvimento e as políticas macroeconômicas” (2008); e Pochmann em seu livro “Desenvolvimento e perspectivas novas para o Brasil” (2010) A política de Assistência Social parece surgir nesse momento como uma peça importante no tabuleiro do modelo neodesenvolvimentista, onde as regras do jogo passam a ser (mais uma vez) ditadas dentro da perspectiva dos apoiadores do neodesenvolvimentismo. Ela funcionaria como a responsável pelo desenvolvimento social, através dos programas sociais, em especial os de transferência de renda, para forjarem uma redistribuição de renda, haja vista o Projeto de Lei do Senador Eduardo Suplicy (PT) de nº 80/1991, de 16/12/199110, no Senado Federal, com a proposta de Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM; o qual visava “[...] assegurar a todos o mínimo para a sobrevivência digna [...]” (Silva et al, 2007, p. 34), todavia com a articulação entre crescimento do consumo versus economia livre. Porém, esse PL foi barrado no Congresso Nacional por haver discordância entre os deputados que não viam nele um suposto crescimento social, mas sim, estímulo à ociosidade, entre outras críticas. Anos depois, em 1998, a ideia desse Projeto foi reformulada pelo deputado Nelson Marchezan (PSDB), e foi acatada e sancionada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, através do Decreto nº 2.609, em 02/06/1998 como Programa de Garantia de Renda Mínima “para toda a criança na escola”, a qual priorizava as famílias tidas como pobres, criteriosamente elencadas dessa forma, complementando a renda para seu sustento. Abreviando o período histórico sem que haja prejuízo deste, com as transformações político-econômicas ocorridas no Brasil desde a era FHC até o segundo mandato de Lula (ano de 2003), a unificação dos programas de transferência de renda no país se figurou como resposta ao diagnóstico da equipe de transição do presidente, referente aos governos anteriores, o que culminou com o surgimento do Programa Bolsa Família - PBF, com vistas à erradicação da pobreza. Na atualidade ele: O Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM do senador Eduardo Suplicy objetivava “erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, pois, segundo ele, o programa 10 [...] é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. O Bolsa Família [...] tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS) Ainda no bojo dos programas de transferência de renda, temos o Benefício de Prestação Continuada – BPC, instituído pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, Lei nº 8.742 de 07/12/1993, posteriormente alterada pelas Leis nº 12.435, de 06/07/2011 e nº 12.470, de 31/08/2011 e pelos Decretos nº 6.214, de 26 de setembro de 2007 e nº 6.564, de 12 de setembro de 2008, integrando a Proteção Social Básica no âmbito do SUAS. Ele é destinado para: É um benefício individual, não vitalício e intransferível, que assegura a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS). Segundo dados do MDS atualmente cerca de 13.800 milhões de famílias são atendidas pelo PBF e 3,6 milhões de pessoas pelo BPC em todo o Brasil (dentre elas, pessoas com deficiência e idosos, conforme dados de 2012). Dados do ano de 2011 da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita possibilitaria a pessoas adultas a complementação de seus rendimentos de modo que pudessem suprir as necessidades básicas de sobrevivência. Federal do Brasil – ANFIP mostram que os valores despendidos com esses dois programas de transferência de renda, apresentou uma crescente de 136,46% entre 2005 e 2010, ao passo que o montante gasto com os programas e serviços da política de Assistência Social foi inferior no mesmo período, segundo análise de Silva (2013). Ou seja, embora o investimento que dá suporte à transferência de renda através desses programas tenha sido elevado, não houve esse mesmo volume para os serviços socioassistenciais, cerca de 35% em cinco anos, conforme MDS (2010). Isso se traduz em estratégia infalível do neodesenvolvimentismo da proteção social brasileira até mesmo para comprovar a possível redução da desigualdade social e crescimento da economia. O Ipea vem divulgando sucessivas quedas no grau de desigualdade e de concentração dos rendimentos do trabalho no país desde 2002, capturadas pelo índice de Gini11. Em agosto de 2009, o Instituto divulgou uma redução de 9,5% entre dezembro de 2002 (0,545) e junho de 2009 (0,493) [...]. (Silva, 2013, p.98) Na realidade o que se nota é uma cortina de fumaça que obscurece o que está por trás desses dados de pesquisas de institutos oficiais, conforme aponta Silva (2013), a saber: 1) supervalorização do salário mínimo em detrimento da queda de salários mais altos pagos aos trabalhadores, gerando mais desemprego; 2) submissão de trabalhadores a faixas salariais mais baixas, para manter sua subsistência, bem como de sua família; 3) equivocada sensação de crescimento econômico com os programas BPC e Bolsa Família. É inegável que houve um aparente incremento na renda familiar e do Produto Interno Bruto – PIB, se imaginarmos que o trabalho precarizado devolve ao trabalhador valor ínfimo para que este sobreviva; e, crescimento econômico no âmbito nacional, se nos atentarmos que o PBF, por exemplo, Índice de Gini “[...] é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero 11 representa apenas 0,4% do PIB se comparado ao seu poder multiplicador no consumo no mercado interno. De fato, os dados comprovam que os programas assistenciais aliviam a pobreza diferentemente do discurso inicial de “erradicação da pobreza”, pois no sistema de governo capitalista isso é improvável e utópico – revertendo suas estatísticas, assim como desigualdades; alavanca as estatísticas positivas das políticas de Saúde e Educação, quando estas últimas estão contidas nas condicionalidades do PBF (Falcão apud Silva, 2013). Mas, se lembrarmos que o financiador desses programas de transferência de renda é o próprio trabalhador contribuinte da Seguridade Social, podemos assistir à “dança das cadeiras”, onde hora o pobre senta, hora o extremamente pobre o reveza. É o trabalhador aviltado de remuneração digna, que contribui para ele mesmo e para o trabalhador supérfluo tenha acesso aos benefícios que movimentarão o consumo local, do município onde residem, com os produtos nacionais. [...] esses trabalhadores, consequentemente, não obtêm renda suficiente para o seu sustento e o de suas famílias, podem recorrer aos programas sociais focalizados, cujos gastos os reintegram ao consumo, tanto em atender aos limites mínimos de sua reprodução humana, em nome de uma justiça social compensatória, quanto em benefício da “circularidade econômica” e de especulação financeira do capital, sobre o fundo público, em proveito de sua expansão, sob o argumento do crescimento econômico e do desenvolvimento (aparentemente) nacional. (Silva, 2013, p.101) A Assistência Social tem, dessa forma, servido muito bem ao neodesenvolvimentismo, pois enquanto atende às camadas pauperizadas da sociedade, mantém intocável seus meios de exploração e acúmulo financeiro sem que haja representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza”. (IPEA, Revista Desafios do Desenvolvimento. O que é? – Índice de Gini, Ano 4, Ed. 4) muito esforço. Enquanto isso se dá de uma forma naturalizada pelo capitalismo, os investimentos nos serviços socioassistenciais para os próprios beneficiários dos citados programas vão sendo adiados na agenda do Estado. Os direitos sociais e trabalhistas sofrendo inversões à luz do dia; o desemprego estrutural sem data para ser revertido no debate das políticas de desenvolvimento social e um arcabouço de tantos outros direitos sendo ruído mediante os olhos da sociedade civil, com destaque para a classe trabalhadora, sem que essa tenha chance de reverter e desfrutar de uma vida mais digna. Esse quadro aponta para o incentivo, pelo próprio governo, através de políticas voltadas para a geração de renda – como é o caso de alguns programas estaduais. Sem dizer na disseminação de economia solidária, pequenos negócios de cunho empreendedor, produções familiares, isso mediante o exército de mão de obra desqualificada a qual o Brasil vem a cada ano formando e que reforça a dependência dessa camada da sociedade a esses programas sociais focalizados, mas sem perder de vista que se figuram como resposta ao desemprego latente e que este dever ser tratado no bojo na sociedade civil. Eis, pois, os motivos pelos quais a Assistência Social se configura tal como está: carro-chefe da proteção social brasileira, voltada com seus programas assistenciais que propiciam a manutenção do governo neodesenvolvimentista, atendendo aos seus interesses, servindo como resposta à equidade, justiça social e acima de tudo possibilitando que o Brasil seja um país sem miséria aparente, perpetuando as mais variadas formas de pobreza e desigualdades em todos os níveis. 7 Conclusão A focalização da extrema pobreza no Brasil é um tema em debate e sem pretensões de ser superado, por ser ela parte integrante de um sistema cujo movimento produz e reproduz esse fenômeno. Combater a extrema pobreza se figura como um esforço recompensado pelos índices que apontam o aumento da renda per capta da família brasileira, redução de taxas de desemprego, reversão de índices de desigualdade perante a economia internacional. Contudo, escamoteia um tipo de violência silenciosa que é a de tornar invisível a população a qual se destinam os programas de transferência de renda, esquecendo que são homens e mulheres trabalhadores, potencialmente aptos ao trabalho. Talvez, esses “trabalhadores supérfluos” não correspondam aos moldes exigidos pelo mercado, o qual seleciona profissionais polivalentes para serem superexplorados, mas isso não os reduz a meros beneficiários de tais programas. Assim, as políticas sociais para se desenvolver enquanto direito do cidadão deve pautar-se em estratégias que sejam formadoras de cultura e sociabilidade, com uma reforma intelectual e moral que coloquem os indivíduos numa posição de atores sociais. Vale ressaltar ainda que a superação da questão social só será possível com a transformação da ordem social vigente e que a determina. E que os direitos, apesar do que é posto em lei, não se legitimam como algo uniforme a todos, portanto, por vezes, o importante não é lutar pela efetivação de direitos, mas sim, por justiça visto que o retrato social do Brasil, “Estado de Direitos”, reflete injustiças históricas, deixando a margem as camadas populares. Estas questões apontam para necessidade de se criar novas formas de enfrentamento da questão social, bem como uma nova configuração de sociedade: participativa, democrática, cidadã. Porém, a configuração a que temos assistido na atualidade desvincula-se dessa compreensão voltando-se ao mundo do consumo e ao ideário do capitalismo que consegue exercer total domínio não apenas sobre a sociedade, mas também sobre o Estado e, em especial, sobre a política no viés partidário interferindo, assim, nas decisões de ordens econômica e social. Ao deslocar o conceito de classe em favor do individual, a sociedade adquire uma falsa sensação de autonomia que favorece o processo de reestruturação do capital e este, por sua vez, se empodera e manipula as relações sociais com apoio do aparato estatal que não cumpre seu papel de gestor; estratégia para desmobilizar a massa, ao passo que esta, por não saber a quem seguir é facilmente dominada e fica entregue ao sistema que está posto. 8 Referências ÁVILA, C. M. de. (coord.). et al. Gestão de projetos sociais. 3 ed. rev. São Paulo: AAPCS - Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária, 2001. – (Coleção gestores sociais). 139 p. BRASIL. Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l874 2.htm. Acesso em: 09 jul. 2013. CAMPOS, M. S; TEIXEIRA, M. S. Gênero, família e proteção social: as desigualdades fomentadas pela política social. Katálysis, n. 1, p. 20-28, jan-jun. 2010. 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